DOIS MINUTOS
COM PRÉVIDI
Mas, como em nossa Pátria Amada Brasil, tudo é relativo, nada é definitivo, começo a ouvir e ler que a coisa não é bem assim, que na realidade o Brasil não foi descoberto coisa alguma, que já era adrede conhecido pelas Cortes portuguesas, que era um segredo muito bem guardado, que o Tratado de Tordesilhas não foi feito à toa, que ...
Até mesmo a data 22 de abril até – hoje oficial – não o era, pela Corte Portuguesa, divulgada como tal, ou não se sabia exatamente, mesmo que a carta de Caminha, à disposição nos arquivos da Torre do Tombo, em Lisboa, Portugal, (arquivos existentes desde o século X) deixasse isso bem claro, conforme citado nos trechos abaixo apontados:
(...) que na terça-feira (…), que foram 21 dias de abril, (…) topamos alguns sinais de terra. No outro dia, quarta-feira seguinte, pela manhã topamos aves a que chamam furabuchos e neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! Era o 22 de abril do descobrimento. Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome — o Monte Pascoal. E à terra — a Terra de Vera Cruz ...
Até aproximadamente o início do século XIX, a data conhecida era três de maio. Razões para esconder, escamotear a informação exata não são muito claras (razões de estado, questão religiosa, etc.) e talvez fosse somente uma pequena confusão de somenos importância. Convenhamos, hoje, a data exata importa muito, principalmente para nosotros, os brasileiros, e para os nossos historiadores, pois marca o início da nossa identidade como nação. Mas na época, não!
A confusão deve-se ao historiador português Gaspar Correia (1495-1561) que deduziu/relacionou o nome Terra de Santa Cruz a 3 de maio, data da comemoração religiosa de mesmo nome.
Muito do que escrevo aqui neste curto ensaio é produto da leitura da magnífica obra do saudoso Walter Galvani – falecido recentemente, em 2021 – "Nau Capitânia, Pedro Álvares Cabral – Como e com quem começamos". Um trabalho hercúleo de 321 páginas. Só de pesquisa nos porões poeirentos e mal iluminados nos arquivos da Torre do Tombo, foram em torno de seis meses!
Pedrálvares Cabral
Pedro Álvares Cabral foi um navegador e explorador português, capitão-mor da frota portuguesa que avistou a costa do Brasil em 22 de abril de 1500.
Pedrálvares – conforme o rei Dom Manuel o registrava em cartas – foi o protagonista do feito, o responsável maior, mas há (sempre há) muitos mais envolvidos, precursores e que "aplainaram" o caminho, como exemplos: o Bartolomeu Dias, que em 1488 cruzou o Cabo da Boa Esperança, no extremo sul da África; e, em 1498, o Vasco da Gama, aquele que descobriu o caminho marítimo para a Índia, tornando-se o primeiro europeu a lá chegar.
Cabral nasceu em 1467 na localidade de Belmonte, filho dos nobres Fernão Cabral e Isabel de Gouveia de Queirós. Os antepassados do descobridor do Brasil era famosos por terem lutado contra os mouros e castelhanos
Belmonte, em 1500 era uma pequeníssima aldeia, com em torno de 70 habitantes. (hoje, um município, com 6 mil habitantes), banhado pelo Rio Zêzere, afluente do icônico Tejo.
A pequena aldeia, centro das terras dos Cabrais, estendia-se de Covilhã a Viseu, passando por Valhelhas, Penamacor, Manteigas, Meimoa, Moimenta da Serra, Colmeal, abrigando o castelo da família, um edifício sobranceiro que lançava a sua sombra sobre o aglomerado miúdo de casas, cobrindo as capelas e, nas manhãs de inverno, até a judiaria. Tratava-se de um velho forte, integrado no sistema de defesa das fronteiras, adaptado para servir de moradia, quase hostil por sua rusticidade.
Pedro e seu irmão mais velho, como era costume entre os nobres, já estavam prometidos ir para a Corte. Lá o treinamento militar, entre outros conhecimentos, aguarda-lhes.
Com justos 11 anos, foi para Lisboa na época do reinado de Afonso V (1438-1418), onde estudou literatura, história e cosmografia e aprendeu a usar armas. Com 16 anos, na corte de D. João II (1481-1495), aperfeiçoou-se em cosmografia e estudou técnicas militares.
Nessa época, tiveram início as grandes navegações. Experientes no uso de caravelas, os portugueses passaram a explorar a costa ocidental da África.
(Uma curiosidade, Pedro Álvares, originalmente tinha o sobrenome Gouveia, de sua progenitora. A regra na época era que só o filho primogênito herdava o nome do pai. Ele, por desejo próprio, adotou o nome Cabral, do pai, quando mais velho. Poderia também ter tido como sobrenome Belmonte, do burgo/castelo onde nasceu. O Cabral vem dos seus antepassados criadores de cabras.)
Embora houvesse outros navegadores com certamente muito mais experiência que o então jovem Cabral (33 anos), o rei o escolheu pois queria para comandar a frota de 13 navios alguém com forte experiência e adestramento militar.
Sua frota partiu de Lisboa em nove de março, ao meio dia,
Navegou para o oeste do Oceano Atlântico (talvez intencionalmente), e desembarcou em 22 de abril de 1500 no que ele, inicialmente, supôs ser uma grande ilha.
Como a nova terra estava dentro da esfera portuguesa, de acordo com o Tratado de Tordesilhas – 1494 –, Cabral a reivindicou para Portugal.
Ele explorou a costa, percebendo que a grande massa de terra era provavelmente um continente, e despachou um navio para notificar o rei sobre o novo território.
O continente era a América do Sul, e a terra que ele havia reivindicado para Portugal mais tarde veio a ser conhecida como Brasil.
A frota reabasteceu e então virou para o leste para retomar a jornada para a Índia.
(Dos 13 navios, 6 perderam-se no mar por forte procela, e outro foi enviado a Portugal para dar a boa nova ao rei, sobrando, portanto, 6 navios para a viagem à Índia. Somente isso já derrubaria por terra a tese da "tomada" do Brasil e não sua descoberta "acidental").
Cabral, em 1503, casa-se com d. Isabel de Castro, tendo o casal seis filhos.
Morreu, em 1520, com 53 anos.
Finalizando
Afinal, o Brasil foi descoberto por Cabral ou a frota lusitana desviou intencionalmente o seu adrede curso à Índia com a clara intenção de tomar posse de uma terra já conhecida?
Esta é uma questão que virou modismo, e, em minha opinião de historiador diletante, mas também de alguém que tem interesse por fatos científicos, pela prevalência da lógica sobre ‘suposições’ que não tem guarida em documentos históricos, é muito improvável de ser verdade.
O que há são meras suposições, como por exemplo, a introdução deste tema em matéria antiga (de minha coleção) da Revista Superinteressante:
Não há um documento que comprove, mas tudo indica que a chegada da esquadra portuguesa a Porto Seguro, em 1500, não foi obra do acaso.
Aí, então, o texto coloca uma série de lugares comuns, tudo bem escrito, num texto argumentativo que até mesmo pode nos impressionar e colocar dúvidas. A bem da verdade, o nosso saudoso Galvani, em seu livro retro citado, também comunga dessa tese:
‘(...) Acredita-se que o navegador espanhol Vicente Yanez Pinzon tenha passado pela costa pernambucana e desembarcado no cabo Santo Agostinho, em 20 de janeiro de 1500’; (...) Duarte Pacheco Pereira, um dos negociadores do Tratado de Tordesilhas, relatou ter sido enviado pela coroa portuguesa ao Atlântico Sul em 1488 com uma frota de oito navios que atingiu o litoral brasileiro e chegou a explorá-lo; (...) O Tratado de Tordesilhas é uma evidência de que os portugueses tinham informações sobre a localização do Brasil antes de Cabral.
Li tudo, por dever de ofício e por gostar, ser curioso, mas não há como minha mente cartesiana aceitar tais hipóteses. Faço o seguinte raciocínio comparativo com os dias de hoje: imaginemos que a NASA resolva enviar uma frota de três naves, altamente tecnológicas, para o planeta Marte, mas – antes – ‘resolve dar uma passadinha na Lua para reconhecimento ou outra atividade qualquer’. Impossível, loucura total.
O mesmo, à época, em termos de riscos, era fazer-se uma viagem com os barcos de então – caravelas – para Calicute, na Índia, mas antes dar uma rápida passadinha no Brasil para marcar posição, deixar os famosos ‘marcos’ ou ‘essa terra pertence ao reino de Portugal’. Não nos olvidemos que uma viagem de ida e volta ao Brasil durava – com sorte – seis meses! E também havia as terríveis calmarias e o mortal ’escorbuto’. Ergo, não faz senso, concordam?
É isso aí, pessoal, espero que tenham curtido.
*João Paulo da Fontoura é escritor e historiador diletante, membro da ALIVAT – Academia Literária do Vale do Taquari, titular da cadeira nº 26.