NESSA SEXTA
a cesta do João Paulo
JOÃO PAULO DA FONTOURA é de Taquari-RS. É escritor e historiador diletante, membro da ALIVAT – Academia Literária do Vale do Taquari, titular da cadeira nº 26.
- 15 de novembro de 1889 –
A República é proclamada
"O povo assistiu àquilo bestializado, atônito..."
Frase do jornalista e político Aristides Lobo que descreve a total falta de envolvimento (ou compreensão) da população, a qual foi pega de surpresa por um golpe militar que mudou o regime do país – sem sua participação ativa.
Prólogo
Caros amigos leitores, parece pouco tempo, mas neste próximo 15 de novembro estamos completando exatos 136 anos da proclamação da nossa República.
E olhem que foi uma proclamação tardia.
Aqui na América somos a última nação a libertar-se das garras de reis e imperadores. D. Pedro II já nascido aqui, os demais, todos europeus.
Nem dá para se afirmar se a decisão foi certa ou errada. Prefiro, como veremos no andar deste texto, dizê-la – inevitável.
Das grandes datas da nossa nacionalidade, incluindo as regionais, a proclamação da República perde longe em termos de folguedos para o Sete de Setembro, o nosso Vinte de Setembro, o baiano Dois de Julho, e até mesmo para o Nove de Julho paulistano.
Um D. Pedro I, um Bento Gonçalves, ou uma Maria Quitéria são personagens com forte presença na memória afetiva dos brasileiros. Já Quintino Bocaiúva e até mesmo o Deodoro da Fonseca sabe-se quando muito por nome de rua ou praça.
Salvo o desejo de uma elite de políticos e o ressentimento dos militares, os brasileiros estavam completamente alienados nessa questão. Para o povo, dom Pedro II era um sujeito legalzão, e um rei ou um presidente republicano – tanto faz!
O Brasil, por essa época, era um país essencialmente agrário, pastoril, com algumas manchas de atividade industrial como, por exemplo: a têxtil, em torno de 60%; alimentação, 15%; química, 10%; madeireira, 4%; e a metalurgia, 4%.
A centralização do poder na corte era uma forte trava ao desenvolvimento da nação.
Segundo o que nos informa o historiador Hélio Silva, em seu livro Nasceu a República, "(...) de novembro de 1889 a outubro de 1890 apareceram mais empresas que em sete décadas de Império".
Nossa população, em 1889, orçava por volta de 14,1 milhões distribuídos por 20 províncias e 641 municípios. 85% eram analfabet
(Como curiosidade, nossa província de São Pedro do Rio Grande, à época, tinha em torno de 900 mil habitantes, ou 6,5% da população brasileira. Hoje, estamos com 5% dos 220 milhões de brasileiros, e este índice caindo, aceleradamente, pela evasão – principalmente para Santa Catarina – e queda da natalidade.)
Desses 14,1 milhões, em torno de 2,1 milhões declaravam-se negros (500 mil eram escravos), e quase 6 milhões, pardos.
O Centro-Sul era a região economicamente mais forte e mais densamente habitada.
Estes números são bem próximos à realidade, visto que são dados oficiais (o censo em nosso Brasil teve início em 1872).
Um dado interessante por absurdo, dou a fonte, Uma Breve História do Brasil, dos historiadores Mary Del Priore e Renato Venâncio, nos afirma que: "(...) somente 1% da população participava do sistema político".
Por fim, as seis maiores cidades eram por ordem de grandeza: Rio de Janeiro, Salvador, Recife, São Paulo, Porto Alegre e Belém.
Causas
Contrariamente ao que afirmam alguns escritores que curtem permanentemente revisar nossa história, entendo que em regra são aquelas que nossas professorinhas no grau médio nos ensinaram lá atrás: a) libertação dos escravos; a Guerra do Paraguai; os eventos da questão militar; a questão religiosa; a crescente doutrinação republicana; a clara antipatia que os brasileiros tinham do "alienígena" conde D’Eu, o marido francês da princesa Isabel.
Essas são as principais razões, mas sempre haverá outras, difusas ou dúbias, mais ou menos importantes a critério de quem as vê.
Vamos dar uma rápida olhada em cada uma:
a) A instituição do escravagismo era um forte instrumento de unificação nacional, algo imexível; mesmo injusto, mesmo moralmente errado, era a forma de manter os poderosos donos de terras em paz e em sintonia com o Império. É cínico, mas era assim que funcionava. Mesmo que o número de escravos fosse ‘somente’ 500 mil quando da Lei Áurea, e ainda sem a esperada indenização, os grandes proprietários de terra, principalmente dos lucrativos cafezais em São Paulo, retiraram o apoio ao Império;
b) A Guerra do Paraguai foi um divisor de águas. Os militares sentiram-se abandonados pela inépcia do Império numa guerra que não tinha motivo algum para ser tão longa e cruel (200 mil mortos, só perdendo aqui na América para a da Secessão Americana, com 600 mil), exceto pela inépcia da corte.
O que não faltou nessa inditosa guerra foi o sentimento de patriotismo dos nossos bravos soldados, mortos como gado no matadouro. Dando um só exemplo, o então capitão Deodoro da Fonseca nela perdeu três irmãos.
Outro legado dessa guerra foi o alto endividamento junto às casas bancárias inglesas;
c) A famosa Questão Militar foi uma sucessão de conflitos entre oficiais do Exército e a Monarquia, a meu ver, absolutamente personalistas e desnecessárias. Houve de tudo, não valorização salarial, proibição de expressar publicamente opiniões políticas, etc., etc. Vou citar um caso: o coronel Seno Madureira (que havia participado inclusive da Guerra do Paraguai), em 1883 manifestou-se acidamente em relação ao projeto de criação de um Montepio para os militares e sofreu a mão pesada do Império. Entre outras reprimendas, foi transferido ao Rio Grande do Sul.
Só que o tiro saiu pela culatra, pois aqui o líder republicano era o advogado Júlio de Castilhos, arguto e astuto publicista que se armou de sua ácida pena e retumbou ao limite o incidente nas páginas do jornal partidário – A Federação.
O inimigo do exército era o Visconde de Ouro Preto, à época, presidente do Conselho de Ministros, uma espécie de primeiro-ministro do governo imperial. Interessante a ironia: quando, em 10 de novembro, ocorre o icônico baile da Ilha Fiscal, no mesmo cais em que os convidados embarcavam para a ilha, estava sendo embarcado o 22º Batalhão de Infantaria do exército que havia – como punição do Ouro Preto – sido transferido aos confins do Amazonas;
d) A questão religiosa, em minha opinião, não tem um peso importante, mesmo porque, tirando o inditoso frei Caneca, padre não tem armas, só o poder espiritual de ‘excomungar inimigos’. Foi uma questão de estado, e até dá para adjetivá-la como grave, envolvendo a Igreja Católica e a Maçonaria, isso lá por finados da década de 1870.
Como sabemos, desde a Constituição de 1824 havia uma comunhão da Igreja com o Estado, e como o Estado era quem pagava as contas, a Igreja não se intrometia em questões seculares, ou ao menos não deveria. O problema era que brigar com a maçonaria significava brigar com o Estado, visto que os líderes eram, em sua maioria, maçônicos. Houve prisão de líderes religiosos, envolvimento de bispos e até do Papa;
e) Era natural que a crescente doutrinação republicana, que havia sido iniciada em 1870 com a fundação em São Paulo do primeiro clube republicano no país, gerasse frutos.
O movimento começou, mesmo que lento, cauteloso, com um manifesto no qual os prosélitos emitiam críticas amenas à monarquia.
Mas cresceu, devagar, sempre, e iniciou a dividir o cenário político com os conservadores e liberais, mesmo que com representação muito baixa (não podemos nos esquecer que eleições por essa época eram ‘todas’ fraudadas; votar num republicano era mais um ato de coragem do que um ato cívico!).
Esses republicanos, Campos Sales, Prudente de Morais, o baiano Rui Barbosa, Deodoro, Floriano da Fonseca, Benjamim Constant, os nossos Júlio de Castilhos, Demétrio Ribeiro, Assis Brasil eram comtistas até a medula.
O positivismo do francês Augusto Comte era avesso a reis e imperadores que usavam dos seus "divinos direitos" para arbitrar o destino de seus súditos, como também à retrógrada igreja que teimava afirmar a terra como centro do universo e, igualmente, aos inúteis aristocratas e sinecuristas.
f) Por último, mas não menos importante, havia uma enorme antipatia dos brasileiros em relação ao Conde D’Eu, marido da princesa Isabel, a primeira na linha sucessória do Dom Pedro II.
Era francês, falava um português com forte sotaque e, na condição de príncipe-consorte, governaria o Brasil junto com sua esposa, algo que não agradava os matutos brasileiros da época.
A indicação do príncipe (27 anos; ‘zero’ experiência militar) para chefiar o Exército brasileiro na Guerra do Paraguai, com a retirada de Caxias do front, em 1869, numa guerra que não tinha mais sentido em continuar e cujo apoio e parceria dos argentinos e uruguaios declinava fortemente, criou ainda mais animosidade no seio militar.
Estranhamente, afeiçoou-se ao coronel João Manuel Mena Barreto a tal ponto de Luiz Octávio de Lima, em seu livro A Guerra do Paraguai, ter registrado que: “A proximidade entre os dois e o fato de que com o tempo o príncipe passou a se referir ao veterano militar como ‘meu mais que amado amigo’ levou alguns integrantes da tropa a fazerem piadas sobre a relação de companheirismo que unia a dupla.”
Nos estertores da guerra, a caça a López e seu estropiado exército de 1.600 defensores (a maioria crianças e mulheres) era feita por ‘absurdos’ 31 mil homens.
E nessa caça, num pequeno combate, ocorre a trágica morte de Mena Barreto, o ‘amado amigo’ do príncipe. Depois de uma estranha paralisia, choque, a reação e a carnificina provocada pelo doidivanas príncipe foi um opróbrio à razão.
Só parou quando o general Emílio Mallet, subordinado seu, chamou-o à razão. Imaginem um sujeito desses com o timão do Brasil às mãos?
O ato da Proclamação
Em contraponto à frouxidão moral e ânimo do imperador, os republicanos estavam determinados.
Em reunião para ajustar detalhes, na casa do professor de matemática e tenente-coronel , no Rio de Janeiro, nove dias antes da Proclamação, o anfitrião questiona os participantes:
– O que devemos fazer do nosso imperador?
Depois de um curto silêncio, fala o alferes Joaquim Inácio Batista Cardoso, nada mais que o avô do futuro presidente Fernando Henrique Cardoso:
– Exila-se.
Mas se resistir? – repta Benjamin.
– Fuzila-se!, responde Joaquim Inácio
Assustado com tamanho sangue-frio, responde o professor de matemática:
– Oh, o senhor é sanguinário!
Mesmo que eu tenha listado acima algumas causas que motivaram a Proclamação do dia 15 de novembro, precisamos reconhecer que ao fim e ao cabo prevaleceu a questão militar.
A causa da República não se movia por moto próprio; precisava, e muito, das mãos e espadas dos militare
Havia um mar de boatos no ar.
O da hora era que o Deodoro e Benjamin Constant tinham ordem de prisão. Na véspera do dia 15, à noite, o velho marechal, adoentado, 62 anos, mais tempo em cima de uma cama de doente do que de um cavalo de líder revolucionário, estava muito mal e seus amigos criam que não passaria da noite.
Mas o velho era duro: o moribundo da véspera era o redivivo da manhã seguinte – 15 de novembro de 1889.
Decidido a derrubar o governo de Ouro Preto, sai, junto à tropa, mas antes lança o grito de – Viva o Imperador!
(A vacilação do marechal tinha motivos: anos antes, seu saudoso pai, o tenente-coronel Mendes da Fonseca, havia sido reformado no posto – com estipêndio muito baixo – por ter tido a imprevidência de se rebelar contra o presidente da província. Fracassado em seu ato, deixou esposa e onze filhos na mais completa e abjeta penúria.)
No adro do Quartel Geral do Exército (para onde, a conselho de terceiros, Ouro Preto tinha se transferido, num terrível erro de avaliação) do alto de seu cavalo, voz firme, diz Deodoro ao visconde do Ouro Preto: "Vossa Excelência e seus colegas estão demitidos por perseguir o Exército Imperial." A um retruque de Ouro Preto, ele repta, "nos pântanos do Paraguai, muitas vezes atolado, sacrifiquei minha saúde em benefício da Pátria."
Lá fora, gritos de
Viva a República!!
Mas Deodoro, com o caso do seu pai como conselheiro, manteve-se firme. Por enquanto só o gabinete estava derrubado, sendo que o visconde e todos os demais foram presos.
Ainda à noite, Deodoro permanecia, não obstante a pressão, em dúvida se aceitava ou não a República. De repente, aparece o Benjamim Constant com um argumento decisivo, o imperador mandara chamar, do Sul, Gaspar Silveira Martins para organizar um novo gabinete.
O império estava acabado!
Deodoro e Silveira Martins eram inimigos irreconciliáveis!
E a briga envolvia lençóis.
Quando comandante militar aqui no Rio Grande do Sul, 1885, ele acabou disputando os amores de uma jovem fazendeira viúva, a baronesa de Triunfo, filha do general Andrade Neves. Na disputa pela alcova, acabou prevalece ndo o charme do conselheiro.
É triste, parece piada, mas temos que reconhecer que a nossa República, de certa forma, foi proclamada por uma ‘escolha de alcova’.
Epilogo
Uma das primeiras decisões do governo provisório foi exilar imediatamente a família imperial.
Quando já no paquete Alagoas, noite do dia 17, o imperador e sua família recebem a oferta de uma dotação de seis mil contos para custear as primeiras despesas de sua instalação na Europa, ele declina condignamente. Em sete de dezembro, chegam a Lisboa. Inicia exílio.
O governo Deodoro, entre o período provisório e o constitucional, durou dois anos.
Houve muitos problemas nesse período, sendo o pior a permanente crise com o legislativo.
Esta acabou gerando o golpe do fechamento do congresso em três de novembro de 1891, a reação, a ameaça de guerra civil e, finalmente, a renúncia do presidente, exatos 20 dias após – com a assunção do vice Floriano Peixoto, o segundo presidente republicano.
Apesar de ter sido o ator principal no ato da Proclamação, Deodoro tinha uma boa relação de amizade com Dom Pedro II.
Li em algum lugar que ele chegou mesmo a preparar o decreto de revogação da expulsão da família real – que só não foi efetivado em função da crise e da renúncia.
A cronologia da vida de ambos foi muito semelhante: Dom Pedro II nasceu em 1825, Deodoro, em 1827; Dom Pedro falece em 1891, 66 anos; Deodoro, Rio de Janeiro, 1892, 65 anos.
Seriam almas gêmeas?
Apêndice
Seção "Leo Dias" desta cesta histórica. Os republicanos usaram uma fake news para forçar a decisão do marechal Deodoro. D. Pedro não chamou nem chamaria o nosso Gaspar Silveira Martins (feemeiro ao limite) para substituir o visconde de Ouro Preto, pois não haveria tempo para tal (em realidade, o ex-senador do império estava na ilha de Desterro, em viagem ao Rio de Janeiro para assumir sua vaga na Câmara Federal, recém eleito, e demoraria no mínimo cinco dias para chegar ao seu destino).
O ótimo texto abaixo foi retirado do jornal Folha do Povo, de 13.11.24 – e foi escrito pelo jornalista Nelson Gonçalves:
Uma mulher, que teria sido amante do Marechal Deodoro da Fonseca, foi o pivô para a proclamação da República no Brasil.
Foi, segundo alguns pesquisadores da história e autores de livros, a dor de cotovelo e os ciúmes que fez Marechal Deodoro saltar de madrugada da cama para empunhar a sua espada e proclamar a República, destituindo Dom Pedro 2º do trono. O militar sempre foi seu fiel escudeiro e amigão do imperador.
Deodoro, inocentemente, acabou sendo envolvido numa rede de mentiras, boatos político-militar, criados pelos republicanos defensores dos chamados "barões do café", descontentes com a abolição dos escravos, ocorrida um ano antes da proclamação da República. Se não fosse isso, talvez o país estaria até hoje ainda sendo uma monarquia parlamentarista.
Maria Adelaide Andrade Neves Meireles ficou viúva aos 34 anos. Era rica, inteligente e bonita, conhecida na história como a Baronesa do Triunfo, teria atraído a paixão de Marechal Deodoro quando ele governou o Rio Grande do Sul, em 1833.
Mesmo casado, o militar costumava avançar sobre o sexo oposto. Ele perfumava a barba com fragrância de lavanda, espetava um vistoso anel no dedo mínimo de sua mão direita e costumava escrever pequenos versinhos, ou simplesmente ‘cantadas’, nos leques que costumava presentear mulheres, as quais sexualmente cobiç
Seu rival, Gaspar Silveira Martins, senador gaúcho, era um galanteador nato que recitava Shakespeare de cor. Mas quis o destino que ele tivesse um acidente desastroso e se aproximasse ainda mais da baronesa. Ele caiu do cavalo, próximo da casa dela, e quebrou a perna. Ficou um mês sob os cuidados de Maria Adelaide, em sua casa em Rio Pardo. E depois disso ele viajava, disfarçado, de trem de Porto Alegre a Rio Pardo para ficar com a baronesa.
De acordo com o livro ‘Uma Luz para a História do Rio Grande’, a mulher nascida em Porto Alegre em 1838 costumava interceder junto aos comandantes para aliviar penas impostas aos jovens militares por falhas de menor importância. Além disso, protegia alunos militares ameaçados por trotes dos colegas mais velhos.
Relatos da época indicam que, além de bela, Maria Adelaide era inteligente, articulada, líder atuante nos bastidores da política da região e defensora dos jovens, que estudavam na Escola Militar, localizada diante de sua casa em Rio Pardo, no Rio Grande do Sul.
Deodoro se sentia atraído por ela.
Perfumava sua barba com lavanda e tentou várias investidas para galantear a viúva bonita. Mas Maria Adelaide escolheu Gaspar Silveira Martins, antigo rival do marechal no amor e na política.
Ambos se tornaram, praticamente, inimigos mortais.








