Segunda, 27 de janeiro de 2020




Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
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ANDO DEVAGAR
PORQUE JÁ TIVE PRESSA





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O IBSEN PINHEIRO






Antes de entrar no Jornalismo da PUC, por influência da minha mãe, a dona Etna, sempre li muito e escutei muito rádio. Lia os clássicos - tinha até carnê da Globo e Sulina - e os jornais, especialmente a Folha da Manhã e o Correio do Povo. Revistas. As rádios que tinham jornalismo... era uma obrigação escutarmos o noticiário apresentado pelo José Aldair.
Fui fazendo a seleção dos que mais gostava, desde o tempo do científico no Champagnat até o início da Faculdade, passando pelo cursinho IPV.
Sem me preocupar com a época, digo que gostava muito do Luis Fernando Verissimo, Ibsen Pinheiro, Janer Cristaldo, Rogério Mendelski, Cândido Norberto, Darci Filho, Flávio Alcaraz Gomes, José Fogaça, Bibo Nunes, Clóvis Duarte, Tânia Carvalho, Paulo Raymundo Gasparotto, Cascalho Contursi, Discocuecas, Maria do Carmo Bueno, Haroldo de Souza, Ruy Carlos Ostermann, entre outros que também faziam jornalismo.
Mas entre todos, me chamava a atenção o Ibsen Pinheiro, porque me dava a impressão de que ele sempre lia o que falava no rádio, porque as frases saiam sempre perfeitas. No jornal, tudo bem, mas no rádio e depois na TV me passava a impressão de que das duas uma: ou ele decorava o texto ou lia no teleprompter.
Era impressionante a facilidade que ele tinha em fazer frases interessantes. Sempre, em qualquer situação. No Sala de Redação, atração da rádio sobre futebol, ninguém se aventurava a contestá-lo.
Lembro que o Pedro Ernesto Denardim apresentou um programa, aos domingos na RBS TV, sobre futebol. Era com Ibsen e um advogado com o apelido de Cacalo. O Ibsen o destruía a cada minuto. O programa não durou muito.
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Em 1980 estava terminando o Jornalismo e fui trabalhar no Zero Hora. Passava o dia na Assembleia Legislativa. Fazia uma coluna "Plenário", onde saía um resumo do que os deputados falavam na sessão plenária. As vezes me atrasava e ficava na Imprensa, junto com o Terlera, que fazia a mais famosa coluna política do Estado, Bastidores.
Numa dessas vezes, revisando os meus textos, entram na Imprensa os deputados estaduais Cezar Schirmer, José Fogaça e Ibsen Pinheiro. Já imaginou? O Fogaça e o Ibsen!! E aquele guri de Santa Maria!!
Não sei quem falava mais abobrinha. Era só brincadeira com o Terlera. A partir daí sempre ficava até mais tarde para acompanhar estas visitas.
Em março/abril desse ano aconteceu na Assembleia, como sempre faziam, uma sessão para "comemorar" o 31 de março dos milicos. E a Oposição deitava e rolava. Desta vez, encheram o plenário de miliquinhos - aqueles que serviam o Exército. Lá pelas tantas, um deputado falava e lançaram no meio do plenário um "ovo" com um gás muito fedorento. Terminou a sessão. Colocaram um ovo semelhante no Galaxie do Ibsen.
Foi um escândalo. Os seguranças da Assembleia chegaram a prender um guri, mas não tinham prova.
Formaram uma comissão de investigação na Assembleia e eu entrevistei o Ibsen várias vezes.
Não deu em nada. 
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Durante alguns meses eu fui mandado para o Aeroporto Salgado Filho aos domingos. Num desses dias encontrei ele lá, com a dona Laila.
- E aí, deputado, estão indo para onde?
- Prévidi, vou tirar uns dias. Mas para o repórter digo que farei uma viagem de estudos para a Europa.
Ele sempre tinha uma frase...
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Em 1986 fiz um jornal mensal, o Rua da Praia - Jornal do Centro. Me divertia muito. O mais legal era contar histórias de uma Porto Alegre que foi fantástica. Um dos nossos colaboradores era o Renato Maciel de Sá Júnior. Imagina o naipe do jornal...
Numa das edições queria tratar dos personagens da Rua da Praia. De cara, lembrei do Ibsen. Liguei pra ele e no dia marcado fui em seu apartamento, numa transversal da avenida Osvaldo Aranha.
Liguei o gravador e apenas disse:
- Fala, deputado.
Ele já devia estar cansado de falar, um monólogo, porque eu estava ali para uma aula e não uma entrevista.
Lá pelas tantas, com delicadeza, me diz:
- Tens que fazer perguntas se não fica difícil!!
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Acompanhei com toda a alegria do mundo aquela histórica sessão  na Câmara federal em que Collor foi cassado. O Ibsen era o presidente.
Depois acompanhei com toda a tristeza do mundo quando a chamada "grande imprensa" fez de tudo para que Ibsen fosse colocado ao lado dos malfadados "anões do orçamento". Acompanhei a sua cassação, com muita tristeza.
Logo depois disso fui com um amigo almoçar no Gambrinus, no Mercado Público. Lá estava o Ibsen com um amigo. Era claro que ele queria ficar ali anônimo. Mas fomos lá cumprimentá-lo, como sempre fiz. Ele ficou surpreso e nos agradeceu (eu estava com o Luis Reni Marques, que tinha trabalhado com ele em Brasília).
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O "processo" de cassação do mandato de deputado federal do Ibsen Pinheiro foi simplesmente desumano. Não há outra forma para classificar. Os grandes jornais e TVs decidiram que ele deveria ser cassado. E fizeram de tudo para conseguir.
Imagine que um dia recebi um telefonema na Assembleia. Era um amigo, que trabalhava em O Globo, na editoria de política. Ele:
- Está chegando aí o fulano, repórter aqui do jornal, para levantar todos os podres do Ibsen. Dá uma mão pra ele.
Fui claro:
- Não sei de nada contra o Ibsen.
Dois dias depois apareceu o coitado do repórter. Não tinha encontrado nada.
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Anos depois, eu era editor da revista Press. E todo mês fazíamos uma grande entrevista.  
Quando a chamada "grande imprensa" pediu desculpas a ele, por ter feito de tudo e mais um pouco para cassá-lo resolvemos entrevistá-lo, o Julio Ribeiro e eu.
Além do gravador, levei duas fitas, de uma hora cada.
A entrevista foi tão fantástica que faltou fita, assim como faltaram páginas da revista...
Entre tudo que ele nos falou, um trecho não esqueço:
No auge das "denúncias" contra ele, tudo forjado, Ibsen teve um encontro com um dos filhos do Roberto Marinho e explicou tudo. Tanto que o Marinho disse que os veículos do grupo iriam parar com a campanha. No dia seguinte, O Globo deu uma manchete falsa que culminou com a cassação.
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Depois pude acompanhar o seu trabalho na Secretaria de Comunicação do Governo Germano Rigotto. Foi impressionante. Imagine que os petistas do Olívio Dutra, que ocupavam o Palácio Piratini antes da eleição do Rigotto, zeraram todos os computadores. Não existia nada, começaram do zero. E ele sempre com bom humor e fez um baita trabalho na Comunicação.
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Convivi, trabalhei, entrevistei e conversei com todos os que citei acima. Com o LFV, por exemplo, foi por email, e ele contribuiu com textos em dois dos meus livros.
Todos.
Mas, acreditem, eu tinha uma admiração especial por alguns.
O Ibsen era um desses.
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Vocês não imaginam o que foi receber o Prêmio Press das mãos do Ibsen, como está na foto lá em cima.
Lembro bem no que me disse, ao bater no meu braço, depois de me passar o troféu.
Inesquecível.
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Tenho a certeza de que perdemos um grande Homem.
Vai ser difícil surgir outro como Ibsen Pinheiro.
Eu já cansei de fazer estas homenagens a grandes homens.
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Li e gostei do que o jornalista Guilherme Baumhardt escreveu:
A história tem vários momentos do "e se...".
Ibsen protagonizou um dos mais importantes do país. "E se não tivesse sido alvo de uma reportagem com um erro crasso, qual teria sido o destino dele e do país naquele momento?". 
Não concordava com todas as suas ideias, mas isso é da vida. O que não me impede de lamentar ver que já tivemos uma figura do tamanho do Ibsen comandando a Câmara e hoje temos...
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Pra encerrar.
Um post do Márcio Pinheiro, filho do Ibsen, que estava de aniversário no dia em que o grande jornalista nos deixou:



Fiquei muito impressionado anos atrás quando li a biografia do Walter Clark e ele contava o fato inédito de ter sido pai e ter perdido uma filha no mesmo dia. Hoje eu tô sentindo algo parecido: ter o dia do aniversário marcado pela morte do meu pai.
Era uma dor que há muito vinha se manifestando - com a piora da saúde e as constantes internações - mas para qual nunca se está preparado. É também o paradoxo da imensa tristeza ser amenizada pelas centenas de manifestações de carinho.

É preciso não falar muito quando se fala de Ibsen Pinheiro, a figura pública que gostava tanto de falar mas que - outro paradoxo - era um pai calado. A Lina, com sua imensa sabedoria, conseguiu até deixar ele mais falante. Agora, comigo, ficarão as lembranças, do pai e do homem público. Do frasista que não gostava de ser reconhecido como tal ( e que nos últimos tempos até reconhecia que algumas das boas frases ele havia pego de mim). Ficará, por fim, a imensa saudade. Um beijo, pai
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Até lá, Ibsen Pinheiro.


3 comentários:

  1. Ibsen Pinheiro,

    Prévidi, que legal este texto/homenagem acima, parabéns.

    O Ibsen é um dos personagens mais plural, instigante da comunicação e da política gaúcha e brasileira dos últimos 50 anos, umas da mais raras inteligência que tive o prazer de ouvir, ver e ler. Também teve meu voto em várias eleições. Gosto tanto dele, que assisti integralmente ao programa do Júlio Ribeiro, Valvulados, uns dois meses atrás, quando ele e o Políbio Braga foram os entrevistados.
    Mas, a par disso tudo, ele era ‘o cara’ das sacadas cortantes, ácidas. Num debate, futebolístico ou político, não tinha pra ninguém!
    Jamais vou esquecer do depoimento de um seu colega, acho que o Darci Filho, sobre um episódio da Copa da Alemanha, em 1974. Hora tardias da madrugada, ele e parte da equipe da Gaúcha estão viajando num fusca, parece, quando falta gasolina. Encostam num posto, tipo ‘self service’, e a turma, exceto o Ibsen que continua no seu posto de caroneiro sonolento, tenta ajuda com um funcionário usando para isso um festival de falares (maus) que ia do alemão da colônia ao espanhol, portunhol, inglês de mexicano pouco estudado, mas nada funcionava. Então o Ibsen, irritado com a algaravia infrutífera, botou a cara fora do carro e gritou, ‘falem português, por favor!’. ‘Mas, Ibsen’, retrucou um membro da equipe, ‘ele não entende português!’. ‘OK, ele não entende, mas ao menos vocês vão se entender!’.
    Esse era o ‘velho’ Ibsen.

    PS: Foi casado com a jornalista Lala, irmã do meu querido amigo, e chefe durante um bom tempo na antiga Albarus, o P. S. Lontra. O Lontra seria um bom papo para uma entrevista no Valvulados, pois foi com ele, colorado doente, no jurássico 'Conversa de Arquibancadas', que iniciou a carreira do Paulo Santana.


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  2. "Era uma obrigação escutarmos o noticiário apresentado pelo José Aldair". Para quem viveu essa época de ouro do jornalismo gaúcho, obrigação era escutar o imbatível Milton Ferreti Jung no "Correspondente Renner"!

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  3. Lembro do seu depoimento na CPI. Não soube se defender em pontos chaves, e Collor tb foi inocentado. Mas vá em paz Ibsen

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