Quarta, 23 de setembro de 2015



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especial


O PAULO CÉSAR, HOJE, 67 ANOS




Paulo César Gulart Prévidi.
Nasceu em 23 de setembro de 1948, no Rio de Janeiro.
Morreu em 11 de junho de 1967, em Porto Alegre.
Foram 18 anos de vida intensa. Inimaginável para a época.
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Convivi muito pouco com o meu único irmão. Ao todo 13 anos. Tenho algumas recordações de 7 anos, por aí.
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O Paulo César nasceu pouco tempo depois do fim da 2ª Guerra, quando as coisas não estavam fáceis para ninguém. Mas felizmente o nosso pai tinha um trabalho estável. muito bom, e moravam numa aprazível casa em Santa Teresa, zona Sul do Rio. Minha mãe tinha parado de trabalhar, ainda durante o período da Guerra, e se dedicava integralmente a casa. Mais tarde, se mudaram para a Urca, uma rua tranquila chamada Otávio Correia. Nas férias, os três viajavam para Montevidéu, Jaguarão, Porto Alegre, onde estava uma parte da família dela, e a Caxias do Sul, onde vivia a família de meu pai, especialmente a sua mãe, Catarina Eberle Previdi .
Esta foto do Paulo com a Nona Catina foi em janeiro de 1953, pouco antes do meu nascimento:


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Ele levava uma vida que toda criança gostaria de ter: se alimentava bem, ia diariamente a praia e já começava a estudar em bons colégios. Lembro do São Bento e do Andrews.
Criança bonita, saudável:



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Tenho poucas lembranças do tempo em que moramos na Urca. Da prainha do Forte, daquela ao lado da TV Tupi, onde foi um cassino, e de acompanhar a minha mãe para levá-lo ao Colégio Andrews. Lembro de ir levá-lo ao Colégio São Bento, mas era muito pequeno. Não tenho boas lembranças porque jamais gostei de escolas - pelo menos na infância.
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Entre 1960/1961 meu pai comprou um apartamento na Rua das Laranjeiras, no bairro do mesmo nome. Muito legal, porque estudávamos na mesma rua, no Colégio Franco-Brasileiro. E éramos sócios do Clube Fluminense. "Clube", porque nada tinha a ver com o futebol, apesar de ser ao lado do Estádio - inclusive os jogadores não tinham acesso pela mesma portaria. Perto estava a Igreja Nossa Senhora da Glória, no Largo do Machado. Ali, no Largo, tinha a perdição do Paulo César e minha: uma loja do Bob's. E uma pizzaria onde meu pai sempre comprava pizzas. Também existia um supermercado, Casas da Banha, e muitas lojas.
Muitas vezes ele me levou ao Fluminense, onde haviam 4 piscinas e várias mesas de ping-pong. Também me dava uma colher e me acompanhava a praça Gago Coutinho, para brincar nos equipamentos.
Não gostava de ir com ele, porque me "conduzia" segurando pelo pescoço, apertando com o polegar e o indicador. Assim como não gostava de ir a Missa e nem ao colégio, por causa da forma de "condução".
Nosso quarto era de frente para a rua e tínhamos exatamente os mesmos móveis, feitos sob medida. Só que ele tinha muito mais coisas do que eu. Especialmente - eu tinha muita inveja! - dos lápis de cor e canetinhas. Muitas, de todos os tipos. E não usava cadernos, como eu, só um fichário. Televisão e aparelho de som? Só na sala.
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Mas não era só isso. Me ensinou muito.
Sou até hoje alucinado pelo Ray Charles por causa dele.
Um dia estava estudando e escutei uma música diferente que vinha da sala. Era Hit The Road Jack. Do disco "The Genius Hits The Road" (aquele que tem fundo amarelo). Sei lá, 1960 e poucos e eu tenho o LP até hoje. Guardado com uma relíquia. E fui conhecendo Chubby Checker, Pat Boone e muitos outros que ele sempre comprava. Rita Pavone! Rolling Stones! Os Reis do Iê-Iê-Iê, o primeiro filme dos Beatles, foi ele que me levou para assistir duas vezes num cinema em Botafogo.
Nos anos 60 ele virou um fã de Fidel Castro. Lia tudo que conseguia sobre a Revolução Cubana. Nossos pais gostavam muito de Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda - apesar de um irmão de minha mãe, Dirceu Braz Goulart (assim mesmo, com "o"; minha mãe não tinha o "o"), comprovar que eram parentes de João Goulart. Mesmo assim, toda revista que tinha Fidel o meu pai comprava para o Paulo César. Lembro que uma vez fomos até uma exposição de produtos da URSS.
Só deram uma freada nele quando tudo que tinha era identificado com "PC", as iniciais de seu nome.
Meu pai saltou:
- Filho comunista, não!
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Fomos levando uma vida muito boa.
Colégio, clube, finais de semana num hotel-fazenda e nas férias as cidades de sempre: Montevidéu, Jaguarão, Porto Alegre, Caxias do Sul. E também Belo Horizonte, onde vivia um irmão da mãe, o Tio Juca e sua família.
Esta foto aí é dos anos 60. Sem dúvida, na casa mais bonita que existiu em Caxias do Sul. Casa, não, um palacete, de Julio Eberle, primo de meu pai (Hoje, pelo que sei, demoliram para construir um espigão):




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Com 15, 16 anos o Paulo César estava, na visão dos nossos pais, muito independente. Além de bonitão, fazia judô e sempre estava com dinheiro no bolso (mesada). Sempre na rua e no colégio não correspondia ao custo das mensalidades. Andava com namoradas de mais idade. Uma delas era comissária de bordo e sempre lhe presenteava com calças Lee e Levis. Até eu ganhava! Eu era pequeno, mas lembro que sempre tinha uma mulherada ligando pra casa ou batendo na porta de casa.
Aí meu pai viu que a coisa estava degringolando e em julho de 1965 o matriculou no Colégio Champagnar, em Porto Alegre. Como ele escolheu este colégio? Não tenho a menor ideia. Talvez porque alguns parentes da minha mãe morassem na cidade e o Paulo César gostava muito deles. Mas o interessante é que quando o meu pai expôs a ideia, ele topou na hora, porque viu que a coisa não ia terminar bem. Até porque tinha até uma jogada com mulher casada, nossa vizinha.
Foi um sucesso a sua primeira fase de internato. Passou de ano folgado.
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Tanto que em dezembro de 1965, quando estava de férias no Rio, nosso pai providenciou para que todos da família fizessem passaporte.
A foto:



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Em 1966 ele voltou para o Champagnat e ia tudo bem.
Em julho estava de férias no Rio e o nosso pai, Waldemar, morreu.
A família degringolou e o Paulo César não quis mais ser interno.
Minha mãe decidiu viver em Porto Alegre. No mesmo mês viemos para a cidade com a avó materna, Adylles, e fomos morar numa pensão na avenida João Pessoa, o Hotel Palace. Ele continuava no Champagnat e eu fui estudar no Colégio Estadual Infante Dom Henrique.
Se é possível nossa vida mudou muito mais do que 360 graus.
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Pelo menos serviu para que ficássemos ainda mais amigos.
Ele com 17 anos e eu com 12.
Muito amigos, não imaginam. Dormíamos, em pleno inverno, agarrados num sofá-cama e a nossa avó numa cama ao lado. Claro que estranhava muito a falta definitiva do meu pai e da minha mãe - para resolver tudo da mudança, ficava mais no Rio. Mas eu tinha ele, sempre me orientando, conversando, brincando, xingando, e a minha avó.
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A vida começou a melhorar quando a mãe comprou um apartamento muito legal na avenida Venâncio Aires, onde cada um tinha o seu quarto. Tudo quase normal.
Paulo César fez 18 anos e uma das primeiras providências foi tirar a carteira de motorista.
A minha mãe não liberava o flamante Fusca 1966, porque sabia com quem estava tratando. Como estava "solto" do internato, recomeçou a sua "vida amorosa", como era no Rio, antes de se mudar para Porto Alegre.
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Em 1967 ele não quis mais estudar no Champagnat. Seus amigos tinham ido para o Colégio Rui Barbosa. Como era uma escola "moleza", começou um cursinho - queria fazer engenharia.
Eu era um crianção, mas me dava conta que ele não estudava, não fazia nada além de andar em festas. Vez que outra me levava nas suas saídas. Várias vezes me apresentava como seu filho:
- Term a cabeça grande, mas é um gurizão esse meu filhão!
E, claro, me apresentava assim sempre para gurias e mulheres mais velhas.
Não lembro de muitos fatos, mas uma vez minha mãe e eu estávamos chegando em casa, de noite, já na hora de dormir. Deu a casualidade e um fusca, dirigido por uma loira, parou na frente do edifício. Quem desceu? Ele mesmo.
O diálogo dos dois foi mais ou menos assim:
- Você ainda anda com essa mulher!!
- Ela veio me buscar.
- É casada essa vagabunda, o marido ainda vai te matar!
- Nada disso, mãe!
E a mãe se botou nele, largando tapas por onde alcançava.
Paulo César, com mais de 1 metro e 80 se defendia, rindo.
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Não entendia o fascínio que tudo que é mulher tinha por ele. Até as gurias. pequenas. Outro dia, uma prima me revelou que quando conheceu o Paulo César se apaixonou. E era apenas uma criança. Vários foram as "paixões" por ele, de todos os tipos. Até a Cláudia, com 5, 6 anos... mas essa não conto, porque é esposa de um ex-governador.
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Na manhã de 11 de junho de 1967, um domingo, minha mãe me acordou:
- O Paulo César não dormiu em casa.
Era a primeira vez.
Ela estava preocupada e eu não tinha a dimensão do que poderia ter acontecido.
Logo depois do meio-dia chegaram no nosso apartamento dois homens. Um era policial e o outro um papa-defunto.
Ele tinha se acidentado na BR-116, provavelmente vindo de Canoas. Ele e um amigo tinham morrido no choque com um caminhão.
Meia família desapareceu com 11 meses de diferença.
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A foto lá de cima?
Foi de um bloco de carnaval em Jaguarão.
Era a única foto que tínhamos dele em moldura.
Durante muitos anos eu não me cansava de olhar.
Por muitos anos imitei o seu jeito de sentar - o jeito dos braços, dos pés. Também cortava o cabelo da mesma maneira.
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E herdei as dezenas de lápis de cor.


6 comentários:

  1. Muito legal, Zé Luis, também tenho lembranças de quando vocês iam passar parte das férias em Caxias, as peladas de futebol e uma mania incrível que vocês tinham - a de tomar banho todos os dias, não dava prá entender!!!!

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  2. Oi Prévidi,
    Bonito, triste mas, ao mesmo tempo, bonito, este teu depoimento familiar ( que, aliás, eu já tinha lido num dos teus livros); perder meia família em menos de ano é dose para poucos resistirem. Parabéns a ti e a tua mãe pela fibra e perseverança. A vida é justa, injusta? Não sei, creio que randômica e pronto! Mas, no teu caso, acho que os deuses acabaram por te compensar dando-te uma bela família. Abraços, cara!

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  3. Primo,muy lindo. Que linda familia y cuanto os quiero. besos

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  4. É belo contar o tempo da vida, mesmo que em algum tempo ela tenha se desfeito em morte. Pois, sim, ela segue não sei onde, e essa soma que constatas, mostra quanto essa verdade é forte.

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