- Lembro-me perfeitamente, era um jovem e morava em São Leopoldo, dos eventos do sesquicentenário da nossa independência em 1972.
Era um Brasil do início do milagre econômico, da euforia do recente tricampeonato mundial de futebol, das consagradoras vitórias do Emerson Fittipaldi, campeão mundial de fórmula um, da explosão nacional do ufanístico hit ‘Eu Te Amo Meu Brasil’, dos irmãos cearenses Dom e Ravel, na voz do grupo Os Incríveis, mas também da crescente repressão da ditadura militar, dos gemidos dos imundos porões, do terrível AI-5.
Hoje os tempos são outros, e, mesmo que um ou outro neste nosso Brasil tão dividido não curta, festejar é preciso, a Independência do Brasil é a data maior da nossa brasilidade!
Neste texto falarei da Independência em si, e do homem que, irritado e aos berros, às margens do riacho do Ipiranga proclamou-a naquela tarde de 7 de setembro de 1822.
Prólogo
Em primeiro lugar, e isso importa, não foi algo pontual. Nossa independência, diferente dos nossos livros de história, é o clímax do encadeamento de eventos que vem desde 1808 com a vinda dos membros da Casa de Bragança ao Brasil, em decorrência da iminente invasão de Portugal pelo exército de Napoleão.
Daí em diante, a colônia brasileira adquire uma nova cara, um novo status, algo de difícil reversão.
(Do zero absoluto num país-continente com 4,5 milhões de habitantes dos quais apenas um milhão brancos – os demais: índios, negros, pardos, mulatos, mestiços, caboclos – que nem mesmo um simples prelo para imprensa tínhamos, passamos a ter, por obra do príncipe-regente Dom João XI: escolas régias, bibliotecas, tipografias para jornais e livros, ampliação de academias militares, e até mesmo, isso já em 1808, uma escola de cirurgia na Bahia.
Mas, enquanto o Brasil com suas largas e férteis terras, agora fertilizadas pela riqueza e conhecimento trazidos pela massa de burocratas que acompanharam a família real, crescia, a corte em Lisboa definhava. E tudo piorou quando Dom João VI elevou-nos à categoria de Reino Unido de Portugal e Algarves.
Com Napoleão e Junot derrotados na Europa,em 1815, a família real deveria voltar de imediato. Mas aclimataram-se ao solo tropical e foram ficando.
Em 1820, explode em Portugal a Revolução do Porto.
Com a morte da rainha d. Maria I, ‘a louca’, d. João já havia assumido o reinado como d. João VI. Premido por duas elites políticas absolutamente antagônicas: a local, aclimatada aos trópicos e enriquecida, e a que permaneceu em Portugal, ele precisa decidir se fica ou vai. Duas sedes a corte europeia não mais aceita!
Então, Dom João VI, em 1821, e parte de sua comitiva, com o temor de ser destituído, decide retornar.
E deixa seu filho, o príncipe d. Pedro, um jovem de apenas 23 anos, como regente brasileiro. A dualidade de poder não resistiria às pressões de ambos os lados do Atlântico.
E veio o nosso Grito do Ipiranga, não exatamente um ‘Independência ou Morte’, mas algo próximo.
Intermezzo, a cena do grito que nos alforriou,
Segundo o descrito no livro 1822, de Laurentino Gomes, ‘o destino cruzou o caminho de d. Pedro em situação de desconforto e nenhuma elegância’.
É que o nosso herói maior, subindo na manhã de 7 de setembro bem cedinho, do litoral de Santos em direção a São Paulo, trepado ao lombo de uma simples e forte mula tropeira e acompanhado por seus soldados e comitiva, já havia apeado do animal vezes várias para aliviar-se de uma forte dor de barriga no denso matagal que margeava a estradinha. E é assim que, expressão abatida com a persistente indisposição intestinal, amuado com a já tão longa viagem, imundo de lama e poeira, por aproximadamente 4 horas e meia da tarde, o príncipe regente brasileiro, nosso futuro d. Pedro I – Imperador do Brasil, após receber, ler, e enfurecer-se com as mensagens trazidas por dois emissários da corte do Rio de Janeiro que haviam cavalgado quase sem dormir uns 500 quilômetros, emite o famoso grito do Ipiranga.
As mensagens, das lavras de José Bonifácio, do cônsul inglês, e da princesa Leopoldina, mulher do príncipe, eram tão urgentes e importantes que Bonifácio comunicara aos mensageiros cinco dias antes, ‘Se não arrebentarem uma dúzia de cavalos no caminho, nunca mais serão correios!’
O ministro José Bonifácio, legado à história como o ‘Patriarca da Independência’, sabia manejar bem as palavras para obter seu intento. Havia no ar informes de que mais de 7 mil soldados estavam embarcando para o Brasil, e que tentariam atacar o Rio de Janeiro e esmagar os partidários da independência. Ele registrou na carta que ao príncipe só restavam dois caminhos: um, embarcar para Portugal e ficar refém das cortes, coisa que já ocorria com seu pai, d. João; outro, ficar e proclamar a Independência do Brasil. Arrematou com ‘Senhor, o dado está lançado. Venha Vossa Alteza real e decida-se o quanto antes. ’
Também havia na correspondência uma carta do cônsul britânico alertando dos perigos que corria pelos repetidos atos de rebeldia à corte portuguesa. A carta de d. Leopoldina, enfática, termina com ‘Senhor, o pomo está maduro, colhe-o já!’
Mas a Independência não foi um ato pacífico. Chegou a haver um sucesso inicial, logo findo pelas vacilações de d. Pedro em relação à Constituição à qual ele exigia ‘ser digna do meu poder’. Aí então seguiu-se uma série de guerras no Norte e Nordeste que temiam a volta do absolutismo. Estas províncias rebeldes foram domadas à custa do Almirante Thomas Cochrane e de muito dinheiro de um cofre já raspado quando da partida de d. João VI.
Epílogo
Da independência à resignação em 7 de abril de 1831, foram 8 anos e meio em que d. Pedro I e seu reinado não teve paz um dia sequer.
As classes dominantes dividiam-se por interesses sectários entre apoiar o imperador e as cortes portuguesas.
O Grito do Ipiranga seria um berro inconsequente se não houvesse o apoio unânime das elites de São Paulo, Minas e do Rio.
Mas essa elite sonhava com poder participar de uma corte legislativa brasileira a partir de uma Constituição liberal, moderna. Porém, d. Pedro era instável, tanto em sua vida familiar (mulherengo ao limite) quanto na questão constitucional. Mero um ano após ser convocada, a Assembleia Constituinte foi dissolvida em nome do desejo real de ‘A Constituição deve ser digna do meu poder’, ou, ‘Quero ter o poder moderador’.
Além das brigas e revoluções internas (entre elas, a Confederação do Equador de 1824, em Pernambuco, com o apoio de várias províncias, com centenas de mortos, com vencidos condenados à forca, entre esses o frei Caneca) houve mais o problema envolvendo a Província Cisplatina (Uruguai) entre 1825 e 1828, que gerou elevados gastos públicos (falência do Banco do Brasil em 1829) para um cofre já raspado.
A gota d’água foi o clima de guerra civil no Rio de Janeiro, Ceará, Bahia, Pernambuco e Alagoas logo no início de 1830.
Ao imperador, vencido, humilhado, alquebrado, só restava ir embora e deixar seu reino ao filho Pedro de Alcântara, um infante de cinco anos apenas.
D. Pedro I voltou a Portugal, envolveu-se numa guerra civil com seu irmão Miguel, venceu-o, impôs a sua filha Maria da Glória como a Rainha Maria II e morreu de tuberculose em 1834, aos 35 anos.
Sua ossada repousa na cripta do monumento do Ipiranga, em São Paulo, desde 1972, quando, no contexto das festividades dos 150 anos da nossa independência, foi trazido ao Brasil.
Vida eterna ao libertador do Brasil!
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