- Caros leitores,
Justo nesta sexta-feira passada, 20 de setembro, completamos exatos 187 anos do símbolo maior do nosso estado, a icônica Revolução (ou Guerra Civil) Farroupilha.
No início dessa gesta, nosso estado ainda era imberbe em termos de autonomia, somente há meros 27 anos tínhamos adquirido o status de Capitania Autônoma com a divisão da antiga ‘Comandância’ em quatro vilas autônomas: Porto Alegre, Rio Grande, Rio Pardo e Santo Antônio da Patrulha.
Conforme nos relata Riograndino da Costa e Silva, em seu livro ‘Notas À Margem Da História do Rio Grande do Sul’, em 1835 tínhamos exatos 14 municípios (vilas); os quatro acima citados mais: Alegrete, São Borja, Cruz Alta, Caçapava, Cachoeira, Piratini, Triunfo, Pelotas, Jaguarão e São José do Norte.
Quanto à população, os números não são muito confiáveis, pois para um número estimado em 180 mil (segundo Moacyr Flores, em ‘Guerra Civil dos Farrapos’) fala-se em 10 mil mortes até o final da guerra, o que não é razoável. O número que eu sempre tive é de 200 mil habitantes e 10 mil mortos, se tanto, o que considero razoável.
Os maiores municípios eram Porto Alegre, Pelotas, Rio Pardo e Rio Grande.
O estado era essencialmente agrário: havia em torno de 560 estâncias (as chamadas sesmarias) normalmente cedidas em terras devolutas a militares não mais ativos como prêmio aos serviços prestados ao império. Eram enormes, em torno de uma légua de largura por três de comprimento. Mas, também havia um começo de indústrias, tais como: beneficiamento de couro; destilarias de aguardente; serrarias; fábrica de chapéus, sabão, velas de sebo; teares para produzir ponchos, cobertores, cintas, mantas, etc.
Porto Alegre resumia-se a um centrinho com o palácio do governo; a igreja matriz no alto da colina; a Santa Casa de Misericórdia; alguns poucos prédios e casas comerciais na rua da Praia; o teatro São Pedro iniciando sua construção. No subúrbio, havia chácaras que abasteciam a população com figo, marmelos, cítricos, uvas, pêssegos, mandioca, e até grãos de café. O trigo, um dos primeiros cultivos dos açorianos, estava já em decadência. Os colonos alemães, recém chegados na região da colônia de São Leopoldo (1824), abasteciam a capital via o rio dos Sinos (sete horas em média uma viagem com seus lerdos barcos, pois o ‘sinos’ que o nomeia não se refere ao instrumento de percussão usado nas igrejas, mas sim uma redução corrupta da palavra latina ‘sinuosus’).
A nossa Taquari, que ainda esperaria 14 anos para tornar-se uma vila independente, seguia sua faina diária com seus tranquilos 4 mil moradores, metade brancos, metade escravos, aproximadamente.
Uma questão que envolve historiadores é se o que houve foi uma revolução ou uma guerra? Pra mim, é simples: primeiro houve uma revolução, mas quando os revoltosos formalmente proclamaram a província como um estado republicano, o que se seguiu então foi uma clássica guerra civil.
O que a motivou, qual o gatilho da guerra? Era, como diziam (ainda dizem) os nossos professores de história, a questão dos impostos do sal e do charque aqui produzidos, principalmente na região de Pelotas, ou a decisão do presidente Fernandes Braga de criar um imposto sobre a propriedade rural de dez mil réis anual sobre cada légua quadrada de campo?
Penso que não. Podem ser até motivos laterais fortes, mas nunca o central. Prova disso é que, quando da instalação da República Rio-Grandense, uma das primeiras medidas econômicas adotadas pelos farroupilhas foi taxar o charque em 400 réis a arroba.
O que havia de novo no Brasil, marcado pelo recente 7 de abril de 1831, era uma forte divisão entre restauradores (os caramurus, portugueses saudosistas do Brasil colônia) e os liberais, estes divididos entre moderados (aqui no nosso estado representados pelo Bento Gonçalves, moderado-monarquista, e pelo então tenente Manuel Luís Osório, moderado-republicano) e os liberais farroupilhas, mais exaltados, mais apaixonados, mais jacobinos, aqui chefiados por Marciano Pereira Ribeiro.
No livro "A Guerra Dos Farrapos", de Fernando L. Osório, de 1894, o autor, filho do general Manuel Luís Osório, lista o manifesto exarado por Bento Gonçalves, em 25 de setembro de 1835, que, ao menos a mim, fica claro que a intenção original não era separatista nem republicana, e sim mitigar a grande insatisfação com ‘as arbitrariedades do governo da província, centradas no presidente Braga e seu irmão juiz Pedro Chaves’, ou seja, questões políticas, ideológicas; como diria Erich Maria Remarque um século depois, ‘nada de novo no front’.
Os objetivos eram: sustentar em sua pureza os princípios políticos que conduziram a Nação ao sempre memorável Sete de Abril, considerado o da regeneração e total independência do Brasil; restaurar o império da lei, afastando do Rio Grande do Sul a administração inepta e facciosa, mas sustentando o trono do jovem monarca e a integridade do Império.
Feita essa necessária introdução vamos à cronologia da guerra. Optamos por listar alguns eventos, os mais importantes, ano a ano, por uma questão de racionalidade, facilitador ao preclaro leitor.
20.09.1835 – Tomada de Porto Alegre e deposição do presidente Antônio Braga, que foi substituído pelo vice-presidente Marciano Pereira Ribeiro; Braga embarca em um navio canhoneiro e foge para a segurança do município de Rio Grande;
23.10.1835 – O presidente defenestrado parte para a corte para conversações com a regência; o padre Diogo Antônio Feijó decide nomear José de Araújo Ribeiro, novo presidente da província, primo do Bento, numa tentativa de apaziguar revoltosos;
15.01.1836 – O presidente nomeado Araújo Ribeiro assume o cargo gerando indignação dos deputados provinciais, que lhe negam a posse e chamam o primeiro vice-presidente Américo Cabral de Melo para governar;
05.02.1836 – Jogo duplo; a Assembleia envia uma comissão a Araújo Ribeiro para combinar sua posse, ao mesmo tempo em que remete à regência uma representação contra o presidente Ribeiro, que cansado das indecisões e dissimulações, dissolve a Assembleia;
16.02.1836 – A Assembleia dá posse ao vice-presidente Antônio Cabral de Melo; Bento Gonçalves reúne 1.800 homens partindo ao Sul à luta;
15.06.1836 – Os imperiais retomam Porto Alegre das mãos dos farroupilhas;
11.09.1836 – O general Antônio de Souza Neto, após a vitória obtida na Batalha do Seival (um arroio onde hoje é o município de Candiota), proclama a República Rio-Grandense, livre e independente, com a capital em Piratini;
04.10.1836 – Derrota dos farroupilhas, liderados por Bento Gonçalves, na batalha da ilha Fanfa, no rio Jacuí, Triunfo. Tropa republicana rende-se, Bento Gonçalves é preso;
05.01.1837 – A Regência exonera José de Araújo Ribeiro do cargo de presidente da província e nomeia para substituí-lo o brigadeiro Antero José de Brito que acumula o cargo de comandante militar da região. Esse novo presidente rompe com Bento Manuel Ribeiro, demitindo-o. Pouco após, Bento prende Antero Brito no passo do Itapevi, Alegrete, e ‘vira-casaca’ para o lado farrapo;
10.09.1837 – Preso em forte na Bahia, Bento Gonçalves consegue fugir depois de subornar o comandante, nadando até um saveiro que o esperava;
16.12.1837 – De volta ao Rio Grande, Bento Gonçalves toma posse como presidente da República Rio-Grandense. É o auge do movimento, praticamente toda a ex-província está em posse dos farrapos;
30.04.1838 – Rio Pardo, a ex-tranqueira invicta, é tomada pelas tropas conjuntas de Antônio de Souza Neto e Bento Manuel Ribeiro. Os imperiais têm 71 homens mortos e 130 prisioneiros; do ponto de vista estratégico, foi uma vitória muito importante, pois Rio Pardo era uma fronteira do domínio imperial, um apoio para a conquista do interior, e tinha o dobro da população de Porto Alegre;
15.05.1838 – Bento Gonçalves, segundo a maioria dos historiadores, comete novamente o erro de sitiar Porto Alegre pela 3ª vez, sem ter artilharia e barcos artilhados, deixando, por exemplo, o porto do Rio Grande franqueado aos imperiais, que por ali recebem mais e mais reforços para equilibrar o jogo da guerra;
01.09.1838 – Nessa data, o italiano Giuseppe Garibaldi, que havia conhecido Bento Gonçalves na prisão no Rio de Janeiro, e dele recebido ‘carta de corso’, é nomeado capitão-tenente comandante da marinha farroupilha;
09.01.1839 – Por decisão do presidente Bento Gonçalves, a capital é mudada de Piratini para Caçapava, ponto mais central nas operações militares;
14.04.1839 – Francisco Pedro de Abreu, o famoso ‘Moringue’, ataca com 150 combatentes o estaleiro republicano na estância do Brejo, de Ana Gonçalves, irmã de Bento, em Camaquã, cercando Garibaldi e mais 15 defensores. Moringue, ferido, retirou-se com seu exército sem destruir os lanchões que estavam sendo construídos;
06.06.1839 – Feito épico! Nessa data, os lanchões Seival e Rio Pardo iniciaram viagem desde o rio Capivari, por carretões puxados a bois e protegidos pela cavalaria de David Canabarro, até o rio Tramandaí, onde foram lançados às águas atlânticas. John Griggs levou o Seival, e Garibaldi, o Rio Pardo. Em Araranguá, Santa Catarina, o Rio Pardo naufragou matando metade de sua tripulação. Garibaldi e seus marinheiros salvos foram resgatados pelo Seival e seguiram todos em direção à Laguna;
24.07.1839 – Fundada a efêmera República Juliana, com capital em Laguna, por iniciativa de Canabarro e Garibaldi, e que foi extinta em 15 de novembro após violento ataque de tropas do Império. É nessa Laguna que Garibaldi encontra a jovem Ana Maria de Jesus Ribeiro, depois, Anita Garibaldi, com quem se casaria e se tornaria sua parceira nas lutas aqui na América, e depois na Itália onde ela morre ainda muito jovem;
21.03.1840 – O brigadeiro Bonifácio Isás Calderón seguiu pela campanha e invadiu a capital Caçapava, tomando—a. Esta, havia sido abandonada pouco antes pelos republicanos;
03.05.1840 – Combate de Taquari, mortífero e em que ambos os exércitos se consideraram vencedores. De um lado, o general Bento Gonçalves, do outro, o marechal Manuel Jorge Rodrigues. O marechal Manuel Jorge parece ter tido uma oportunidade e ter fracassado, pois o presidente Saturnino pediu à Regência a sua substituição, pois ‘nada resolvia e marchava ao acaso’ (palavras do presidente);
16.07.1840 – Bento Gonçalves, tardiamente valida a importância do controle da barra, em São José do Norte. Aproveitando-se de um temporal violento, ele e Garibaldi tomam a cidade, saqueando-a para depois abandoná-la devido à reação dos Imperiais. Bento foi aconselhado a incendiar a vila, mas, respeitando os moradores inocentes, não o fez;
03.01.1841 – Bento Manuel Ribeiro, o ‘vira-casaca’, abandona os republicanos mais uma vez. Onze dias após, José Mariano de Matos passa a presidência da República a Bento Gonçalves;
17.05.1842 – Estoura a Revolução Liberal em São Paulo, aliviando um pouco a pressão sobre os farrapos;
09.11.1842 – Luís Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, assume a presidência e o comando das armas e impõe um novo peso aos imperiais. A soma do Exército mais a Guarda Nacional chegou a estupendos 22 mil soldados, enquanto o exército farroupilha mal chegava a mil combatentes. Naturalmente, Bento Manuel Ribeiro volta ao seio dos legalistas, a convite de Caxias;
01.12.1842 – A República Rio-Grandense abre sua Assembleia Legislativa e constituinte. Deputados da Assembleia, em Alegrete, entram em rota de colisão com o idiossincrático Bento Gonçalves, já considerado por seus inimigos dentro da República como um ditador. De uma maneira ou de outra, mesmo com brigas e ódios internos, esses mil soldados republicanos, lutando mais de 30 combates, mantiveram a chama acesa do republicanismo até a consolidação da paz em fevereiro de 1845;
26.05.1843 – Última vitória dos farrapos. As forças conjuntas de Bento Gonçalves e de Antônio Netto, aproveitando-se de um descuido dos imperiais, atacam em Poncho Verde (hoje, Dom Pedrito) forças imperiais sob o comando de Bento Manuel Ribeiro, destroçando-as, para uns historiadores; para outros, o resultado ficou indefinido;
27.02.1844 – Essa data marca o clímax das inimizades entre os Republicanos quando Bento Gonçalves e seu primo Onofre Pires resolvem suas desavenças num duelo no qual Onofre é morto. Onofre havia difamado a honra do Bento entre oficiais, chamando-o inclusive de ladrão. Bento, sabedor por terceiros, pediu confirmação por carta. Onofre confirmou tudo, restou o mortal duelo;
12.10.1844 – Caxias instrui o seu ajudante tenente-coronel Manuel Luís Osório a iniciar contatos diretos com os republicanos no sentido da pacificação, excluindo das tratativas o caudilho oriental Fructuoso Rivera. Nessa data, Osório, em contato direto, expõe ao major Antônio Vicente da Fontoura, então ministro da República Rio-Grandense, o pensamento e propostas do chefe Caxias, pedindo-lhe, igualmente, que esquecesse as tergiversações de Rivera;
14.11.1844 – Terrível derrota de Porongos, questão dos Lanceiros Negros. O desastre do exército republicano em Porongos deveu-se, segundo Caxias em Ordem do Dia nº 170, ‘a um descuido de Canabarro que não supunha o inimigo tão perto’, ou, como afirmam muitos historiadores críticos da história oficial ‘a um arranjo entre Caxias e Canabarro para resolver a questão dos Lanceiros Negros’. O fato é que, dos alegados 1.000 homens do exército de Canabarro (segundo Caxias, mas esse número é seguramente exagerado), estranhamente morrem 100 lanceiros negros e são aprisionados 333 homens, todos brancos! Esse evento é uma nódoa na história dessa guerra que ainda não foi suficientemente explicado;
29.12.1844 – Aqui termina (em termos práticos) a cruenta guerra, com o tenente-coronel Demétrio Ribeiro, outro vira-casaca, atacando um arremedo de exército republicano na divisa com o território Oriental, matando, aprisionando e dispersando seus estiolados membros. Os trabalhos de pacificação iam adiantados. Caxias e os chefes republicanos haviam acordado o envio do major Antônio Vicente da Fontoura como ministro plenipotenciário junto à Corte Imperial, com o objetivo de ajustar os detalhes da paz. A nota que Fontoura levava, assinada por José Gomes Jardim, David Canabarro e João Antônio da Silva, o Netto, foi assinada em 13 de novembro, no acampamento de Porongos, justo um dia antes do terrível ataque do Pedro Moringue. Esse episódio é citado por Fontoura em suas reminiscências – aos detalhes. Estranho, não?
25.02.1845 – Fontoura, o Plenipotenciário da Paz, tendo chegado há poucos dias da corte, no Rio de Janeiro, reúne-se com governo e exército em Ponche Verde, e apresenta aos seus pares as propostas/concessões adrede negociadas. São doze itens que claramente transformam uma derrota militar numa vitória política, sendo as duas mais importantes: a) a indicação pelos ex-republicanos do presidente da Província, b) o pagamento de toda a dívida pública da ex-república por responsabilidade do império. Os itens principais foram cumpridos, mas nem todos. O item 4º – ‘São livres e como tais reconhecidos, todos os cativos que serviram à revolução’, não foi cumprido: em 26 de agosto, segundo o Jornal do Comércio chegam ao Rio de Janeiro 77 ‘libertos’ que foram levados como escravos para as fazendas imperiais;
28.02.1845 – Aceitas as propostas nos diversos sítios republicanos, a PAZ é celebrada! Ao ato solene, em Ponche Verde, assistiram quase todos os líderes republicanos, exceto o Bento Gonçalves e o presidente José Gomes de Vasconcelos Jardim, por doentes. Falaram no ato o ministro Manoel Lucas de Oliveira, representando o presidente, e o general David Canabarro, chefe do Exército Republicano.