DOIS MINUTOS
COM PRÉVIDI
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Abraham e Mary com os filhos Tad (sentado ao lado do pai) e Robert (em pé). Tad morreu aos 18 anos em 1871, seis anos após o assassinato do presidente |
Lincoln é, certamente, um dos personagens da história dos Estados Unidos da América de maior destaque, tanto por sua singular emergência de um simples filho de um analfabeto pioneiro do oeste americano, que perde sua mãe com somente nove anos e tem escassos estudos básicos de um ano – se tanto – com professores itinerantes, que passa grande parte da sua infância e juventude em trabalhos braçais de cortes, com pesados machados, de lenha, feituras de cercas, guiando juntas de cavalos, de sol a sol, na aragem de terras, pastorando ovelhas, etc., chegando – depois de tornar-se por esforço próprio um destacado e consagrado advogado e político – ao posto maior da nação americana, como seu 16º presidente, o presidente que salvou a nação da secessão!
Talvez, do nível dele, tenhamos alguns poucos outros grandes homens patriotas: um Washington, um Jefferson, um Kennedy, por aí.
Mas, diferente destes, só ele "comeu o pão com o suor do seu vincado rosto". Os outros, todos, nasceram em lares abonados e tiveram todos os meios para se educarem e progredirem na vida.
Quando questionado, Lincoln afirmava, não sem um certo orgulho: eu estudei sozinho!
Um primo, recordando os tempos em que aravam juntos os campos familiares, lembrava-se de que seu parente famoso sempre levava consigo livros, pois, enquanto os cavalos descansavam, ele aproveitava para ler. Ainda segundo o primo, quando voltavam para casa, após um dia estafante, Lincoln pegava um naco de pão de milho, sentava-se num tronco qualquer, e com as pernas longas dobradas, joelhos quase na altura da magra cabeça com bastos cabelos negros, e mergulhava na leitura dos livros que conseguia emprestados: Robinson Crusoe – de Defoe; As fábulas de Esopo; a Bíblia; biografias como a do Benjamin Franklin, livros de gramática da língua inglesa, etc.
Na lista das 100 Maiores Personalidades da História, o nome do 16º presidente americano não consta. Mas, nesse mesmo livro, seu nome está marcado em um apêndice titulado como ‘Menções Honrosas e Ausências Interessantes’.
Alguém poderá apontar a ausência do seu nome como injusta.
Eu, particularmente, não creio.
Ele foi importante, e muito, para a história dos Estados Unidos, mas para a história mundial a sua importância não é tão relevante.
Alguém poderá dizer, ‘mas, João, foi ele quem Proclamou a Emancipação dos negros americanos e, também, foi ele o responsável pela não secessão do seus país! Queres importância maior?
OK, mas vamos lá por partes: 1) Se ele não tivesse existido, certamente a emancipação dos escravos negros americanos teria sido proclamada por um outro político qualquer, pois já havia demorado até demais – 1863, quase nos alcançando (Brasil, 1888) em termos de leniência e procrastinação. 2) Muito provavelmente, se Lincoln não tivesse sido eleito presidente em 1861 com um claro programa de acabar com a escravatura no seu país, o Sul não teria se rebelado e feito a cruenta Guerra da Secessão. Nisso, pode haver hipocrisia, mas são fatos!
Uma pequena bio
O primeiro ancestral conhecido de Lincoln na América foi Samuel Lincoln, que migrou de Hingham, na Inglaterra, para Hingham – Massachusetts, em 1637.
Lincoln nasceu em 12 de fevereiro de 1809, em uma fazenda da cidade de Hodgenville, no Kentucky, localidade onde seu pai e seu avô haviam migrado acompanhando as ondas dos pioneiros a cruzar os montes Apalaches. Neste local, existe uma réplica da cabana de troncos de árvores nativas que marca o exato local do seu nascimento.
Seus pais eram Thomas Lincoln e Nancy Hanks Lincoln. Lincoln teve dois irmãos: Sarah e Thomas Jr. Quando tinha nove anos, sua mãe morreu, sendo que seu pai casou-se um ano após com a viúva – com três filhos – Sarah Johnston, à qual o futuro 16º presidente americano dedicou muita afeição por seu afeto e carinho.
Embora tenha frequentado as escolas regulares (professores itinerantes, os conhecidos Hoffmeisters) durante apenas um ano, o autodidata Lincoln tornou-se culto e educado, mas com poucos trejeitos nas relações sociais, nas ‘etiquetas’, principalmente com as mulheres. Lia muitos livros que buscava emprestados, já que a família não tinha recursos para "esses luxos!" Mais adiante, quando já adulto e dispunha de recursos, leu muito Shakespeare, Lord Byron, e historiadores diversos. Adorava lógica e matemática. A geometria do grego Euclides era uma das suas leituras favoritas.
Com relação ao seu aspecto físico, um gigante com 1,9 metros, magro, forte, rosto vincado, nariz enorme, assim o descreveu o poeta norte-americano Walt Whitman (1819-1892): "... de belo, tecnicamente, nada tinha. Mas, para os olhos de um grande artista, ele poderia ser um estranho objeto de estudo – uma festa fascinante."
Aos 22 anos, em 1831, agora morando em New Salem – Illinois, ele torna-se independente. Inicia trabalhando como guarda-livros em um armazém local. Lincoln era "a piada pronta". Logo ele tornou-se um contador de histórias, fazendo amizades com os fazendeiros locais e com os jovens dos saloons da localidade. Já no ano seguinte, com apenas 23 anos, mete-se na política local, como candidato à assembleia estadual.
Cuidem como um jovem Lincoln se apresenta aos eleitores: "Sou um jovem e vocês não me conhecem. Nasci e vivi na humildade. Não tenho conhecidos ricos ou populares para me recomendar. Estou nas mãos dos eleitores independentes deste condado e, se for eleito, compensarei a confiança que em mim depositaram trabalhando intensamente".
Não ganhou essa eleição, mas sua senda estava aberta e aplainada!
Já na próxima eleição, em 1834, é eleito, aos 25 anos, para a Assembleia Legislativa de Illinois.
Em 1842, estudando por conta própria, consegue passar nos testes de habilidade e torna-se advogado e dono de um escritório em Springfield, Illinois.
Em quatro de novembro desse mesmo ano, casa-se com a jovem – de uma família abastada – Mary Todd.
Depois de concorrer a senador pelo Partido Republicano, recém fundado, e perder, adquire enorme prestígio nacional, sendo então indicado para concorrer ao cargo de presidente em 1860. É eleito 16º presidente em seis de novembro e toma posse no ano seguinte, em quatro de março em 1861.
Enfrenta uma guerra civil, a Guerra da Secessão, vence essa guerra, é reeleito com expressiva votação, e, 42 dias após empossado, em 15 de abril de 1865 – com 56 anos – morre às 7h22 min. da manhã em consequência dos ferimentos de um tiro recebido na cabeça na noite anterior, enquanto assistia a uma peça de teatro, com sua esposa e amigos, no Teatro Ford, executado por um ator de nome John Wilkes Booth, fanático simpatizante dos confederados sulinos.
Morre o Homem, nasce o Mito: de todos os líderes norte-americanos, Abraham Lincoln é – muito provavelmente – o mais lembrado, festejado, elevado (talvez o Kennedy, o 35º presidente, por sua juventude e por também ter morrido assassinado possa rivalizar). De lá até os dias atuais, passaram-se mais de um século e meio, e a chama da sua personalidade continua acesa. Livros, filmes, peças de teatro, poemas, teses escolares, controvérsias somam-se aos milhares, milhões. Será que esta marca indelével um dia se apagará? Acho difícil.
Dos seus quatro filhos, dois morreram com Lincoln ainda vivo. Outro morreu pouco após sua morte, com 18 anos. O sobrevivente, Robert Todd Lincoln, um advogado e empresário, teve uma longa vida, falecendo em 1926 com 83 anos!
Guerra da Secessão
A guerra em si, entre o Norte: mais progressista, mais industrializado, libertário na questão escravocrata, e o Sul: agrícola, terrivelmente escravocrata, que não aceitava minimamente reduzir o "seu estilo de vida" era, como diz o título do romance do colombiano Gabriel Garcia Márquez, uma "crônica de uma morte anunciada".
A gente pode até concordar que a questão dos escravos era fulcral, sim. Mas não podemos nos olvidar que também havia outras diferenças que provocavam sérias divergências. Um exemplo, muito claro, é a questão dos impostos de importação. Para o Sul, quase 100% agrícola, que vendia o seu algodão para as manufaturas inglesas e importava quase tudo em termos de industrializados (tecidos, louças, máquinas, vestuários, etc.) a proteção teria que ser "zero".
Já o Norte, que precisava proteger sua incipiente indústria, a proteção teria que ser alta. A gente vê em filmes (principalmente o clássico E o Vento Levou) a exuberância da aristocracia rural sulista, com suas clássicas mansões, em contraponto à vida miserável dos seus três milhões de negros escravos. O mundo mudava, e o Sul continuava intocável – nada os tangia. Os ódios eram latentes e as tentativas de se legislar em torno da questão escravocrata, achar-se um meio-termo, deram em nada.
Então, em 12 de abril de 1861 os primeiros tiros foram dados: os estados confederados, que já haviam declarado rota a união, atacam o Forte Sumter, na Carolina do Sul.
É a guerra, a pior das guerras, a guerra entre irmãos,
O Norte contava com 22 milhões de pessoas, e o Sul, 9, dos quais 3 eram escravos.
Mesmo que os Confederados estivessem melhor preparados, a única chance que teriam seria uma guerra curta e a pronta intervenção de países europeus reconhecendo os Estados Confederados da América como uma nação independente. Mas não foi o que ocorreu.
Toda guerra é uma tragédia, mas essa superou em muito a razão entre as partes: mais de 640 mil soldados mortos em justos 4 anos de luta fratricida. Se somarmos todas as mortes havidas durante o século XX de soldados americanos, incluindo a guerra do Vietnã, a conta não chega nem perto destes 640 mil.
Legados, dois: 1) a solidificação do sentimento de americanismo, de nacionalismo do povo americano; 2) a – finalmente – libertação de todos os escravos por uma Proclamação de Emancipação, logo depois incluída, como uma emenda à Constituição. Mas esse ato, aviso-vos, foi extraído à fórceps, pois, palavras de Lincoln em uma carta a Horace Greeley – editor do jornal New York Tribune de 22 de agosto de 1862:
‘(...) Meu principal objetivo nesta luta é salvar a União, não salvar ou destruir a escravidão. Se eu pudesse salvar a União sem libertar um só escravo, eu o faria: e se pudesse salvá-la libertando todos os escravos, eu o faria: e se pudesse fazê-lo libertando a uns e deixando a outros, também o faria'.
Cronologia resumida dos eventos
1809 – 12 de fevereiro, nasce Abraham Lincoln;
1834 – É eleito candidato do partido Whig à Assembleia Estadual de Illinois;
1842 – forma-se advogado; Casa-se com Mary Todd;
1846 – É eleito deputado federal por Illinois;
1858 – Pelo partido Republicano, perde a eleição de senador p/ S.A.Douglas;
1860 – 6 de novembro, é eleito 16º presidente dos Estados Unidos;
1861 – 12 de abril, inicia a Guerra Civil;
1863 – 1º de janeiro, Lincoln assina a Abolição da Escravatura;
– Em julho, ocorre a icônica Batalha de Gettysburg;
– 19 de nov., Lincoln faz o Pronunciamento de Gettysburg;
1865 – 4 de março, começa do 2º mandato de Lincoln na presidência;
– 9 de abril, o confederado Robert E. Lee rende-se; fim da guerra civil;
– 14 de abril, Lincoln é baleado por John Wilkes Booth no Teatro Ford;
– 15 de abril, Lincoln morre aos 56 anos.
Finalizando, na linha do "no creo en las brujas, pero que las hay, las hay!", não poderia faltar a "famigerada" lista das inúmeras coincidências entre os dois maiores personagens da história americana: A. Lincoln e J.F.Kennedy (+ extraído da web +).
Vamos lá:
* Abraham Lincoln foi eleito para o congresso em 1846. / John F. Kennedy foi eleito para o congresso em 1946;
* Abraham Lincoln foi eleito presidente em 1860. / JFK foi eleito presidente em 1960;
* Os nomes Lincoln e Kennedy têm sete letras.
* Ambos estavam comprometidos com a defesa dos direitos civis.
* A esposa de ambos perderam filhos enquanto viviam na Casa Branca.
* Ambos os presidentes foram baleados numa sexta-feira.
* A secretária de Lincoln se chamava Kennedy. / A secretária de Kennedy chamava-se Lincoln.
* Ambos os presidentes foram assassinados por sulistas.
* Ambos os presidentes foram sucedidos por sulistas.
* Ambos os sucessores se chamavam Johnson.
* Andrew Johnson, que sucedeu a Lincoln, nasceu em 1808. Lyndon Johnson, que sucedeu a Kennedy, nasceu em 1908.
* John Wilkes Booth, que assassinou Lincoln, nasceu em 1839. Lee Harvey Oswald, que assassinou Kennedy, nasceu em 1939.
* Ambos os assassinos eram conhecidos pelos seus três nomes.
* Os nomes de ambos os assassinos têm 15 letras.
* Booth saiu correndo de um teatro e foi apanhado em um depósito. Oswald saiu correndo de um depósito e foi apanhado em um teatro.
* Booth e Oswald foram assassinados antes de seu julgamento.
* Uma semana antes de Lincoln ser morto, ele estava em Monroe, Maryland/ Uma semana antes de Kennedy ser morto, ele estava em Monroe, Maryland.
* Lincoln foi morto na sala Ford, do teatro Kennedy. Kennedy foi morto num carro Ford, modelo Lincoln.
Querem mais?
*João Paulo da Fontoura é escritor e historiador diletante, membro da ALIVAT – Academia Literária do Vale do Taquari, titular da cadeira nº 26.