Quinta e sexta, 6 e 7 de setembro de 2018




Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu







15 ANOS!!
Atualizado diariamente
até o meio-dia










especial

Nesta quinta e sexta, uma cesta de
RICARDO AZEREDO




Ricardo Azeredo é jornalista. Repórter de TV premiadíssimo, escreve no www.ricardoazeredo.com.br e é diretor-geral da Secretaria de Comunicação do Governo do RS.




















O RABO QUENTE DO GAÚCHO






O ano era 2001. Eu estava passando uma curta temporada no Rio de Janeiro para fechar o texto de um Globo Repórter produzido pela RBSTV. Como sempre faço em viagens, levo meu kit chimarrão, pois sem mate não fico.
Garanti erva para uma semana, que era ao tempo previsto para concluir o trabalho.
Na redação do Globo Repórter, todo mundo tinha sua “quentinha”, uma panelinha elétrica de plástico que aquecia a comida trazida de casa. Mas não havia nada alí pra aquecer a minha água.
Não tinha chaleira elétrica no setor nem um mísero fogãozinho de duas bocas. O cafezinho vinha de uma máquina no corredor.
Resolvi aproveitar o horário do almoço e percorrer o comércio do Jardim Botânico, onde fica o prédio da Globo, em busca da minha salvação.
Saí batendo perna procurando por lojas de ferragens na vizinhança. Encontrei uma a poucas quadras.
Pergunto ao vendedor:
- Tem rabo quente?
O sujeito ficou quieto, me olhando muito desconfiado, meio que se afastando do balcão.
- Tem o quê?
- Rabo quente. Sou do sul e esqueci o meu em casa.
A resposta veio brusca, quase agressiva.
- Tem não senhor. Agora me desculpa que tenho que cuidar do estoque.
Virou as costas e saiu resmungando algo incompreensível, desaparecendo por trás das prateleiras do estoque.
Não entendi a reação do sujeito. Mas deixei pra lá e retomei minha busca.
Encontro outra loja bem perto. O vendedor grandalhão me recebe todo simpático.
- Às ordens, o que o amigo precisa?
- Salve! Quero um rabo quente!
O sorriso de boas vindas se transforma em cara fechada. Silêncio de novo. Ele parece não saber o que dizer. Apoia um cotovelo no balcão, a outra mãozona na cintura e inclina o corpo pra cima de mim, desafiador.
- É pegadinha, é? Que porra é essa?
Senti que o clima pesou.
- Rabo quente, eu só quero um rabo quente. Qual é o problema?
Ele me fuzilou com os olhos e disparou:
- Óóó o cara aí ó! Qualé a tua merrrmão??
O colega dele, que observava tudo quieto no caixa, tentou apaziguar o vendedor que já vinha pra cima, pronto pra briga.
- Segura a onda aí meu, vai com calma, ó o patrão lá nos fundo da loja!
Só aí eu me dei conta que a coisa tinha a ver com o “choque cultural” provocado pelo meu gauchês.
- Tchê, te acalma! Eu só tô procurando um rabo quente! Não conhece aquele apetrecho que a gente enfia na água e liga na tomada, pra esquentar??
O vendedor se desarma num gesto largo, abrindo os braços como quem mata uma charada.
- Ahhhhhhh porrra, o que cê querrr é um ebulidorrrrrrr!
- Um quê?
- E – bu – li - dorrrrrrrrrrrrrrr! Esse troço aqui, ó!
E sacou um bendito rabo quente de uma gavetinha no balcão, dando instruções.
- Cê enfia no bule e ele faishh a água ferrverr, entra em ebulição, morô?
- É esse aí mesmo, amigo, era o que eu tava procurando pra tomar meu chimarrão.
- Porra meu, eu quase saí no braço contigo! Fala assim não, aqui é o Rio, meu! Se liga!
Saí dali bem faceiro e inteiro, com meu ebulidorrrr novinho em folha, minha honra e meu mate garantidos.



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TROFÉU REI DA GANDAIA E DA CARA DE PAU!





Já conheci muito cara de pau neste mundo do jornalismo. Mas o personagem deste causo conquistou com láureas o troféu máximo desta disputada categoria.
Foi meu colega em algumas emissoras de TV da capital. Uma figuraça, grande profissional técnico e muito faceiro, do tipo parceirão.
Adorava uma gandaia. Frequentador assíduo das “primas”,era conhecido nas melhores casas do ramo. Também era doido por baile de carnaval.
Só tinha um problema: era casado. E a esposa, um poço de ciúmes.
Eis que vem chegando o Carnaval e o dito já estava ficando inquieto. Ou, como se diz por aí, com o pé que era um leque pra cair na folia.
Precisava urgentemente de um estratagema para festear sem arrumar confusão em casa. Precisava de um álibi, um senhor álibi.
Sentado na sala onde trabalhava, moía os miolos concentradíssimo na tarefa de encontrar uma solução. Até que olhou para a parede e viu a escala de trabalho que o chefe recém havia afixado no quadro.
Na mesma hora a lampadinha acendeu sobre a cabeça. Pegou a escala, tirou uma cópia e cuidadosamente recolocou a original no quadro. Com a cópia, produziu outra escala, modificada conforme seus inconfessáveis interesses.
A sanha por liberdade era tanta que ele criou uma escala “pessoal” absurda, com uma jornada muito mais extensa que o normal, mesmo que fossem comuns os “engates” de plantão. Mas aquela escala, aquela sim, era uma missão que exigiria muita resistência…
A jornada falcatrua tinha umas 18 horas de trabalho. Sobrava apenas o turno da manhã para algum descanso.
Véspera do Carnaval. Chegou em casa ao anoitecer, fazendo a maior cara de condenado. Caprichou na performance de indignação. Mal cumprimentou a mulher e começou a amaldiçoar o chefe e a empresa. Num gesto estudado, pegou a folha amassada com a escala fajuta e a jogou sobre a mesa, sem dizer nada.
Preocupada, a esposa perguntava o que havia acontecido, mas ele não respondia. Apenas abanava a cabeça olhando para o nada, com jeito de injustiçado. Ela insistiu, e ele, sabendo que a esposa já tinha passado os olhos na escala deliberadamente lançada sobre a mesa, continuava quieto e bufando teatralmente. E então falou:
– Tu não tá vendo aí no papel?? Olha o que aquele fdp do meu chefe me aprontou!! Trabalhar o dia todo e ainda me engatar noite e madrugada!! Isso é um absurdo! É muita injustiça!
Sensibilizada, ela tentava consolá-lo. E ele firme no papel de mártir.
Seguro de que seu álibi havia colado, o festeiro cara de pau se atirou no carnaval. Trabalhava no turno em que estava escalado de verdade e à noite se esbaldava nos bailes madrugada adentro. Quando a festa terminava, ele ia para a empresa, tomava um banho caprichado pra não deixar nenhum rastro de purpurina ou outras pistas incriminadoras.Vestia novamente a roupa com que tinha ido trabalhar e ia para casa ao amanhecer.
Mas aí o filho pequeno já estava acordado e agitado, querendo brincar. Como o festeiro não conseguia dormir, reclamou para a mulher que estava esgotado de tanto trabalhar e que precisava muito descansar para seguir a jornada imposta pela maldita escala e não colocar o emprego em risco.
Dizia então que ia dormir na TV para se recuperar e estar pronto para o turno que começava no início da tarde.
Mais uma vez a performance tinha sido convincente.
E ele então incorporou mais uma atividade naquele período de labuta carnavalesca: trabalhava de verdade à tarde, ao anoitecer se atirava nos folguedos de Momo, e ao raiar do sol ia dormir nas “primas”. No início da tarde, dava uma rápida passadinha em casa pra beijar a mulher e filhos.
E aí seguia heroicamente para o sacrifício da profissão.



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UMA INSÓLITA PANCADARIA NO ESTÚDIO DA TV





O ano era 1980. Fazia uns 4 meses que havia sido inaugurada a TV Umbu, que era a sucursal da então TV Gaúcha em Passo Fundo (anos mais tarde a rede passou a se chamar RBSTV, e as sucursais passaram a ser designadas com o nome da rede e de sua cidade).
Os operadores de câmera do estúdio que faziam os telejornais locais também participavam das gravações de produções comerciais na emissora. E foi um deles, Antônio Raymundo (hoje dono de uma produtora de video em Porto Alegre) que me relatou este causo pra lá de curioso e engraçado.
Depois da gravação de um comercial para as Lojas Louvre, feita tarde da noite, a produção deixou no estúdio os manequins de vitrine usados como cenário. O material só seria levado de volta para a loja no dia seguinte.
Todos os funcionários foram para casa. Na TV, ficou apenas o segurança, que chegou depois de terminadas as gravações.
No meio da madrugada, ele deixou seu posto na portaria para fazer uma ronda pelas instalações.
Ao passar pelo estúdio, onde todas as luzes estavam apagadas, notou as silhuetas e não hesitou: sacou o revólver e se foi estúdio dentro:
– Parados aí! Mãos ao alto ou eu atiro!!
O intrépido vigia se jogou ao chão, ficando em posição de disparo, apontando para os vultos suspeitos. Como não houve resposta, se levantou num salto, enfiou decidido o revólver no coldre se lançou em violenta luta corpo a corpo com os invasores na escuridão do estúdio.
O barulhento entrevero chamou a atenção de um operador de áudio da Rádio Atlântida, que funcionava no mesmo prédio e estava no ar.
Assustado, este foi correndo até o estúdio. Acendeu as luzes e se deparou com a insólita cena do segurança corcoveando no chão, ferozmente atracado a um manequim que aquela altura já começava a se desmanchar.
Dá pra imaginar a cara do guarda ao descobrir quem eram os meliantes que ele heroicamente desafiou, naquela madrugada que entrou para os anais da TV Umbu.


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O SANTO SUDÁRIO






Aviso aos cristãos fervorosos e conservadores: este texto contém referências que podem chocar.
O causo faz parte dos anais (literalmente…) da imprensa gaúcha.

Anos setenta, cobertura do campeonato brasileiro de futebol. A equipe da Rádio Gaúcha chega ao Rio de Janeiro para um jogo do Internacional.
Desembarcaram de manhã, sob um calor infernal, e foram direto para o hotel. Todos no mesmo quarto:  narrador, comentarista, repórter e operador técnico.
Os nomes serão preservados. Vai que alguém não goste de relembrar o fato, né?
Pelo menos um deles é falecido.
Sufocados pelo verão carioca, muito suados, decidiram que não dava para ir para o estádio sem antes tomar um banho.
Cada um tomou sua chuveirada e estendeu a toalha onde dava pelo quarto.
O último demorou um pouco mais, e quando saiu, esticou a toalha branca pendurando na porta do banheiro, à vista de todos.
A imagem estampada no tecido felpudo branco não deixava dúvidas: o comentarista não havia feito uma higiene muito cuidadosa.
E na mesma hora, diante daquela “obra” que lembrava uma conhecida imagem sacra, o colega ganhou o apelido: Santo Sudário.
Esse pessoal não perdoa…



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O CAÇADOR DE TOMADAS E A FERA SOB O SOFÁ



O bravo Onildo “Niu” Martins
A gente encontra umas peças muito raras neste mundinho do telejornalismo.
Conheci muitos tipos curiosos, engraçados, maniáticos e por aí vai, nas muitas equipes de reportagem com quem trabalhei em várias emissoras.
Esquisitões que se tornaram, na maioria, grandes amigos.
Um desses é o Martins, que todo mundo conhece como “Niu”.
Sujeito de origem humilde, havia começado nesta lida já na casa dos 40.
Baixinho, mas robusto, inquieto e cheio de energia.
Se orgulhava de dizer que vinha de bicicleta para o trabalho, pedalando deste a longínqua Restinga (bairro no extremo sul de Porto Alegre) até o topo do Morro Santa Tereza, onde está a maioria das emissoras de TV da capital gaúcha.
O traço mais marcante desta figura era a metralha de sílabas repetidas e confusas que constituía o seu jeito de falar.
Pronunciava várias vezes a mesma palavra em sequência, numa velocidade que fazia de cada frase um emaranhado de sons sibilantes quase incompreensíveis.
Trabalhava num ritmo tão acelerado quanto seu falar.
Sempre disposto, foi um grande companheiro de trabalho e um bom amigo.
Com a convivência, me tornei um dos poucos entre os colegas que conseguiam entender o “dialeto” dele.
Quando nos conhecemos, na TV Pampa, lá por 1986, ele era o “pau de luz” da equipe, o encarregado de operar o kit de iluminação da reportagem e carregar outras traquitanas que o trabalho exigia naquela época.
Sempre que chegávamos ao local da pauta, ele disparava na frente da equipe, numa busca alucinada por tomadas onde pudesse ligar os cabos da luminária.
Entrava agitado como um cão de caça farejando freneticamente por todos os lados em busca do seu alvo.
Voltava em segundos anunciando, de peito inflado e com seu peculiar idioma, que a luz estava pronta!
– Belez belez belez beleza, tudo tudo certin certin certi certinho!
Para o Martins, missão dada era missão cumprida.
Lá pelo final dos anos 80 fomos ao então Banco Meridional, que na época funcionava no prédio onde está o Santander Cultural, na Praça da Alfândega, centro de Porto Alegre.
No imponente e elegante saguão do térreo havia um grande círculo formado pelas mesas dos funcionários. Era a linha de frente no atendimento ao público.
Mal entramos, Martins travou o foco naquela grande ilha de bancários e seus computadores com pesadas telas de tubo.
E disparou para baixo das mesas carregando seus fios e entoando seu grito de guerra:
– Madamadamada,tomada,tomtomtomadatomadatomada,tomada,tomada!!
Em poucos segundos capturou sua presa. E voltou todo faceiro espanando o pó das mãos com aquele gesto típico de quem anuncia o trabalho bem feito.
– Tudo pront,pront,tudo,pront,pront,tudo pronto!!
Foi quando começou uma gritaria dos funcionários, que levavam as mãos às cabeças em puro desespero:
– Ai meu Deus, apagou tudo!!! Os arquivos!! Deu pane, perdemos tudo!!!
Todos os monitores se apagaram. Bancários atarantados de um lado para o outro pediam socorro.
– Cadê a manutenção, chamem alguém, o banco vai parar!!
Alguma coisa me dizia que o Niu estava por trás daquilo.
Olhei para ele e vi que observava aquela confusão, sem entender nada. Virou pra mim:
– Queisso,queisso,queisso, quefoiquefoifoifoi?
– Martins, tu desligaste alguma coisa debaixo das mesas?
– Ué ué ué ué, eu tinhatinhatina que ligar a luzluzluz, né?
Na sua sanha em busca da conexão perfeita, ele foi desligando cabos embaixo das mesas até encontrar a tomada que lhe agradasse. E acabou dando um “boot” em quase todo o sistema naquela parte do banco.
Só conseguimos fazer a matéria depois que os técnicos vieram e arrumaram tudo, pondo fim ao pânico das secretárias e gerentes.


A FERA SOB O SOFÁ





Outro dia fomos entrevistar o então secretário de meio ambiente de Porto Alegre, Caio Lustosa.
Morava numa casinha simpática no bairro Rio Branco.
Acionei a campainha e na mesma hora disparou uma saraivada de latidos estridentes e contínuos dentro da casa.
Lustosa, que já nos aguardava, abriu dois dedos de porta e me disse pela fresta que precisava primeiro acomodar o furioso cachorro debaixo do sofá da sala, onde o guaipeca costumava se esconder quando chegavam visitantes estranhos.
Deu a ordem e o cão imediatamente se enfiou onde o dono mandou.
Entrei. Olhei desconfiado para o sofá.
Eu conseguia ouvir o rosnado raivoso e ver os dentes à mostra rangendo no escuro sob o móvel, como se o bicho só estivesse esperando o dono dizer “Pega!!”
Lustosa procurou me tranquilizar:
– Agora tá tudo bem, é só não incomodar ele ali embaixo.
Chamei a equipe que permanecia no carro. Como já era esperado, Martins veio na frente, cheio de vontade.
– Cadêcadcadcadcad cadê a tomatomatomatomada?
Não resisti à tentação.=
– Ó Martins, ele disse que a única tomada que funciona fica debaixo do sofá. É toda tua!
Se a porta da casa tivesse sido fechada, a imagem seria aquela cena clássica de desenho animado, com o buraco na porta revelando os contornos do personagem que atravessou apavorado a madeira!
Martins saiu voando, perseguido pela fera, largando tudo pelo caminho.
Só parou na rua, depois que se certificou que o cusco tinha desistido da perseguição, já que a “ameaça” já havia sido escorraçada.
Depois que as gargalhadas da equipe cessaram, e com o cão de volta para baixo do sofá, Martins pode enfim sair em busca de uma tomada segura.
Mas antes passou por mim, meio rindo, e vaticinou:
– Tumitumitumitumi pegapaapapagagaga, baixinhoibaixinhobaixinho filhofilho da putaputaputa!!
Só não brigou feio comigo porque eramos bons amigos e ele já estava acostumado com as sacanagens do povo televisivo.
Grande figura esse Martins!


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