Sexta, 6 de dezembro de 2019




Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
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ANDO DEVAGAR
PORQUE JÁ TIVE PRESSA PRESSA





Escreva apenas para






especial

Nesta sexta, uma cesta
de Tarso de Castro!



Viver é fácil. 
A dor é apenas o intervalo para fumar.








“Prefiro viver pela metade por uma garrafa de uísque inteira a viver a vida inteira bebendo pela metade”








Tarso de Castro  nasceu em Passo Fundo-RS, em 11 de setembro de 1941. É filho do diretor do jornal O Nacional - claro, de Passo Fundo -, Múcio de Castro.
Jornalista, teve uma vida de excentricidades - beber fazia parte de sua rotina, assim como conquistar mulheres, gastar sem parar o que ganhava e emprestava o que tinha no bolso para quem pedisse.
Morreu antes de completar 50 anos, em São Paulo,  em 20 de maio de 1991. Não admitia médico e a causa da morte foi cirrose hepática.
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Trailer do documentário "A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro"




Foi o criador do caderno Folhetim da Folha de S.Paulo. Também foi um dos fundadores de O Pasquim, do qual foi editor por 80 edições.
O jornalista Tom Cardoso escreveu sua biografia, Tarso de Castro - 75 kg de Músculos e Fúria, lançada em 2005. “A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro”, filme dirigido por Leo Garcia e Zeca Brito.
“Ele viveu da forma que queria, e teria sido infeliz se fizesse diferente”, diz Ada de Castro, mãe de Tarso, no documentário. Ao lado dela, no filme de 90 minutos, surgem os cartunistas Jaguar e Paulo Caruso, os jornalistas Sérgio Cabral, José Trajano, Nelson Motta, Roberto D’Ávila, Luiz Carlos Maciel, Tom Cardoso, Leão Serva, Lilian Pacce, o tradutor Eric Nepomuceno, o ator Paulo Cesar Pereio, o compositor Caetano Veloso.
Tarso teve um filho, o ator João Vicente de Castro, do Porta dos Fundos e novelas da Globo.
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E qual o motivo do livro ser intitulado "75 kg de Músculos e Fúria"?
Euler de França Belém conta no Jornal Opção:
O título do livro, estranho, tem uma explicação. Quando decidia escrever sua coluna, na “Ilustrada” (da qual foi editor), da “Folha de S. Paulo”, depois de ser buscado num bar por sua assistente, Lilian Pacce, Tarso dizia: “Neste momento, 75 kg de músculos e fúria se reúnem para fazer mais uma coluna”. Sobre o sucesso na “Folha”, na qual contava com a condescendência de Octávio Frias de Oliveira, Tarso disse, numa entrevista ao “Correio Braziliense”, em 1984: “Nosso jornalismo tornou-se tão especializado que perdeu a alma. Os jornais ficaram muito iguais. Minha coluna é irreverente, nela dou esporro, chamo o Maluf de ladrão, defendo a dignidade deste país angustiado. Busco munição nos bares, nas ruas. (…) Os jornais brasileiros acabaram com o talento individual, com o jornalista de estilo próprio”.
Tom Cardoso registra uma história muito boa, contada por Jaguar:
“Eu estava tomando minhas biritas na mesa dos fundos do Degrau, quando o Tarso empurrou a porta com um tranco e berrou para todo mundo ouvir: ‘Jaguar, seu viado, vamos duelar! Escolha as armas!’. ‘Conhaque’, respondi. Modéstia à parte, eu estava num daqueles dias em que a gente pode beber um Amazonas que não fica de porre. Ganhei: carreguei o Tarso, desmaiado, até a casa dele”.
Depois de fazer vários jornais, como “Enfim” e “Careta”, e editar a “Tribuna da Imprensa”, Tarso refundou “O Nacional”. O jornal era ligado a Leonel Brizola, no Rio, e a Franco Montoro, em São Paulo. Mesmo devotado a Brizola e ao prefeito Saturnino Braga, Tarso fazia críticas.
“A verdade era que Tarso não sabia fazer jornal a favor de ninguém, nem de Brizola”, diz, com acerto, Tom Cardoso.

Ayrton Senna era o "nosso Veado Veloz"

Na extinta “Folha da Tarde”, para onde voltou, depois de ter acionado judicialmente a “Folha de S. Paulo”, do mesmo grupo, Tarso manteve-se implacável. Chamava Orestes Quércia de “Dama de Ferro” e Ayrton Senna de “o nosso Veado Veloz”. Ele tinha o hábito de chamar os outros, sobretudo os desafetos, de “bicha”. Corre a história de que era bissexual, porque gostava de beijar os amigos, como Caetano Veloso, na boca. Tom Jobim “denunciou” que tinha a mania de apertar o aquilo-roxo dos amigos. Tom Cardoso não apresenta, porém, nenhum caso de homossexualidade de Tarso. Ele era um garanhão, sensível, às vezes, grosso, não raro, e sempre adorado e perseguido pelas mulheres… bonitas. Homens têm o hábito de apontar como gays homens bonitos e que atraem as mulheres mais belas.
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E sua passagem por O Pasquim?
Uma das principais fontes do livro de Tom Cardoso, ao lado de Martha Medeiros, Luiz Carlos Maciel faz um registro da crise interna do “Pasquim”: “Ali a introdução de Millôr como sócio e o expurgo de Tarso foi uma luta pelo poder. O Tarso, embora não determinasse o que seria escrito, era o cara que dava a palavra final. Ele era mandão mesmo. (…) E os outros queriam mandar também, principalmente o Millôr. O Millôr achava um absurdo o Tarso mandar mais do que ele, por isso armou uma conspiração para derrubá-lo. Foi um golpe de Estado, com a adesão do Jaguar e do Francis, de quem era amigo íntimo. Uma das coisas que o Millôr alegou, mas que nunca foi provado, e que não acredito, é que o Tarso roubava dinheiro de ‘O Pasquim’. Que grande corrupção é essa que o cara sai do jornal com uma mão na frente e outra atrás?”.
Ao apresentar o livro de Tom Cardoso, o jornalista Luiz Carlos Maciel, grande amigo de Tarso e um dos principais colaboradores do “Pasquim”, diz: “Queiram ou não, foi ele o verdadeiro responsável pelo sucesso inicial do ‘Pasquim’”.
O pai de Tarso, Múcio de Castro, era dono do jornal “O Nacional”, em Passo Fundo (RS). Seu principal rival era Túlio Fontoura, dono do “Diário da Manhã”. Os grupos dos dois jornais brigavam sempre. O de Múcio, com o apoio de Tarso, então linotipista, gritava para o de Fontoura: “Pasquim! Pasquim! Pasquim!”. Pode ter sido a origem do nome do jornal que, anos depois, abalou a República civil-militar e os costumes. Antes de criar o “Pasquim”, Tarso brilhou na “Última Hora”, divertindo e irritando Samuel Wainer. Todo jornalista inteligente irrita o proprietário do jornal no qual trabalha. Os medianos passam, não como passarinhos, e sim como anônimos.
Mas voltemos ao “contencioso” sobre a fundação do “Pasquim”. Convidado por Murilo Reis para editar o jornal “A Carapuça”, Tarso de Castro diz: “Vamos fazer um jornal marginal”. Tarso defendia o formato tabloide. Convidou Jaguar e Sérgio Cabral para a empreitada, e, segundo Tom Cardoso, eles aceitaram “sem muito entusiasmo”. “Os primeiros a se juntar ao grupo foram Ziraldo, Paulo Francis e Flávio Rangel.” Millôr foi convidado para participar do “Pasquim” diretamente por Tarso e mostrou-se cético: “Olha, rapaz, desiste. O jornal não vai vingar, em seis meses será fechado”. A folha seca de Tarso: “Pronto. Você escreverá sobre isto no nosso primeiro número”.
Mais Tarso: “Convidei Ziraldo para participar como sócio. Ele recusou. Millôr Fernandes também caiu fora — chegou a escrever um artigo prevendo o final da publicação em poucos números, coisas que se explicam pelo fato de que ele considera insuportável qualquer coisa que dê certo e que não o tenha como autor. Doente, Claudius ia para a Europa e Prósperi tinha, no momento, outros interesses. Acabamos como sócios, eu, Jaguar e Sérgio Cabral. (…) Luiz Carlos Maciel foi o primeiro não-sócio que convidei”.
Convidando Caetano Veloso, que estava em Londres, para participar do “Pasquim”, Glauber Rocha disse: “Não! Você não está entendendo nada! Paulo Francis não vale nada. E mais: o pior de todos é o Millôr! E o único que presta é o Tarso de Castro. Ele é uma palavra só: ‘Coração’”. Glauber, claro, era um exagerado. Se não fosse, não seria Glauber. Seria, no máximo, Nelson Motta.
Uma das entrevistas mais comentadas, até hoje, do “Pasquim” foi a da atriz Leila Diniz. Durante a entrevista, Leila Diniz falou mais palavrões do que palavras convencionais. O quê fazer? “Foi de Tarso a grande sacada: substituir cada palavrão por um asterisco. Deu certo. Os censores demoraram meses para entender o artifício bolado por Tarso, mas até o mais pudico dos leitores de ‘O Pasquim’ sabia o que Leila queria dizer com ‘O filme era uma * incrível’”, conta Tom Cardoso. Há uma história que Tom Cardoso não apurou suficientemente: Tarso teria financiado a viagem da jornalista Martha Medeiros para Paris com parte do dinheiro que a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) roubou do cofre de Adhemar de Barros. “Reza a lenda”, ressalva o jornalista. Mas uma viagem para Paris, diria Hemingway, justifica mais o roubo do cofre do que a própria guerrilha. Porque, se a guerrilha era uma roubada, Paris era e é uma festa.
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Tarso e a atriz Candice Bergen, sua namorada made in USA

Muitas mulheres:
Namorou Tônia Carrero, Sílvia Amélia, Leila Diniz, Noelza Guimarães, Nara Leão, sua irmã Danuza Leão, Ana Maria Magalhães, Sonia Braga, Ana de Hollanda, Regina Rozemburgo, Betty Faria, Marisa Urban, Neuza Brizola [filha do ídolo político de Tarso, Leonel Brizola], Duda Cavalcante, Maysa Matarazzo [a cantora], Norma Bengell, Zezé Motta e, claro, Candice Bergen.
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IMPERDÍVEL!!
Samuel Wainer, Tarso de Castro, Plinio Marcos, Roberto D'avila entrevistam Leonel Brizola no programa Canal Livre, em 1980.




Brizolista.
Quem conta é o cineasta Zeca Brito em entrevista a Alessandra Alves:
Se é possível especular como seria Tarso diante dos hábitos atuais, também é permitido conjecturar como seria sua atuação profissional? “Vivemos momentos tão obscuros quanto os dos anos 1970, pelo direcionamento da narrativa na mídia. Imagino que Tarso continuaria combativo, mas seria muito difícil ele se enquadrar nos veículos tradicionais, estaria fora da imprensa hegemônica, provavelmente, sendo seu próprio patrão”, projeta Zeca.
E politicamente? É possível pensar como seria Tarso de Castro no século 21? Uma entrevista com Leonel Brizola, logo depois da volta do ex-governador do exílio, mostrada no filme, dá uma pista. Tarso, combativo pela volta dos exilados, enquadra Brizola em uma pergunta tipo saia justa, sobre os direitos dos homossexuais.
“Isso no começo da década de 1980! Ele militou pela volta do Brizola, mas não poupou o entrevistado de uma questão polêmica”, avalia Zeca. “Por isso, eu acho que ele seria simpático a um governo de inclinação socialista, mas seria contestador, nunca chapa branca. Tarso não fazia concessões e jamais deixaria de contestar qualquer governo, mesmo de esquerda, que se aliasse a banqueiros ou a qualquer uma das engrenagens patriarcais neoliberais que continuam por aí”, conclui Zeca.


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Tarso e o filho João Vicente


Trecho do livro "Pai Solteiro e Outras Histórias", de Tarso de Castro, de 1990



Churrasco de Mãe

Como todo mundo sabe, desde que entrei para o Rotary Club Internacional passei a ver as grandes datas de outra maneira, ou seja, com o respeito devido. Na verdade, desde que abandonei o escotismo, não me sentia tão patrioticamente estável. E foi assim, imbuído desse espírito, que, já no sábado, me preparei para comemorar o Dia das Mães. Por sinal, Maria do Carmo, aquele rapaz que eu trouxe do Norte, desde logo tentou tirar uma lasca da festa e veio falar, como quem não quer nada:

- Não posso garantir ao certo, Tarso, mas tenho a impressão de que estou grávida.

- Ótimo – concordou Cecílio – O senhor quer que eu coloque a Doris Day perto do Roberto Civita ou do Julio Mesquita?
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- Não mete a minha mãe no meio dessa história – berrei, desligando o telefone, irritado.

Logo depois localizamos Guncho Maciel e anunciamos que fecharíamos o Regine’s em homenagem a velha. Claro que Guncho, que é uma alma muito sensível, chegou a chorar de alegria.

- Nem a Glorinha Kalil vestida de longo me deixaria mais emocionado – observou.

Tudo acertado, tratamos dos primeiros atos que marcariam a comemoração do Dia das Mães. Para começo de conversa, antes de o sol surgir, faríamos uma grande chuva de fogos artificiais, a fim de que a luz do fim da noite, iluminada pelos foguetes e pelas cachoeiras de prata se fundisse com a luz do amanhecer. Uma coisa muito simples, mas de muito efeito.
Na verdade, o início das comemorações, ontem, deixou a vizinhança enlouquecida. E, logo depois desse espetáculo, levamos todos os convidados para o café da manhã (na verdade vinho e champanha da manhã) numa das piscinas do Jean-Louis Lacerda Soares, que, na ocasião, recitou alguns versos da sua própria autoria – todos naturalmente referentes às virtudes das mães. Eu diria mesmo que foram momentos de lirismo impecável.

- Está lindo – observou o velho Dob – mas será que a gente não está esquecendo alguma coisa?

- Você está ficando é louco – respondi – quero que você me aponte uma festa matinal mais rica em detalhes do que esta.

Um dos pontos altos, por sinal, foi o momento em que Telmo Martino apertou a mão de Júlio Mesquita e afirmou:

- Esta é uma data que sempre nos faz lembrar o quanto o senhor tem feito por todos nós.
Seguiram-se aplausos e brindes generalizados. De tal maneira a alegria se tornou contagiante que a festa acabaria por se prolongar até às 10 horas da noite, pelo que todos se sentiram dispensados de passar em casa para mudar de roupa e o grupo decidiu partir imediatamente para o Regine’s, a fim de encerrar as comemorações com chave de ouro. À saída, no entanto, Dob me olhou sério e insistiu:

- Olha, Tarso, não quero ser chato, mas continuo tento a impressão de que a gente está esquecendo alguma coisa importante.

É que, quando abrimos a porta (de casa), Dob berrou:
- Eu sabia que tínhamos esquecido alguma coisa!

E, de fato, lá estava mamãe, sentada na sala, esperando que fôssemos apanhá-la para a festa.
Amanhã faremos tudo de novo.


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Acho o PT um colégio de normalista


Glauber Rocha, Tom Jobim e Tarso


Trecho do livro de Tom Cardoso:

Dezessete de setembro de 1968. Como de costume, Samuel Wainer, dono da Última Hora, inicia a leitura pela página 2. Passa os olhos na coluna de Danton Jobim, diretor-presidente do jornal e considerado por Samuel “um liberal com suficiente flexibilidade ideológica para aderir a qualquer regime político”, pois escrevia com austeridade, sem ironias nem provocações, ao gosto do chefe. Do outro lado da página, brilhava a coluna de Moacir Werneck de Castro, secretário de redação, que, apesar de primo-irmão de Carlos Lacerda - inimigo mortal de Samuel -, era o homem de confiança do patrão desde os tempos em que ambos trabalhavam na revista Diretrizes , fechada pelo Estado Novo de Getúlio Vargas.
Samuel encerra a leitura da página 2 atento às notas da coluna “Hora H”. Mal pode acreditar no que acaba de ler:
Sob a inspiração do governador Israel Pinheiro, revolucionário autêntico, inicia-se em Minas Gerais o diálogo entre estudantes e policiais: dez homens foram treinados, no Dops, durante quatro meses, para aplicar golpes mortais de karatê e outros dos mais avançados métodos de luta. Eles formarão, agora, a linha de frente contra os movimentos estudantis e continuarão, inclusive, com um veículo especial munido de dispositivos especiais para lançamento de gases, seis fuzis e quatro metralhadoras - sendo protegido por chapas de aço. Os dez policiais especialmente treinados não poderão ser usados para a captura de ladrões ou assassinos, sua função específica é enfrentar os perigosíssimos estudantes e suas potentes armas, tais como lápis e papel.
Apesar de localizada no pé da página, a “Hora H” era o termômetro do jornal. Reservada para os bastidores da política nacional, vinha perdendo o viço e o charme nos últimos anos. Seu titular, Flávio Tavares, obrigado a conciliar a coluna com o trabalho de chefe de reportagem, não tinha mais tempo para se dedicar com o mesmo afinco às duas atividades, e havia sugerido ao patrão que ele colocasse outro jornalista para tocar a coluna. Samuel acatara o pedido, desde que Flávio, o mais bem-informado colunista político do jornal, indicasse alguém à altura para substituí-lo. Para surpresa de todos, o chefe de reportagem escolhera um nome pouco conhecido, de apenas 27 anos, mas que, segundo Flávio, escrevia com a segurança de um veterano e ganhara fama em Passo Fundo, sua cidade natal, e na UH de Porto Alegre pela coragem e atrevimento com que provocava autoridades locais. Seu nome: Tarso de Castro.
Samuel não queria saber dos feitos do jovem colunista. “Onde já se viu desafiar os brucutus do Dops com essa história de 'armas de lápis e papel'”? Por sorte, o governador Israel Pinheiro, chamado por Tarso de “revolucionário autêntico”, não estava identificado com a linha dura do Exército, que tomara conta do governo Arthur da Costa e Silva, segundo presidente do regime militar instaurado em 1964. O clima de radicalização política, que vinha ganhando corpo desde o início de 1968, agravara-se depois que o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, decidira denunciar as arbitrariedades do regime, durante discurso no Congresso Nacional, no dia 2 de setembro.
Para quem como Samuel, desencantado com os rumos do país, havia decidido manter a UH em banho-maria, adotando uma postura nem condescendente com os militares, nem de ataque, até que as finanças melhorassem e ele pudesse vender o jornal sem grandes prejuízos, a coluna de Tarso de Castro era de uma “molequice imperdoável”. Mesmo furioso, Samuel decidiu esperar o próximo texto do novo titular da “Hora H” para tomar alguma providência. Quem sabe aquele não havia sido apenas arroubo de principiante, deslumbrado com um espaço poderoso no jornal. No dia seguinte, 18 de setembro de 1968, abriu a página 2 e inverteu a ordem de leitura, começando logo pela “Hora H”. Atônito, não conseguiu passar da terceira linha: O ministro da Justiça, Sr. Gama e Silva, anda muito preocupado com os “pontos falhos” do Ministério. E isso porque muitos dos seus geniais planos são revelados pela imprensa antes da sua concretização, o que diminui o impacto junto à opinião pública. Por isso mesmo o Ministério está tratando de afastar todos aqueles elementos sobre os quais recaia qualquer suspeita de transmitir informações à imprensa. Gama está cada vez mais convencido de que os jornais são culpados por metade do que acontece no Brasil. Só o poder de censurar a imprensa já faz com que o ministro da Justiça passe a noite a embalar seu sono pelo alegre sonho de decretação do estado de sítio.
Afrontado abertamente por Tarso de Castro, o ministro Gama e Silva, ao contrário do discreto Israel Pinheiro, alvo anterior do colunista, primava pelo exibicionismo e truculência. Orgulhava-se de ser o orientador do Comando de Caça aos Comunistas, o CCC, formado por jovens da ultradireita, que tinham como passatempo predileto espancar covardemente estudantes e artistas ligados a movimentos de esquerda - dois meses antes, no dia 17 de julho, em São Paulo, o CCC havia agredido com pedaços de pau atores da peça Roda-Viva, dirigida por José Celso Martinez Corrêa.
Dias depois de ter tomado um esporro diante de toda a redação, Tarso de Castro já era uma estrela da Última Hora, titular da coluna mais lida do jornal. Samuel rendeu-se aos poucos ao seu estilo irresponsável e iconoclasta, a ponto de conceder-lhe um generoso aumento de salário - àquela altura, Tarso ganhava o dobro de seu “tutor”, Flávio Tavares. O risco de ter o jornal fechado por causa do atrevimento do jovem colunista foi temporariamente esquecido por Samuel, que era grato pelo aumento de vendas e pela revalorização da coluna “Hora H”.


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"É preciso ter amigos, mas poucos"





Tarso lover

Palmério Dória, jornalista

Meados da década de 1980. Por volta das 11 da noite, Tarso de Castro abre a porta de blindex do Florentino carioca e passa como um bólido pela mesa em que estamos sentados, eu e Rubem Braga, com o uniforme de sempre: camisa social neutra, manga arregaçada, fora da calça, sapato mocassim. O genial cronista comenta, num tom representado de despeito:

— Esse é o único homem que eu invejo. Pegou todas as mulheres que eu queria pegar.
Rubem Braga, hein?, que namorou Tônia Carrero. Na volta do banheiro, senta conosco. João, o garçom instantâneo, serve-lhe “társica” dose de Grant’s. Tarso já pôs o pequeno João Vicente – uma homenagem a Jango – para dormir em sua casa no Jardim Botânico e está pronto para a noite. 

Outros começam a chegar: José Lewgoy, Fernando Sabino, acompanhado da mulher Lígia, que inspirou música de Tom Jobim, a amiga dela Lúcia Pedroso, eterna namorada de Juscelino Kubitschek, Jaime Lerner, Hélio Fernandes Filho, Fred Suter, Anna Maria Tornaghi, Agildo Ribeiro, Lúcio Mauro, Paulo Cesar Peréio, Hélio Fernandes Filho, Chico Caruso, Fernando Balbi, o artista plástico Angelo de Aquino… Uma constelação. E boa parte das 15 pequenas mesas do bar se transforma em um só.

Era uma noite comum no “boteco”. Há algum tempo o Antonio’s tinha virado mausoléo do bêbado desconhecido, e o Florentino, na última quadra da rua San Martin, tornou-se um dos principais redutos da boemia carioca e QG de Tarso, que fazia dos bares uma extensão das redações que comandava.

Mas foi no Antônio’s, bistrô também no Leblon, que Tarso conquistou uma das mulheres mais bonitas da década de 1970, a atriz e fotógrafa Candice Bergen, estrela de Ricas e Famosas – que até recentemente podia ser vista na TV na série americana Justiça Sem Limites. Foi assim:

Ele chega no Antonio’s, vê Candice Bergen com sua entourage, dá meia volta, pega um táxi, vai a uma floricultura, compra a corbeille mais linda com um dinheiro que não tem, volta para o Antonio’s, entra no bistrô, fica diante da musa e arranha em inglês: “Para a mulher mais bela do mundo”. Ela manda ele sentar e dali já saem namorados.
Dali pra frente, o folclore é imenso. Tome duas histórias:

Tarso vai encontrar Candice filmando na Bahia. Do hotel em que se hospedam, quando a namorada vai tomar banho, liga eufórico para o velho amigo João Ubaldo Ribeiro, em plena faina num jornal em Salvador:

— João Ubaldo, eu estou hospedado aqui num hotel com a Candice Bergen.

E João Ubaldo, incrédulo, devolve.

— E eu estou aqui com a Sophia Loren.

Na onda da anistia, Tarso foi encontrar o amigo Leonel Brizola em Nova York, onde o entrevistou para o Enfim, semanário que acabava de lançar. Brizola, claro, foi capa do tabloide. E havia um crédito miúdo da fotógrafa: Candice Bergen. É o tal charme da aventura.

No Florentino como no Antonio’s, qualquer que fosse o grupo, Tarso dava o tom do papo. Clown, o magnífico. Mesmo quando não estava presente, alguém se encarregava de alimentar o folclore romântico em torno da figura dele.

Certa noite chega com Zezé Motta. A atriz, deslumbrante, no auge do sucesso. Os dois enamorados iniciam tetê-à-tête numa das tais mesinhas. À vontade, Tarso descalça o mocassim e começa a engavetar seus pés com as pernas de Zezé. De repente, não mais que de repente, como diria seu querido amigo Vinicius de Morais, solta um urro. Todos imaginam enfarte fulminante. Na operação, Tarso desloca o joelho e tem que sair carregado para o Hospital Miguel Couto, no Leblon. Ainda aos urros.

Na maioria das vezes, no entanto, Tarso chega desacompanhado. E à medida que a noite avança, fica com todos os sentidos em alerta para não permanecer assim, de olho nas avulsas, amigas ou futuras amigas. É muito comum alguma beldade lhe oferecer carona – ele não dirige mais; despachou recentemente um Dodge Dart caindo aos pedaços. Pode ser o começo de um novo romance.

A persistência de Tarso é lendária. Encerrava suas colunas na revista Afinal com um pedido: “Xuxa, dá pra mim!”. Foi confrontado certa vez por um estudante durante palestra em Belo Horizonte, que lhe cobrou compostura. Perguntou se não pegava mal “cara que participou tão intensamente da campanha das Diretas se prestar a esse papel”. Tarso coçou o queixo e devolveu com outra pergunta: “E se colar?”. A plateia aplaudiu em peso.

No fundo, no fundo, era variação de tática aplicada ainda em sua coluna na Última Hora para conquistar a socialite Sílvia Amélia Chagas Marcondes Ferraz, neta do sanitarista Carlos Chagas: “Estou a 200 metros de Silvia Amélia”. “Hoje, fiquei apenas 50 metros”. “Hoje, estou a 10 metros”. Houve uma disputa entre Tarso e Roberto, que teria inspirado a canção Detalhes. O rei da censura às biografias nega que Tarso seja o cara do trecho ”Se um outro cabeludo aparecer na sua rua”. O certo é que os dois tiveram cada qual seu romance com a Pantera de Ibrahim Sued. Silvia Amélia hoje é
baronesa Silvia Amélia de Waldner. Vive em Paris, casada com o herdeiro de uma das famílias mais tradicionais da França.

Tarso e Roberto Carlos se davam bem, mas uma situação no bar do Hippopotamus, na Praça Nossa Senhora da Paz, podia pôr essa relação em risco. Certa época, eu e Tarso íamos ao night club quase toda noite. O semanário O Nacional, sua derradeira aventura jornalística. Como Ricardo Amaral amava Tarso, tínhamos boca livre ali.

Myriam Rios, então casada com Roberto Carlos, diverte-se ali com amigas e o irmão. Roberto está em excursão na Venezuela. Myriam festeja a entrada de Tarso, que senta ao lado dela. Começa discreta troca de carinhos. Quando ficam mais intensas, o irmão sugere que partam. Ela faz que não ouve. Ele levanta-se, toma um braço da irmã, e fala no pé do ouvido dela: “Você não vai estrepar a gente!” (o irmão não disse exatamente estrepar). Myriam em pé, Tarso toma o outro braço, dando início a um cabo de guerra em que o irmão leva a melhor.

Tarso falava com ternura de todas as suas namoradas célebres (além das acima citadas, Leila Diniz e Regina Lecléry, que também namorou John Kennedy) e esposas (Barbara Oppenheimer e Gilda, mãe do João Vicente da Porta dos Fundos). E elas retribuíam com a mesma ternura.

Meses depois da morte de Tarso, topo com Betsy Monteiro de Carvalho saindo do banheiro do Florentino. Ali mesmo, em pé, emocionada, ela faz revelações. Conta que a casamento dela com Olavo Monteiro de Carvalho acabou no dia em que o empresário ouviu um papo dos dois na extensão. Acho que Betsy foi a última das deslumbrantes namoradas de Tarso.


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"Eu sou um jornalista honesto: sou parcial mesmo"





Cinco vezes Tarso de Castro

Nei Duclós, em http://www.consciencia.org/ ( o Site do Nei Duclós)


UMA: FECHAMENTO

– Vamos fechar essa merda em cinco minutos!

Era um dos muitos gritos de Tarso de Castro, anunciando sua má vontade em participar diretamente do fechamento da Ilustrada, suplemento cultural da Folha de S. Paulo, no final dos anos 70. Ele era obrigado a fazer isso quando o editor Antonio Carlos Coutinho, o Zuba ( hoje proprietário e diretor da revista Expressão, de Florianópolis) tirava férias. O fechamento não podia atrasar nem um minuto depois das oito horas. Tarso chegava às cinco, anunciava-se e sumia (Estava no bar? Estava no último andar? ). Voltava um pouco antes das oito (quando conto essa história, gosto de dizer: “ele voltava às cinco para as oito”). E realmente fechava em cinco minutos.

Pegava as tripas de laudas (que na época era coladas, formando serpentes de papel) com um braço só, levantava até os olhos e tascava:

-Jesus é Oxalá.

E caía na gargalhada. Era o título – que ele não escrevia, apenas ditava – de uma matéria sobre sincretismo religioso, já que a Ilustrada de Tarso não se dedicava apenas ao show- biz, nem a pauta era ditada pela indústria cultural. A equipe tinha autonomia e cada repórter ou redator assinava embaixo, tanto a notinha quanto a reportagem.

Tarso pegava a outra tripa de laudas e ditava a legenda de um perfil de Lacerda:

– Abre aspas: ao invés de tomarmos o caminho do Canadá, tomamos o caminho da Índia.

Admirava, apesar de ser seu inimigo político, o frasista Lacerda, que era o verdadeiro autor da expressão “fi-lo porque quilo”, em resposta à pergunta “por que fê-lo?”, de Jânio. Este, a quem normalmente é atribuída a boutade, jamais faria brincadeiras com a língua, que levava a sério. Eu desconfiava daquele fechamento, que acreditava feito nas coxas. Imaginava que ia dar tudo errado.

Mas no dia seguinte, ao abrir o jornal, tudo fazia sentido: os títulos, as legendas, a disposição das matérias. O fechamento, que para nós custava muita dor de cabeça, para ele era um jogo. Sua cabeça estava solta e o olho clínico, atento.

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DUAS: ABERTURA

Tinha aterrissado na redação indicado por Jorge Escosteguy, que na época trabalhava na Veja. Oficialmente, não havia espaço para mim – ou seja, a “casa” não tinha pedido uma contratação, mas Zuba precisava de um redator e me colocou lá para ajudar no fechamento, sem o conhecimento de Tarso. No primeiro contato que tive com Tarso fiquei bem impressionado pela maneira direta e franca da sua conversa, que foi rápida e eficaz. Acabei ficando na Folha dois anos e meio porque Tarso confiou em Zuba e também porque foi com minha cara.

Tarso estava mais voltado para o iminente lançamento do Folhetim e deixou a Ilustrada nas mãos da equipe coordenada por Zuba e secundada por Marco Antônio de Moraes, o Markito (depois de cada fechamento, Markito convidava: Nei, vamos até o bar para parar de tremer). Tarso tinha deixado sua marca no suplemento, ao editar uma série de reportagens de capa enfocando, cada dia, uma artista mulher (Bruna Lombardi e Rita Lee mereceram esse destaque). A Ilustrada não era um espaço de matérias frias. Tinha personalidade própria, agitava, avançava sobre outras editorias, derrubava murinhos, criava casos, provocava ciúmes.

Tarso alimentava o rumor, fazia cena. Quando lançou o Folhetim, avançou pela redação com uma prova da capa que tinha – é claro – o Chico Buarque colorido, com o título “Olhos nos olhos”. Caminhava lentamente, com a capa à mostra, triunfante, segurando uma gargalhada explosiva, que rebentava no minuto seguinte.

A liberdade instaurada por ele costumava provocar dores de cabeça em Tarso, que chegava apavorado na mesa da edição para dar alguns toques:
– Não copisquem os colunistas, vocês enlouqueceram?

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TRÊS: CARÁTER

Migrante recém chegado em São Paulo em 1976, fiquei ligado na Ilustrada editada por Tarso de Castro, jornalista que lia e gostava não só desde a fase do Pasquim, mas do Panfleto – o Jornal do Homem da Rua. Lia o Panfleto – uma das muitas obras da dupla Fortuna/Tarso – ainda em Uruguaiana, RS, onde vivi até os 17 anos. Na Ilustrada, assinei reportagens, crítica musical, fábulas e comentários. Tarso nos deixava solto, porque apostava na criatividade alheia. Ele criava o cenário da invenção. Todos, medíocres ou não, saíam ganhando.

Sabia ser indiferente, porque era seletivo, apesar de aberto. Mas também sabia ser solidário. Quando tive um problema grave de família, fui buscar o salário para dar, inteiro, de entrada nas despesas do hospital – tinha havido uma emergência e eu não dispunha de plano de saúde, pois na época era autônomo, nem tinha carteira assinada. Ele soube da história, fez uma cara feroz e pegou o telefone, gritando para o diretor financeiro:

– Paga o hospital do nosso redator!
O diretor, claro, não gostou. Mas Tarso fincou pé e jamais precisei pagar aquela despesa.

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QUATRO: FORTUNA
Na época, não cheguei a fazer amizade com Fortuna, o braço direito de Tarso. Só em 1988, quando fui assessor de imprensa e precisei de um diretor de arte, é que me aproximei bastante desse gênio brasileiro, que amargou longo exílio interno depois de tanto fazer pelo jornalismo. Fortuna era muito mais que um cartunista seminal, mestre do traço e da piada política. Escrevia como poucos e, leitor de Gutemberg, era criador visual de primeira, com extrema lucidez no olhar, capaz de detectar um desvio de meio milímetro num fio mal colocado (antes da computação).

Cito Fortuna neste depoimento porque ele se queixava bastante da injustiça que fizeram ao Tarso em relação ao Pasquim. Para Fortuna, o Pasquim foi obra de Tarso e não dos outros colaboradores, que foram apenas coadjuvantes. O Pasquim, como o Panfleto, como Enfim, Folhetim, eram produtos do inventor de jornais Tarso de Castro, filho de jornalista e admirador de Samuel Wainer, o repórter que virou cartola da imprensa.

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CINCO: FINAL

– Recebeste meu livro de poesias, Tarso? perguntei.

– Estava lendo teus versinhos para minha namorada, respondeu ele.

Quando me encontrava, gostava de lembrar nossas raízes gaúchas. Gritava:

– Tchê, perdi minha guaiaca de fumo e fiquei a tarde toda campaneando.

E achava isso sempre muito engraçado, o que mantinha o mote com o mesmo sabor da primeira vez.

A última vez que vi Tarso, foi no centro de São Paulo. Abracei seu corpo muito magro, que ainda tinha força para o abraço. Estava desenganado. Morreria pouco depois, com apenas 49 anos. No seu velório, vi seu rosto muito pequeno, encolhido. Toda vez que me lembro dele, me dá saudade. Faz falta sua coragem, seu talento, seus ruído, sua ética, seus jornais, sua solidariedade.

Fui seu amigo esporádico, episódico, sem muita importância. Mas sua generosidade tinha espaço para todos os contemporâneos.

Hoje, quando alguém fala mal de Tarso, encaro a declaração como uma ofensa pessoal.



Um comentário:

  1. O melhor blog do RS. Previdi anda afiado, uma fera das antigas, um tigre que muitos babacas julgam extinto mas que ainda comera esta filhotama de pseudojornalistas que mal sabem entender um texto.
    Cada vez que leio as cestas fico fascinado com a inteligencia dos homenageados.

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