O contrato do Banco Master com o escritório de advocacia de Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro do STF Alexandre de Moraes, previa um pagamento de R$ 3,6 milhões por mês durante três anos — o que totalizaria R$ 129 milhões.
Pagamento total de R$ 129 milhões ocorreria apenas no caso de cumprimento integral do contrato. Segundo o jornal, o documento dizia que o escritório Barci de Moraes deveria representar o banco onde fosse necessário, com remuneração de R$ 3,6 milhões mensais por 36 meses, a partir do início de 2024.
O banco foi liquidado e, por isso, o contrato extinto. Segundo O Globo, o valor total não foi pago, já que o acordo não foi cumprido integralmente. "Tudo indica, porém, que o escritório foi regiamente pago enquanto possível, porque nas mensagens com a equipe Vorcaro deixava claro que os desembolsos para Viviane eram prioridade para o Master e não podiam deixar de ser feitos em hipótese alguma", afirma a coluna de Malu Gaspar.
Coluna de Gabriel Sant'Ana Wainer, no GZH:
Toffoli e o Supremo sem vergonha (9/12/25)
A vergonha mudou de lugar no Brasil. Ela já não mora no Código Penal, na tipificação fria dos crimes, mas na percepção pública de que a cúpula do Judiciário perdeu o pudor. Quando um ministro do Supremo Tribunal Federal aceita embarcar num jato particular ao lado do advogado de um investigado de um caso que cedo ou tarde iria parar no Supremo, não é preciso ser criminalista para perceber que alguma coisa está profundamente errada.
No dia 28 de novembro, pela manhã, Dias Toffoli embarcou rumo a Lima, no Peru, para assistir à final da Libertadores num avião de um empresário e ex-senador. Na mesma aeronave viajava Augusto de Arruda Botelho, advogado de Luiz Antônio Bull, diretor de compliance do Banco Master, hoje em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. À noite, o mesmo Toffoli foi sorteado relator do caso Master, após uma reclamação da defesa do banqueiro Daniel Vorcaro. Na volta da viagem, colocou sigilo absoluto sobre o processo, puxou o caso inteiro para si no Supremo e decidiu que tudo o que disser respeito ao Master precisa, antes de mais nada, passar por sua caneta.
O ministro diz que não conversou sobre o processo no voo, que o recurso foi protocolado depois, que está tudo dentro da liturgia. Pode até ser. Mas o problema aqui não é apenas o que se prova em juízo. É o que se vê a olho nu. Um juiz que já anda há anos na borda da suspeição – “o amigo do amigo do meu pai” –, que acumula decisões controversas em favor de empreiteiras e delatados ilustres, não se constrange em misturar vida social e caso bilionário que abala o sistema financeiro. Vira uma espécie de garoto-propaganda do “deixa comigo que eu resolvo”, como se o Supremo fosse balcão de atendimento personalizado para quem tem jato, bons contatos e advogado influente.
Diante deste escárnio todo, há quem ainda tente acreditar no funcionamento dos freios e contrapesos. Minha colega Rosane de Oliveira, bem mais elegante do que eu, lembrou que esta seria a hora de o procurador-geral da República agir, pedindo a suspeição ou o impedimento de Toffoli. Em teoria, faz todo sentido. Na prática, o roteiro é outro. Quando o PGR pede a suspeição de um ministro, quem decide primeiro é o próprio ministro acusado. Ele é quem diz, antes de qualquer coisa, se se considera suspeito ou não. Se tivesse esse pudor, já teria se declarado impedido de ofício. Se não se considera suspeito, o caso vai para o julgamento dos seus dez colegas. E aí começa o verdadeiro pacto de autodefesa.
Não é hipótese.
O ex-procurador-geral da República dos bambus, Rodrigo Janot, tentou, mais de uma vez, pedir a suspeição de Gilmar Mendes. Quando o supremo ministro supremo do Supremo concedeu habeas corpus ao empresário Jacob Barata Filho, cujo casamento da filha teve Gilmar como padrinho, o então procurador-geral enxergou o conflito óbvio. A Corte não viu problema. Em seguida, no mesmo episódio da máfia dos transportes no Rio, Janot tentou outra vez arguir a suspeição de Gilmar, agora em relação a Lélis Teixeira e novas alegações de relações pessoais. Mais uma vez, o Supremo olhou para o lado. Janot ainda tentou uma terceira vez em outro caso, o de Eike Batista, em que a ex-esposa de Gilmar era sócia do escritório que defendia o empresário. De novo, nada a declarar. Em todas essas situações, a mensagem foi a mesma: aqui dentro ninguém mexe com ninguém.
É justamente esse histórico que torna ainda mais escandalosa a decisão da semana passada, na qual o mesmo Gilmar Mendes resolveu que só o procurador-geral da República pode protocolar pedidos de impeachment contra ministros do Supremo. O único personagem que não consegue – ou não quer – levar adiante uma suspeição evidente passa a ser também o porteiro único do condomínio. Deputados, senadores, entidades de classe, cidadãos comuns: todo mundo é empurrado para fora da porta. Só o PGR pode tocar a campainha. E, como a história mostra, ele quase nunca toca e quando toca, ninguém atende.
O resultado é uma distorção completa da ideia de República. Em vez de poderes que se limitam e se vigiam, temos uma Corte que concentra para si o direito de errar sem ser incomodada. Um ministro pode viajar em jatinho de empresário, conviver socialmente com advogado de investigado, centralizar um escândalo bilionário sob sigilo máximo e ainda assim seguir julgando como se fosse apenas mais um dia no fórum. O órgão que poderia reagir, a Procuradoria-Geral da República, é o mesmo que agora detém o monopólio dos pedidos de impeachment. O jogo se fecha e o círculo se protege.
Num país com vergonha, um ministro sequer cogitaria entrar nesse avião. Se, por algum desvario, entrasse, se declararia impedido de julgar o caso, por respeito ao tribunal e a si mesmo. Num país com vergonha, a Corte não teria transformado em rotina a negação de suspeições escandalosamente justificadas.
Aqui, não. Aqui o Supremo é duríssimo com o réu de sandália de borracha, mas cheio de compreensão com o réu que chega de terno bem cortado e jato à disposição.
No fim, quem perde a vergonha não são os ministros. Somos nós. Nós, que assistimos a tudo isso, ouvimos explicações burocráticas sobre “normalidade institucional” e ainda somos convidados a aceitar que está tudo dentro das regras. Nós, que olhamos para um tribunal que deveria ser o guardião da Constituição e enxergamos um clube fechado que se autoabsolve enquanto reescreve a lei. Se eles já não têm vergonha do que fazem, o mínimo que nos resta é não perder a nossa ao chamar esse estado de coisas pelo nome: um Supremo descontrolado e autoritário em um país que se acostumou demais a viver sem vergonha.
O MAIOR PUXA-SACO