Sexta, 11 de outubro de 2019




amais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
...
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especial

Nesta sexta, uma cesta
de Paulo Francis!





O mais elegante e genial jornalista brasileiro



"Talvez o Brasil já tenha acabado e a gente não se dê conta disso."



Franz Paul Trannin da Matta Heilborn, a lenda chamada Paulo Francis, nasceu no Rio de Janeiro, em 2 de setembro de 1930 e faleceu em Nova York - 4 de fevereiro de 1997.


Foi jornalista, crítico de teatro, diretor e escritor. Trabalhou em vários jornais, entre eles, Última Hora, O Pasquim, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Seus textos eram publicados em jornais de todo o país. E, quando faleceu, trabalhava na TV Globo.

Francis foi também centro de diversas polêmicas e desavenças. Dizia que a ferocidade que seria a marca registrada de seus textos nasceu na infância. "Aos 7 anos fui arrancado dos braços da minha mãe e atirado às feras de um internato na ilha de Paquetá. Atribuo todo meu sarcasmo e agressividade a essa brutal separação", contou ao jornalista José Castello.

Ficou famoso o ataque – que ele mesmo classificaria mais tarde de "mesquinho, deliberadamente cruel" – à atriz Tônia Carrero – que, por havê-lo acusado de "sofrer do fígado" e ser "sexy" – na gíria da época, homossexual – foi por ele acusada de haver-se prostituído e de mercadejar fotos de si mesma despida. Foi por isso agredido fisicamente duas vezes – pelo então marido da atriz, Adolfo Celi, e pelo colega de Tônia no Teatro Brasileiro de Comédia, Paulo Autran.

Em 1963, Francis foi convidado por Samuel Wainer a assumir uma coluna política na Última Hora. Como comentarista, apoiou Leonel Brizola, a ponto de anunciar publicamente que estava incorporado a um dos "grupos de onze" de luta armada antigolpista, que Brizola organizava na época.

Levou a tal ponto este radicalismo que chegou a ser demitido por Wainer, que no entanto recontratou-o, paradoxalmente, após protestos de um grupo de membros da burguesia carioca que tinham em Francis uma espécie de "guru" (como disse Wainer em suas memórias: "vou te recontratar, Francis, porque faço tudo o que meu banqueiro mandar").

Tomou posição contra a intervenção americana no Vietnã e contra a ocupação israelense de territórios disputados na Palestina que afrontaram o consenso pró-americano e israelense da grande imprensa brasileira da época. A presença norte-americana no Vietnã era, por si só, um massacre, diria Francis, que dedicou várias páginas de revistas sobre o tema.

Em 1983, a sexualidade de Francis foi, mais uma vez, alvo de ataques e de insinuações. Francis criticou a entrevista que Caetano Veloso fizera com Mick Jagger, alegando que o roqueiro inglês zombou do entrevistador. Caetano respondeu, dizendo que Francis era uma “bicha amarga” e uma “boneca travada”.

Francis afirmou que o Brasil é impermeável à grandeza. Por isso rejeitou-se Mauricio de Nassau, Domingos Fernandes Calabar e Duguay-Trouin. No Brasil simplesmente não se tem conhecimento do empirismo. Os brasileiros pensam de acordo com a Escolástica. Ou seja, se pensa com valores prefixados e imutáveis. Francis assegurou de que se fossem liberadas as forças produtivas, como diziam os marxistas, a miséria desapareceria ou ficaria em níveis toleráveis numa geração.

No início dos anos 90, Francis argumentou que "os efeitos sobre a educação universitária americana têm sido tétricos. A Universidade Stanford aboliu, ou tornou optativo, o curso da civilização ocidental, porque seria uma questão de machos, brancos e mortos (dead white males). Nada antes de 1900 tem a menor importância, reza a cartilha dos politicamente corretos. Gerações ignorantes da glória da cultura ocidental, de Homero, Virgílio, Dante Alighieri, Shakespeare, Voltaire, Molière,Jean Racine, Leonardo da Vinci, Michelangelo, Benvenuto Cellini, se formaram nesses vinte anos sem conhecimento dessa gente".

Nesta época, Francis afirmou que Huckleberry Finn, o romance clássico supremo da literatura norte- americano, foi praticamente banido do currículo universitário dos Estados Unidos. O motivo é simples, Jim, o negro, escravo, amigo do Huck, com quem foge pelo Rio Mississipi, é referido o tempo todo, com a maior naturalidade, como nigger, uma forma derrogatória de dizer negro, em inglês, mas que no sul dos EUA daquele tempo era rotina.


Outro livro banido é Moby Dick, de Herman Melville, que é uma das experiências extraordinárias em literatura. Sabem quais são as demonstrações politicamente incorretas de Moby Dick? No navio baleeiro, o Pequod, só há homens, nenhuma mulher que arpoasse as baleias. E Moby Dick narra uma caça de baleias, caçá-las é um crime contra o meio ambiente. Ser a favor do meio ambiente é politicamente correto.

"Marx escrevendo sobre dinheiro é como padre falando sobre sexo."

Para marcar a virada de Francis, a melhor referência é o economista Roberto Campos, seu alvo por dez anos, não faltando sequer insultos. Até que, em fevereiro de 1985, tudo mudou, na coluna “O guerreiro Roberto Campos”. Dizendo que o economista “melhorara horrores, em pessoa”, ele se desculpou: “Escrevi coisas brutais sobre Campos. São erradas. Retiro-as”. E acrescentou: “Cheguei à conclusão de que capitalismo num país rico é opcional. Num país pobre, no tipo de economia inter-relacionada de hoje, a suposta saída que se propõe no Brasil de o Estado assumir e administrar leva à perpetuação do atraso”.

Francis era ainda um ferrenho crítico do que chamava de marxismo cultural bem como do gramscismo. Francis achava estupidificante as comparações com o que chamava de “a turma do samba-e-pandeiro” com Wolfgang Amadeus Mozart. Definia a motivação da esquerda como uma “masturbação ideológica” do populismo para lisonjear as massas, elevando-a à posição de prestígio da chamada alta cultura. Chamava essa nova elite cultural de adeptos ao “comunismo fantasia”, dizendo que para a esquerda brasileira, tudo é sempre relativo.

Como trotskista, não havia sido jamais um admirador do regime político então vigente na União Soviética e nos seus satélites do Leste Europeu, e a queda do Muro de Berlim não o afetava diretamente em suas ideias políticas (Trótski havia previsto a queda do stalinismo em seu A Revolução Traída). No entanto, no mundo da década de 1960 e no Brasil da ditadura militar, uma postura esquerdista puramente literária e verbal – do tipo que o jornalista americano Tom Wolfe apelidaria radical chic – era muito bem vista em meios literários e jornalísticos.

O fim do regime militar, em 1985, colocou Paulo Francis numa situação similar a outros membros da elite intelectual brasileira que haviam militado na "resistência" à ditadura: se o fim do regime ditatorial atendia às suas aspirações políticas e intelectuais, ao mesmo tempo sentiam-se dominados por um desencanto com o um crescente plebeísmo dos costumes políticos brasileiros, combinado a uma consciência cada vez mais clara da incompetência e a corrupção dos governantes na Nova República. Tal desencanto tomaria a forma de rejeição especialmente com o PT.

 "Hitler nos provou que política dá sempre errado. Tudo o que ele mais queria era acabar com o comunismo e com os judeus. No final da Guerra a União Soviética virou superpotência e os judeus conseguiram fundar Israel."

Em outubro de 1996, durante o programa Manhattan Connection, Francis propôs a privatização da Petrobras - então presidida por Joel Rennó, e acusou os diretores da estatal de possuírem US$50 milhões em contas na Suíça – acusação pela qual foi processado na justiça norte-americana, sob alegação da Petrobras de que o programa seria transmitido nos Estados Unidos para assinantes brasileiros de TV por assinatura.

Amigos fizeram o possível para livrar o jornalista da guerra judicial. Chegaram a apelar ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, que tentou, em vão, convencer os diretores da Petrobras a desistir da ação.

Na época, o comentarista da Globo estaria abalado emocionalmente por ser réu do processo judicial cuja indenização exigida era de 110 milhões de dólares. Segundo seu amigo pessoal, o escritor Elio Gaspari, o processo ocupou um espaço surpreendente na alma de Francis. Tomou o lugar não apenas do sono, mas também dos seus prazeres da música e da leitura. Diogo Mainardi, pupilo de Francis, foi mais enfático: sugeriu que a pressão psicológica do processo pode ter contribuído para o futuro infarto fulminante do jornalista.

"Dizem que ofendo as pessoas. É um erro. Trato as pessoas como adultas. Critico-as. É tão incomum isso na nossa imprensa que as pessoas acham que é ofensa. Crítica não é raiva. É crítica."


Lucas Mendes, que dividia bancada com ele na TV foi um dos primeiros a chegar a seu apartamento e encontrá-lo morto. Francis morreu de um ataque cardíaco, diagnosticado, em seus primeiros sintomas como uma simples bursite. Era casado com a jornalista e escritora Sonia Nolasco, com quem viveu por mais de 20 anos. Seu corpo embalsamado foi trasladado de Nova York para o Rio de Janeiro e enterrado no jazigo familiar no Cemitério de São João Batista.

Obras:

Opinião Pessoal (Cultura e Política) (artigos, 1966)
Certezas da Dúvida (artigos, 1970)
Nixon × McGovern – As Duas Américas (artigos, 1972)
Heilborn, Franz Paul ‘Paulo Francis’ Trannin da Mata (1976), Nu e Cru (artigos).
 Cabeça de Papel (romance) 1977
[Uma Coletânea de Seus Melhores Textos Já Publicados 1978
Cabeça de Negro (romance) 1979
O Afeto Que Se Encerra (memórias). 1980
Filhas do Segundo Sexo (novelas). 1982
O Brasil no Mundo (ensaio). 1985
Trinta Anos Esta Noite – 1964: O Que Vi e Vivi (ensaio). 1994
Waaal – O Dicionário da Corte de Paulo Francis (artigos). 1996
Carne Viva (romance). 2008





Francis e o Petrolinho

O jornalista Lucas Mendes conta a derradeira bronca de Francis (texto publicado no site da BBC Brasil, em 29 de novembro de 2014)

Caio Blinder, Francis, Lucas e Nelson Motta


A Operação Lava-Jato deveria se chamar Operação Paulo Francis


Naquele outubro de 1996, no café da manhã antes da gravação, Francis estava de mau humor. Era normal. Acabava de sair da cama.

Meia hora depois ele estava de bom humor. Era normal. Nossa conversa na copa antes de gravar era fiada. Francis não falou em Petrobras. No meio do programa, ele jorrou denúncia e transcrevo a gravação:

Francis: "Os diretores da Petrobras todos põem o dinheiro lá...(Suíça) tem conta de 60 milhões de dólares..."

Lucas: "Olha que isso vai dar processo..."

Francis: "É...um amigo meu advogado almoçou com um banqueiro suíço e eles falaram que bom mesmo é brasileiro (…) que coloca 50 milhões de dólares e deixa lá".

Lucas: "Os diretores da Petrobras tem 50 milhões de dólares?"

Francis: "Ahh é claro... imaginem... roubam... superfaturamento...é a maior quadrilha que já existiu no Brasil".

Foi além, mas não deu nomes dos diretores. Nem citou fontes. No próprio programa, o número variou de US$ 50 milhões para 60 milhões. Preocupado, perguntei se queria que cortasse a denúncia, embora o programa, depois de gravado, só sofra cortes por tempo. Francis disse que não.

Na imprensa, numa escala de 1 a 10 em repercussão, a denúncia do Francis mal registrou uns 2 pontinhos. Saíram notas em colunas. Ninguém cobrou da Petrobras. Não sei por que o Francis nunca levou a denúncia para os poderosos Globo, Estadão e Jornal da Globo, onde trabalhava, além do Manhattan Connection, e tinham calibre muito mais grosso do que o GNT.

Seria o poder da Petrobras de silenciar a mídia com sua publicidade? Ou sua reputação na época estava acima de qualquer suspeita? A limitada audiência do canal?

Em novembro, Francis anunciou no programa, também sem aviso prévio, que estava sendo processado pelos diretores da Petrobras, que "queriam US$ 100 milhões de indenização". Na primeira página da carta de intimação dos advogados dos diretores aparecem sete nomes, mas não há este número.

Ainda não descobri de onde saiu. Estes valores quase nunca constam da primeira comunicação entre o processador e o processado.

E pagou sete mil...
Francis entrou num inferno legal. Por sugestão do amigo Ronald Levinsohn, contratou uma advogada e pagou US$ 7 mil. Quando comentei que não era muito, o Francis ficou furioso. Disse que eu não sabia das finanças dele. Até que sabia, porque ele me contava, mas uma só defesa num processo grande poderia destruir a poupança dele. Se perdesse, ficaria arruinado por muito menos do que US$ 100 milhões.

Repercussão na imprensa sobre o processo? Mínima. Saíram notas sobre os assombrosos US$ 100 milhões.

'Arrasado'
Em dezembro, Francis foi passar o Ano Novo em Paris com Sonia Nolasco, Diogo e Anna Mainardi. Diogo disse que ele parecia arrasado. Poucas semanas depois, em janeiro, ligou para o Diogo animadíssimo. Tudo estava sob controle. Diogo comentou com a mulher que o Francis devia ter tomado a bolinha certa naquele dia.

É possível que Paulo Mercadante, seu advogado no Brasil e amigo desde os tempos de Pasquim, tenha informado a ele que o processo não poderia correr na Justiça americana, porque o programa não ia ao ar nos Estados Unidos. Este tipo de processo no Brasil está mais para um punhado de reais do que para os absurdos US$ 100 milhões que assombravam o Francis.

Dia 31 de janeiro, Francis apareceu na gravação passando a mão no ombro esquerdo e se queixando de dor. Saiu direto para o médico, Jesus Cheda, tomar uma injeção de cortisona, como sempre fazia quando estas dores apareciam. Bursite, dizia.

Quatro dias depois, terça-feira, por volta de 5 da manhã, Francis sofreu um fulminante ataque cardíaco e caiu morto no meio da sala, onde ainda estava quando cheguei. O telefone não parava, Sonia não atendia. Atendeu um deles, do presidente Fernando Henrique Cardoso, que deu uma bronca póstuma no Francis pela irresponsabilidade com a própria saúde.

Francis, havia muitos anos, tinha parado de tomar porres, de fumar e de comer bifões crus. O controle da Sonia deu resultado, mas o controle não resolveu o problema da saúde preventiva nem o sedentarismo. Ela não conseguia levá-lo a médicos sérios para fazer check-ups regulares.

Cheesebúrgueres
Melhorou a dieta, mas continuou chegado nos cheesebúrgeres do PJ Clarke's na frente da Globo na hora do almoço e comida chinesa perto da casa dele, onde fez sua última ceia, no Chiam. Parecia um touro de forte. Teve tumores benignos no pescoço, mas não adoecia e nunca deixava de trabalhar. Nem fazia exercício, Nunca. O máximo era uma caminhada semanal com Elio Gaspari do restaurante Bravo Gianni ao museu Metropolitan, para queimar calorias.

Era o dia favorito dele. As noites favoritas eram no balé, com Sonia, ou assistindo óperas e filmes antigos em casa. O último na noite da morte, foi Notorious (Interlúdio no Brasil), de Hitchcock, com Cary Grant e Ingrid Bergman. Da denúncia à morte de Francis foram quatro meses.

Os diretores da Petrobras foram atrás do espólio e da viúva Sonia Nolasco, mas, em parte, por intervenção do presidente Fernando Henrique Cardoso e do próprio advogado, Paulo Mercadante, desistiram do processo. Felizmente o Brasil não desistiu. O petrolinho do profético Francis gerou o Petrolão. A operação Lava Jato deveria ser rebatizada Operação Paulo Francis.


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"Intelectual não vai a praia. Intelectual bebe."

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Um guia para ter cultura




O texto abaixo foi publicado em 30 de maio de 1991 no Jornal O Estado de S. Paulo, pelo jornalista Paulo Francis, onde ele indica, para todos aqueles que desejam “compreender a aventura da humanidade“, a sua bibliografia básica.

Pedem minha ficha acadêmica para jovens vestibulandos… Não tenho. Tentei um mestrado na Universidade Columbia em Nova York 1954, mas desisti, aconselhado pelo professor-catedrático Eric Bentley. Achou que eu perdia o meu tempo. Li toda a literatura relevante, de Ésquilo a Beckett, e sabia praticamente de cor a Poética de Aristóteles. Em alguns meses se lê tudo que há de importante em teatro. Li e reli anos a fio.

Mas, sem o doutorado ou nem sequer mestrado, me proponho fazer algumas indicações aos jovens, que, no meu tempo, seriam supérfluas, mas que, hoje, talvez tenham o sabor de novidade. Falo de se obter cultura geral. É fácil.

Educação era a transmissão de um acúmulo de conhecimentos. Hoje, é uma adulação da juventude, que supostamente deve fazer o que bem entende, estar na sua, como dizem, e o resultado é que os reitores de universidades sugerem que não haja mais nota mínima de admissão, que se deixe entrar quem tiver nota menos baixa. Deve haver exceções, caso contrário o mundo civilizado acabaria, mas a crise é real, denunciada por gente como o príncipe Charles, herdeiro do trono inglês, e por intelectuais como Alan Bloom, que consideram a universidade perdida nos EUA. No Brasil, houve a Reforma Passarinho nos anos 80. A ditadura militar tinha o mesmo vício da esquerda. Queria ser popular. Era populista. Quis facilitar o acesso universitário ao povo, como reza o catecismo populista. Ameaça generalizar o analfabetismo.

Não há alternativa à leitura. Me proponho apontar alguns livros essenciais ao jovem, um programa mínimo mesmo, mas que, se cumprido, aumentará dramaticamente a compreensão do estudante do mundo em que está vivendo.

Começando pelo Brasil, é indispensável a leitura de Os Sertões, de Euclides da Cunha. É curto e não é modelo de estilo. Euclides escreve como Jânio Quadros fala. É cara do far-te-ei, a forma oblíqua de que Jânio se gaba. Mas o livro é de gênio. Nos dá a realidade do sertão, que é, para efeitos práticos, o Brasil quase todo, tirando o Sul; a realidade do sertanejo, e do nosso atraso como civilização, como cultura, como organização do Estado. Euclides mostra o choque central entre o Brasil que descende da Europa e o Brasil tropicalista, nativo, selvagem. Euclides apresenta argumentos hoje superados sobre a superioridade da Europa, mas nem por isso deixa de estar certo. Tudo bem ter simpatia pelo índio e o sertanejo, o matuto, mas nosso destino é ser, à brasileira, à nossa moda, um país moderno nos moldes da civilização européia. Euclides começou o livro para destruir Antônio Conselheiro e a Revolta de Canudos, mas se deixou emocionar pela coragem e persistência dos revoltosos e terminou escrevendo um grande épico, em prosa, que o poeta americano Robert Lowell, que só leu a tradução, considera superior a Guerra e Paz, de Tolstoi.

Mas o importante para o jovem é essa escolha entre o primitivo irredentista dos Canudos e a civilização moderna, porque é o que terá de enfrentar no cotidiano brasileiro. É o nosso drama irresolvido.

Leia algum dos grandes romances de Machado de Assis. O mais brilhante é Memórias Póstumas de Brás Cubas. Para estilo, é o que se deve emular. O coloquialismo melodioso e fluente de Machado. É um grande divertimento esse livro. Eu recomendaria ainda para os que tem dificuldade de manejar a língua O Memorial de Aires. É o livro mais bem escrito em português que há.

Os gregos são um dos nossos berços. Representam a luz e a doçura, na frase de um educador inglês, Mathew Arnold (também poeta e crítico). Arnold falava contra a tradição judaico-cristã, dominante na nossa cultura, na nossa vida, a da Bíblia e do Novo Testamento, que predominaram no mundo ocidental desde o Século V da Era Cristã, quando o imperador romano Constantino se converteu ao cristianismo. Estudos gregos sérios só começaram no Século XIX, quando se tornaram currículo universitário, porque antes os padres e pastores não deixavam.

Mas leia originais. Escolhi quatro. Depois de se informar sobre Platão na enciclopédia do seu gosto, se deve ler A Apologia, que é a explicação de Sócrates a seus críticos, quando foi condenado à morte, e Simpósio, um diálogo de Platão. Platão não confiava na palavra escrita. Dizia que era morta. Preferia a forma de diálogo.

Na A Apologia se discute o que é mais importante na vida intelectual. A liberdade de ter opiniões contra as ortodoxias do dia. Ajudará o estudante a pensar por si próprio e ter a coragem de suas convicções.

Depois, o delicioso Simpósio. É uma discussão sobre o amor, tudo que você precisa saber sobre o amor sensual, o altruístico, o que chamam de platônico, é o amor centrado na sabedoria.

Platão colocou, à parte Sócrates, seu ídolo, no Diálogo, Aristófanes, o grande gozador de Sócrates. Na boca de Aristófanes põe uma de suas idéias mais originais. Que o ser humano era hermafrodita, parte homem parte mulher, e que cada pessoa, depois da separação, procura recuperar sua parte perdida, e daí a predestinação da mulher certa para um homem e do homem certo para uma mulher.

Imprescindível também ler As Vidas, de Plutarco, o grande biógrafo da Antiguidade. Ficamos sabendo como eram os grandes nomes em carne e osso, de Alexandre, paranóico, a Júlio César, contido, a Antônio e Cleópatra. Shakespeare baseou grande parte de suas peças em Plutarco e leu em tradução inglesa, porque Shakespeare, como nós, não sabia latim ou grego. E, finalmente, como história, leia A Guerra do Peloponeso, de Tucídides. É sobre a guerra entre Atenas, Esparta, Corinto e outras, durante 27 anos, no Século V antes de Cristo. Lendo sobre Péricles, o líder ateniense, Cleon, o führer espartano, e Alcebíades, o belo, jovem e traiçoeiro Alcebiades, nunca mais nos surpreenderemos com qualquer ato de político em nossos dias. É o maior livro de história já escrito. Sempre atual.

Da Roma original basta ler Os Doze Césares, de Suetônio, e Declínio e Queda do Império Romano, de Gibbon. Mais um banho de natureza humana.

Meu conhecimento científico é quase nenhum. Mas li, claro, a Lógica da Pesquisa Científica, de Karl Popper, quando entendi o que esses cabras querem. Para quem quer um começo apenas, recomendo o prefácio do Novum Organum, de Francis Bacon, que quer dizer, o título, novo instrumento, e Bacon explica o método científico e o que objetiva a ciência. E para complementá-lo leia o prefácio dos Os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural de Isaac Newton, e o prefácio de Bertrand Russell e Alfred North Whitehead de seus Principios da Matemática. Também vale a pena ler a História da Filosofia Ocidental de Bertrand Russell, e o capítulo sobre Positivismo Lógico que é a filosofia calcada no conhecimento científico. Em resumo, tudo que pode ser provado lógica e matematicamente, é filosofia.O resto não é. Acho isso perfeitamente aceitável. Dispenso o resto.

É nas artes que está a sabedoria. Como viver bem sem ler Hamlet, de Shakespeare? Está tudo lá em linguagem incomparável, é de uma clareza exemplar, tudo que nós já sentimos, viremos a sentir, ou possamos sentir.

Preferi citar junto com Shakespeare uma peça grega, que considero vital: Antígona, de Sófocles. Há uma tradução de Antígona, em verso, por Guilherme de Almeida, que Cacilda Becker representou no Teatro Brasileiro de Comédia.

Antígona é o que há de melhor na mulher. É a jovem princesa cujos irmãos morreram em rebelião contra o tio, o rei Creon, e ela quer enterrá-los, porque na religião grega espíritos não descansam enquanto os corpos não são enterrados. Creon não quer que sejam enterrados, como advertência pública a subversivos. Antígona desafia Creon. Ele manda matá-la. Ela morre. Seu noivo se suicida. É o filho de Creon, que enlouquece. Parece um dramalhão, mas não é. É a alma feminina devassada em toda sua possibilidade fraterna. Hegel achava que Antígona era o choque de dois direitos, o direito individual e o direito do Estado. E assim definiu a tragédia.

A melhor história de Roma é a de Theodore Mommsem. A melhor história da Renascença é a de Jacob Buckhardt. Tudo que você precisa saber.

E aprenda com um dos mais famosos autodidatas, Bernard Shaw (o outro é Trotski). Leia todos os prefácios das peças dele. São uma história universal. Um estalo de Vieira na nossa cabeça. Em um dia você lê todos. Anotando, uma semana. Também vale a pena ler a Pequena História do Mundo, de H.G.Wells, superada em muitos sentidos, mas insuperável como literatura.

Passo tranqüilo pelo Iluminismo. Foi tão incorporado a nossa vida, que não é necessário ler Voltaire ou Diderot. Os livros de Peter Gay sobre o Iluminismo são excelentes. Dizem tudo que se precisa saber. Se se quer saber mesmo o que foi o cristianismo, a obra insuperada e As Confissões de Santo Agostinho, uma das grandes autobiografias, à parte a questão religiosa.

Não é preciso ler A Origem das Espécies, de Darwin, mas é um prazer ler Viagens de um Naturalista ao redor do Mundo, as aventuras de Darwin como botânico e zoólogo, a bordo do navio inglês Beagle, nos anos 1830, pela América do Sul, com páginas inesquecíveis sobre Argentina, Brasil e Galápagos, que está até hoje como Darwin encontrou (e o Brasil e Argentina, na sua alma?)

Houve três grandes revoluções no mundo, a americana, a francesa e a russa. A literatura não poderia ser mais copiosa. Mas basta ler, por exemplo, Cidadãos, de Simon Schama, para se ter um relato esplêndido da revolução interrompida, 1789-1794, na França, e concluir com o livro de Edmund Wilson, Rumo à Estação Finlândia. Schama é conservador, Wilson não era, quando escreveu, fazia fé, ainda na década de 30, como tanta gente, na Revolução Russa. Mas a esta altura, e mesmo antes de ele morrer, em 1972, é fácil notar que a Revolução Russa não teve o Terror interrompido, como a Francesa, mas continuou até Gorbachev revelar o seu imenso fracasso.

O melhor livro sobre a Revolução Francesa é História da Revolução em França, de Edmund Burke, de 1790, que previu o Terror de Robespierre e Saint-Just. Se o estudante quer um livro a favor da Revolução Francesa, leia, o título é o de sempre, o de Gaetano Salvemini. A favor da russa a de Sukhanov, que a Oxford University Press resumiu num volume, ou A Revolução Russa, de Trotski, um clássico revolucionário. Mas os fatos falam mais alto que o brilho literário de Trotski.

Sobre a Revolução Americana não conheço livro bom algum traduzido, mas por tamanho e qualidade, um volume só, sugiro a da editora Longman, A History of the United States of America, do jovem historiador inglês Hugh Brogan, 749 págs, apenas, quando comprei custava US$ 25. Tem tudo que é importante.

Em economia, a Abril publicou 50 volumes dos principais economistas. Eu não perderia tempo. Têm tanta relação com a nossa vida como tiveram Zélia e a criançada assessora. Mas há o Dicionário de Economia, também da Abril. Quando tascarem o jargão, você consulta para saber, ao menos, o que significa a embromação. Economia se resume na frase do português: quem não tem competência não se estabelece.

Dos romances do Século XIX, Guerra e Paz, de Tolstoi, e Crime e Castigo, de Dostoiévski, me parecem absolutamente indispensáveis. Guerra e Paz porque é o retrato completo de uma sociedade como uma grande família, porque rimos e choramos sem parar, porque contém um mundo e as inquietações do protagonista, Pierre Bezhukov, que até hoje não foram respondidas. Crime e Castigo, porque exemplifica toda a filosofia de Nietzsche de uma maneira acessível e profundamente dramática, de como o cérebro humano é capaz de racionalizar qualquer crime, que tudo é relativo, em suma, a pessoa que pensa e age, como Raskólnikov, o protagonista. Vale tudo. Dostoiévski, para nos impedir de aniquilar uns aos outros, acrescenta que não se pode viver sem piedade.

Dos modernos, Proust é maravilhoso, mas penoso, Joyce é desnecessário, mas vale a pena ler as obras-primas de Thomas Mann, A Montanha Mágica, para saber o que foi discutido filosoficamente neste século, e Dr. Fausto, que leva o relativismo niilista que domina a cultura moderna e de que precisamos nos livrar, se vamos sobreviver culturalmente, como civilização, e não como meros consumidores, num nível abjeto de satisfação animal.

Há muitas obras que me encantaram e não estou, de forma alguma, excluindo autores ou quaisquer livros. A lista que fiz me parece o básico. Em algumas semanas, duas horas por dia, se lê tudo. Duvido que se ensine qualquer coisa de semelhante nas nossas universidades. Se eu estiver enganado, dou com muito prazer a mão à palmatória.


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"O PT diz ter um programa operário. Mas é um programa de radicais de classe média que imaginam representar a classe operária, e não os operários, porque estes querem mesmo é se integrar à sociedade de consumo, ter empregos, boa vida. Não lhes passa pela cabeça coisas como socialismo."

"A melhor propaganda anticomunista é deixar um comunista falar."


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No avião, com Mick Jagger




(texto publicado na Folha de S. Paulo em 4 de maio de 1979)

No avião para Londres, achei que as aeromoças (agora chamadas feministicamente de assessoras de voo, sendo que "assessor" em inglês não tem feminino), apesar do título feminista, estavam galinhando comigo. Em seguida, que meus dentes tinham caído, ou o cabelo. Depois que a calça rasgara no, digo, na minha "Maggie Trudeau".

Depois, notei um rapaz ao meu lado, na janela. Parecia uma senhora de cinquenta anos, pele cansada, minha filha. Cabelos escorrendo pelo ombro. Calças de veludo verde, camisa de delinquente estilizada, gravata de Fu Manchu, roupa cortada mui estranhamente. Tirou as botas de caubói e ficou descalço. Uma caixa de bolinhas na mão, rotativa. Cara familiar. Não olhava ninguém, o que é marca de celebridade, não agradeceu as três taças de champagne, eu agradeci as minhas duas.

Era, descobri, Mick Jagger. Todas as moças em chamas, ele nunca me olhou ou me falou. É um bom companheiro de assento. Não pede licença. Ou melhor, pede, mas não incomoda. Pula por cima da gente, como um chimpanzé craque.

Pensando em você, que não vive a "emoção" do correspondente estrangeiro (que troco por uma choça em Petrópolis, pelo mesmo salário), meu caro leitor (todos os sexos), comecei a anotar mentalmente a "vida" de Mick.

Papamos a mesma salada. Ai, ai, ai. Tracei um consommé, ele não. Mas, Mick, sopa se toma à noite. Pediu uma lasanha. Eu, um bife malpassado. Era, infelizmente, carne inglesa, não americana (nos eua se pode e deve comer carne malpassada. Na maioria dos outros países, ao ponto, se bem que, na França, ao ponto é malpassado).

Menino pobre nunca se cansa de massas italianas. Comecei a fantasiar a gloriosa ascensão de Mick da sarjeta, muito contrarrevolucionária, porque enquanto existirem Cinderelas, fantasiaremos que somos a dita. E, no entanto, Mick, ao contrário dos Beatles, assustou a burguesia (ver, entre muitos exemplos, Citadel, que alguns acham baseada na batalha de Khe Sahn). Havia algo nele de genuinamente subversivo. Isso no tempo em que rock era importante para os garotos, que ainda não se haviam rendido aos confortos da música disco. Hoje rock morreu, disco infesta.

O certo é que Mick não dorme como você e eu. Ele tomou uma bola e começou a ler uma revista. Aí, no meio, segurando a revista, terminávamos de jantar, fechou os olhos e nessa posição permaneceu horas. Ao acordar, sacou nova bola, sacudiu a cabeça depois de tomá-la e era "um novo homem". Mick não é o único que vive assim, com uppers and downers, de pílula em pílula...

Londres continua minha cidade quase favorita, apesar de eu vir aqui ver a fauna que mais abomino, os políticos. Agora, os preços são suficientes para que os eleitores enxotem os trabalhistas do poder. Não interessa que os conservadores sejam piores. São. O fato é que os trabalhistas não devem ser recompensados com reeleição pelas desgraças que baixaram sobre sua formosa ilha.

Há um mito de que Mick não lê nada. Papo. Flagrei-o lendo o colunista político do Village Voice, Alex Cockburn, a seção de artes e, vexame para o ídolo supremo do inconformismo, "palpites para o consumidor".

Onde está o famoso entourage que percorria o mundo num jato, carregando moças para todas as ocasiões e drogas, sendo recebidos todos em cada porto por massas histéricas? Estará Mick reduzido à vulgaridade de um jato comercial? Ou quer impressionar o imposto de renda inglês (83% são cobrados de gente na faixa de Mick) ou a Justiça, contra sua ex-mulher Bianca Macías, vulgo Jagger, que para se divorciar oficialmente dele quer 10 milhões de dólares à vista e 9 mil dólares por semana, valorizando assim seus "7 centímetros" e vagabundagem como se fossem um diamante raro?

Em Londres, Mick e eu fomos recebidos por uma massa incalculável no aeroporto de Heathrow. Não eram nossos fãs, não. É o resultado da era do charter, do pacote que permite a todo mundo viajar, ou seja, a que os pobres nos inflijam sua incômoda e desagradável presença (há sempre comida pelo chão e crianças berrando). Me senti o "filho de Pinochet" lutando quase uma hora para arranjar carro e chofer que me levassem a Londres.

Às vezes me pergunto se não me tornei um extremista político por motivos estéticos, porque me ofendia a pobreza coletiva. Hoje, que voltei ao natural, não acreditando em mais nada, resta o desgosto. Sou um infeliz.


Um comentário:

  1. Prévidi,

    Parabéns pela postagem sobre o genial Paulo Francis.
    Gênio puro!
    Morando no interior, pra mim era uma graça quase que divina quando eu ia Porto Alegre, coisa que pelo meu trabalho fazia quase que semanalmente, e podia comprar o Estadão, basicamente para ler a coluna do gênio.
    Numa época pré google, o sujeitinho escrevia um textão de duas páginas nesse jornal versando sobre um completamente desconhecido, ao menos pra mim, compositor de óperas medievais e que havia vivido na Roma renascentista, mais precisamente por meados do século XV. Tudo, tudo de cabeça!
    Sinceramente não acredito que ele tenha tido seu mortal infarto em decorrência da questão da Petrobrás. A Petrobrás era apenas mais um das centenas de broncas e desafetos que ele criava permanentemente, pois não havia quem o fizesse parar. Criticava, e como!, tudo: Banco central e sua política monetária, a Petrobrás e seus corruptos gestores, o Federal Reserve americano, a indústria automobilística e seus automóveis inseguros, chamava homossexual de 'viado, traveco', mulher lésbica de 'machona', Deus meu, quem escapou daquela boca felina!
    Mas não havia pra ninguém, ninguém chegou aos seus pés em termos de genialidade! Sua morte, se não me engano em 1995, deixou um imenso vazio na na TV e no jornalismo brasileiro. Vários tentam ocupar o seus espaço, mas é muito difícil (talvez, mas só talvez, o Diogo Mainardi chegue mais próximo dele, talvez...)
    Era ele aqui e Deus lá em cima.
    Devem estar, nesses 25 anos, discutindo entre si para saber quem é mais genial, quem realmente é, entre os dois, o deus!
    Deus, não baixe a guarda, senão...!

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