Sexta, 31 de janeiro de 2020 - parte 2




Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
...
ANDO DEVAGAR
PORQUE JÁ TIVE PRESSA PRESSA





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URGENTE!! URGENTE!! URGENTE!!




Me informam agora que o apresentador da TV Record, ALEXANDRE MOTA, pediu demissão.
Vai largar o Balanço Geral e sair de Porto Alegre.
No entanto, vai cumprir os 30 dias de aviso prévio.
...
SEI QUE ELE TENTOU CONTATO COM A BAND E O SBT. SEM ÊXITO.


Sexta, 31 de janeiro de 2020





Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
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PORQUE JÁ TIVE PRESSA PRESSA





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especial

Nesta sexta, uma cesta
de Luis Fernando Verissimo!


FOTO DE TÂNIA MEINERZ


Verissimo fala sobre carreira, jazz, 
literatura e a descoberta de novos prazeres



Texto do jornalista Márcio Pinheiro, publicado na edição impressa do Jornal do Comércio de Porto Alegre, em 17 de janeiro de 2020.



Estima-se que Luis Fernando Verissimo tenha vendido mais de 5 milhões de livros. Não há um número exato, mas todos os índices são superlativos para caracterizar a obra desse autor - amplo e plural -, que começou a publicar em 1973, com O Popular, pela Editora José Olympio, e até hoje se mantém em atividade, um dos maiores fenômenos da literatura brasileira. Criou personagens que já fazem parte da história brasileira, como Ed Mort, o Analista de Bagé, as Cobras e a Família Brasil.
Começamos falando sobre jazz. Cheguei à residência de Luis Fernando Verissimo no início da tarde de um dia de semana no final do ano passado. A casa - adquirida pelo pai de Luis Fernando, o escritor Erico Verissimo, há quase oito décadas e, desde então, servindo de lar para, pelo menos, três gerações da família Verissimo - é a maior casa pequena do mundo.

Vista de fora, numa rua central do bairro Petrópolis, parece uma casa normal, com a varanda e as aberturas num estilo espanhol. Por dentro, ela cresce e se amplia, ganhando novas peças para os lados, para os fundos e até para baixo. "Coisas da Lúcia. A casa originalmente era de um tamanho menor mais foi crescendo, com novas peças e espaços", justifica-se Luis Fernando.

A residência está cheia e movimentada. Pessoas que trabalham por lá, mais Fernanda - a filha mais velha, que mora com o marido e a filha, Lucinda, no prédio em frente -, que se movimenta resolvendo alguns detalhes, e Pedro, o filho mais novo, feliz com a boa performance da noite anterior, quando comemorou as duas décadas de atividade da sua banda, a Tom Bloch. E Lúcia, simpática e falante, coordenando tudo numa das salas e comentando o show que ela havia gostado muito.

Sou levado por Luis Fernando para uma das peças, repleta de livros, muitos deles em inglês. Ele fecha a porta, abre o aparelho de CDs - ele e eu, sonoramente falando, ainda somos conservadores -, e eu o alcanço o primeiro disco que havia levado para nossa entrevista.

Sabendo através de uma crônica recente que ele havia (re)descoberto Art Pepper, esta foi minha sugestão para ilustrar musicalmente a conversa. "Eu sabia da existência de um saxofonista norte-americano chamado Art Pepper, mas nunca tinha prestado muita atenção no cara. Talvez a devoção ao Charlie Parker me impedisse de conceber qualquer outro alto saxofonista no panteão particular de jazzistas que mantenho e raramente abro. Não me lembro quando foi a revelação de que Pepper era melhor do que eu pensava, quase tão bom quanto Parker. O chamavam de 'Charlie Parker branco' porque seus estilos e seus improvisos eram parecidos. E sua vida pessoal também: Pepper, como Parker, passou muito tempo internado para curar a dependência em heroína, que nunca o largou. Morreu em 1982, com 57 anos (na verdade, 56, correção minha)", escreveu Luis Fernando há dois meses, confessando seu espanto a respeito de um dos grandes nomes do jazz.

O som do sax alto invade a sala, e Luis Fernando se acomoda numa poltrona, aparentemente a menos confortável do ambiente, porém a que parecia ser mais fácil para que ele pudesse se sentar e mais tarde se levantar. Os movimentos estão mais lentos, em total sintonia com sua forma de conversar - lenta e pausadamente - e totalmente diferente da atividade cerebral, em plena efervescência, como demonstram as crônicas que ele produz a cada semana.

Na mesma crônica em que escancarou sua admiração por Art Pepper, Luis Fernando acrescentou que "um dos prazeres de continuar vivo é que você nunca está longe de encontrar um novo prazer. Ou descobrir um novo prazer que, por alguma razão, lhe tenha escapado. Depois de um certo tempo de vida, você pode concluir que já experimentou tudo o que havia para experimentar no mundo, dentro dos limites da higiene e do código penal. Mas espere, não se precipite. O mundo ainda pode lhe reservar boas surpresas. Aconteceu comigo".

E tendo este gancho dado pelo meu entrevistado, procurei seguir a conversa por esta linha - pelas surpresas. Pelos prazeres que a vida pode proporcionar, pelas alegrias e plenitudes que podem ser oferecidas pelas descobertas intelectuais e pela imensa dádiva de se continuar em plena atividade.

Nos últimos tempos, Luis Fernando também diminuiu o ritmo das entrevistas, que costumava conceder com grande frequência. Das poucas que se permitiu, optou por responder as perguntas por escrito, enviando e-mail aos repórteres. Por isso, posso me sentir lisonjeado por ter tido o privilégio de trocar ideias com Luis Fernando - e claramente recompensado por ter saído ganhando muito com essa troca.

Com vocês, Luis Fernando Verissimo ao vivo!


Crônicas sem planejamento prévio


"Não gosto de escrever. Gosto de ter escrito"
FOTO DE SILVIO WILLIAMS

Com mais de 5 milhões de livros comercializados, após o pioneiro lançamento em 1973 (O Popular), Luis Fernando Verissimo publicou crônicas (A mesa voadora, Sexo na cabeça e O suicida e o computador), romances (O jardim do diabo e Os espiões), novelas (Gula - O clube dos anjos e Borges e os orangotangos), contos (Comédias da vida privada), ensaios (Banquete com os deuses), relatos de viagens (a série Traçando Porto Alegre, Paris, Nova York, Roma...), cartuns (As cobras) e quadrinhos (O analista de Bagé). O fenômeno literário também teve adaptações para o teatro, cinema e televisão, tendo criado personagens que foram incorporados à cultura popular nacional, e até um que mesmo depois de "assassinado" permaneceu imortal, a Velhinha de Taubaté.

Banquete com os deuses - Cinema, literatura, música e outras artes (Objetiva), livro que reúne textos culturais escritos por Luis Fernando Verissimo e lançado em 2003, trata de algumas obsessões artísticas do autor, um cardápio amplo que inclui Zoot Sims e Oscar Wilde, Miles Davis e W. H. Auden, John Huston e Jean-Paul Sartre, Michelangelo Antonioni e muitos outros. Vasto e diversificado, o gosto cultural de Verissimo sempre esteve presente em suas crônicas. Luis Fernando escreve quase sempre ouvindo música, numa medida de volume que fique entre o que não pode ser ignorado e tampouco interfira demais. Ele ainda se inspira em outros cronistas, em especial, os brasileiros Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e - mais do que os outros - o pernambucano Antonio Maria.

Luis Fernando tranca-se na "toca", uma das peças da casa, quando está escrevendo as colunas, uma bissemanal para o jornal O Estado de S. Paulo, outra semanal, que sai às quintas-feiras, para O Globo. Esse último jornal, através de sua agência, negocia e distribui a reprodução das colunas para dezenas de jornais do Brasil.

"Ele é, de fato, um homem de jornal. Como jornalista. Ele escreve em jornal. Ele se manifesta pelo jornal. E por essa razão ele é inconfundível. Luis Fernando Veríssimo é dotado de qualidade pessoais e profissionais riquíssimas e intransferíveis", destaca o amigo e contemporâneo Ruy Carlos Ostermann.

Luis Fernando admite que quase sempre as crônicas saem sem grande planejamento prévio. Muitas vezes, a ideia inicial não se confirma ao mesmo tempo que um tema pouco lembrado possa surgir de repente. Há também o caso de uma ideia boa, que deve ser guardada para ser usada na hora certa e quando acha que pode utilizá-la... Ela foi esquecida. Como admitiu recentemente em uma entrevista: "As melhores ideias são sempre as que a gente esquece". E finaliza: "Não gosto de escrever. Gosto de ter escrito".


Família de amantes da boa música


Com o filho Pedro - FOTO DE MARIANA CARLESSO

Charlie Parker e Dizzy Gillespie. Quem gosta de jazz sabe o que esta dupla significa para a música contemporânea. O que os dois criaram em noites de improvisos na Rua 52 em Nova York no começo dos anos 1940 mudou toda a perspectiva da música ocidental. Quem gosta de jazz sabe ainda que ter visto os dois em ação em cima do palco equivale a um ponto culminante de qualquer experiência da existência humana. Como ver Pelé jogando, Muhammad Ali lutando, Charles Chaplin dirigindo e/ou atuando, Picasso pintando.
Pois Luis Fernando Verissimo viu os dois. "Vi Charlei Parker tocar uma vez. Ele e o Dizzy Gillespie, no Birdland. Eu não tinha idade para estar lá dentro, mas passava pelo porteiro e me sentava numa espécie de auditório lateral onde não era preciso pedir bebida. Lembro da figura dele, gordo e impassível em contraste com o movimentado Dizzy, mas eu literalmente não sabia o que estava vendo", recorda.
Era a história se construindo diante de seus olhos. Esses momentos - talvez sem a mesma dimensão - se repetiriam muitas vezes. Veja a lista de quem Luis Fernando viu em ação no palco: Charles Mingus, Thelonious Monk, Astor Piazzolla, Stan Getz, Zoot Sims, Modern Jazz Quartet, Chet Baker, Miles Davis, Chick Corea, Art Blakey, Sonny Rollins... Num rápido exercício de memória, Luis Fernando admite apenas a ausência do pianista Bill Evans.
Com alguns, como Gerry Mulligan, o convívio foi até mais próximo. Na ocasião em que o saxofonista se apresentou em Porto Alegre, em meados dos anos 80, os casais Mulligan e Verissimo saíram para jantar. A conversa demorou a engrenar pelo fato de que o saxofonista estava mais interessado em falar sobre literatura e o escritor queria mais era falar sobre jazz. A situação piorou quando a temperamental esposa de Mulligan, a italiana Franca, resolveu fazer jus ao nome e ser sincera a respeito do que havia achado do restaurante. Como o dono do estabelecimento era igualmente famoso pelo gênio difícil e pelo comportamento ríspido, o jantar quase acabou se transformando num incidente diplomático.
Além do jazz, Luis Fernando ouve bastante música brasileira, em especial Chico Buarque e, como sempre, Edu Lobo e Yamandú Costa, com quem esteve recentemente num show do violonista em Paris.
A admiração pelo jazz fez com que Luis Fernando se aproximasse de maneira mais efetiva da música. Primeiro tentou o trompete, inspirado por Louis Armstrong, mas acabou optando pelo sax-alto. Durante anos, Luis Fernando animou bailes, realizou gravações e levou seu som a shows, feiras literárias e programas televisivos. Hoje o Selmer, uma das marcas mais respeitadas em matéria de saxofones, está de lado, num local que o próprio músico não sabe bem qual é. As limitações físicas o impedem de ter o fôlego necessário para tocar o instrumento. "Além disso, basta você ficar um tempo sem tocar que já perde a embocadura. Aí retomar não é fácil", detalha Luis Fernando.
O talento musical surgiu sem incentivo e também qualquer espécie de DNA. "O pai gostava de colocar discos, ouvir muita música clássica, em especial Bach, Brahms e Heitor Villa-Lobos, e reger uma orquestra imaginária. Fazia isso até com um certo talento mas nunca se aventurou a tocar nenhum instrumento", lembra Luis Fernando a respeito de Erico, que, curiosamente, colocou como Solo de clarineta o título de seu livro de memórias.
Quem herdou o DNA musical de Luis Fernando Verissimo foi o filho mais novo, Pedro. Há 20 anos, ele é integrante da Tom Bloch. Mais recentemente, Pedro aproximou-se da Marmota Jazz, ampliando o repertório para clássicos do cancioneiro americano com interpretação de canções gravadas por Frank Sinatra, Ella Fitzgerald e Billie Holiday. "O Pedro me surpreende. Sempre foi um bom compositor que se revelou um bom cantor e que canta igualmente bem rock ou jazz", elogia. Podemos esperar um duo de sax e voz entre pai e filho? Pedro explica: "Já rolou algumas vezes com a Jazz 6, agora o patriarca aposentou o sax Mas se alguém montar um abaixo-assinado, me passe o link que assino".

Do leitor ao escritor


Estátua de Erico na loja Renner da Andradas (2017)
FOTO DE 
FREDY VIEIRA


O que está de forma inexorável no DNA dos Verissimo é a literatura. O ano de 2019 marcou as sete décadas da publicação de O continente, o primeiro volume de O tempo e o vento, de Erico Verissimo, uma das obras máximas da literatura brasileira.
"Não encontro semelhanças na escrita entre pai e filho", explica o professor Flavio Loureiro Chaves, um dos maiores especialistas na obra de Erico Verissimo. "Ele fundou o romance histórico no Brasil; era um narrador de tradição realista. Luis Fernando faz a leitura de um mundo estilhaçado na história dos nossos dias e, por isso, vem a ser essencialmente contemporâneo", compara. E acrescenta: "A ironia sempre contribuiu para mudar a nossa visão do mundo. Aí entra a crônica do Luis Fernando: uma perspectiva irônica subvertendo a realidade estatuída".Curador da Semaníssima Luis Fernando Verissimo, evento realizado pela Unisinos em homenagem às cinco décadas de atividade jornalística de Verissimo, o jornalista, cartunista e escritor José Guaraci Fraga, segue uma análise semelhante, comparando pai e filho: "Como Erico, Luis Fernando é um fomentador da cultura. Daí ser dos raros balizadores confiáveis nesse Brasil dos piores tempos. Enfim, sua influência na vida nacional é como ele próprio e sua arte: sutil. Um fenômeno, sim".Fraga vai além: "Mas, nele, o fenomenal vai além do fato de ser um campeão de vendas ou o cronista mais querido do Brasil, sobretudo nas ruas, pessoalmente. Cada vez que alguém o lê no jornal ou livro, tem a mente nivelada pelo nível da escrita. E embora o texto nem pareça exigir leitor exigente, esse leitor, dos 8 aos 108, percebe que teve sua exigência prazerosamente atendida. E para ampliar, o leitorzinho ou leitorzão vai querer buscar mais textos e mais autores desse nível. Por isso - achismo meu - esse nivelamento faz um bem danado à literatura", avalia Fraga.Leitor que já se autodefiniu como onívoro, LFV atualmente anda mais seletivo. O novo livro de Chico Buarque, Essa gente, já está na fila. "Acho que vou gostar, como gostei muito de Budapeste, o melhor dele." Antes, ele está lendo o novo romance de espionagem de John Le Carré, Agent Running in the Field, recém-lançado, comprado na sua última ida a Paris.Das autoras mais novas, Luis Fernando elogia Claudia Tajes, que retribui: "Para mim, para a minha geração, para quem veio depois, ele é um parâmetro. Inatingível, bem verdade, porque ninguém vai conseguir aquelas ideias sem ter nascido ele. Aquelas frases. Aqueles pontos sempre no lugar certo. E, ainda por cima, aquela mulher. Tudo o que ele cita influencia - posso até não virar fã, mas sempre quero conhecer. A primeira viagem para Nova York foi seguindo os passos que ele traçou. E se faz anos que Chet Baker continua nos mais tocados aqui da casa, tudo começou com ele".Muito antes do advento das fake news, Verissimo já era vítima dos textos falsamente atribuídos a ele, ao acaso ou intencionalmente. "Quando o texto é bom, eu aceito os elogios", destaca ele embora reconheça que a maioria dos textos nada tenha a ver com o estilo e a maneira com que costuma abordar os temas.

Sobre cinema e televisão

O cinema, durante anos, foi um de seus grandes programas. Agora, o cansaço, a preguiça e a dificuldade de locomoção o impedem de sair com maior frequência. Na TV, acompanha o noticiário e os jogos de futebol, em especial, os do Internacional e os do campeonato inglês.

Assim, vê em casa o que está disponível nos canais ou o que a mulher e os filhos selecionam na Netflix. "Ainda não consegui compreender como aquilo funciona, então dependo das escolhas da família."

No dia da conversa, Luis Fernando se preparava para encarar as três horas e meia de O irlandês, novo filme de Martin Scorsese, um de seus diretores preferidos, ao lado de Woody Allen e Francis Ford Coppola - "principalmente os da trilogia de O poderoso chefão e de Apocalypse now" -, e dos já falecidos Alfred Hitchcock, Elia Kazan e Billy Wilder.

Também deve vir pelos próximos meses uma adaptação de um livro seu para o cinema: O clube dos anjos, que tem a gula, um dos sete pecados capitais, como tema, terá um elenco formado por Otavio Müller, Marco Ricca, Matheus Nachtergaele e Ângelo Antônio. A direção é do fluminense Angelo Defanti, que faz sua estreia em longa-metragem e ainda prepara um documentário sobre o escritor.


LFV e a morte


Em 2014, Imperadores do Samba homenageou o escritor
FOTO DE 
JOÃO MATTOS

"Meus amigos estão morrendo. Eu estou cada vez com menos interlocutores", lamenta Luis Fernando, aos 83 anos, lembrando, em especial, de dois dos quais sente muitas saudades: José Onofre e Armando Coelho Borges. Um contemporâneo que permanece é o também jornalista Ruy Carlos Ostermann, de 85 anos. "Nós sempre fomos bons amigos, e eu tenho muito orgulho disso. Não convivi tanto quanto gostaria e sei lá as razões. Mas verdade é que, com o Luis Fernando, tive algumas experiências marcantes."

Ruy se emociona ao lembrar que coube a Luis Fernando a ingrata tarefa de lhe comunicar a morte de sua mãe quando os dois participavam da cobertura da Copa do Mundo da Itália, em 1990. "A primeira coisa que senti foi um silêncio vindo de um grupo. Aí, Luis Fernando se aproximou e me deu a notícia. Apesar da imensa tristeza, este é um testemunho de como ele sempre foi um grande amigo", recorda Ruy.

Nos dias atuais, o núcleo mais próximo de Luis Fernando acaba mesmo sendo a família, os filhos Fernanda, Mariana e Pedro, e, agora, os netos Lucinda e Davi. Lucia, então, está presente em todas as etapas da vida.

Nos últimos anos, a preocupação com a saúde vem sendo cada vem mais frequente e intensa. Cardíaco e diabético, Luis Fernando se impõe uma série de limitações até para que, eventualmente, possa se permitir excessos, como vinhos, caipirinhas e pudins de laranja.

Uma das últimas internações, talvez a mais grave, o levou à UTI. "Penso muito na morte", admite, para, logo a seguir, descontrair: "Já nem leio mais os obituários de jornais com medo de encontrar meu nome".

Mas o que pensa da morte? "Talvez em ser poupado."


Quinta, 30 de janeiro de 2020




Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
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ESTOU COM UM MAL ESTAR TERRÍVEL.
TERIA QUE FAZER UMA ECO, HOJE, NA SANTA CASA E TRANSFERI.
ESPERO ESTAR LEGAL AMANHÃ.


Quarta, 29 de janeiro de 2020




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ATÉ ONDE IR?





Texto do consultor Glauco Fonseca.

No Brasil não há eutanásia e é proibida a comercialização de órgãos. O aborto, fora de parâmetros sociais e juridicamente aceitos, também é proibido. Há, portanto, diversos limites para o exercício da medicina e toda ação médica é limitada por diversas questões muito claras e transparentes. Casos como drogas em teste, bem como experiências genéticas, são altamente controlados, assim como questões éticas e típicas do exercício da medicina nos diversos Conselhos da categoria. O profissional que pratica abortos, ainda que seja por questões “humanitárias” é considerado criminoso por ter ultrapassado limites da profissão.


Isso vale para advogados. Há inúmeros limites para a prática da profissão, delineados pelo código de ética da categoria, bem como pelas relações entre clientes e representantes, ungidos por sigilo e proteção legal. Quando este sigilo é quebrado, ainda que passível de justificativa, existe o processo judicial adequado que pode levar o advogado à perda da autorização para exercer a profissão. As limitações legais, éticas e morais são pesadas para a magistratura, para a polícia, para legisladores e diversas profissões privadas e públicas. Isto é o que garante a civilidade nas relações, a paz na república e o respeito entre pessoas e entes representados.


Padres não revelam aquilo que lhes confessam. Psiquiatras e psicólogos idem. O sigilo é parte fulcral de seus ofícios, sem o que não se confessa e não se procede uma psicoterapia. Os limites a estas profissões que exigem sigilo são extremos e dramáticos. Uma relação quebrada pode levar a tragédias pessoais ou familiares impressionantes. Não se transige com estes limites profissionais. Não se pode nem se deve transigir.


Arquitetos e Engenheiros constroem pontes por onde passam milhares de vidas todos os dias. Sua responsabilidade está implícita e impregnada no cimento utilizado, no aço e no concreto que requerem a especificação adequada e segura. Há limites implícitos na ação destes profissionais, há códigos de ética e compromissos com aqueles que serão os usuários de uma hidrelétrica, um túnel ou um simples prédio de três andares. Se forem mal construídos, pessoas poderão morrer. Se os projetos forem ruins, seres humanos podem ser atingidos. Existem limites para a profissão de engenharia, arquitetura e congêneres? Inúmeras e todas elas precisam ser respeitadas diariamente.


Há duas categorias que, infelizmente, nos dias de hoje, não aceitam mais que lhes sejam impostos limites: Jornalistas e professores. Esgarçam diariamente seus códigos profissionais, sem a mínima preocupação com as consequências. Vou me deter, por enquanto, apenas nos jornalistas.


O caso do site The Intercept e do diretor Glenn Greenwald é uma “aula” de como pouco ou quase nada restou de bom senso e ética profissional na profissão. Perderam a noção entre o legal e o ilegal, entre o ético e o criminoso, entre a verdade e a mais sórdida mentira. Jornalistas não são. Publicar o produto de crime de invasão de privacidade é repulsivo. Foram ainda mais adiante ao tentar dar ares conspiratórios a conteúdos efêmeros, na tentativa de comparar juízes e procuradores com políticos corruptos processados no âmbito da operação Lava Jato.


Liberdade de expressão? Claro que o limite foi espichado! Os jornalistas do The Intercept são tão criminosos quanto o “Molição” e o “Vermelho”. Glenn Greenwald e seu comparsa Leandro Demori são a mais evidente constatação de que o “piso da categoria” é dinheiro demais para gente como eles.



Terça, 28 de janeiro de 2020




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EM EXAMES
NA SANTA CASA.
ATÉ AMANHÃ.


Segunda, 27 de janeiro de 2020




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O IBSEN PINHEIRO






Antes de entrar no Jornalismo da PUC, por influência da minha mãe, a dona Etna, sempre li muito e escutei muito rádio. Lia os clássicos - tinha até carnê da Globo e Sulina - e os jornais, especialmente a Folha da Manhã e o Correio do Povo. Revistas. As rádios que tinham jornalismo... era uma obrigação escutarmos o noticiário apresentado pelo José Aldair.
Fui fazendo a seleção dos que mais gostava, desde o tempo do científico no Champagnat até o início da Faculdade, passando pelo cursinho IPV.
Sem me preocupar com a época, digo que gostava muito do Luis Fernando Verissimo, Ibsen Pinheiro, Janer Cristaldo, Rogério Mendelski, Cândido Norberto, Darci Filho, Flávio Alcaraz Gomes, José Fogaça, Bibo Nunes, Clóvis Duarte, Tânia Carvalho, Paulo Raymundo Gasparotto, Cascalho Contursi, Discocuecas, Maria do Carmo Bueno, Haroldo de Souza, Ruy Carlos Ostermann, entre outros que também faziam jornalismo.
Mas entre todos, me chamava a atenção o Ibsen Pinheiro, porque me dava a impressão de que ele sempre lia o que falava no rádio, porque as frases saiam sempre perfeitas. No jornal, tudo bem, mas no rádio e depois na TV me passava a impressão de que das duas uma: ou ele decorava o texto ou lia no teleprompter.
Era impressionante a facilidade que ele tinha em fazer frases interessantes. Sempre, em qualquer situação. No Sala de Redação, atração da rádio sobre futebol, ninguém se aventurava a contestá-lo.
Lembro que o Pedro Ernesto Denardim apresentou um programa, aos domingos na RBS TV, sobre futebol. Era com Ibsen e um advogado com o apelido de Cacalo. O Ibsen o destruía a cada minuto. O programa não durou muito.
...
Em 1980 estava terminando o Jornalismo e fui trabalhar no Zero Hora. Passava o dia na Assembleia Legislativa. Fazia uma coluna "Plenário", onde saía um resumo do que os deputados falavam na sessão plenária. As vezes me atrasava e ficava na Imprensa, junto com o Terlera, que fazia a mais famosa coluna política do Estado, Bastidores.
Numa dessas vezes, revisando os meus textos, entram na Imprensa os deputados estaduais Cezar Schirmer, José Fogaça e Ibsen Pinheiro. Já imaginou? O Fogaça e o Ibsen!! E aquele guri de Santa Maria!!
Não sei quem falava mais abobrinha. Era só brincadeira com o Terlera. A partir daí sempre ficava até mais tarde para acompanhar estas visitas.
Em março/abril desse ano aconteceu na Assembleia, como sempre faziam, uma sessão para "comemorar" o 31 de março dos milicos. E a Oposição deitava e rolava. Desta vez, encheram o plenário de miliquinhos - aqueles que serviam o Exército. Lá pelas tantas, um deputado falava e lançaram no meio do plenário um "ovo" com um gás muito fedorento. Terminou a sessão. Colocaram um ovo semelhante no Galaxie do Ibsen.
Foi um escândalo. Os seguranças da Assembleia chegaram a prender um guri, mas não tinham prova.
Formaram uma comissão de investigação na Assembleia e eu entrevistei o Ibsen várias vezes.
Não deu em nada. 
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Durante alguns meses eu fui mandado para o Aeroporto Salgado Filho aos domingos. Num desses dias encontrei ele lá, com a dona Laila.
- E aí, deputado, estão indo para onde?
- Prévidi, vou tirar uns dias. Mas para o repórter digo que farei uma viagem de estudos para a Europa.
Ele sempre tinha uma frase...
...
Em 1986 fiz um jornal mensal, o Rua da Praia - Jornal do Centro. Me divertia muito. O mais legal era contar histórias de uma Porto Alegre que foi fantástica. Um dos nossos colaboradores era o Renato Maciel de Sá Júnior. Imagina o naipe do jornal...
Numa das edições queria tratar dos personagens da Rua da Praia. De cara, lembrei do Ibsen. Liguei pra ele e no dia marcado fui em seu apartamento, numa transversal da avenida Osvaldo Aranha.
Liguei o gravador e apenas disse:
- Fala, deputado.
Ele já devia estar cansado de falar, um monólogo, porque eu estava ali para uma aula e não uma entrevista.
Lá pelas tantas, com delicadeza, me diz:
- Tens que fazer perguntas se não fica difícil!!
...
Acompanhei com toda a alegria do mundo aquela histórica sessão  na Câmara federal em que Collor foi cassado. O Ibsen era o presidente.
Depois acompanhei com toda a tristeza do mundo quando a chamada "grande imprensa" fez de tudo para que Ibsen fosse colocado ao lado dos malfadados "anões do orçamento". Acompanhei a sua cassação, com muita tristeza.
Logo depois disso fui com um amigo almoçar no Gambrinus, no Mercado Público. Lá estava o Ibsen com um amigo. Era claro que ele queria ficar ali anônimo. Mas fomos lá cumprimentá-lo, como sempre fiz. Ele ficou surpreso e nos agradeceu (eu estava com o Luis Reni Marques, que tinha trabalhado com ele em Brasília).
...
O "processo" de cassação do mandato de deputado federal do Ibsen Pinheiro foi simplesmente desumano. Não há outra forma para classificar. Os grandes jornais e TVs decidiram que ele deveria ser cassado. E fizeram de tudo para conseguir.
Imagine que um dia recebi um telefonema na Assembleia. Era um amigo, que trabalhava em O Globo, na editoria de política. Ele:
- Está chegando aí o fulano, repórter aqui do jornal, para levantar todos os podres do Ibsen. Dá uma mão pra ele.
Fui claro:
- Não sei de nada contra o Ibsen.
Dois dias depois apareceu o coitado do repórter. Não tinha encontrado nada.
...
Anos depois, eu era editor da revista Press. E todo mês fazíamos uma grande entrevista.  
Quando a chamada "grande imprensa" pediu desculpas a ele, por ter feito de tudo e mais um pouco para cassá-lo resolvemos entrevistá-lo, o Julio Ribeiro e eu.
Além do gravador, levei duas fitas, de uma hora cada.
A entrevista foi tão fantástica que faltou fita, assim como faltaram páginas da revista...
Entre tudo que ele nos falou, um trecho não esqueço:
No auge das "denúncias" contra ele, tudo forjado, Ibsen teve um encontro com um dos filhos do Roberto Marinho e explicou tudo. Tanto que o Marinho disse que os veículos do grupo iriam parar com a campanha. No dia seguinte, O Globo deu uma manchete falsa que culminou com a cassação.
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Depois pude acompanhar o seu trabalho na Secretaria de Comunicação do Governo Germano Rigotto. Foi impressionante. Imagine que os petistas do Olívio Dutra, que ocupavam o Palácio Piratini antes da eleição do Rigotto, zeraram todos os computadores. Não existia nada, começaram do zero. E ele sempre com bom humor e fez um baita trabalho na Comunicação.
...
Convivi, trabalhei, entrevistei e conversei com todos os que citei acima. Com o LFV, por exemplo, foi por email, e ele contribuiu com textos em dois dos meus livros.
Todos.
Mas, acreditem, eu tinha uma admiração especial por alguns.
O Ibsen era um desses.
...
Vocês não imaginam o que foi receber o Prêmio Press das mãos do Ibsen, como está na foto lá em cima.
Lembro bem no que me disse, ao bater no meu braço, depois de me passar o troféu.
Inesquecível.
...
Tenho a certeza de que perdemos um grande Homem.
Vai ser difícil surgir outro como Ibsen Pinheiro.
Eu já cansei de fazer estas homenagens a grandes homens.
...
Li e gostei do que o jornalista Guilherme Baumhardt escreveu:
A história tem vários momentos do "e se...".
Ibsen protagonizou um dos mais importantes do país. "E se não tivesse sido alvo de uma reportagem com um erro crasso, qual teria sido o destino dele e do país naquele momento?". 
Não concordava com todas as suas ideias, mas isso é da vida. O que não me impede de lamentar ver que já tivemos uma figura do tamanho do Ibsen comandando a Câmara e hoje temos...
...
Pra encerrar.
Um post do Márcio Pinheiro, filho do Ibsen, que estava de aniversário no dia em que o grande jornalista nos deixou:



Fiquei muito impressionado anos atrás quando li a biografia do Walter Clark e ele contava o fato inédito de ter sido pai e ter perdido uma filha no mesmo dia. Hoje eu tô sentindo algo parecido: ter o dia do aniversário marcado pela morte do meu pai.
Era uma dor que há muito vinha se manifestando - com a piora da saúde e as constantes internações - mas para qual nunca se está preparado. É também o paradoxo da imensa tristeza ser amenizada pelas centenas de manifestações de carinho.

É preciso não falar muito quando se fala de Ibsen Pinheiro, a figura pública que gostava tanto de falar mas que - outro paradoxo - era um pai calado. A Lina, com sua imensa sabedoria, conseguiu até deixar ele mais falante. Agora, comigo, ficarão as lembranças, do pai e do homem público. Do frasista que não gostava de ser reconhecido como tal ( e que nos últimos tempos até reconhecia que algumas das boas frases ele havia pego de mim). Ficará, por fim, a imensa saudade. Um beijo, pai
...
Até lá, Ibsen Pinheiro.


Sexta, 24 de janeiro de 2020




Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
...
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especial

Nesta sexta, uma cesta
de H.L. Mencken!






Só há uma coisa na qual homens e mulheres concordam: nenhum dos dois confia nas mulheres.


Quando um homem e uma mulher se casam,
tornam-se um só.
A primeira dificuldade é decidir qual deles.





Pode ser um pecado pensar mal dos outros.
Mas raramente será um engano.








O melhor frasista de todos os tempos?
O melhor jornalista norte-americano?





Henry Louis Mencken, conhecido como H.L.Mencken, nasceu em Baltimore, Maryland, em 12 de setembro de 1880. Foi jornalista, crítico literário, ensaísta, autobiógrafo, escritor, historiador e linguista. Mencken escreveu The American Language, um estudo de como a língua inglesa é falada nos Estados Unidos.
Era cético em relação a teorias econômicas.
Também se dizia anti-intelectual, anti-populista, contra o cristianismo fundamentalista, contra a religião organizada, cético sobre a existência de Deus.
Mencken morreu dormindo em um domingo, 29 de janeiro de 1956. Suas cinzas foram enterradas perto de seus pais e sua esposa no cemitério Loudon Park.
Depois de sua morte, novas controvérsias sobre HL surgiram. As coletâneas de seus trabalhos se tornaram populares. Foi acusado de anti-semitismo, e essas acusações ganharam mais espaço com a publicação de seu diário, em 1989. Seus amigos judeus o defenderam. Diversas biografias, voltadas para aspectos diferentes de sua vida, foram publicadas.
Sua mais conhecida obra é O Livro dos Insultos.
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A respeito dessa obra, Julio Daio Borges escreveu:



"Pode-se dizer com bastante segurança que qualquer artista de alguma dignidade é contra seu país".
"Todo homem decente se envergonha do governo sob o qual vive".
"O principal conhecimento que se adquire lendo livros é que poucos livros merecem ser lidos"
Essas e outras frases estão impregnadas no inconsciente de quem passou os últimas décadas lendo atentamente os melhores jornalistas culturais brasileiros do século XX. Porque todos eles, direta ou indiretamente, foram influenciados por H.L. Mencken.
A começar por Paulo Francis, que o tinha como um de seus heróis, junto a Bernard Shaw e Edmund Wilson.
Emendando com Ruy Castro que, além de compilar essas frases em suas coletâneas de Mau Humor, organizou a mais célebre edição de Mencken em português - justamente, O Livro dos Insultos, que teve sua primeira tiragem em 1988, com tradução e posfácio de Ruy, mais orelha de... Paulo Francis.
O livro sai, agora, com novo projeto gráfico, dentro da coleção Jornalismo Literário da Companhia das Letras.
Mencken não é bom filósofo, mas estão lá, igualmente, suas opiniões filosóficas.
Não gostava de música popular, mas coincidiu com o nosso Vinicius de Moraes quando afirmou que "a paixão é o mais perigoso de todos os inimigos da suposta civilização" (ambos, na verdade, devem ter bebido em Freud). Admirava, imensamente, Beethoven e imaginava que ele devia ter realizado seu ideal de "artista livre": "o homem que ganha a vida, sem nenhum patrão, fazendo coisas que lhe agradam, e que continuaria fazendo mesmo sem pressões econômicas".
Mencken soa hoje mais inteligente e engraçado do que literário e profundo. Mas suas observações, de tão verdadeiras, ficam impregnadas em nós.
Quando, por exemplo, diz que o camponês que vem para a cidade precisa se alienar, para não se sentir constantemente esmagado e explorado; ou quando conclui que ninguém está imune às opiniões e aos preconceitos de sua própria mulher; ou, ainda, quando prova que toda autobiografia sincera é uma contradição em termos.
Mencken escreveu mais do que deveria, mas merece ser decorado, em muitos de seus trechos, como sugeria seu ídolo Nietzsche.


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Na história humana, não há registo de um filósofo feliz

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Trechos de uma biografia do escritor,
assinada por Jim Powell:

Mencken expressou seu ultraje em relação à violência contra os negros e, à medida que Hitler passava a ameaçar a Europa, Mencken atacava o presidente Roosevelt por se recusar a admitir refugiados judeus nos Estados Unidos: “Só existe uma forma para ajudarmos os fugitivos, e essa forma é encontrarmos lugar para eles em um país onde possam realmente viver. Por que os Estados Unidos não podem aceitar algumas centenas de milhares de fugitivos, ou até mesmo todos eles?”

Mencken era inflexível para que os Estados Unidos não voltasse a ficar emaranhado em outra guerra européia. Ele acreditava que isso significaria uma maior expansão do poder governamental, da opressão, das dívidas e das mortes, sem livrar o mundo da tirania. Era melhor manter os Estados Unidos como um santuário pacífico para a liberdade:

“Acredito que a liberdade é a única coisa genuinamente valiosa que os homens inventaram, pelo menos no campo governamental, em mil anos. Acredito que é melhor ser livre do que não ser livre, mesmo sendo a primeira opção perigosa e a segunda segura. Acredito que as melhores qualidades do homem apenas podem florescer ao ar livre – que o progresso obtido sob a sombra do bastão dos policiais é um progresso falso, e não tem nenhum valor permanente. Acredito que qualquer homem que coloque a liberdade de outro sob sua guarda irá, certamente, se tornar um tirano, e que qualquer homem que abra mão de sua liberdade, mesmo que seja apenas um pouco dela, se tornará, certamente, um escravo.” Mencken acrescentou: “Em qualquer disputa entre um cidadão e o governo, é meu instinto ficar ao lado do cidadão... Sou contrário a qualquer esforço para tornar os homens virtuosos através da lei.”

Quanto ao capitalismo, Mencken declarou:

“nós devemos ao capitalismo quase todas as coisas que possuímos sob o nome de civilização atualmente. O progresso extraordinário do mundo desde a Idade Média não foi causado pelo mero gasto de energia humana, nem mesmo pelos vôos de nossa imaginação, já que os homens trabalharam desde os tempos mais remotos e alguns deles tinham um intelecto inigualável. Não, esse progresso foi causado pela acumulação de capital. Essa acumulação permitiu que o trabalho fosse organizado economicamente e em grande escala – aumentando, assim, enormemente a sua produtividade. Ela forneceu a maquinaria que diminuiu gradualmente a labuta humana e que libertou o espírito do trabalhador, que anteriormente era indistinguível de uma mula. E, principalmente, possibilitou uma preparação mais longa e melhor para o trabalho. Assim, toda arte e artesanato expandiram o seu escopo e alcance, e uma grande quantidade de artes novas e altamente complexas apareceram.”

(...)

Embora fosse intensamente controverso, Mencken chegou a ser respeitado como o maior jornalista e crítico literário dos Estados Unidos. Produziu estimadamente dez milhões de palavras: cerca de 30 livros, contribuições a mais de 20 livros e milhares de colunas para jornais. Escreveu cerca de 100 mil cartas, algo entre 60 e 125 por dia de trabalho. Catava milho com os dois indicadores para formar cada palavra – por anos, usou uma pequena máquina de escrever Corona, que era mais ou menos do tamanho de uma caixa de charutos.

Mencken tinha coisas interessantes a dizer sobre política, literatura, culinária, saúde, religião, esportes e muito mais. Ninguém sabia mais da nossa língua americana. Especialistas influentes do passado, como Walter Lippmann, já foram esquecidos há tempos, mas Mencken ainda é lido. Na última década, foi publicada quase uma dúzia de livros dele ou sobre ele. O biógrafo William Nolte diz que Mencken está entre os autores americanos mais citados.


Certamente, Mencken está entre os mais brilhantes. Por exemplo: “Puritanismo – o medo constante de que alguém, em algum lugar, possa estar se divertindo”; “a democracia é a teoria do que o povo sabe o que quer, e deve recebê-lo integralmente” “o New Deal começou como o Exército da Salvação, prometendo salvar a humanidade, e acabou como o Exército da Salvação, administrando pensões e perturbando a paz”. Mencken tinha um metro e setenta e um de altura, e pesava em torno de 80 quilos. Usava o seu cabelo liso e castanho partido ao meio. Sempre tinha um charuto apagado na boca. Vestia um par de suspensórios e um paletó amassado. De acordo com um cronista, Mencken em seus melhores momentos parecia “um encanador acordando para ir à igreja.”



Nunca pus um charuto na boca antes dos nove anos.






Um homem perde o senso de orientação após quatro drinques; uma mulher após quatro beijos.






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Ele exercia seu ceticismo militante

Texto de Eduardo Cesar Maia:


Antes de que pudéssemos contar com os hoje já comuns “sebos virtuais”, alguns livros, apesar de não tão velhos e nem tão raros, viravam objeto de verdadeiras caçadas pelo simples fato de estarem esgotados na editora. É o caso de O livro dos insultos, uma compilação de textos do polêmico jornalista norte-americano Henry Louis Mencken (1880-1956), organizada por Ruy Castro e fora de catálogo há mais de 20 anos. Agora, para os admiradores do “sábio de Baltimore”, uma boa nova: a Companhia das Letras reeditou a obra numa edição bem cuidada e que, de quebra, além do prefácio do próprio Ruy Castro, traz um texto de Paulo Francis sobre “o mais poderoso cidadão privado na América” daqueles tempos, como o definiu Walter Lippmann, do New York Times.

Neto de imigrantes alemães e filho do dono de uma fábrica de charutos, Mencken se interessa pela literatura a partir da leitura de Mark Twain, escritor e também jornalista, de quem herda o humor irônico e o espírito libertário — Huckleberry Finn foi seu livro preferido durante toda a vida. Iniciou a carreira como foca no jornal Baltimore Morning Herald, em 1899, e posteriormente foi contratado pelo Baltimore Sun, em 1906. Sua verve de crítico cultural começou a ser destilada na revista The Smart Set, em 1908.

Em 1924, já consagrado e com algum dinheiro, Mencken pode fundar uma publicação própria, o magazine The American Mercury, que teve sua primeira edição circulando no mesmo ano, e, em pouco tempo, começou a ser distribuída com sucesso em todos os Estados Unidos. Entre seus amigos íntimos — os quais nem sempre escapavam de seu sarcasmo —, estavam importantes artistas e escritores da época, como George Jean Nathan, Theodore Dreiser, F. Scott Fitzgerald e Alfred Knopf.

Mencken entendia o jornalismo como uma atividade essencialmente de combate e de oposição ao poder constituído. Suas únicas crenças inamovíveis eram a defesa da liberdade de consciência e a preservação dos direitos civis dos indivíduos contra a força do estado e contra a “tirania da maioria”. Ficou célebre uma anotação em seu diário no dia da morte de um presidente americano: “Foi o primeiro americano a penetrar nas profundezas da estupidez do vulgo. Nunca cometeu o erro de superestimar a inteligência da multidão”. Referia-se assim a Franklin Delano Roosevelt, único presidente eleito por quatro vezes na história americana.

Sua capacidade de falar mal dos outros não tinha limites: desmoralizou políticos e acadêmicos, humilhou seus pares jornalistas inúmeras vezes; vilipendiou judeus, puritanos, católicos, filósofos; menosprezou os negros e ao mesmo tempo combateu a Ku Klux Klan e o fundamentalismo cristão. Afirmava que sempre odiara os pastores protestantes, mas começava a compadecer-se deles tão logo conhecia suas mulheres… Enfim, não poupava ninguém. Um de seus alvos preferidos era o que ele chamava de boobsie, o homem médio americano, deslumbrado, cheio de superstições, ignorâncias e medos — o Homer Simpson da época.

Polemista
A fama de polemista e “elitista preconceituoso” é rigorosamente merecida, mas o destaque unilateral dessa faceta acaba distorcendo seu perfil e diminuindo a amplitude de seu pensamento. De fato, Mencken foi o jornalista mais mordaz e influente de seu tempo, mas também foi crítico literário, tradutor, editor e lexicógrafo — autor do monumental The american language, obra filológica em que mostrava que o inglês falado na América se diferenciava cada vez mais do britânico e adquiria identidade e dinâmica próprias.

O homem foi ao mesmo tempo retrato e antítese do espírito americano: livre-pensador, mas que nutria um profundo desprezo pelas massas e pelo sistema democrático, pois desconfiava do bom-senso e da inteligência das maiorias. Disse certa vez que a democracia era “a arte e a ciência de administrar o circo a partir da jaula dos macacos”. Detestava os militantes e sua única mandeira era o ceticismo, ou melhor, a capacidade que o indivíduo tem de não acreditar, de não seguir a manada, de pensar por si mesmo. Era um adepto do princípio “Hay gobierno? Soy contra!”, e acreditava que todo homem decente deveria se envergonhar do governo sob o qual vive.

Como Nietzsche, na Alemanha, e Ortega y Gasset, na Espanha, Mencken combateu ferozmente o democratismo, a crença de que a maioria — por ser maioria — estava necessariamente certa. O jornalista conhecia muito bem a obra de Nietzsche e foi um dos seus primeiros tradutores para o inglês. Pode-se dizer que Mencken reconhece no pensador alemão uma personalidade de intelecto e temperamento semelhantes aos seus: alguém que não se rebaixava a ídolos — fossem religiosos, ideológicos ou românticos.

O que dá unidade à visão crítica desse intelectual sui generis é a sempre presente desconfiança em relação ao homem e suas supostas grandes capacidades e dotes. Para Mencken, as principais características da espécie humana são a preguiça, a vaidade sem propósito, o espírito de rebanho e, a mais destacada entre todas, a covardia. Sem exceções, do gari ao mais pomposo acadêmico de Harvard, a cretinice uniria em comunhão sagrada esse animal que se coloca na hierarquia natural como o ápice da criação.

Durante os anos 1920, ele se destacou como crítico cultural e literário implacável. Jogava com valores: construía e destruía méritos e reputações, e não perdoava os renomados e famosos. Os jovens literatos ansiavam por sua apreciação, que podia ser o começo — ou o fim precoce — de suas pretensões artísticas. Edmund Wilson o chamou de “crítico impressionista”, por seu personalismo, e acusou-o de não ter consistência por não obedecer a normas maiores, exteriores a seu próprio juízo e sentimento. Mas reconheceu que Mencken, por um lado, e T. S. Eliot, por outro, fizeram a cabeça dos jovens literatos americanos de sua época. O filósofo espanhol Fernando Fernando Savater enfatizou que a condição de autodidata deixou várias brechas na formação intelectual de Mencken, mas isso era perfeitamente compensado pelo seu virtuosismo retórico e pelo estilo contundente de seus escritos.

Em 1948, H. L. Mencken foi vítima de uma trombose cerebral, da qual nunca se recuperou completamente. Manteve-se ainda consciente, mas era incapaz de ler e de escrever e caiu numa inevitável depressão. Um dos mais brilhantes — e, com certeza, o mais polêmico — jornalistas americanos faleceu em 1956, convicto de que seu corpo apodreceria na terra e nada restaria dele, neste ou em outro mundo. Mesmo em seus dias finais, ao contrário de muitos arrependidos de última hora, Mencken continuou afirmando a falta de sentido que cerca a existência do homem — e zombando disso.

Mencken produziu — e continua produzindo — inumeráveis seguidores no jornalismo, inclusive no Brasil, mas certamente nenhum deles ainda conseguiu igualá-lo em brilho, ousadia e no poder de sacudir as pessoas, retirando-as da tranquilidade e do conforto do senso comum por meio de textos tão desconcertantes. A reedição de O livro dos insultos é uma oportunidade para que velhos admiradores e novos leitores brasileiros entrem em contato com alguns dos melhores textos e reconheçam seu legado: a lição de que ninguém merece ser tão reverenciado a ponto de não podermos rir dele.


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O homem que se gaba de só dizer a verdade é simplesmente um homem sem nenhum respeito por ela. A verdade não é uma coisa que rola por aí, como dinheiro trocado; é algo para ser acalentada, acumulada e desembolsada apenas quando absolutamente necessário. O menor átomo da verdade representa a amarga labuta e agonia de algum homem; para cada pilha dela, há o túmulo de um bravo dono da verdade sobre algumas cinzas solitárias e uma alma fritando no Inferno.


Quanto mais envelheço, mais desconfio da velha máxima de que a idade traz a sabedoria.


Todos os homens são fraudes. A única diferença é que alguns admitem isso. Eu mesmo nego...


A diferença entre o sexo pago e o sexo grátis é que o sexo pago costuma sair mais barato.


Digam o que quiserem sobre os Dez Mandamentos. Devemos nos dar por felizes por eles não passarem de dez.


O adultério é a democracia aplicada ao amor.


Digam o que disserem sobre os Dez Mandamentos. Devemos nos dar por felizes por eles não passarem de dez.



Um homem educado: aquele que nunca bate numa mulher sem ter um motivo justo.