Fim de Semana do Prévidi - 29-30 agosto 2015



A AURORA DE TAQUARI


João Paulo da Fontoura*





No local onde, 250 anos após, num dos passos à margem esquerda do caudaloso rio do barranco fundo – ou Tibiquary na língua dos indígenas locais –, os invasores brancos portugueses fundariam uma fortificação militar e um povoado, um vento cálido do verão meridional das terras brasilis, recém-descobertas pelos navegadores portugueses, balançava suavemente as altas copas das árvores de uma floresta brenha.
A monotonia verde da paisagem era quebrada apenas pelos ruídos dos gorjeios e bater das asas de pássaros em seus irrequietos voos e pela correnteza do plúmbeo e caudaloso rio. As águas pardacentas e piscosas deste rio atraíam alguns seres vivos: pássaros esfomeados adejando baixios em busca de alimentos; cardumes de peixes rápidos deslizando na superfície destas águas em graciosos sincronizados balés; bandos de capivaras com seus filhotes a chafurdar nas margens pantanosas; dois índios de altura mediana e pele muito bronzeada, equilibrando-se em pé nas pontas de uma pequena igara, usando redes de pescar tecidas por eles mesmos, pescando pacholamente. Afastada das margens do rio uns 500 metros, numa clareira ao alto de uma pequena planície, havia uma pequena aldeia de poucas ocas, onde, nus, enquanto seus pais cuidavam dos roçados de milho, alguns meninos e meninas crianças corriam, felizes, por entre cercados, ocas e jiraus.
Assim era, há 500 anos, a região à margem esquerda do atual rio Taquari, distante não mais que 35 quilômetros acima da bacia do rio Jacuí onde, depois de correr mais de 500 quilômetros desde sua nascente, desaguava. Este rio formava um extenso e fértil vale, o Vale do Taquari.
Os primeiros povoadores de Taquari
Os indígenas que viviam nestas terras onde hoje está, mais ou menos, localizada a área abarcada pelo nosso município de Taquari, eram os guaranis. Estes guaranis, abundantes em todo o Brasil, pertenciam a um grupo linguístico conhecido por “tupi-guarani”. Aproximadamente, 20 grupos tribais pertenciam ao tronco linguístico “tupi-guarani”. Os brutais bandeirantes que invadiram nossas terras ainda devolutas na sanha de prear índios para serem usados como mão de obra escrava nas fazendas paulistas e nas minas do Brasil central, falavam basicamente o tupi, ou a língua geral, língua do povo; com isso, apesar de variações dialetais, conseguiam se comunicar com estes guaranis locais.
Nos livros de história, à disposição dos curiosos e estudantes, a informação é rasa, simplória: os antigos moradores de Taquari eram os índios patos; só, nada mais.
Na realidade temos três grandes grupos indígenas que habitavam o nosso estado: os já citados guaranis, mais os jês e os pampianos. Dentro destes grupos temos subgrupos, vários. No caso nosso – os guaranis – eles viviam numa larga área, a maior, central que ia do nosso litoral até a fronteira com a Argentina; acima desta área, no planalto norte, viviam os jês; abaixo, numa faixa estreita, os pampianos.
Os nossos guaranis subdividiam-se em três grandes grupos principais, ou nações: os tapes, os arachanes (ou patos) e os carijós. Os tapes eram, bem lá no início, tão prevalentes que o nosso estado chegou a ser conhecido como a “Capitania do Tape”.
A nação que nos importa neste pequeno estudo é “os arachanes” (ou patos). Estes viviam principalmente: às margens da lagoa Guaíba; na parte ocidental da lagoa dos Patos; no centro da bacia do rio Jacuí, subindo um pouco chegando até às margens do rio Taquari.
Voltando aos tapes, eram tão prevalentes que até mesmo alguns estudiosos afirmam que eram eles que ocupavam a bacia do rio Jacuí. Não é provável, pois é certo, como já dito, que os patos viviam às margens da lagoa Guaíba e eram exímios pescadores; certamente, então, usavam suas ágeis igaras para explorar os rios tributários desta lagoa. Em vista da abundância de caça e alimentos e da alta fertilidade das terras, outras nações, como os próprios tapes ou os jês dos planaltos (kaingang, botocudos, coroados), provavelmente flechavam com os patos em demanda por caça e espaço, daí talvez a confusão.
Estes indígenas, os patos, como todos os guaranis do nosso estado, habitavam as margens de lagoas e rios, onde havia caça e pesca em abundância. Caçavam, pescavam, coletavam moluscos, frutas e raízes; também cultivavam: milho, aipim, feijão, abóbora e batata. Moravam em ocas, habitações coletivas com estrutura simples em paus, cobertas com fibras vegetais e dormiam em redes fixadas em paus e traçadas com fibras vegetais, cipós e algodão. As aldeias possuíam entre 3 e 6 ocas. Usavam o fogo individualmente, por família, para cozinhar seus alimentos e se aquecer no inverno.
Hoje, pouco restou deste primevo altivo povo; arredios, à crescente e dominante invasão dos brancos aos seus espaços pegavam suas igaras e subiam os sinuosos rios e riachos a procura da brenha, do ar limpo, da água cristalina, do isolamento. Mas, espaços escassos, brigas entre irmãos, brigas com os brancos predadores, doenças novas, doenças antigas, a prostituição de suas mulheres e filhas, a inevitável miscigenação com o dominador branco e sua cupidez, e água ardente acabam por reduzi-los quase ao extermínio. Hoje, desgarrados da sociedade moderna, vivem, alguns poucos, a vender seus artesanatos à beira de movimentadas estradas, ou, ironia das ironias, nas reservas indígenas sob a proteção e patrocínio do homem branco. Mas também vivem no sangue da grande massa da nossa população, nas lendas, no folclore, nos contos, em nossas vestimentas, nas belas canções nativistas, em nomes de rios, vilas, cidades, e enfim, qual o grito de guerra do valente guerreiro Sepé Tiaraju, na nossa imortal mitologia popular.

* João Paulo da Fontoura – titular da cadeira nº 26 da ALIVAT. Trecho de umlivro que JPF está escrevendo sobre a cidade.


4 comentários:

  1. Excelente, João Paulo, estás buscando as raízes da nossa cidade (Taquari) que acredito, nenhum outro escritor as fez.Existem pouquíssimas obras e não buscaram tempos tão longínquos. Parabéns, continues as pesquisas. Nós, da "terrinha" agradecemos. Aquele Abraço.

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  2. Muito bem. Lembrei-me de divulgar pequenas biografias, com fotos, de personagens antigos. alguns até com anúncios de 1905, dos primeiros médicos da UFRGS. Tenho até um anúncio de médico que desafio o Brasil inteiro a encontrar dados. Esclareço: Nenhuma biografia é extraído da Internet. Minhas pesquisas podem enriquecer a Internet, através do dite www.previdi.com.br - Posso dar um exemplo?

    Caso positivo, mando um texto.
    Ab. J
    osé Alfredo Schierholt

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  3. maravilhoso texto deste nobre colega contando as HISTÓRIA DA TERRA TAQUARI que aprendi a amar nos 3 anos que trabalhei e me aconcheguei por aí. Parabens- Lanço um desafio turístico resgatar o morro da cabrita e a toca ventosa para somar com a LAGOA DA ARMENIA E O SANTUÁRIO...

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