Por Janer Cristaldo - http://cristaldo.blogspot.com.br/
Lá por abril de 2000, por acaso, peguei numa bancas um número de Caros Amigos. Nela havia uma entrevista com Marcos Terena, onde ele falava com familiaridade de ecossistema, meio ambiente, filosofia da civilização indígena. Ora, isto não é discurso autóctone. São conceitos vindos da Europa e Estados Unidos. Além disso, me deixou curioso quanto à "filosofia da civilização indígena". Que seria isso? Me lembrou uma ementa do curso de Filosofia da UFSC, História da Filosofia Catarinense.
Volto ao terena. Do jeito em que marcha a universidade brasileira, qualquer dia teremos uma cadeira, História da Filosofia das Civilizações Indígenas. Dominando esse jargão de branco, não me espantaria ver o líder indígena como professor-visitante nalguma universidade alemã ou americana.
Atribuir categorias de brancos ocidentais a indígenas tem sido o recurso de muitos vigaristas para ganhar renome e prestígio. O discurso dos líderes indígenas atuais me lembra o do Gray Owl. Um vigarista inglês - Archibald Stansfeld Belaney – refugiou-se no Canadá, assumiu uma identidade indígena e fez fama e fortuna escrevendo livros sobre questões ecológicas e indígenas, como se índio fosse. Até os acadêmicos londrinos - e a própria família real, que o recebeu com todas as pompas - caíram no conto do vigário.
Além de vários livros, o embusteiro chegou a merecer um filme do cineasta Richard Attenborough, em 1999 (título no Brasil: O Guerreiro da Paz. Não houve um jornalista mais arguto na época que tivesse bestunto para ver, nos livros do Coruja Cinzenta, uma ótica desbragadamente européia. Ou, pelo menos, o texto de um europeu eivado de rosseauneanismo, e não o discurso que seria de se esperar de um tosco líder indígena.
Outro embuste célebre é a famosa carta do cacique Seattle, da tribo Squamish, enviada em 1854 ao presidente dos Estados Unidos (Francis Pierce), depois de o Governo haver dado a entender que pretendia comprar o território ocupado por aqueles índios. Segue um excerto:
Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los?
Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho.
Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia, são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas campinas, o calor do corpo do potro, e o homem - todos pertencem à mesma família.
Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós.
O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra. Mas isso não será fácil. Esta terra é sagrada para nós. Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar as suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais. Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão.
A redação escorreita da carta, no melhor estilo de um bom jornalismo, denunciou-a como uma farsa. Como os Evangelhos, a carta só foi transcrita algumas décadas depois da época em que teria sido escrita. Mais precisamente em 1187, em um artigo publicado pelo Dr. Henry Smith, no Jornal Seattle Sunday Star. Ou seja, os ecochatos não nasceram ontem.
Nos finais do século passado, coube ao Brasil protagonizar o grande embuste da criação de uma tribo que nunca existiu, os ianomâmis, por uma fotógrafa que ora se diz romena, ora suíça, Cláudia Andujar. Mais ainda, um massacre foi encenado. No dia 19 de agosto de 1993, uma manchete invadiu as páginas de todos os jornais do país:
IANOMÂMIS SÃO CHACINADOS EM RORAIMA
Falou-se inicialmente em 19 mortos. Dia seguinte, eram 40. Logo depois, chegaram a 73. Os assassinos, é claro, eram os garimpeiros. No decorrer dos dias, como nenhum cadáver havia sido achado, o número de chacinados foi diminuindo. Foi fixado finalmente em 16. A única prova da chacina foi... um dente, encontrado pela Polícia Federal e exibido em grandes fotos pela imprensa, na ponta do dedo de um policial. Em verdade, não foi encontrado um só cadáver. No dia seguinte ao "massacre", ficou clara a intenção da farsa: "O presidente Itamar Franco anunciou ontem a decisão do governo em homologar a demarcação de uma área de 4.900 hectares no sul do Pará, habitada por 600 índios caiapós, em duas aldeias. O anúncio foi feito pouco mais de 24 horas após a divulgação da chacina dos ianomâmis em Roraima".
Na verdade, a aldeia onde teria ocorrido o massacre, Haximu, sequer ficava em Roraima, mas na Venezuela. Relato toda essa farsa em Ianoblefe - o jornalismo como ficção. O livro foi recusado por cerca de vinte editoras. "Não podemos nos indispor contra todos os jornais do país", resumiu um editor. Mas pode ser baixado de http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/ianoblefe.html
Publiquei um resumo do livro na Folha de São Paulo e fui processado por sete entidades ligadas aos índios, que pediam para mim cinco anos de prisão. Obviamente, não levaram.
Em agosto passado, talvez entusiasmado com os dividendos do “massacre” brasileiro, líderes indigenistas tentaram repetir a dose o na Venezuela, com mais um massacre de 80 inocentes ianomâmis por um grupo de malvados garimpeiros brasileiros. A notícia rolou mundo, desde o El País a L’Express, desde oSüddeutsche Zeitung ao New York Times. Só faltaram os cadáveres – ou pelo menos fotos dos cadáveres - dos 80 indígenas. Algo como a farsa ocorrida em 1993, na aldeia Haximu, onde teriam sido massacrados 73 índios e não se encontrou o cadáver de ... nem um índio sequer.
A imprensa nacional, sempre a reboque de qualquer barriga internacional, não poderia deixar de repercutir o mais recente embuste. No 30 de agosto último, noticiou o Estadão:
80 ÍNDIOS MORREM NA FRONTEIRA DO BRASIL COM A VENEZUELA
Organizações não-governamentais (ONGs) de defesa dos direitos dos indígenas que atuam na Venezuela denunciaram ontem, quarta-feira, 29, que mineiros mataram até 80 ianomâmis na região da fronteira venezuelana com o Brasil. As informações são da emissora britânica BBC. O ataque, de acordo com os relatos, ocorreu no mês passado, na comunidade de Irothatheri, localizada nas proximidades do território brasileiro.
Testemunhas que estiveram no local da matança afirmaram que os mineiros atearam fogo a uma casa comunal dos indígenas, pois encontraram os corpos dos ianomâmis carbonizados ao passar pela tribo. Membros da comunidade indígena têm reclamado de mineiros invadindo suas terras à busca de ouro.
Segundo a ONG Survival International, a demora na descoberta do massacre ocorreu em virtude da remota localização da tribo atacada. A entidade afirmou que as pessoas que descobriram os corpos levaram vários dias para caminhar até a localidade mais próxima. Alguém ainda lembra deste recente massacre? Não colou. Não se fala mais dele e jornal nenhum pediu desculpas a seus leitores, por tê-los informado erradamente.
Temos agora mais um embuste, o dos caiovás, em Mato Grosso do Sul. Não é exatamente um massacre, mas promessa de suicídio coletivo. Recentemente, um grupo de 170 índios ocupou uma área na Fazenda Cambará, que eles alegam pertencer à etnia. Mas, no início deste mês, a Justiça Federal de Naviraí, representada pelas instâncias competentes, despachou uma ordem de despejo dos caiovás, em atendimento aos fazendeiros que ocupam a área onde os indígenas acamparam.
Desde então, eles passaram a discutir o suicídio como protesto, segundo alertou Sarney Filho. "Expliquei a gravidade do assunto e das sucessivas agressões aos guarani-caiová, que os levaram a fazer do suicídio uma prática comum entre eles e que agora 170 pessoas ameaçam tirar a própria vida", enfatizou.
Nos últimos dias, está despontando timidamente na imprensa, uma "carta-testamento”, assinada por representantes da aldeia Guarani-Kaiowá, do município de Naviraí, que acenam com o suicídio coletivo, caso seja cumprida a decisão da justiça. A carta denota um notável domínio das normas de redação, que muitos jornalistas sequer possuem.
Curiosamente, não temos uma única citação da sentença que determinou a desocupação da fazenda. Só temos as razões alegadas pelos caiovás. É uma fórmula inovadora para contestar uma sentença judicial: "olha, se vocês cumprem essa decisão, nós nos suicidamos". Surge uma nova instância na justiça brasileira: reivindicação atendida ou suicídio.
Resta ainda uma pergunta: a decisão de suicídio coletivo foi unânime? Será que ninguém discordou? E as crianças? Serão suicidadas pelos suicidas?
Claro que não vão se suicidar. Mas se colar, colou. Perde-se na justiça, mas se tenta ganhar no grito. Espantoso que os petistas condenados no julgamento do mensalão ainda não tenham pensado nisso. Líderes que o PT cultua até agora têm se limitado a denunciar a injustiça do STF e a afirmar sua inocência. Talvez fosse mais eficaz ameaçaram suicídio coletivo.
Diante da perspectiva desta perda irreparável para a pátria, talvez os ministros do Supremo fossem mais sensíveis a seus protestos de inocência.
A CARTA DOS CAIOVÁS
Carta da comunidade Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay-Iguatemi-MS para o Governo e Justiça do Brasil
Nós (50 homens, 50 mulheres e 70 crianças) comunidades Guarani-Kaiowá originárias de tekoha Pyelito kue/Mbrakay, viemos através desta carta apresentar a nossa situação histórica e decisão definitiva diante de da ordem de despacho expressado pela Justiça Federal de Navirai-MS, conforme o processo nº 0000032-87.2012.4.03.6006, do dia 29 de setembro de 2012. Recebemos a informação de que nossa comunidade logo será atacada, violentada e expulsa da margem do rio pela própria Justiça Federal, de Navirai-MS.
Assim, fica evidente para nós, que a própria ação da Justiça Federal gera e aumenta as violências contra as nossas vidas, ignorando os nossos direitos de sobreviver à margem do rio Hovy e próximo de nosso território tradicional Pyelito Kue/Mbarakay. Entendemos claramente que esta decisão da Justiça Federal de Navirai-MS é parte da ação de genocídio e extermínio histórico ao povo indígena, nativo e autóctone do Mato Grosso do Sul, isto é, a própria ação da Justiça Federal está violentando e exterminado e as nossas vidas. Queremos deixar evidente ao Governo e Justiça Federal que por fim, já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo, não acreditamos mais na Justiça brasileira.
A quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas? Para qual Justiça do Brasil? Se a própria Justiça Federal está gerando e alimentando violências contra nós. Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui. Estamos aqui acampados a 50 metros do rio Hovy onde já ocorreram quatro mortes, sendo duas por meio de suicídio e duas em decorrência de espancamento e tortura de pistoleiros das fazendas.
Moramos na margem do rio Hovy há mais de um ano e estamos sem nenhuma assistência, isolados, cercado de pistoleiros e resistimos até hoje. Comemos comida uma vez por dia. Passamos tudo isso para recuperar o nosso território antigo Pyleito Kue/Mbarakay. De fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso território antigo estão enterrados vários os nossos avôs, avós, bisavôs e bisavós, ali estão os cemitérios de todos nossos antepassados.
Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui.
Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação e extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais. Já aguardamos esta decisão da Justiça Federal. Decretem a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e enterrem-nos aqui. Visto que decidimos integralmente a não sairmos daqui com vida e nem mortos.
Sabemos que não temos mais chance em sobreviver dignamente aqui em nosso território antigo, já sofremos muito e estamos todos massacrados e morrendo em ritmo acelerado. Sabemos que seremos expulsos daqui da margem do rio pela Justiça, porém não vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo e indígena histórico, decidimos meramente em sermos mortos coletivamente aqui. Não temos outra opção esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da Justiça Federal de Navirai-MS.
Atenciosamente, Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay