Sexta, 27 de janeiro de 2023

 

NÃO LEVE A SÉRIO
QUEM NÃO SORRI!

 


RESISTA À TENTAÇÃO
DE SER IGUAL AOS OUTROS




Escreva apenas para




FORA LULA!!




especial

Nesta sexta, uma cesta
de Roland Barthes! 



O prazer da palavra,
o poder da sedução










  • O fascismo não é impedir-nos de dizer, é obrigar-nos a dizer.

A linguagem é como uma pele: com ela eu entre em contato com os outros.

A ciência é grosseira, a vida é sutil, e é para corrigir essa distância que a literatura nos importa.

No fundo a Fotografia é subversiva, não quando aterroriza, perturba ou mesmo estigmatiza, mas quando é pensativa.

Roland Gérard Barthes

Roland nasceu em em Cherbourg-Octeville, uma comuna francesa na região administrativa da Normandia, em 12 de novembro de 1915. Foi escritor, sociólogo, crítico literário, semiólogo e filósofo. Tocava piano e também foi ator amador. Gostava de pintar.

Roland, a mãe e irmão

Seu pai, oficial da marinha Louis Barthes, foi morto em batalha durante a Primeira Guerra Mundial no Mar do Norte antes do primeiro aniversário de Roland. Sua mãe, Henriette Barthes, junto com seu tio e avô o criaram na vila de Urt e Bayonne. Quando completou 11 anos, sua família se mudou para Paris. Sua ligação às raízes provinciais permaneceriam forte por toda sua vida.

No período de 1935 a 1939 estudou na Sorbonne, onde conquistou uma licenciatura em literatura clássica. Ele sofreu com tuberculose por todo esse período, o que com frequência tinha que ser tratado no isolamento de um sanatório. As crises físicas fizeram com que sua carreira fosse descontínua, afetando seus estudos.

Em 1937, foi dispensado do serviço militar. Professor na escola secundária de Biarritz (1939-1940), depois nas escolas secundárias Voltaire e Buffon em Paris (1940-1941), ele também obteve seu diploma de pós-graduação em 1941 com um livro de memórias sobre a tragédia grega.

Durante suas estadas em um sanatório, levou uma rica vida intelectual, fez encontros decisivos (incluindo aquele, para sua formação política, de Georges Fournié, militante trotskista que o apresentou ao marxismo) e descobriu leituras fundamentais (Karl Marx , Jules Michelet e Jean-Paul Sartre) . Publicou então seus primeiros textos. 


Em 1947, publicou na Revista Combat o primeiro dos textos que constituiriam seu livro O Grau Zero da Escrita. As estadias profissionais no exterior também começaram nesse período: Bucareste (nomeado bibliotecário do Instituto Francês em 1947, mudou-se para a capital romena com a mãe e teve um caso com um professor de francês, Pierre Sirin), Alexandria (onde, professor de francês na universidade entre 1949 e junho de 1950, conhece Algirdas Julien Greimas e onde aprende linguística); esteve várias vezes em Marrocos desde 1963 (ensinou em Rabat em 1969-1970).


Em 1952, de volta a Paris, onde trabalhou no Ministério das Relações Exteriores , publicou O Mundo Onde Lutamos na revista Esprit e continuou suas Pequenas Mitologias do Mês na Revista Combat depois na revista de Maurice Nadeau, As Novas Cartas. Seus textos curtos o tornaram conhecido e foram reunidos em um único volume em 1957.

Foi para os Estados Unidos pela primeira vez em 1958, como “professor visitante ” no Colégio de Middlebury em Vermont e depois em Nova York no ano seguinte; voltou para lá em 1967 (sua amiga Susan Sontag disseminou suas ideias no mundo intelectual americano).

Mas seu primeiro ensaio, O Marco Zero da Escrita, publicado em 1953, foi rapidamente considerado o manifesto de uma nova crítica preocupada com a lógica imanente do texto.


Em 1954, publica um artigo marcante sobre Alain Robbe-Grillet. Naquela época, o teatro lhe interessava particularmente: durante a década de 1950, escreveu mais de oitenta artigos sobre teatro, publicados em várias revistas, e participou da fundação da revista Théâtre Populaire (Teatro Popular). Participou também da criação em 1961 da revista Communications  da qual foi editor-chefe entre 1975 e 1980, depois, nas décadas de 1960 e 1970, colaborou com a Revista Tel Quel.


Em 1962, entrou com Michel Foucault e Michel Deguy no primeiro conselho editorial da revista Critique, com Jean Piel que assumiu a direção da revista após a morte de Georges Bataille.

Barthes passou a primeira metade da década de 60 explorando os campos de semiologia e estruturalismo, presidindo vários cargos docentes pela França, e continuando a produzir mais integrais estudos.

Muitos dos seus trabalhos desafiavam as visões tradicionais da academia sobre crítica literária e renomadas figuras da literatura. Seu pensamento não-ortodoxo levou a uma rixa bem conhecida com um professor de literatura da Sorbonne,  Raymond Picard, que atacou a nova criticidade francesa (rótulo que erradamente submeteu a Barthes) por sua obscuridade e falta de respeito às tradições literárias da França.


Barthes replicou em Crítica e Verdade (1966) acusando o velho criticismo burguês de falta de atenção aos pontos finos da linguagem e ignorância seletiva em relação a teorias desafiadoras como por exemplo o Marxismo.

Por volta da segunda década dos anos 60, Barthes já era muito conhecido e respeitado. Ele viajou para os Estados Unidos e Japão, fazendo uma apresentação na Universidade John Hopkins. Durante esse tempo, escreveu seu mais conhecido trabalho, o texto de 1967 A Morte de um Autor, que à luz da crescente influência de Jacques Derrida desconstrução, seria provado ser uma obra tradicional na investigação dos fins lógicos no pensamento estruturalista.


O início dos anos 1970 foi um período de intensa publicação, que o viu afastar-se do formalismo estruturalista e optar por uma subjetividade mais assumida, com O Império dos Signos (1970), "S/Z" (1970), "Sade, Fourier, Loyola" ( 1971 ), "Novos Ensaios Críticos" (1972), seguidos por seu Roland Barthes por Roland Barthes (1975) e seu Fragmentos de um Discurso de Amor (1977).

E o reconhecimento: Tel Quel ( 1971 ) e L'Arc (1973) dedicou a ele edições especiais e uma década foi organizada em seu trabalho em Cerisy-la-Salle (1977).


Em 1974, participou de uma viagem à China com François Wahl, Philippe Sollers, Julia Kristeva e Marcelin Pleynet. Se esta visita coincidiu com um expurgo sangrento, “desencadeado à escala de todo o país pelo regime maoísta” , regressou entusiasmado desta viagem . Suas notas de viagem serão publicadas em 2009 em Cadernos da Viagem à China.



Com a publicação em 1977 de Fragmentos de um Discurso Amoroso, Barthes ganhou notoriedade midiática. Foi a época em que conheceu Hervé Guibert, com quem manteve uma relação exclusivamente epistolar: "Ele me fez escrever um texto, Propaganda da Morte nº 0 ", diz Guibert. Ele deveria escrever um prefácio. Mas ele fez com que eu ficasse com ele. E para mim não foi possível. Naquela época, eu não poderia ter tido um relacionamento com um homem desses.


Em 25 de outubro de 1977, a morte da mãe, com quem morava, o afetou profundamente. No outono de 1978, iniciou o curso no College de France sobre “A preparação do romance”. Foi atingido por um furgão de uma lavanderia na rua des Écoles, em Paris, a caminho do Collège de France, e em 25 de fevereiro de 1980, Barthes faleceu em decorrência deste acidente no dia 26 de março de 1980 próximo no hospital Pitié-Salpêtrière em Paris. Está sepultado ao lado da mãe, no cemitério de Urt, no País Basco.

 Philippe Sollers aborda o tema da homossexualidade de Roland Barthes, em seu livro Femmes (1983).




Toda a lei que oprime um discurso esta insuficientemente fundamentada.


LIVROS EDITADOS NO BRASIL

Língua, Discurso e Sociedade. Global Universitária

Racine. LPM (1987) 

Óbvio e Obtuso. Nova Fronteira (1990)

Michelet. Cia das Letras (1991)

S/Z. Nova Fronteira (1992) 

Elementos da Semiologia. Cultrix (1996)

A Câmara Clara. Nova Fronteira (2000)

O Prazer do Texto. Perspectiva (2002)

Fragmentos de um Discurso Amoroso. Martins Editora (2003)

O Neutro. Martins (2003)

Como Viver Junto. Martins Fontes 

Mitologias. Difel (2003) 

Roland Barthes por Roland Barthes. Estação Liberdade (2003) 

O Rumor da Língua. Martins Fontes (2004)

Grão da Voz. Martins Fontes (2004) 

Incidente. Martins Editora (2004) 4

O Grau Zero da Escrita. Martins Fontes (2004)

Inéditos. IV volumes. Martins Editora (2004) - (2005)

Escritos Sobre o Teatro. Martins Fontes (2007) 

Império dos Signos. Martins Fontes (2007)

Aventura Semiológica. Martins (2008) 

Análise Estrutural da Narrativa. Vozes (2008)

A Preparação do Romance. II Volumes - (2005)

Sade, Fourier, Loiola. Martins Fontes (2005)

Sobre Racine. Martins Fontes (2008) ISBN 

Crítica e Verdade. Perspectiva (2009) 

Sistema da Moda. Martins Fontes (2009)




Toda a recusa duma linguagem é uma morte.



FRAGMENTO - FOTOGRAFIA

Decidi então tomar como guia de minha nova análise a atração que eu senti por certas fotos. Pois pelo menos dessa atração eu estava certo. Como chamá-la? Fascinação? Não, tal fotografia que destaco e de que gosto não tem nada do ponto brilhante que balança diante dos olhos e que faz a cabeça oscilar; o que ela produz em mim é exatamente o contrário do estupor; antes uma agitação interior, uma festa, um trabalho também, a pressão do indizível que quer se dizer. Então? Interesse? Isso é insuficiente; não tenho necessidade de interrogar minha comoção para enumerar as diferentes razões que temos para nos interessarmos por uma foto; podemos: seja desejar o objetovo, a paisagem, o corpo que ela representa; seja amar ou ter amado o ser que ela nos dá a conhecer; seja espartamo-nos com o que vemos; seja admirar ou discutir o desempenho do fotógrafo, etc.; mas esses interesses são frouxos, heterogêneos; tal foto pode satisfazer a um deles e me interessar pouco; e se tal outra me interessa muito, eu gostaria de saber o que, nessa foto, me dá estalo. Assim, parecia-me que a palavra mais adequada para designar (provisoriamente) a atração que sobre mim exercem certas fotos era "aventura". Tal foto me advém, tal outra não.

O princípio da aventura permite-me fazer a Fotografia existir. De modo inverso, sem aventura, nada de foto. Cito Sartre: "As fotos d eum jonal podem muito bem 'nada dizer-me', o que quer dizer eu eu as olho sem pô-las em posição de existência. Assim as pessoas cuja fotografia vejo são bem alcançadas através dessa fotografia, mas sem posição existencial, exatamente como o Cavaleiro e a Morte, que são alcançados através da gravura de Dürer, mas sem que eu os ponha. Podemos, aliás, deparar com casos em que a fotografia me deixa em um tal estado de indiferença, que não efetuo nem mesmo a 'colação em imagem'. A fotografia está vagamente constituída como objeto, e os personagens que nela figuram estãos constituídos como personagens, mas apenas por causa de sua semelhança com seres humanos, sem intencionalidade particular. Flutuam entre a margem da percepção , a do signo e a da imagem, sem jamais abordar qualquer uma delas".

Nesse deserto lúgrube, me surge, de repente, tal foto; ela me anima e eu a animo. Portanto, é assim que devo nomear a atração que a faz existir: uma animação. A própria foto não é em nada animada (não acredito nas fotos "vivas") mas ela me anima: é o que toda aventura produz.



Nela vejo apenas o objeto de um desejo esteticamente retido.


QUEM FOI BARTHES?

Texto de Leyla Perrone-Moisés - revista Cult*


Quem foi, afinal, Roland Barthes? Um teórico da literatura? Um crítico literário, teatral, cultural? Um semiólogo, analista das imagens e da moda? Um teórico da fotografia? Um filósofo? Um conselheiro sentimental? Em que corrente intelectual situá-lo? Foi um marxista? Um estruturalista? Um subjetivista? A que gênero pertencem seus escritos? Jornalístico, ensaístico, romanesco, didático? A que período: clássico, moderno, pós-moderno? Barthes foi tudo isso, sucessiva ou concomitantemente, e acima de tudo um notável escritor que continua a fascinar os mais variados leitores, por sua inteligência e seu poder de sedução.

Barthes nasceu em Cherbourg, na França, em 1915. Sua carreira intelectual foi atípica. Tendo sofrido de tuberculose com várias recaídas, começou sua carreira como professor no estrangeiro e passou parte do tempo da Segunda Guerra em sanatórios. Somente nos anos de 1950 começou a ser notado como ensaísta literário originalíssimo (O grau zero da escrita), crítico de teatro e autor de crônicas ferinas em que analisava os mitos da sociedade francesa contemporânea (Mitologias). Nos anos de 1960, tornou-se orientador de pesquisas na École Pratique des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, onde se notabilizou como um dos representantes mais famosos do estruturalismo (Elementos de semiologia, Crítica e verdade, Sistema da moda).

Na década de 1970, com O prazer do texto, Roland Barthes por Roland Barthes e S/Z, abandonou o projeto semiológico e iniciou uma fase de escrita vincadamente pessoal, caracterizada pela aliança da inteligência crítica com a sensualidade verbal. Fragmentos de um discurso amoroso, em 1977, surpreendeu como um inesperado best-seller. No mesmo ano, Roland Barthes ingressou no Collège de France, honraria raramente concedida a um autor “impuro” (como ele mesmo se qualificou), que não ilustrava nenhuma ciência ou gênero literário preciso e nunca concluira sua tese de doutorado (cuja preparação resultou, mais tarde, no livro Sistema da moda). No Collège de France, ministrou quatro cursos anuais (Como viver junto, O neutro e A preparação do romance 1 e 2). Sua aula inaugural (Aula), defendendo e ilustrando “o saber com sabor”, fôra concebida como um novo projeto de vida, mas foi, na verdade, seu testamento intelectual. No auge da fama, Barthes foi atropelado por uma caminhonete, na frente do Collège de France, e faleceu em março de 1980. Seu último livro, A câmara clara (ensaio sobre a fotografia) foi publicado postumamente, naquele mesmo ano.

A publicação de suas Obras completas, primeiramente em três volumes luxuosos (Paris, Seuil, 1993) e depois em uma edição corrente em cinco volumes (Paris, Seuil, 2002), revelou uma grande quantidade de textos inéditos. São textos que se encontravam dispersos em revistas, jornais, enciclopédias e publicações estrangeiras de difícil acesso. Esses inéditos não mudam a visão que tínhamos dele, mas acrescentam e iluminam muitos pontos de sua obra. Os inéditos revelam tanto as mutações de Barthes ao longo dos anos (seus “deslocamentos”, como ele preferia dizer) quanto seus temas permanentes e recorrentes. Alguns já preocupavam o jovem autor das Mitologias e do Grau zero da escrita, nos anos de 1950, e continuaram sendo objeto de suas reflexões, até serem sintetizados na Aula, e desenvolvidos em seus quatro últimos cursos, de 1977 a 1980.

Os primeiros textos, datados de 1947 a 1959, revelam um Barthes fortemente politizado, ancorado na sociologia. Em meados dos anos de 1950, Barthes assinalava o aparecimento de novos tipos de crítica literária, representados por Gaston Bachelard, Lucien Goldmann, o Sartre de Baudelaire, Poulet e J. P. Richard. Elogiava a crítica praticada por L. Goldmann, “crítica histórica” que define “de modo rigorosamente materialista” o elo que une a História à consciência corporal do escritor, e propunha uma conciliação desta com a crítica psicológica, pois a crítica histórica coloca o autor entre parênteses e a crítica psicanalítica nada diz da significação histórica. A tarefa da crítica, segundo ele, seria reconciliar essas tendências. A partir dessa data, evidencia-se em sua própria crítica uma informação psicanalítica, acrescentada à base teórica marxista anterior. Seu livro Sobre Racine, em 1963, provocará a ira de um catedrático da Sorbonne e ocasionará a polêmica da “nova crítica”, da qual ele seria o maior representante. A “nova crítica” era aquela que se apoiava nas ciências humanas, abandonando o biografismo positivista e a “explicação de texto” acadêmica.

Uma questão que perpassa por toda a obra barthesiana é a do “realismo”, isto é, da possibilidade e das condições da representação da realidade na arte, sobretudo na arte verbal, a literatura. Já em 1956, Barthes publicara um artigo intitulado “Novos problemas do realismo”. Dizia ele, aí, que “o realismo é uma idéia moral”, na medida em que é uma escolha do escritor quanto ao modo de representar o real. Sua preferência se encaminhava, desde então, para aqueles escritores que se recusam a espelhar a sociedade como ela deseja se ver, que “desarranjam” essa imagem, rompendo o contrato com o público burguês: Baudelaire, Flaubert, Zola. Não por acaso, dizia ele, esses três escritores sofreram processos judiciais. Na mesma década de 1950, a descoberta do teatro de Bertold Brecht (1898-1956), e de sua teoria do “distanciamento”, foi decisiva para sua rejeição de todo “naturalismo”. Finalmente, diria ele mais tarde, encontrara um marxista sensível aos signos.

Nessa ótica, Barthes rejeitava o “realismo socialista”, porque a ideia de “justeza política” contém o perigo do moralismo, e porque esse tipo de realismo é “progressista na intenção e hiperburguês na forma, ao mesmo tempo realista e acadêmica”. O contraponto do romance socialista seria o romance do “absurdo” e o nouveau roman. Haveria, pois, naquele momento, dois segmentos de realismo: um realismo socialista na estrutura, e burguês na forma, contraposto a um realismo de superfície, livre na forma, mas apolítico, portanto burguês na estrutura. Barthes propunha a união desses dois segmentos para chegar a um “realismo total”. O realismo seria, assim, um “mito provisório e necessário para despertar o escritor para uma literatura socialista total”. Mais tarde, em 1976, ele dirá que a linguagem nunca é realista, porque entre o signo e o referente há a significação. Essas considerações sobre o realismo literário encontrariam sua melhor formulação na Aula inaugural do Collège de France, no ano seguinte. Diz ele, aí: “O real não é representável, e é porque os homens querem constantemente representá-lo por palavras que há uma história da literatura.”

Em meados dos anos de 1960, Barthes entra numa nova fase, a fase semiológica. Naquela década, a linguística foi promovida a “ciência piloto” das ciências humanas. Seus companheiros de reflexão serão, então, os integrantes do grupo Tel Quel, igualmente fascinados pela descoberta da linguística de Saussure, pela semiótica russa e tcheca, pelo estruturalismo que seria um desenvolvimento daquelas propostas. Barthes escreve, nesse período, artigos que tratam de Lévi-Strauss, Roman Jakobson (1896-1982) e Mikhail Bakhtin (1895-1975), seus novos inspiradores teóricos.

Ao mesmo tempo em que vemos, nos textos teóricos dos anos de 1960, o entusiasmo de Barthes pela contribuição da lingüística aos estudos literários, encontramos também aí as ressalvas e as precauções que anunciam o abandono do estruturalismo por ele, na década de 1970. Já então ele dizia que não se devia ser incondicionalmente fiel à lingüística, nem praticar uma “interdisciplinaridade” convencional, porque, ao praticar essas duas disciplinas, o importante seria subverter a imagem que temos da lingüística e da literatura. Numa “Conversa” de 1966, ele manifestava o receio de que a ciência se fetichizasse. O estruturalismo, dizia ele, quer “desfetichizar” os saberes antigos. Mas se ele “pegar”, se fetichizará. Como foi o que realmente aconteceu, Barthes deslocou-se do estruturalismo e da semiologia para a fase seguinte.

É o surgimento da “teoria do texto” ou “teoria da escritura”, que ocuparia intensamente Barthes e o grupo Tel Quel no início dos anos de 1970. O “texto escritural” de vanguarda substituiria a velha “literatura”. Importante, nesse período, foi a contribuição de Jacques Derrida (1930-2004) aos debates, na medida em que o filósofo, também próximo de Tel Quel naquele momento, jogou água fria nos entusiasmos lingüísticos e semiológicos, mostrando o idealismo do signo saussuriano e das práticas decorrentes. Também fundamental foi a influência de Jacques Lacan, cuja teoria do inconsciente como linguagem convinha à antiga reivindicação de uma crítica literária que não ignorasse a psicologia.

A reflexão sobre o sujeito da nova escritura, sobre a intertextualidade (de Bakhtin a Julia Kristeva), e a já antiga reivindicação do corpo do escritor na escrita, desembocariam em O prazer do texto, de 1973, verdadeira ruptura de Barthes com o projeto semiológico anterior, chamado por ele, mais tarde, de “delírio científico”. Da mesma forma em S/Z, de 1970, ele rompera com a “análise estrutural das narrativas”, defendida por ele mesmo em plena euforia semiológica, e propusera um novo tipo de análise, mais fina e mais aberta à história cultural do que as análises mecânicas e pretensamente universais da fase estruturalista.

Em sua última fase, Barthes manifestou um interesse crescente pelas culturas orientais. De fato, além de ter escrito um livro magnífico sobre o Japão (O império dos signos, 1970), em 1979 ele ministrou um curso sobre o haicai japonês (A preparação do romance 1), forma de anotação breve e concreta que via com admiração. Na época, respondendo a um entrevistador, Barthes dizia: “O que consigo perceber do pensamento oriental, por reflexos muito distantes, me permite respirar.” Porque o pensamento oriental, que ele não pretendia conhecer em profundidade, fornecia-lhe “fantasias pessoais de suavidade, repouso, paz, ausência de agressividade”. Este é o Barthes final, que continuava tendo como inimigos o senso comum (a doxa), a arrogância intelectual, o dogmatismo científico ou político e, como objetivos a alcançar, a “palavra calma”, a prática do Neutro (tema de outro curso) e o prazer do texto.

O “texto” deixara então de ser, para ele, apenas o texto de vanguarda, experimental e desestabilizador do sujeito, para englobar toda a grande literatura do passado, que ele amava com paixão, no próprio momento em que a sentia ameaçada de desaparecimento. A esse respeito, em uma de suas últimas aulas ele dizia: “A ameaça de definhamento ou de extinção que pode pesar sobre a literatura soa como um extermínio de espécie, uma forma de genocídio espiritual.” O mundo pós-moderno que começava a se evidenciar, mercantil e brutal, provocava nesse Barthes maduro uma tendência melancólica muito diversa do ânimo revolucionário de sua juventude. Em seus últimos cursos, ao mesmo tempo em que sua inteligência sempre aguda o encaminha a temas que se tornarão candentes nas décadas seguintes – como o “viver junto”, ou a (im)possibilidade do grande romance contemporâneo –, multiplicam-se as confidências pessoais relativas ao luto e à nostalgia de tempos mais propícios à cultura e à arte.

A teoria barthesiana é, portanto, uma teoria mutante, que evolui e se transforma ao longo dos anos. Por isso é impróprio chamar Barthes de crítico marxista sociológico ou de semiólogo, porque essas denominações corresponderiam apenas a determinadas fases de sua carreira. Embora sempre em transformação, o teórico Barthes conservou as lições das fases abandonadas. Mesmo sendo cada vez mais avesso ao dogmatismo marxista, a fundamentação principal de sua teoria será sempre ética e politicamente de esquerda. E, apesar de ter abandonado os esquemas rígidos do estruturalismo, suas análises aproveitarão sempre, numa primeira abordagem dos textos, os princípios ordenadores da análise estrutural. Presenças constantes em seus textos, dos primeiros até os últimos, são as palavras “história” e “crítica”, que ele tentará, incansavelmente, aliar às palavras “corpo”, “desejo” e “prazer”. Esta última palavra talvez explique a adesão de sucessivas gerações de leitores a seus textos, para além das modas teóricas e ideológicas. Porque o prazer do texto, em Barthes, nunca é mero diletantismo, mas a experiência cognitiva dos mais diversos objetos culturais, corporificada numa linguagem sensível, marcada pelo humor e pelo afeto.

*-Leyla Perrone-Moisés é professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, ensaísta e tradutora de várias obras de Barthes. Publicou, entre outros livros, Altas literaturas (Companhia das Letras, 1998) e Inútil poesia (Companhia das Letras, 2000).




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