DOIS MINUTOS
COM PRÉVIDI
Por aqui, no Brasil colonial de então, tivemos cinco movimentos de contestação, sendo que estes, três foram mais questões internas, brigas por poder e espaço, como sendo: a Guerra dos Emboabas, na região das Minas Gerais, em 1707; a Guerra dos Mascates, em Pernambuco, 1710; e a revolta de Felipe dos Santos, na região de Vila Rica, nas Minas Gerais, em 1720.
Os outros dois – bem diferentes dos três anteriores – foram aquilo que classicamente os historiadores chamam de conjura, esconjuro, e tinham por objetivos mudanças no regime vigente, rompendo as amarras opressivas com a corte portuguesa: 1) a Inconfidência mineira - de 1789; 2) uma Conjuração Bahiana – de 1798.
Ambos não chegaram às vias de fato, ficaram nos encômios, na falação, na conversa fática, em reuniões secretas de determinação que de segredos nada tinham. Na conjura baiana, até que avançaram um pouco, pois os líderes chegaram até mesmo a se espalhar pela cidade (praças, igrejas) boletins manuscritos concitando o povo à revolta, mas foi só isso.
A Inconfidência Mineira, pelo simbolismo que carrega, pela importância no contexto da nossa História, pela figura mítica do Tiradentes, seu líder maior, cuja imagem foi transformada em 'Mártir da Liberdade e Herói Nacional', é o movimento que obteve maior destaque. Por isso, abaixo, o colocarei ao escrutínio dos caros leitores.
A Inconfidência Mineira e Tiradentes
Quando, há muitos anos atrás, eu fiz o primário na escolinha Emílio Boeckel, em São Leopoldo, eu ouvia, e memorizei, em dias especiais uns versos bem simples em honra ao Tiradentes:
– O mártir da liberdade
– Um dia foi forçado,
– E hoje em todo o Brasil
– Seu nome é glorificado.
Tentei resgatá-lo na íntegra, mas acho que o Google não é muito patriota, pois ali nada consta!
A Inconfidência Mineira foi um movimento separatista e republicano, cujo objetivo era obter a independência de Minas Gerais em relação ao Brasil e a Portugal. Esse movimento envolveu padres, intelectuais, militares – uma elite das Minas Gerais – e transcorreu na região de Vila Rica e arredores (hoje, Ouro Preto), entre os anos 1788-89.
Alguém poderá dizer, e terá razão em parte, que o Joaquim José da Silva Xavier – Tiradentes, um simples alferes (à época, um subalterno oficial) não era classicamente da ‘elite’ local, mas, havia documentos que comprovavam, ele tinha muito patrimônio produto de suas outras atividades.
Na condição de historiador, opino que o que realmente houve foi mais uma 'carta romântica de interesse não escrita' de um movimento pragmático revolucionário. Plagiando Shakespeare, 'Muito barulho por nada'. O advogado que defende esses acusados de conjura usou como argumento básico o fato de que a conspiração 'não houve passado de conversas e loucas cogitações, sem que houvesse até próximo nem remoto começo de execução'.
Outras revoluções, como a nossa Farroupilha ou a Conjuração Baiana de 1798, foram muito mais importantes.
O que destaca e eleva a conjura mineira no contexto da História brasileira foi o fato dos republicanos, 100 anos depois, 1889, eles pegaram a figura (até então apagada, desconhecida pela imensa maioria dos brasileiros) do Tiradentes, reconstruindo-a, repaginando-a como símbolo da República emergente.
(O nosso Bento Gonçalves ou mesmo o frei Caneca, foram figuras muito mais importantes, certamente. Mas "perigosas", muito!, para servirem como símbolo do romance regime republicano, ou seja, "a tudo há um limite!")
Feitas estas observações, vamos adiante.
O movimento começou talvez até mesmo sem um compromisso maior, e sim como uma não conformidade com várias coisas, mas que foi evoluindo para uma conjura que teve seu clímax por volta de 15 de março de 1789. Nesta data, escolhida pelos inconfidentes, deveria ocorrer a odiosa Derrama (no período colonial, era o imposto ordinário que deveria ser pago pelos mineradores ou a cobrança dos quintos que estavam atrasados), mas que acabou sendo cancelado pelo governador da província, o Visconde Barbacena, a partir da denúncia de Joaquim Silvério Reis, um dos conjurados (de expressão menor), e de mais alguns militares, Segundo diz a História, Silvério teria dedurado por troca de 'perdão de dívidas'.
O auge da mineração de ouro e de pedras preciosas, que deslocava o eixo da economia brasileira do Norte para o Centro da colônia brasileira de então, deu-se até um pouco mais da metade do século.
Digamos que até 1766 os mineiros conseguiam pagar o valor estipulado pela corte portuguesa, o famoso quinto, 100 arrobas de ouro por ano. A partir daí os atrasos acumularam-se. O problema era a exaustão das jazidas, mas também havia muito contrabando. Havia um atraso desde 1766 de 770 arrobas de ouro (11 t) e o Rei queria a grana de qualquer jeito, daí a tal Derrama!
Em 1780 houve o início da persistente e permanente ameaça da Derrama, uma 'espada de Dâmocles' sob a cabeça de toda a população, e que acaba sendo um fator emulador do povo à rebelião.
Os objetivos eram: separar as Minas Gerais da colônia brasileira e de Portugal, fundar uma república, cancelar dívidas que sufocavam os membros da elite, investir em educação, erigir uma faculdade, instalações de manufaturas, etc.
É fácil entendermos a capitania de Minas Gerais como o local mais propício para haver um movimento libertário republicano, pois era ali que a riqueza da colônia estava localizada. Era dali que partiam para a Europa, principalmente Coimbra, os filhos dos abonados mineiros, comerciantes, militares de alto-coturno, altos funcionários públicos, etc. Essa elite era relativamente bem informada. Sabiam das revoluções americana e francesa, liam os ditos 'livros proibidos', principalmente os filósofos iluministas. Seus filhos tinham contatos diretos com as mentes jacobinas perniciosas. Entre esse grupo, circulou um exemplar, escrito em francês, de um livro, editado em 1778, 'Coletânea das Leis Constitutivas dos Estados Unidos da América', com informações preciosas.
Para ilustrar minha tese, vejam o que dizem os escritores Mary Del Priore e Renato Venâncio no livro 'Uma Breve História do Brasil', na página 145: (...) para ficar num só exemplo, no ano 1786, 12 dos 27 brasileiros matriculados em Coimbra era mineiros. Não se tratou de uma ocorrência isolada: dos 24 envolvidos na Inconfidência Mineira, oito lá aprenderam treinados... '
A bandeira do movimento era branca com um triângulo vermelho rodeado pelas palavras latinas 'libertas quae sera tamen', qualquer coisa próxima de 'Liberdade ainda que fosse tarde' (Citação de Virgílio em poema – romano poeta)
Dedurados e presos, os conjurados foram processados por crime de 'lesa-majestade'.
O processo durou três anos.
Onze deles foram condenados à morte; os demais ao degredo africano.
Dona Maria, conhecida na história como a Maria louca, perdoou todos, exceto Tiradentes, por ser um militar havia a grave questão da fidelidade (fiel ao rei, fidelidade ao rei) e também por ter assumido toda a culpa e a liderança da Injúria.
Em um sábado, 21 de abril de 1792, depois de 18 horas de leitura da sentença, Tiradentes foi forçado. A rainha não permitiu morte cruel, a regra para esse tipo de crime!
Enforcaram-no, deixando a cabeça numa estaca em Vila Rica e pedaços do corpo espalhados pela estrada Minas/Rio.
Infame réu! Arrasaram sua casa, filhos e netos foram proscritos, bens foram confiscados para o erário da coroa, e assim por diante...
(Tiradentes era militar, e os militares juravam fidelidade ao rei ou a rainha. Portanto, conjurar contra o rei era crime imperdoável. O próprio termo inconfidência já é explícito em per si , pois vem da negação de fidelidade (fiel). A fidelidade é e sempre foi uma marca dos soldados ao longo da história.
Um exemplo: sempre fidelis é o lema que simboliza o compromisso entre os fuzileiros navais dos Estados Unidos, a corporação, e a nação.)
A Inconfidência Mineira é o mais importante movimento libertário sorteado no Brasil? Há justificativa para Tiradentes ser um símbolo, um mito tão elevado quando Jesus? Há uma divisão, mas a maioria dos nossos historiadores dizem claramente que não.
Alguns inconfidentes
Entre um total de 24 envolvidos e processados, destaco alguns: Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes; Cláudio Manuel da Costa; Thomas Antônio Gonzaga; Joaquim Seixas Brandão; Inácio José Alvarenga Peixoto, talvez o líder; Joaquim Silvério dos Reis, o dedo-duro.
Tiradentes
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, nasceu em 12 de novembro de 1746 na Fazenda do Pombal, em Ritápolis, Minas Gerais, e faleceu aos 45 anos, em 21 de abril de 1792, no Rio de Janeiro.
Com 11 anos já era órfão de pai e mãe, o que era muito comum à época.
Sua família (eram oito filhos) não era pobre. Quando da morte de sua mãe, o inventário apontou 35 escravos. Perderam tudo e acabaram sendo criados por um tio que era cirurgião-dentista.
Foi dentista, tropeiro, minerador, comerciante, militar e ativista político, trabalhando nas capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Por volta de 1780 (34 anos) alistou-se nas tropas, sendo nomeado comandante do destacamento dos Dragões, na patrulha do Caminho Novo que ligava Minas Gerais ao Rio de Janeiro. Ali contatou com muita gente descontente,
Chegou a Alferes e por aí ficou, muito provavelmente por não ser português nato. Trabalhou um bom tempo no Rio, voltando novamente para Minas Gerais.
Começou então, com outros conjurados, a pregar a conjura em Vila Rica e arredores.
Ele, tendo chegado ao posto de alferes da milícia mineira, naturalmente era bem escolarizado. Não pode ser considerado como um cidadão pobre, de poucos possuidores, um simples alferes que trabalhou para viver. Em seu espólio havia o registro da propriedade de 43 jazidas de ouro e muitas terras.
Tiradentes, como o vemos hoje, é uma criação de líderes que proclamaram a República, que precisava de um símbolo para servir de arrimo. Então resgataram este personagem da história que estava completamente esquecido.
A pintura que retrata Tiradentes morto, esquartejado, junto a uma cruz, é do pintor Pedro Américo, feita por volta de 1893. Barba, tez loira, cabelos longos à Jesus Cristo, um personagem totalmente reconstruído. Na época dos militares, a partir de 64, também houve uma forte conexão do personagem Tiradentes com a República brasileira, o sentimento de nacionalidade, de brasilidade...
Até mesmo na época do governo Sarney houve esse tipo de preocupação.
É isso, pessoal!
*João Paulo da Fontoura é escritor e historiador diletante, membro da ALIVAT – Academia Literária do Vale do Taquari, titular da cadeira nº 26.
No Inss mudam as moscas...
ResponderExcluirMuito bom, João Paulo. Estive uma única vez em Ouro Preto (Vila Rica) e visitei a casa que foi de Tomás Antônio Gonzaga. Vale a pena conhecer os cenários onde os inconfidentes se reuniam.
ResponderExcluirThomás Antônio Gonzaga, o do Marília de Dirceu.
ExcluirPoemas comuns, nada mais.
Foi exilado para a África, numa das possessões de Portugal, não lembro o local, casou-se com a filha do governador, teve uma boa vida.
Abraços.
ACABOU O TEATRO!
ResponderExcluirBolsonaro vai ter alta...
Os caras não esquecem dele. Vivem 24 horas por dia pensando nele.
ExcluirBelo texto, parabéns! Aquele triângulo da bandeira não está lá digrátis, acho que pode render outra sexta....
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