“A questão do busto do presidente Arthur da Costa e Silva, sai ano e entra ano, continua polêmica. Não está pacificada e dificilmente estará em tempos próximos. É algo que carece de racionalidade, pois tem forte cunho ideológico misturado com paixão, ou, como dizemos aqui no Sul, a questão está grenalizada.
Eu, como historiador e sempre envolvido por gosto nas questões culturais do município, acho que a solução encontrada – colocá-lo em um memorial específico no pátio da Casa de Cultura Costa e Silva – é boa, racional, mas, em absoluto redime o ato em si, violento, desnecessário, impensado, desrespeitoso com a família, a comunidade e a nossa história.
Costa e Silva é filho de Taquari, e isso é algo que necessariamente, por uma questão de bom-senso, tem que ficar ao largo, distante, das questões políticas dos dias atuais."
Napoleão Bonaparte, o general, o ditador, o imperador, foi responsável pela morte de milhões de franceses e europeus durante sua existência. Eu gosto de citar dois episódios que mostram o desprezo desse personagem da história da humanidade pela vida humana: o primeiro é quando, em 1799, ele, já general vitorioso com apenas 30 anos, é convocado pelo Diretório da República para resolver um distúrbio nas ruas de Paris. Vem, posiciona seus canhões, metralha os que protestavam deixando centenas de corpos pelas ruas; o segundo episódio é quando ele resolve invadir a Rússia, em 22 de junho de 1812, com um exército de 600 mil soldados e, derrotado, retorna à França com meros 25 mil sobreviventes da aventura. Agora pergunto, qual a chance que uma turba de franceses radicais revisionistas têm de derrubar um busto do herói nacional Napoleão, localizado em uma praça central na França, de não saírem completamente tosquiados dessa louca empreitada?
Pergunto e respondo, ZERO!
Costa e Silva, igual a Napoleão Bonaparte, está no Panteão dos Heróis e pronto. Se formos revisar tudo, não sobra um busto em pé. Nossos grandes personagens da história são, antes de tudo, homens, mulheres com seus erros e acertos. Os afoitos apontam seus erros, os sábios entendem e perdoam.
(Mas voltando ao nosso caso, deixemos bem claro, o busto no pátio da Casa de Cultura Costa e Silva, precisará, como condição necessária e inegociável, estar SEMPRE à disposição dos visitantes, e esse sempre pressupõe: dias úteis, finais de semana, feriados, ou seja, SEMPRE!)
A justificativa ofertada (e manifestada repetidamente sempre que chamado a se explicar pelo grande imbróglio) pelo prefeito petista da época, Emanuel Hassen de Jesus, para a retirada do busto de seu local histórico, o adro do espaço da Lagoa Armênia, local central na Taquari natal do presidente Costa e Silva, dá-se como um ordenamento ético e moral emanado dos resultados, em forma de livro, da CNV (Comissão Nacional da Verdade) de 2014.
Os membros dessa Comissão foram nomeados pela presidente Dilma em 2011, todos eles com viés ideológico claramente identificado com a presidente que, como todos sabemos, foi uma ativa participante na guerrilha contra o governo da época, tendo sido inclusive presa.
Para mim, historiador, esse relatório tem o mesmo valor da monografia A Verdade Sufocada, do coronel Cintra, lançado em 2006, já com várias reedições, que por sua ótica justifica a Revolução de 64, ou seja, são atos panfletários com propósitos claramente ideológicos.
Eu já externei, em várias páginas nesta biografia, claramente minha posição em relação à revolução de 64. Repito: ela ocorreu em decorrência de um claro, ostensivo e ardente clamor popular. É cínico e simplista dizer-se o contrário.
Se erro houve, e penso que sim (e aí eu até aceito o apodo ditadura) foi o de não terem os militares pacificado o país, organizado uma Assembleia Nacional Constituinte e entregue o governo novamente à quem de direito, aos civis, mantendo a excepcionalidade em três ou quatro anos, por aí, tempo mais que suficiente.
Para quem vocifera que houve sim um golpe e não admite minimamente qualquer interpretação diferente, sugiro a leitura de uma obra sobre o tema escrita pelo maior pesquisador do Brasil do século passado, Hélio Silva, intitulada propriamente como ‘1964 – Golpe ou contragolpe?’
Eu justifico o presidente Costa e Silva com a mesma estrutura lógica na qual justifico outros vultos da história nacional e mundial.
Esses grandes vultos, Costa e Silva, incluso, são homens e mulheres produtos de suas épocas, que tiveram erros e acertos, mas que não se omitiram de fazer o que julgavam correto ser feito.
O grande escritor e historiador gaúcho Othelo Rosa, com grande vivência na sociedade de Taquari do início do século XX, qualificou, por exemplo, a Revolução Farroupilha (que para os Imperiais, era um claro golpe) como um ‘ato de vicissitudes e martírios’. Sábias palavras de um sábio homem.
Por aqui, em terras brasilis, os nossos bandeirantes Raposo Tavares, Jorge Velho (que a ferro e fogo dilatam nossas fronteiras), os Deodoro, Floriano, Júlio de Castilhos, Getúlio, Bento Gonçalves, David Canabarro; lá fora, os Napoleão Bonaparte, Gengis Khan, Danton, Robespierre, Stalin, Jefferson, Davis, Hirohito, todos estão no sacro panteão dos grandes, mesmo obviamente sabendo-se que erros cometeram, que em vida não foram unanimidades, e que produziram suas vicissitudes e martírios inerentes à humanidade de cada um.
Então por que este ranço, por que este pudor idiossincrático ideológico ao presidente Arthur da Costa e Silva?
Derrubar ou incendiar estátuas, bustos, placas; renomear ruas, praças, avenidas, remete-nos ao despotismo da Alemanha na década de 30 do século passado, tempos sombrios e tenebrosos em que as famigeradas SAs nazistas atiçavam a turba com suas monumentais fogueiras em praças públicas de livros proscritos pelos ‘tribunais da verdade’, livros esses que registravam, mesmo que minimamente, pensamentos ou atos diferentes da ‘verdade da vez’.
Eu, historiador, e por força da minha ética intelectual, sempre que questionado não fujo, não tergiverso. De pronto ofereço com todas as letras o exemplo do maior presidente que este nosso Brasil já teve, Getúlio Dorneles Vargas, que, repetindo para bem marcar, o ‘maior presidente que este Brasil já teve’, mas, como não dizê-lo, golpeou o governo constitucional de Washington Luís com a ajuda dos militares. Depois ainda denegou o compromisso de constitucionalizar o país, o que com isso provocou a cruenta Revolução Constitucionalista de 1932, e, de 35 a 45, dirigiu o país como um autocrata ditador.
Raramente ouço ou leio algo que aponte os episódios de 1930 como ‘golpe’.
São as vicissitudes.
É o contexto.
Mas, se vale para um, necessariamente tem que valer para todos!
O busto do presidente foi derrubado na tarde de uma terça-feira do dia 16 de dezembro de 2014.
Em quatro de julho de 2022, justo quando o município completou 173 anos de sua emancipação política, um vídeo curto de um recorte do programa do conceituado jornalista e radialista Rogério Mendelski, à época na rádio Bandeirantes, de Porto Alegre, postado na web viralizou entre a população de Taquari, provocando uma nova onda de indignação.
A fala no vídeo é toda em cima da indignação do jornalista com o caso. Ele declara conhecer bem a história pregressa do presidente e não lhe poupa elogios.
Conta que, logo após sua morte, foi enviado pelo jornal O Estado de São Paulo, do qual era correspondente em Porto Alegre, para fazer uma matéria com a população local sobre o presidente.
Ele cita uma curiosidade e uma indignação.
A curiosidade nos informa do gosto do presidente pelo jogo de xadrez, a ponto de fazê-lo com seu amigo de infância, o tabelião Gonfram Saraiva, via correio. Essa informação foi por mim conferida com a Sra. Wanda Saraiva, filha do amigo tabelião do presidente, residente em Taquari, hoje uma senhora de 93 anos, lúcida, falante e saudosa.
A indignação é pelo fato da população local não ter reagido à ignóbil e intempestiva ação do prefeito Maneco.
Mas nisso, o jornalista errou.
Reagiu e muito, tanto ela como o Ministério Público local.
Muito provavelmente a decisão de albergar o busto na Casa de Cultura Costa e Silva deriva dessa intensa pressão popular.
Houve matérias em jornais do município, da região e da grande imprensa da capital gaúcha. Também houve repercussão na imprensa do centro do país.
Faltaria espaço nesse livro, se eu optasse por registrar tudo o que se publicou sobre o triste fato.
Costa e Silva é um filho da nossa Taquari.
Vilipêndio a filhos sempre dói!