Sexta, 23 de outubro de 2020

 

Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
...
ANDO DEVAGAR
PORQUE JÁ TIVE PRESSA





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especial

Nesta sexta, uma cesta 
de Dario Fo! 


O Rei da farsa - 
Suas peças foram encenadas em 52 países




Quando um povo não sabe rir se torna perigoso





A sátira é a arma mais eficaz contra o poder: o poder não suporta o humor, nem mesmo os governantes que se dizem democráticos, porque o riso libera o homem de seus medos





A comédia é a forma de expressão mais elevada que conheço



Dario Fo nasceu em Sangiano, pequena localidade às margens do Lago Maggiore na província de Varese, norte da Itália, em 24 de março de 1926. Foi escritor, dramaturgo e comediante. Prêmio Nobel de Literatura em 1997. Sua família: o pai Felice, socialista e ator em uma companhia amadora do teatro; a mãe Pina Rota, mulher de imaginação e talento; e os irmãos Fúlvio e   Bianca.

Dario viveu em várias cidades na infância, em função do trabalho de seu pai. Mas mesmo que a geografia remanescesse em um fluxo, o ajuste cultural era sempre o mesmo. Enquanto o menino crescia, tornou-se educado na tradição local. Por exemplo, sentava-se nas tavernas e escutava os mestres vidraceiros e pescadores, que - na tradição oral do Fabulatore (algo como contadores de histórias) - contavam fábulas num tom satírico político.

Dario adolescente

Em 1940 mudou-se de Luino para Milão para estudar arquitetura.

Quase no final da guerra, Dario foi inscrito no exército da República de Salò. Consegue escapar e gasta os últimos meses da guerra escondida em um quarto num sótão. Seus pais são ativos na resistência, sendo que seu pai organiza o transporte de cientistas judeus e prisioneiros de guerra britânicos fugidos para a Suíça de trem. Sua mãe ocupa-se de cuidar feridos.

No fim da guerra, Dario retorna a seus estudos de Arquitetura e realiza cursos no Instituto Politécnico.

Entre 1945 e 1951 foca sua atenção em projetos de palcos e decoração teatral. Nessa época começa a improvisar monólogos.

Muda-se com sua família para Milão. Mama Fo, a fim ajudar a seu marido a manter os três filhos na faculdade, fabrica camisas.

Para os Fo mais novos, foi um período de leituras. Gramsci e Marx são devorados junto com novelistas norte-americanos e as primeiras traduções de Brecht, de Mayakovsky e de Lorca.

Nos anos seguintes, o teatro italiano muda bastante, empurrada principalmente pelo fenômeno dos novos teatros pequenos que teve um papel chave no desenvolvimento da ideia "de um palco popular".


Fo é envolvido por este movimento efervescente e prova ser um teatrólogo insaciável - mesmo que geralmente não pudesse ter recursos para comprar ingresso e tivesse que ficar em pé entre os performáticos. Mamma mantém uma mente aberta para conhecimentos novos de seus filhos, entre eles Emilio Tadini, Alik Cavalieri, Piccoli, Vittorini, Morlotti, Treccani, Crepax, alguns já famosos.

Enquanto estudava foi trabalhar como arquiteto assistente e decorador. Dario começa a entreter seus amigos com os contos como aqueles que ouvia nas tavernas da sua infância.

No verão de 1950, Dario procura por Franco Parenti que foi apresentado pelo jovem cômico teatrólogo com uma parábola de Caim e Abel, uma sátira em que Caim é um tolo miserável, menos malvado.


Dario começa a se apresentar em show de variedades de verão de Parenti. Isto é quando tem seu primeiro "encontro" com Franca Rame - não pessoalmente, mas através de uma fotografia que vê na casa de alguns amigos. Ele fica apaixonado!


Por algum tempo ainda trabalha como o arquiteto assistente. Mas decide-se logo abandonar trabalho e estudos, enojado pela corrupção existente no setor das edificações.


Durante a indefinição política após as eleições parlamentares de 2013 foi indicado para concorrer ao cargo de Presidente da Itália pelo líder do Movimento 5 Estrelas (M5S), o ex-comediante Beppe Grillo.

Dario Fo morreu em Milão, em 13 de outubro de 2016 (90 anos), por complicações pulmonares.



Impedir a disseminação do conhecimento é um instrumento de controle do poder, porque o conhecimento é saber ler, interpretar, verificar na pessoa e não confiar no que você diz. Conhecimento faz você duvidar. Especialmente do poder. De todo o poder



Entrevista histórica


Dario Fo ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1997. A premiação foi contestada por vários críticos.
Esta entrevista foi concedida a ALESSANDRO GRECO, especial para a Folha de S.Paulo, em 26 de dezembro de 1997

Há muitos anos um prêmio Nobel de Literatura não causava tanta polêmica como este de 1997.
Concedido ao dramaturgo italiano Dario Fo, 71 anos, conhecido no Brasil pela peça "A Morte Acidental de Um Anarquista" -  que fez grande sucesso nos palcos brasileiros -, o prêmio dividiu críticos em todo o mundo.
Alguns defenderam o dramaturgo ferrenhamente, outros o execraram.
Seus detratores argumentam que a obra de Dario Fo, composta basicamente de comédias, não está à altura de outras obras já agraciadas com o Nobel.
Houve quem dissesse que ele não tem profundidade. Seus defensores respondem que somente os que não entendem a complexidade da obra de Dario Fo não enxergam sua profundidade.
Dramaturgo, ator, diretor, roteirista e também cenógrafo e pintor -duas de suas facetas menos conhecidas-, Dario Fo sempre causou polêmica por onde passou.
Suas peças de forte componente político, já foram encenadas em mais de 52 países ao longo dos últimos 45 anos.
Seus constantes ataques à burguesia, à Igreja Católica e ao Estado, fizeram com que o dramaturgo fosse processado e preso diversas vezes.
Em seu celular, de Milão, Dario Fo concedeu uma rápida entrevista à Folha, terminada abruptamente. Leia abaixo.


Folha - Agora que o sr. recebeu o dinheiro do prêmio Nobel (aproximadamente US$ 1 milhão), o que pretende fazer com ele?

Dario Fo - Uma das coisas que vamos fazer é doar parte do dinheiro para instituições que cuidam de crianças carentes e de deficientes físicos em todo o mundo.

Folha - Há 40 anos suas peças são representadas em todo o mundo e nos últimos 25 anos dizem que o sr. está na lista dos indicados para o Nobel.

Fo - É verdade.

Folha - Então, porque só agora o sr. foi premiado?

Fo - A única coisa que posso dizer é que sei que a Academia estudava há muitos anos as minhas obras e todo ano eu ficava entre os indicados. Em pelo menos cinco anos fiquei entre os três finalistas do prêmio. Finalmente, esse ano resolveram dá-lo a mim.

Folha - Em uma entrevista dada poucas horas depois de ganhar o Nobel, o sr. disse que esse prêmio era também de Franca Rame, sua mulher, que tinha de dividi-lo com ela. Por quê?

Fo - Porque ela sempre escreve junto comigo, porque cuida da publicação das peças e é também quem transcreve as variações (improvisações) que inserimos nos textos durante os espetáculos.

Folha - O sr. quando jovem estudou arquitetura.

Fo - Sim, estudei na Politécnica de Milão, mas pouco antes de me formar aquilo me cansou. Não é que me cansou, na verdade me senti enojado.
Naquela época eu já trabalhava para um arquiteto e descobri toda a sujeira que me cercava, roubos, desonestidade, falta de ética. Então, eu percebi que não era capaz de fazer esse tipo de coisa, de trapacear as pessoas.

Folha - De arquiteto a autor, ator e diretor de teatro. Como foi essa transformação?

Fo - Bem, minha primeira abordagem como artista foi como pintor e arquiteto, depois, pouco a pouco, comecei a escrever. O resto veio tudo mais ou menos ao mesmo tempo.
Até hoje, se vou escrever uma peça penso nela primeiro como arquiteto: perspectiva, vista superior e vista lateral; e depois que a cena está montada, crio os diálogos.

Folha - E o sr. teve algum autor que o inspirou a escrever, que pudesse ser considerado um mestre?

Fo - Muitos. Entre os italianos, Ruzzante e Goldoni foram importantes para mim.
Entre os poetas, pode parecer uma banalidade dizer isso, mas Dante Alighieri foi fundamental. Dos grandes escritores internacionais, Strindberg, os expressionistas alemães, Brecht, Maiakovski e Sartre, embora este último por razões filosóficas.

Folha - Mas o sr. disse que Brecht, apesar de fazer uma crítica à burguesia, ao Estado e à Igreja, era um escritor burguês.

Fo - Nunca disse isso. O que eu disse foi que a técnica usada por Brecht é muitas vezes distante da linguagem usada pelo povo.
Ele não usa os dialetos das cidades para escrever, ao contrário da minha técnica que usa constantemente os dialetos.
Eu venho de uma família proletária e estudei várias dialetos, do Norte e do Sul da Itália, pois temos a sorte de ter em nossa língua diferentes dialetos que enriquecem o texto quando você sabe usá-los.

Folha - No dia seguinte a sua premiação com o Nobel, seu filho Jacopo afirmou que "Deus existe e é comunista". O sr. adaptou a frase dizendo que "Deus existe e é um 'giullare'". O que é um 'giullare'?

Fo - Um giullare é um ator autônomo que tem a possibilidade de realizar (interrompe sua fala e começa a falar sozinho)...
Espera um pouco, onde está o bilhete, não esse não é o bilhete (volta a falar com a Folha).
Desculpa vou ter de te deixar, tenho que procurar meu bilhete, mas te digo em uma palavra o que é um giullare. É um autor, ator autônomo, que vem de uma classe inferior e que recita, nas ruas, suas histórias, criticando à Igreja e as classes superiores.

Folha - Somente mais um pergunta...

Fo - Desculpe mas vou ter de desligar, o bilheteiro está aqui na minha frente.
Estou no trem. "Ciao, caro, ciao".


Nossa pátria é todo o mundo. Nossa lei é a liberdade. Só teremos um pensamento, a revolução em nossos corações


Suas principais obras

(com base em texto da https://noticias.uol.com.br/. em outubro de 2016.

Dario Fo deixou um vasto repertório de obras literárias. Suas mais de 100 publicações mostravam uma visão única sobre a sociedade, baseadas em muita pesquisa e com uma criatividade ímpar no mundo das artes.

Algumas das principais obras do multifacetado artista:

- "Darwin ma siamo scimmie da parte di padre o di madre?" ("Darwin, nós somos macacos por parte de pai ou de mãe?", em tradução livre) foi lançado no dia 20 de setembro de 2016 e foi a última obra publicada pelo autor.

O livro é repleto de questionamentos sobre a origem da vida e sobre a humanidade, além de contar com desenhos do próprio escritor. "Eu quis recontar a história das descobertas que o maior cientista disse ao mundo inteiro. Por que? Porque somos ignorantes e não sabemos de onde viemos ou o porquê", disse Fo durante coletiva de imprensa sobre seu livro.

- "Mistero Buffo" (1969) é considerada uma das obras primas de Dario Fo e já foi adaptada para peças de teatro até no Brasil. A obra reúne mais de 20 monólogos que tem como base os "mistérios" contados em Bíblia cristã, porém retratados de maneira "profana" e questionadora - como ocorria nos tempos medievais.
É uma crítica à Igreja e suas burocracias em forma de jogral, mas também às atitudes dos fiéis que são muitas vezes contraditórias com a sua fé. É basicamente uma comédia crítica e irônica que representa a cerne dos trabalhos de Dario Fo.

- "Morte Acidental de um Anarquista" (1971) foi traduzida para vários idiomas e também foi adaptada em peças de teatro pelo mundo, sendo sua obra mais reproduzida pelos palcos. O livro tem como base fatos reais, mas através da comédia traz questionamentos sobre a vida e a organização em sociedade.    A obra se baseia na morte do anarquista milanês Giuseppe Minelli, que foi acusado de participar de atentados terroristas na cidade e que teria "se suicidado" - jogando-se do prédio da delegacia da cidade em 1969. Usando muita ironia e sarcasmo, Fo ambienta a história na busca policial por um suposto "doente mental", que assume diversas identidades. Ele teria "provas" de que o suicídio de um anarquista foi, na verdade, um assassinato cometido por policiais.
A peça de teatro e consequente livro sobre a trama causou mais de 40 processos contra o escritor que, para evitar mais problemas, adaptou a obra para ambientá-las nos Estados Unidos, mais precisamente na Nova York da década de 1920, onde um fato semelhante ocorreu com Andrea Salsedo.

- "L'Anomalo Bicefalo" ("O anômalo bicéfalo", em tradução livre), de 1999, que escreveu ao lado da esposa Franca Rame, ironiza o ex-premier italiano Silvio Berlusconi e trata sobre questões políticas, econômicas e judiciais do "Cavaliere". Na peça, Fo interpreta um premier que, após perder a memória por causa de um acidente, começa a falar a verdade sobre tudo que fez durante sua vida.
A obra também foi alvo de processos e chegou a ser proibida de ser transmitida pela televisão temporariamente por causa da ação do político Marcello Dell'Ultri, citado em processos relacionados a Berlusconi.

- "Quasi per caso una donna: Cristina di Svezia" ("Uma mulher quase por acaso: Cristina da Suécia", em tradução livre), que foi o último livro escrito pelo italiano e será lançado em dezembro deste ano, conta a história da soberana que reinou entre os anos de 1632 e 1654.
Com seu olhar peculiar sobre a história, Fo retrata a mulher "fora do comum" e que foi educada por seu pai como se fosse um homem.


A comédia é a forma de expressão mais elevada que conheço



A ressurreição de Lázaro - Com Dario Fo



Para encerrar,
uma entrevista em 1984


A Humanidade muda só na aparência

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