NESSA SEXTA
a cesta do João Paulo
JOÃO PAULO DA FONTOURA é de Taquari-RS. É escritor e historiador diletante, membro da ALIVAT – Academia Literária do Vale do Taquari, titular da cadeira nº 26.
Cem Anos de Solidão – Gabriel Garcia Márquez
"Realismo mágico em sua essência brilhante"
Definição sintética, de um apaixonado leitor anônimo, retirada da web.
Caros amigos leitores, leitoras
A primeira vez que li Cem Anos de Solidão foi em meados da década de 1980, alertado pelo fato de que um sul-americano – o colombiano Gabriel Garcia Márquez, a mim então um desconhecido – havia ganho o prêmio Nobel de literatura de 1982.
Mesmo com, à época, um orçamento apertado, fiz um esforço e comprei o romance. Li-o em sequência; gostei demais. De lá pra cá, li-o mais cinco vezes.
Dias atrás, minha esposa aparece em casa com um livro que havia pego em nossa biblioteca pública, mostra-mo com um sorriso de satisfação. Curioso, tomo-o em minhas mãos e leio o título: ‘Em Agosto Nos Vemos’. Não o devolvi; menos de 24 horas estava lido. Da gigantesca obra do grande autor colombiano, este – um conto sobre relações humanas – é certamente o menor, uma tentativa de criar um libelo, um hino, uma ode à vida que a mim não deu certo.
Mas, mesmo não sendo um bom livro, este canto do cisne do mais prolífero literato da nossa América Sulina (só Cem Anos de Solidão, lançado em 1967, já vendeu mais de 50 milhões de exemplares – em 40 idiomas) para um coisa serviu: dia seguinte passei na biblioteca, cerca do meu prédio, e peguei para reler pela derradeira última vez, a vez sexta – Cem Anos de Solidão.
E é sobre esta obra e sobre o seu autor que, com as vossas devidas vênias, escreverei abaixo algumas palavras.
Uma pequena bio
O escritor, jornalista, roteirista de cinema (teve um filho cineasta) Gabriel García Márquez (Gabo) nasceu no dia 6 de março de 1928, na aldeia de Aracataca, localidade próxima a Barranquilla, Colômbia, sendo um dos onze filhos do farmacêutico Gabriel Elígio García e de Luisa Santiaga Márquez.
Durante sua infância, até os oito anos de idade, viveu sob a influência dos avós maternos. O avô, Nicolás Márquez, foi muito importante na formação do futuro escritor. Veterano da icônica Guerra dos Mil Dias – marco da história colombiana – esse avô repetidas vezes lhe contava – às vezes exagerando – as histórias dessas gestas sangrentas como, por exemplo, quando matou um inimigo, ‘ay, nino, no sabes cuánto pesa um muerto!’. Muitos dos personagens e das histórias contadas em sua obra maior vêm do longínquo eco da rouca voz deste seu ‘viejo abuelo’.
Gabo iniciou seus estudos básicos em Barranquilla. Dizem que ao ler ‘A Metamorfose’, do Franz Kafka, sacou de pronto a possibilidade de desenvolver personagens extraordinários, igual ao ‘Gregor Samsa’ que se metamorfoseava numa imunda barata.
Em 1947, com 19 anos, inicia estudos de Direito em Bogotá, não chegando a formar-se. Começa sua vida profissional como jornalista em Cartagena das Índias, cidade da costa norte da Colômbia.
Sua primeira publicação, editado em 1955, de uma série que alcança exatos 34 livros, foi o romance A Revoada, que, de certa forma, antecipa sua obra maior, pois neste livro Gabriel nos apresenta a cidade (fictícia) de Macondo, num enredo de realismo fantástico.
Sua vida e obra foram coroadas de inúmeros prêmios e títulos honoris causas por várias entidades, universidades, governos, sendo o clímax o Nobel de 1982.
Gabo, como era conhecido por seus amigos mais íntimos, morreu longevo – 86 anos – na cidade do México em 2014.
Das suas inúmeras frases que ficaram famosas, há uma que mais curto, e que, de certa forma, mostra seu caráter: ‘Um escritor só escreve um único livro, embora esse livro apareça em muitos tomos, com títulos diversos.’
Cem Anos de Solidão
Disse o peruano Mário Vargas Llosa: ‘O maior acontecimento da novela espanhola depois de D. Quixote de Cervantes’.
Verdade absoluta. Só o fato de alguém da competência de um Vargas Llosa comparar e avaliar o amigo e colega Gabo, em termos de língua espanhola, só abaixo do gigante Miguel de Cervantes, já seria suficiente para marcar Cem Anos de Solidão como uma obra extraordinária.
E ela o é!
A mim, cada leitura da obra teve um sabor diferente. Lembro-me de um programa Esfera Pública, da Guaíba, ainda quando era apresentado pelo Juremir Machado, quando uma ouvinte questionou da dificuldade de ler e entender o romance. O Juremir, não sem uma certa ironia, não entendeu a pergunta, pois, palavras dele, o livro tem um entendimento fácil. Será?
É um livro enquadrado como romance-histórico, na linha do ‘Guerra e Paz’, do Tolstói, do ‘E o Vento Levou’, de Margaret Mitchell, do ‘O Tempo e o Vento’, do nosso Erico, mas tem uma levada bem diferente destes: não há uma clara cronologia; os eventos históricos não são claros; não há nenhuma citação ao país ou regiões da Colômbia, os personagens são em sua maioria transcendentais, metafísicos, voam, são invisíveis, imortais como a matriarca Úrsula Iguarán, esposa do patriarca José Arcádio Buendía, que vive mais de 140 anos.
(Dizem, isso eu ouvi de vários amigos amantes da obra do Gabo, que ele fez uma imersão na literatura do nosso Erico Veríssimo, e que se baseou em o Tempo e o Vento para escrever Cem Anos de Solidão. Opino: se ele baseou-se em Erico Veríssimo, não usou como referência o Tempo e o Vento e sim Incidente em Antares.)
O romance, prenhe de personagens interessantes e fantásticos – mais de 30, e com nomes assemelhados fazendo com que o leitor, para não se perder nesse emaranhado, tenha caneta e papel para ir anotando – que retrata a saga da família Buendía, inicia com ‘Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construída à margem de um rio... ’. Termina quando, finalmente, cem anos após (aproximadamente) o último descendente da família, Aureliano Babilônio, decifra os segredos dos pergaminhos de Melquíades em cuja epígrafe consta: ‘... o primeiro da estirpe está amarrado a uma árvore e o último está sendo comido pelas formigas... ’
Arbitro o início dos eventos por volta de 1830, mas, aviso, o autor não cronometra os tempos, assim como não situa Macondo geograficamente, mas também podemos deduzir que se baseia em sua cidade natal Aracataca.
Outro elemento do romance – a revolta dos empregados da empresa bananeira – advém de um evento real ocorrido por volta de 1928 com a americana ‘United Fruit Company’. Interessante que no romance há a permanente hiperbólica lembrança dos ‘3.000 mil empregados que foram aprisionados em vagões das locomotivas da bananeira e jogados no mar!’
Entre os 30 personagens destaco alguns, a meu ver, gosto, os principais:
– O patriarca e fundador de Macondo José Arcádio Buendía e sua esposa, Úrsula, que viveu mais de 140 anos;
– O coronel Aureliano Buendía, filho do casal, personagem central da saga, e figura de destaque na guerra civil (que fez 32 guerras e perdeu todas!). Este coronel teve 17 filhos de 17 diferentes mulheres, todos assassinados;
– O sábio cigano Melquíades, dos tapetes voadores e dos pergaminhos decifrados por Aureliano Babilônio;
– A cartomante e amante de vários Buendías, a Pilar Ternera;
– Remédios, a Bela – conhecida por sua extraordinária beleza.
Finalizando, não os aconselho a serem doidivanas como eu, mas uma leitura dessa magnífica obra, umazinha que seja, é imperativo a quem curte literatura de qualidade.
That’s All, Folks!
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(O editor do Blog encontrou esta joia, abaixo)
Marcel Proust entrevista
Gabriel García Márquez
Por Marcelo Proust, do Bula Revista
Marcel Proust — Admirando tanto as mulheres, se considera um feminista?
Gabriel García Márquez — Não sei se um homem poderia se definir como feminista. Precisaria perguntar a elas. Em todo caso, há feministas que o que desejam realmente é ser homens, o que as define de uma vez como machistas frustradas. Outras reafirmam a sua condição de mulher com uma conduta que é mais machista que a de qualquer homem.O escritor francês Marcel Proust gostava de jogar uma brincadeira de salão chamada “Confissões”, onde os participantes respondiam vinte e nove perguntas pessoais. Em sua homenagem, hoje o jogo ficou conhecido como “Questionário Proust”.
A Revista Bula, depois de ter adquirido em um concorrido leilão no eBay a Tábua Ouija original do filme “O Exorcista”, entrou em contato sobrenatural com o próprio Marcel Proust, em carne, osso e ectoplasma, que, relembrando seus tempos de jornalista, assinou contrato exclusivo como nosso correspondente do outro lado da vida.
Sempre nas altas esferas celestiais, Marcel Proust entrevista Gabriel García Márquez, que também começou como jornalista. Eis um verdadeiro encontro de titãs, de um lado o mestre do simbolismo modernista, do outro o papa do realismo fantástico. Com vocês, na série Entrevistas do Além, o legitimo Questionário Proust com Gabo, psicografado em javanês pelo meio médium ligeiro Ademir Luiz.
Marcel Proust — Monsieur Márquez, fala francês?
Gabriel García Márquez — Morei em Paris. Foi lá que comecei a escrever a novela “Ninguém escreve ao coronel”. Há inclusive uma praça no coração de Paris com meu nome.
Marcel Proust — É solitária a vida após a morte?
Gabriel García Márquez — Não. Sempre dou uma descida. Quando eu era criança, minha avó me contava histórias horríveis de mortos que apareciam. Nossa casa parecia mal-assombrada. Agora sou eu que assombro.
Marcel Proust — Teve uma vida intensa. Como define a vida?
Gabriel García Márquez — Poderia dizer que é apenas a crônica de uma morte anunciada, mas prefiro dizer que todo ser humano tem três vidas: a pública, a privada e a secreta. O que importa na vida não é o que acontece com você, mas o que você lembra e como você lembra.
Marcel Proust — Encontrou-se com Deus?
Gabriel García Márquez — Não, nem quero. Não acredito em Deus, mas tenho medo dele.
Marcel Proust — E em Lúcifer, acredita?
Gabriel García Márquez — Meu romance de estreia teve o título de “A Revoada — O Enterro do Diabo”. Leiam e vejam por si mesmos.
Marcel Proust — Borges dizia que sua visão de paraíso é uma biblioteca? E a sua?
Gabriel García Márquez — Uso outro sentido que não a visão, uso o olfato: para mim o paraíso precisa ter cheiro de goiaba.
Marcel Proust — E sua visão de inferno?
Gabriel García Márquez — Não há nada mais triste do que uma cama vazia.
Marcel Proust — Pode haver amor em tempos de cólera?
Gabriel García Márquez — O amor se faz maior e mais nobre na desgraça.
Marcel Proust — Qual livro levaria para uma ilha deserta?
Gabriel García Márquez — “Pedro Páromo”, de Juan Rulfo. Não me tornaria escritor sem ele.
Marcel Proust — Quais os grandes autores que o inspiram?
Gabriel García Márquez — Rulfo, é um, sem dúvida. Mas, em meus tempos de formação, li muito James Joyce, Hemingway e Virginia Wolf. Porém, há um acima de todos, Faulkner. Em meu discurso de recebimento do Nobel chamei-o de “meu mestre”.
Marcel Proust — O que foi escrever para monsieur?
Gabriel García Márquez — Há um momento em que todos os obstáculos são derrubados, todos os conflitos se apartam e à pessoa ocorrem coisas que não tinha sonhado, e então não há na vida nada melhor que escrever. Isso é o que eu chamaria de inspiração.
Marcel Proust — O que é Macondo?
Gabriel García Márquez — Macondo não é um lugar, é um estado de espírito que nos permite ver o que quisermos ver e como queremos ver.
Marcel Proust — Por que optou pelo realismo mágico como ferramenta literária?
Gabriel García Márquez — A vida cotidiana na América Latina nos demonstra que a realidade está cheia de coisas extraordinárias. Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e canalhas, todas as criaturas desta indomável realidade. Temos pedido muito pouco da imaginação, porque nosso problema crucial tem sido a falta de meios concretos para tornar nossas vidas mais reais. Este é o cerne da nossa solidão.
Marcel Proust — Solidão é a palavra-chave de sua obra?
Gabriel García Márquez — Solidão sim, mas também memória. A solidão, para mim, é o contrário da solidariedade. A América Latina não quer, nem tem qualquer razão para querer, ser massa de manobra, sem vontade própria.
Marcel Proust — Memória? Isso me agrada. Também a memória involuntária?
Gabriel García Márquez — É um triunfo da vida que a memória dos velhos se perca para as coisas que não são essenciais.
Marcel Proust — Na vida após a morte, ainda é comunista?
Gabriel García Márquez — Não sou comunista. Nunca fui. E nunca pertenci a nenhum partido político. Sou latino-americano anticolonialista. Essa confusão acontecia porque assumia posições que contrariavam interesses dos Estados Unidos.
Marcel Proust — E sua amizade com Fidel Castro?
Gabriel García Márquez — Os motivos de qualquer amizade são múltiplos e insondáveis. Em minha amizade com Fidel o assunto dominante era a literatura, quase não falávamos de política. Fidel era um grande leitor.
Marcel Proust — E encontrou-se com Fidel Castro no pós-morte?
Gabriel García Márquez — Não. Suspeito que, como diria Dante, ele esteja em outro “círculo”, mais abaixo.
Marcel Proust — Por falar em amizades, ou amizades desfeitas, ainda se recente do soco que Vargas Llosa lhe deu?
Gabriel García Márquez — Digamos que vez ou outra eu puxo o pé dele durante o sono. Você não pode imaginar como pesa um homem morto.
Marcel Proust — É verdade que brigaram por conta de uma mulher?
Gabriel García Márquez — Não vou desfazer o mistério, mas acrescento que não se poderia entender a minha vida sem levar em conta a importância que nela tiveram as mulheres.
Marcel Proust — Pode definir essa importância?
Gabriel García Márquez — Em todos os momentos de minha vida houve uma mulher que me levou pela mão nas trevas de uma realidade que as mulheres conhecem melhor que os homens e nas quais se orientam melhor com menos luzes.
Marcel Proust — Como reconhece essa mulher que pode guiá-lo em cada momento?
Gabriel García Márquez — Tenho um instinto muito especial: quando entro num lugar cheio de gente, sinto uma espécie de sinal misterioso que me dirige a vista, irremediavelmente, para o local onde está a mulher que mais me inquieta entre a multidão.
Marcel Proust — A mais bela?
Gabriel García Márquez — A mulher mais bela do mundo não precisa ser, necessariamente, a mais apetecível. Muitas vezes, ao fim de uma breve conversa, noto aspectos de temperamento que podiam causar certos conflitos emocionais que talvez não sejam compensados pela beleza.
Marcel Proust — Admirando tanto as mulheres, se considera um feminista?
Gabriel García Márquez — Não sei se um homem poderia se definir como feminista. Precisaria perguntar a elas. Em todo caso, há feministas que o que desejam realmente é ser homens, o que as define de uma vez como machistas frustradas. Outras reafirmam a sua condição de mulher com uma conduta que é mais machista que a de qualquer homem.
Marcel Proust — Falta ternura a essas mulheres?
Gabriel García Márquez — A ternura é inerente não às mulheres, mas aos homens. As mulheres sabem que a vida é muito dura.
Marcel Proust — Não teme ser considerado machista por conta de tais declarações?
Gabriel García Márquez — Todos somos reféns de nossos preconceitos. Diria que o machismo, tanto nos homens quanto nas mulheres, não é mais que a usurpação do direito alheio.
Marcel Proust — O que acha de Bob Dylan ganhar o Prêmio Nobel?
Gabriel García Márquez — Bom para ele. Mas note que Vargas Llosa só ganhou o Nobel em 2010. Portanto, quase trinta anos depois do meu. Qual soco foi mais forte?
Marcel Proust — Monsieur possui muitas frases popularizadas na internet. Olhando de cima e por cima, o que acha da rede?
Gabriel García Márquez — A Internet é como Macondo. Seu modelo está na realidade, mas é outra coisa. Nela tudo pode acontecer, nada é suficientemente estranho ou fantástico. Inclusive está entrevista absurda, mediada por um médium descrente em mediunidade.
Marcel Proust: Leu “Em Busca do Tempo Perdido”?
Gabriel García Márquez — Estou relendo, todos os dias ao entardecer, sentado em um banco da praça que leva meu nome em Paris.