Sexta, 7 de novembro de 2025


NESSA SEXTA

a cesta do João Paulo






JOÃO PAULO DA FONTOURA é de Taquari-RS. É escritor e historiador diletante, membro da ALIVAT – Academia Literária do Vale do Taquari, titular da cadeira nº 26.





150 anos da Imigração Italiana


Dalla Italia noi siamo partiti / Siamo partiti col nostro onore / Trentasei giorni di macchina e vapore /
E nella Merica noi siamo arriva

Merica, Merica, Merica / Cossa saràlo 'sta Merica? / Merica, Merica, Merica / Un bel mazzolino di fior

 

Dois primeiros versos da canção Mérica Mérica do folclore italiano, que representa ludicamente a esperança e a realidade dos migrantes em busca de uma vida algures na América.



(Aviso: Este texto foi escrito em maio deste ano e deveria marcar (mesmo com atraso) os 151 anos da imigração italiana. Com o problema de saúde do nosso José Prévidi, ficou suspenso. Segue agora, pois considero importante a data. Abraços, curtam!)

Tenho lido em vários sítios informativos, mas principalmente na web, local onde busco informar-me  prioritariamente, que este ano marca exatos 150 anos do início da migração italiana do nosso estado.

No Brasil, a data é 21 de fevereiro de 1874 – ou seja, 151 anos atrás –, quando 386 italianos desembarcaram no porto de Vitória, Espírito Santo, a bordo do vapor La Sofia.

Em nosso estado a data que oficializa a migração italiana é 20 de maio de 1875 – Dia da Etnia Italiana no Rio Grande do Sul, estabelecido pela Lei Estadual nº 11.595, de 2001, ergo, neste mês que está a findar fechamos exatinhos 150 anos da primeira leva.

Essa primeira leva desembarca no porto de Rio Grande, do bordo do vapor Cachoeira, segue até Porto Alegre, e dali ruma em direção ao antigo Campos do Bugre, hoje a pujante Caxias do Sul.

Dali iniciam as primeiras colônias dos oriundis.


Essa migração-primeva foi antecipada por um planejamento do governo imperial, no início dos anos 1870, preocupado com os vazios na região da Serra da então província de São Pedro, e também com a necessidade de incrementar a produção agrícola da região para abastecer as emergentes regiões urbanas já instaladas e em processo de crescimento acelerado.

Entre 1875 e 1914, instaram-se no Rio Grande do Sul aproximadamente 84 mil italianos vindos, sobretudo da Lombardia, Vêneto e Tirol.

O ponto culminante da imigração foi entre 1884/94, abrangendo cerca de 60 mil italianos.

A partir de então, houve o cancelamento da concessão, pelo novo regime republicano, das gratuidades (ou longos financiamentos) das passagens transoceânicas.


As cinco primeiras colônias imperiais foram:

1874 – Colônias Dona Isabel (Bento Gonçalves) e Conde d’Eu (Garibaldi);

1875 – Colônia Fundos, de Nova Palmira (Caxias do Sul);

1877 – Silveira Martins (próximo a Santa Maria);

1884  – Colônia Álvaro Chaves (Veranópolis);

1885 – São Marcos e Antônio Prado;

A primeira parada destes imigrantes era o Rio de Janeiro, de onde rumavam para o porto de Rio Grande, seguindo então pela Lagoa dos Patos até Porto Alegre. Permaneciam semanas ou meses em barracões comuns, devendo prestar trabalho compulsório na abertura de estradas. Finalmente, recebiam do governo seus nacos de terra, sementes e ferramentas agrárias como machado, facão curvo, faca, pá e outros.

Mesmo esses itens (passagens, terras, ferramentas, etc.) não sendo cedidos graciosamente, na prática era algo próximo disso, pois altamente subsidiados. A terra, poderia ser paga em até 10 anos ou mais, se necessário.

Outro fato interessante que vi, há uns 20 anos, em um estudo sobre a emigração italiana para as Américas – e que o Google confirmou in totem –  é que as comunidades dos locais que resolviam emigrar cotizavam-se na ajuda financeira a esses corajosos aventureiros, pois essas saídas aliviavam a pressão populacional dessas comunas. É o que hoje se chama política do ‘ganha-ganha’. 

Estes imigrantes trouxeram consigo a cultura do vinho, cuja comercialização permitiu-lhes acumular capitais que mais tarde se tornaram pujantes indústrias como uma Tramontina da vida.

O elemento religioso era o centro da vida dessas comunidades católicas fervorosas.


Por meio da religião, os italianos exerceram grande influência sobre a cultura rio-grandense. Padres e freiras tiveram uma intensa participação na instrução religiosa e laica no estado.

Uma das curiosidades que tenho, creio que muitos a tenham, é a questão da razão, ou razões, da migração em massa dos italianos, fala-se em 27 milhões, uma quase diáspora de um povo mundo afora.

Genericamente, achamos estudos que dizem tudo e nada ao mesmo tempo:

"A grande imigração italiana no final do século XIX e início do século XX foi impulsionada por fatores econômicos, sociais e políticos na Itália, combinados com o incentivo à imigração em outros países, como o Brasil."

Na realidade, penso, a Itália simplesmente seguia a Europa, ou seja: a miséria também era geral lá pela segunda metade do século XIX.

A transição do feudal para o capitalismo, somada, no caso da Itália, à transição da dominação austríaco-francesa para a gloriosa Unificação Italiana de 1861 (que teve a liderança do nosso Garibaldi), afetou muito a economia e as condições sociais do povo italiano.

Terras, quando não fracionadas ao limite por heranças, estavam em mãos de poucos proprietários.

Como a Itália estava se reconstruindo, os pequenos proprietários endividavam-se com taxas e mais taxas sobre suas terras.

Havia, também, a concorrência desigual com as grandes propriedades rurais, que fazia o preço dos produtos do pequeno proprietário ficarem muito baixos, empurrando essa mão de obra para as indústrias nascentes, as quais não conseguiam absorver essa massa de trabalhadores, saturando as cidades com desempregados.

À medida que a disputa pelos mercados consumidores se acirra, a concentração das terras nas mãos de poucos agravou-se.

Assim, milhões de camponeses, que antes eram pequenos proprietários rurais, desceram à condição de trabalhadores braçais (os bracciante) nas grandes propriedades rurais.

Mesmo aqueles que continuaram na condição de pequenos proprietários não conseguiam mais tirar seu sustento da terra. Isto porque as terras eram normalmente adquiridas por herança, e o filho mais velho adquiria a propriedade após a morte do pai, enquanto os outros filhos eram excluídos. Mesmo quando as terras eram divididas entre os filhos, o fracionamento (citado acima) acarretava no recebimento de um pedaço de terra muito pequeno, tornando impossível dali extrair o sustento. Aqueles, excluídos das terras, seguiam para os aglomerados urbanos engrossando as filas de desempregados.


E também havia outro fator com peso importante: países como o nosso Brasil, que, precisando de mão-de-obra qualificada de toda a sorte, criavam mecanismos para atrair esse migrante, ergo...

Nesta questão das razões, que geram muitas discussões, eu tenho um amigo e colega da ALIVAT, morador de Roca Sales, e que tem uma verdadeira fixação pelo tema: o historiador e genealogista Luiz Rota.

A tese dele é singular, diferente da maioria que a gente encontra em escritos sobre o tema. Mas é boa e bem argumentada. Tomo a liberdade, com a licença do autor, de colocá-la abaixo ao escrutínio do nosso leitor, copiada do ‘Informativo Regional’ de Teutônia:

Ei-la:

Lei italiana nº 3124, de 25 de maio de 1876, que encerrava definitivamente a questão das florestas (terras) no país europeu, reconhecia o Estado como proprietário de fato e definitivo, deixando os colonos (contadini) sem saída. 

“La legge 3124, di 25 de maggio del 1876, poneva termine si alla questione silana, ma poneva per sempre una pietra sulle speranze dei contadini”. 

(A lei punha fim à questão da disputa de terras, mas também punha para sempre uma pedra sobre a esperança dos colonos na Itália.)

“L’emigrazione fu la triste valvola di sfogo alla’ miseria”. 

(A imigração foi a triste válvula de desafogo para fugir da miséria total)

A partir desta lei, a imigração, que tinha iniciado tímida, teve um crescimento gigantesco, sendo o principal motivo da vinda para a América. Grande parte dos italianos que aqui vieram desenvolveram, em especial, o Rio Grande do Sul de forma maravilhosa, com seu trabalho e dois mil anos de conhecimentos trazidos em suas mentes brilhantes.

Foi em busca de terras que eles vieram para esta parte do Novo Mundo e encontraram em abundância. Souberam adquirir, cultivar e produzir na América toda. 

Ao chegar ao Rio Grande do Sul, o colono bradou alto, ergueu os olhos para o céu e iniciou, com toda moral possível, a construção de uma nova sociedade, baseada na sadia estrutura da pequena propriedade familiar. 

O encontro com a terra e a fé em Deus se constitui num canto de louvor, numa vibração intensa, um estremecimento que jamais pode silenciar, pois estava baseado na distribuição da terra, alicerce de progresso, mas também raiz de muitos males e conflitos, em face da injusta distribuição.

Felizmente, neste cantinho quase esquecido do planeta, pela abundância de terra fértil a ser distribuída aos colonos que ocuparam o solo, uma região inóspita acidentada e isolada, o colono italiano superou todos os obstáculos, com coragem e denodo, sob alicerce firme da fé, associado ao trabalho incansável, e trouxe prosperidade econômica e social para esta “Terra Nostra”, abençoada por Deus.  

Uma parte dessa história está descrita em alguns de nossos livros da origem italiana, como “A saga do imigrante italiano em busca da Terra Nostra” e as publicações que relatam a saga das famílias Rota/Rotta, Cossul, Gugel, Barzotto e Bronca, por exemplo.

Sempre nos perguntamos: quem de nós não tem um parente, familiar ou amigo com origem Italiana? Por isso, a lei Italiana de maio de 1876 muda nossas vidas todos os dias, basta usar uma ferramenta de origem da Serra Gaúcha, tomar um copo de vinho, ou um suco de uva.  Neste ano, comemoremos os 150 anos da imigração italiana abrindo um espumante.


Curiosidade sobre as migrações italianas

+ Estima-se que entre 1870 e 1920, época da grande imigração,  aproximadamente 1,5 milhão de italianos migraram para o Brasil, representando 42% do total de imigrantes da época;

+ No período entre 1874 e 1889, cerca de 320.000 desses italianos chegaram ao Brasil, com quase metade deles indo para São Paulo;

+ O Brasil ocupa, folgadamente, o posto de maior abrigo de descendentes de italianos do mundo, com aproximadamente 30 milhões de moradores, ou 15% do total de brasileiros;

E vejam bem, a população da Itália é de 60 milhões de habitantes, portanto, somos – literalmente – uma meia Itália.

Os Estados Unidos, que é segundo colocado, com um total de 340 milhões de habitantes, têm em torno de 17 milhões de descendentes italianos.

+ De acordo com historiadores, a maioria dos imigrantes italianos eram originários das regiões da Itália Setentrional – no Norte, principalmente do Vêneto, e a da Itália Meridional – no Sul, principalmente a região da Calábria.

+ Na década de 1970, houve a visita de uma alta autoridade da administração italiana à nossa região da Serra, e que a deixou impressionada com os falantes locais: eles falavam o talian, uma corruptela da língua original dos seus antepassados da região do vêneto, língua esta hoje extinta na Itália.

+ O talian é preservado pelos locais havendo inclusive registros de livros escritos e dicionários. Também existem rádios, como a Radise, em Caxias do Sul, que utiliza cerca de 90% da sua programação na língua talian. Há programas transmitidos nessa língua, além da música e contação de histórias. 

+ A travessia do Oceano Atlântico, em barcos movidos a vapor, levavam ainda assim, em média, 40 dias. Não havia mordomia, era tudo padrão terceira classe. Um dos portos que mais embacaram esses imigrante é o de Gênova, no noroeste italiano.

+ A impressão que temos, de tantos e tantos italianos que há em nosso estado (principalmente aqui na minha região do Vale do Taquari), é que somos o estado que mais possui – ao menos proporcionalmente – população dessa nobre origem, mas não é vero! Vejamos:

No Brasil, como já dito acima, há mais de 30 milhões de brasileiros que são descendentes de italianos, com a grande maioria estando presente nas regiões sudeste e, principalmente, sul do país.

Os quatro estados brasileiros com maior número de descendentes de imigrantes italianos são:

São Paulo: 13 milhões de descendentes (representam 32,5% da população); Paraná: 3,7 milhões de descendentes (representam 37% da população);

Rio Grande do Sul: três milhões de descendentes (representam 27% da população);

Santa Catarina: que empata com o nosso RS, também três milhões de descendentes, mas que representam 50% da população catarinense.

Os outros três estados da região sudeste (Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo) possuem, juntos, quase quatro, ou  1/3 de todo o estado de São Paulo.

Já nas regiões norte, centro-oeste e nordeste do país, a quantidade de descendentes de imigrantes italianos é: um milhão; 400 mil; e 150 mil – respectivamente.

+ Um fato triste e pouco divulgado: nos extertores do escravagismo negro em nosso país (e também por sua baixa produtividade: as lavouras paulista perdiam para as lavouras do Vale do Paraíba da região do Rio de Janeiro, que passaram a usar mão-de-obra assalariada)) houve no interior de São Paulo aquilo que classicamente podemos chamar de ‘trabalho escravo’, ou ‘trabalho análogo à escravidão’:

Muitos imigrantes italianos que vieram para São Paulo foram submetidos à condição de trabalho que se assemelhava à escravidão. Embora não estivessem acorrentados como os escravos africanos, eles foram obrigados a trabalhar em condições precárias, com baixos salários e jornadas exaustivas, em grande parte das fazendas de café.’

Pelo que sei, andei lendo, houve protestos diplomáticos fortes, e ameaças de proibição de migração por parte do governo italiano e de outros governos europeus.

+ A Itália é tão representativa aqui na nossa América (vou deixar o Brasil e nosso Rio Grande um pouco de lado) que até mesmo – e isso passa batido pela maioria das pessoas, o nome do continente homenageia um italiano, o grande navegador e cartógrafo Américo Vespúcio, toscano florentino, nascido em 1454 e companheiro de outro italiano, Cristóvão Colombo, o descobridor.

+ Essa nada tem a ver com a migração maciça dos italianos na condição de migrantes, mas é interessante, vamos lá: segundo Gilberto Freyre, no início da formação do Brasil veio para o nordeste um ‘macho’ Cavalcante de nome ‘Filippo Cavalcante’, de origem italiana, donatário de largas terras e que espalhou seu sêmen entre mulheres negras e indígenas, formando uma descendência que hoje chega a 249 mil usuários deste sobrenome! Que tal?



Um comentário:

  1. Hoje em dia a lei 3124 de 25 de maio de 1876 determinante para expandir grandemente a imigração italiana que era quase desconhecida pela maioria dos estudiosos da imigração que não perceberam a sua relevância está disponível na IA a e no Google.
    Cerca de uma dezena de meus parentes da família Rota e Rotta
    Comprovadamente sofreram as consequências dessa lei e tomaram a decisão de imigrar para a América.

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