Terça, 10 de dezembro de 2013

Nova York, lá vou eu!

Quando faltavam alguns meses para completar
40 anos resolvi me dar um presente. Daquelas
fissuras que não têm grandes explicações. Mas desde
adolescente queria conhecer Nova York. Mais
tarde o Frank Sinatra deu o impulso que faltava.
Fui em busca do visto e em Porto Alegre ainda
tinha o Consulado. Barbada, sem problemas, até
porque tinha feito uma entrevista com o cônsul e
ele tinha gostado da publicação. Passo seguinte: a
loja da Varig. Em 10 vezes, saí faceiro com o carnê.
Aí me lembrei que o meu inglês era – e é –
terrível.
Tenho um amigo, o Marco Poli, que morou
por lá alguns anos. Me conseguiu a solução, simples
até. Fez um “guia de viagem para Nova York”,
com todas as informações básicas, como mexer com
dinheiro, pedir uma pizza, um sanduíche, na recepção
de um hotel ou num restaurante, essas coisas.
Inclusive com a pronúncia.
Com dois outros amigos, consegui a orientação
de um hotel legal para ficar. Como ia fora de
temporada, não precisava fazer reserva. Ficava na
frente do The New York Times. Uau!
Tudo se encaminhava. Os meus filhos faziam
a relação do que queriam que comprasse, principalmente
fitas de games. O gerente do banco pediu
bolinhas de tênis. Um outro pediu um celular,
recém-chegado ao RS. Eu não queria nada, só caminhar
e caminhar por Manhattan. Nada além disso.
No dia do meu aniversário havia na cidade
um show do Roberto Carlos. Levei a patroa e na
volta comemos pizzas com as crianças e um pessoal
que estava lá em casa.
A mala já estava arrumada e no dia seguinte
fui no início da tarde para São Paulo para embarcar
de noite para a fissura de anos.
A espera em Cumbica era angustiante, mas
aproveitei para decorar o “guia de viagem para
Nova York”. Tomei uns uísques e muito nervoso
fui para a fila de embarque. No avião, tinha uma
senhora sentada ao meu lado mas não consegui
conversar – depois do jantar desmaiei.
Acordei com as luzes acesas e os sacanas estavam
tocando New York, New York, com o próprio
Sinatra. Os comissários naquela luta contra o
tempo servindo o café da manhã e eu tentando ver
a chegada na cidade.
Que café, que nada!
Desci, entrei na fila da imigração e um típico
americano começa as perguntas. Mas é um sujeito
cordato, nada de muitos detalhes. Não durou mais
do que 10 minutos, carimbou o passaporte e fui
saindo.
Eufórico, quando me dei conta estava fora
do aeroporto. E só eu tinha saído por aquele portão.
Pouco depois das sete horas e o dia estava muito
bonito. Era um domingo.
Nada de táxi, de ônibus, nada, só carros estacionados.
Aí vem um baita de um cara, quase dois
metros, de terno preto e me aponta uma limusine
preta.
- How? – caprichei.
Cem dólares, me responde o sujeito.
- No, no!
Virei as costas e ele veio atrás. Fui por 60
dólares.
Só aquele passeio de limusine valeu a viagem.
E ele falando o tempo todo, me mostrando,
apontando.
Quando paramos numa sinaleira ele me pediu
o endereço.
Claro, dei um papelzinho com o endereço do
Hotel America.
Ele me olhou com uma cara muito estranha.
Chegamos na rua 43 e fiquei impressionado
com o prédio do The New York Times. Dei os 60
dólares para o gringo imenso da limusine e não
tirava os olhos do edifício. Ao lado um misto de
mercearia e bar, onde, tinham me dito, o pessoal
da redação passava o tempo, comendo pizza. Aí
me liguei em olhar o Hotel. Alto, e lá em cima o
nome escrito em letras garrafais. A tinta estava
gasta. Entrei.
Na portaria só orientais. E no saguão só negros.
Eu era o único branco.
Dei o cartão de crédito e o china me deu uma
chave. Entrei no elevador e uma baixinha negra
entrou junto. A porta era daquelas que a gente
mesmo tem que fechar. Ela me pergunta se vinha
de New Jersey. Respondi um “no” para cortar o
papo.
O quarto era precário, mas tinha uma TV a
cabo e conferi se o chuveiro era bom. Os lençóis
estavam limpos e tentei dormir. Os olhos não fechavam
e resolvi sair. No saguão tinha ainda mais
negros.
Passei por uma passeata de judeus, tinha até
bandas, fantasias. Caminhei muito até chegar em
uma rua com mais de 10 quadras de barracas de
tudo que é tipo. Em alguns trechos, tonéis com refrigerantes
que desconhecia. Parei e vi que as pessoas
pegavam. Peguei uma latinha e era horrível.
Até a pregação de pastores assisti. Não sei do que
se tratava, mas me diverti com aquilo.
Lá pelas duas da tarde sentei num modesto
restaurante e o garçom veio com o cardápio. As
pessoas comiam sanduíches de uma maneira desesperada.
Não entendi absolutamente nada do que
ofereciam. Escolhi um que dava sinal de não ser de
galinha nem de peixe. Não demorou muito e veio
um monstro com uma Coca. Rapaz, era imenso!
Não comeria nem a metade, pensei. E não comi.
Quando veio pegar o meu prato o garçom rosnou
alguma coisa – achei que deveria ter perguntado
se não gostei. Mostrei o polegar para cima, com
um ok.
Caminhei, caminhei, caminhei. Fui ao Central
Park e identifiquei o edifício de John Lennon.
Queria chegar em Times Square à noite. Sei lá onde
estava, quando ameaçava escurecer. Com o mapa
na mão, dei meia-volta em direção ao principal
ponto de Manhattan. Claro que parava em cada
quadra para conferir a altura e a arquitetura dos
edifícios. Passei por vários cantores de rua que se
apresentariam com sucesso em qualquer programa
de TV do Brasil. Fiquei mais de meia hora ouvindo
um negro velho, de barba e boina, cantando
blues. Coloquei dez dólares em sua caixa e ele nem
me olhou. É, realmente, ele me fez um favor.
Não dá para descrever o que é Time Square
e muito menos o que se sente ao chegar lá, no miolo.
Tem de tudo que se possa imaginar. Até uns
caras, de gravata borboleta, recolhendo pequenos
papéis e baganas do chão. Te oferecem de tudo,
em todas as línguas. Quando leio que em São Paulo
e em outras cidades tiraram as propagandas de
rua me lembro de lá. É outro mundo, mesmo. Gente
de tudo que é mundo, orientais lindíssimas.
Tinha caminhado muito, estava cansado.
Não demorou muito vi um bar todo envidraçado,
com uns banquinhos no balcão. Bem ali, naquele
baita movimento. Entrei. O preço? Seja o que Deus
quiser.
Pedi um uísque mas nem tomava direito,
querendo ver aquela gente que passava. Não parava
de passar, como na saída de um jogo de futebol.
Lá pelas tantas vi um cara alto com uma senhora
bem robusta. Me deu a impressão que os
conhecia. Não podia ser.
Antes de ir para o hotel entrei no bar ao lado
do jornal. Era pouco antes da meia-noite e estava
cheio. Comi dois pedaços de pizza, tomei uma Bud
e comprei um maço de cigarros. Na entrada do
hotel, uma surpresa. Dois travecos, um em cada
lado da porta principal. Mal dava para passar. No
lado direito, já dentro do estabelecimento, tinha
uma boate e pelo que pude ver a coisa lá dentro
era pesada. Pedi a chave e subi.
Deitei e em poucos minutos lá estava dormindo,
mesmo com a TV ligada.
Acordei com alguém esmurrando a porta. O
sujeito batia desesperado e ouvia: “Man!! Man!!”.
Tinha que abrir, o cara não iria parar. Apesar de a
porta ser frágil ele não conseguiu botar abaixo. A
minha segurança era aquela corrente que permite
abrir um pequeno vão. Abri.
“Sorry, man! Sorry, man!”, disse um negro,
com cara de filme do Eddie Murphy. De bandido,
claro.
Não consegui dormir tão rápido, porque não
paravam de bater portas, gritaria, conversas altas,
correria, um inferno. Mas dormi. Não demorou
muito e esmurraram a porta de novo. Era outro
negro. E também me pediu desculpas.
Rapaz, onde eu estava metido?
Fiquei ali, olhando a TV e esperando o dia
clarear. Para tomar um banho e me mandar. Aquilo
ali não ia dar certo. Estava no meio da confusão.
Uma Nova York que o prefeito Rudolph Giuliani
não tinha conseguido arrumar.
Banho tomado, coloquei a roupa e saí, com a
chave do quarto no bolso, porque não ia dá-la para
aqueles chineses da portaria. Era menos de oito da
manhã de segunda, e a recepção estava lotada.
Como disse, parecia filme do Eddie Murphy.
Raríssimos brancos. A boate ainda estava com um
rock a mil.
O dia estava belíssimo e me senti bem de
novo na rua. Dobro à esquerda na Quinta Avenida
e pá!, não acreditei:
- Prévidi!!
Meu Deus, era o Edison Vara, repórter-fotográfico
de Porto Alegre. Foi exatamente o cara que
tinha visto na noite anterior com a senhora robusta.
Expliquei meio atrapalhado como tinha sido
a noite anterior.
- Mas, rapaz, vai lá pro hotel em que estamos.
É na rua 46, o Kingston (ou algo parecido). Pega as
tuas coisas e vai já!
Voltei pro América, peguei minha mala e
paguei os chinas. O cara resmungou alguma coisa,
e me mandei.
Uau!!, estava instalado num belo apartamento,
uma cama king, banheiro que tive que estudar
para ligar as torneiras e até um closet. Liguei a TV
e trocentos canais. Claro que não conseguiria dormir.
Saí novamente feliz e entre o dinheiro ao vivo
que tinha, uma nota de cem dólares que a cadela lá
de casa tinha transformado em seis pequenos pedaços.
Tinha que trocar aquilo.
Vi um ônibus desses de turismo, com dois
andares. Estava parado e ao lado um sujeito com
cara de mexicano, como um fiscal/cobrador. Resolvi
testá-lo com um “olá” e ele respondeu. Aí
comecei a perguntar como funcionava, por onde
passava. Era bem legal, durante dois dias podia
andar no bruto e descer onde quisesse. Era tudo
que queria. Aí entrei no assunto da nota rasgada.
Trocou no ato, descontando a passagem.
Fui pra parte de cima, rindo sozinho, feliz.
Descia numa parada e subia no ônibus que
vinha uns 15 minutos atrás. Até que decidi entrar
num ícone, a maior loja do mundo, o Macy’s. Como
não ir lá? Por exemplo, vi a primeira TV “grande”
da minha vida, com som estéreo. Impressionante.
A gente subia a escada rolante e ela começava a
aparecer. Meu Deus! E era um Guerra nas Estrelas
que passava.
Como não ia sair do Macy’s sem comprar
nada, comprei um casaco, tipo para chuva. Na saída,
depois de caminhar um pouco, um monstro na
minha frente: o Empire State Building. Ia lá, claro.
Mais de 100 andares em poucos minutos ao
custo de uma mixaria.
Lá no topo aquelas maquininhas, tipo binóculo,
que se coloca uma moeda e a visão é muito
legal. Quer dizer, deveria ser muito legal, porque
cada vez que eu me concentrava, o tempo estourava.
Dei uma olhada geral, e me mandei.
Aí tive que comer alguma coisa. Consultei o
meu dicionário turístico, feito pelo Marco Poli, e
estava lá: Comida Italiana – acha um Sbarro.
Saí a procurar e não andei muitas quadras e
lá estava um. Dei uma olhada e pedi pro sujeito
me servir macarrão e almôndegas. Perfeito.
Tudo se encaminhava para dias inesquecíveis.
Saí caminhando, sem destino, como diria
Peter Fonda.
Cansado, peguei o meu ônibus. Iria no Pier
17. Mas, não, resolvi voltar para o Central Park.
Caminhei mais e o dia lindo. Calor.
Jantei no mesmo lugar do primeiro dia, onde
tinha um garçom gay, bailarino. Comi um omelete
com batatas fritas.
Sou muito simples pra comer, não?
No outro dia, cedo, fui às compras. Achei
numa loja um balconista que era suíço e arranhava
um espanhol e italiano. Nos entendemos. Tinha
tudo que queria lá e comprei as coisas das crianças
e as bolinhas de tênis do gerente do banco.
Larguei as compras no hotel e fui pegar o
meu ônibus para o Pier 17.
Ah, para não esquecer: sempre que ia pagar
alguma coisa com o cartão, o vendedor tinha que
digitar o número do cartão. E aí dava certo. Estranho.
Desci do ônibus na região do Pier 17. Antes,
dei uma boa banda pelas ruas próximas. Naquelas
próximas a Wall Street estranhei as pessoas fumando
dentro de círculos na frente dos edifícios. Hoje,
não me espantaria, porque é uma prática normal
em todo o mundo. Parei para tomar uma cerveja e
acompanhei por mais de uma hora dois caras que
se faziam de sombras dos que caminhavam. Não
tinha visto nada parecido como a dupla.
Quando entrei no Píer vi um caixa eletrônico.
Coloquei o meu cartão e mais uma vez foi recusado.
Por estar com a carteira minguando, fiquei
preocupado, dei uma volta e peguei o ônibus para
o Hotel. Antes, duas orientais lindas me achacaram
cinco dólares para ajudar os povos de algum lugar
que não me lembro.
Na Quinta Avenida, antes de chegar ao hotel,
arrisquei de novo em um outro caixa, daqueles
que não têm cabine, é na rua mesmo. Umas cinco
pessoas na minha frente. Sem muita espera, já era
o segundo. Estava na máquina um cara de terno,
pasta, meio cabeludo, e demonstrava estar ansioso.
Saiu rápido da frente do caixa e disparou pela
calçada.
Quando cheguei na frente da dita, vi que tinha
umas mensagens que não entendi. E fui apertando
o “yes” sempre que aparecia. Aí mostrou
algumas opções de retirada. Supus. Apertei na de
100 dólares. Sei lá a razão.
Alguns segundos e saiu a nota. Não entendi,
porque o meu cartão estava na minha mão esquerda.
Saí pela calçada.
“Man, man, man!!”, gritava um cara insistente.
Olhei para trás e um negrão, com o braço
levantado, mostrava um cartão. Voltei, agradeci e
peguei o cartão. Claro, era do cara que estava na
minha frente!
Fui na direção por onde ele tinha ido. Numa
mão o meu cartão com a nota de 100 dólares e na
outra o cartão do sujeito. Não caminhei muito e ele
vinha em disparada no sentido contrário. Parei o
distraído e mostrei o cartão. Ele abriu um sorriso,
pegou o cartão, falou uns cinco “tanks”, deu umas
batidinhas no meu ombro e saiu novamente em
disparada.
E eu com os 100 dólares na mão esquerda. Não
tive tempo de falar nada, porque ele não deixou. Paciência.
Guardei a preciosidade na carteira e fui pro
hotel. Direto.
Peguei o grosso guia de telefones de Nova York
e acreditava que seria uma barbada achar a agência
do Banco Nacional – ele mesmo, o que faliu. Nada.
Absolutamente nada, nem mesmo parecido. Liguei
para o Luiz Reni Marques, então meu sócio numa
editora, e pedi socorro. Não demorou muito e ele volta
a ligação, me dando dois telefones do Banco.
Dormi mal.
No outro dia liguei para os dois números. Nada.
Nem atendiam.
Resolvi ir na agência da Varig, o verdadeiro
consulado do Brasil. No caminho, não acreditei. No
saguão de um edifício enorme, o símbolo do Banco
Nacional. Não sei como vi, mas aquela “bola” estava
lá – e ao lado, escrito em letras garrafais, Banco Nacional.
Perguntei o andar e a mulher me diz que é no
tal andar o “Banco Nacional da Argentina”. Era o que
faltava. Mas e o símbolo? Subi.
Veio me atender no balcão uma guria com jeitão
de brasileira. Arrisquei um bom-dia. Ela retribuiu:
“Bom dia! No que posso ajudar você?”.
Contei o meu drama. Ela pegou o cartão e voltou
com as notas que havia pedido.
Fui na Varig marcar o meu retorno ao Brasil.
E nos dias seguintes não arrisquei. No máximo,
dava uma banda por Time Square e comprei algumas
camisetas. Almoçava e jantava por ali mesmo.
Nada de correr riscos.
Foram muitas emoções em poucos dias para
um recém quarentão.

Um comentário:

  1. Beleza de crônica. Estar num país sem falar a língua pode ser complicado. Nos anos 80, dois colegas da RBSTV foram juntos aos Estados Unidos. Um se virava no inglês, o outro não entendia bulhufas. Um dia, o que não falava queria comprar um cachorro quente com coca cola. Perguntou ao amigo como se pedia. Ele disse "a hot dog and a coke". O outro saiu do hotel repetindo as palavras baixinho, até chegar na lanchonete. Pediu direitinho, mas engasgou quando a moça perguntou "with mustard or sauce"? Sem saber o que dizer, voltou desolado para o quarto...E para o Brasil.

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