Sexta, 21 de novembro de 2025

 

NESSA SEXTA

a cesta do João Paulo






JOÃO PAULO DA FONTOURA é de Taquari-RS. É escritor e historiador diletante, membro da ALIVAT – Academia Literária do Vale do Taquari, titular da cadeira nº 26.





Amyr Klink, o Homem e o Mar


"Quem tem um amigo, mesmo que seja um só, não importa onde se encontre, jamais sofrerá de solidão; poderá morrer de saudades, mas não estará só."


 Pensamento filosófico em relação à solidão dos duros 100 dias solos na travessia do Atlântico, o mare tenebrosum, transcrito da página 162 do livro Cem Dias Entre Céu e Mar.


Há alguns dias – mais precisamente no dia 10 de outubro –, recebi em meu Whatsapp um card avisando que neste dia o programa ‘5 a 7’ da rádio web Mais Brasil estaria entrevistando o navegador e aventureiro Amyr Klink, o cidadão brasileiro de Paraty que atingiu projeção mundial em 1984 quando do seu feito ousado, a travessia do Atlântico num pequeno barco com 6 metros de comprimento usando, como força motora, somente seus dois braços e remos.
Foram exatamente 3.780 milhas náuticas (aproximadamente sete mil quilômetros) navegados em 100 dias, mais seis horas, ufa!, um verdadeiro trabalho de Hércules.
Este feito o projetou de um quase anônimo morador da bucólica Paraty para uma super estrela mundial, ídolo inconteste de todos os brasileiros.
A mim, particularmente, vale muito mais, mas muito mais mesmo, do que títulos de campeão mundial de futebol, fórmula um, box, tênis, etc.
Fazer o que este doidivanas fez é literalmente experimentar o limite das forças física e mental de um ser humano.
Aí me pergunto, por quê?
Pergunto e  (penso) tenho a resposta: o ser humano, ao longo da história, sempre buscou experimentar o limite.
No início do século XV – em termos de navegação – na velha Europa dos precursores portugueses e espanhóis, o limite era o Bojador, o "Isto é claro – diziam os mareantes que depois deste cabo não há uma só gente nem povoação alguma (...) e as correntes são tamanhas, que navio que lá passe, jamais nunca poderá tornar". Assim o cronista português Gomes Eanes de Zurara descreveu a apreensão, o medo paúra que os marujos, no início da década de 1430, tinham ao se aproximarem dos limites meridionais do mundo de então, o temível cabo Bojador, um montulho de pedra e areia açoitado pelos ventos, no extremo oeste da África, na região hoje conhecida por Saara Ocidental.



Em 1434, o navegador Gil Eanes (com ordem expressa do infante Dom Henrique: vá e não retorne sem honra!)  superou-o, e ninguém morreu por maldades de demônios ou cozinhado em águas ardentes! 

Com relação a este tema: coragem, romper limites, Amyr Klink coloca na página de apresentação do seu famoso livro a também famosa estrofe do poema Mar Português, do genial Fernando Pessoa:

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus, ao mar o perigo e o abismo deu
Mas nele é que espelhou o céu.

No programa "5 a 7", Amyr é entrevistado pelos jornalistas Glauco Fonseca e Cláudio Spritzer, falando de seu escritório em São Paulo. A entrevista dura aproximadamente 90 minutos. Maravilha. O carinha navega com maestria nas turbulentas águas atlânticas, mas também nas prontas e afiadas respostas às perguntas e curiosidades dos âncoras.
Duas curiosidades sobre a entrevista relacionadas à nossa terrinha gaúcha:
1) Esteve em Porto Alegre nos anos 1980, mais precisamente na rua Vicente da Fontoura (ele memorizou), comprando um trailer modelo Itapuã do fabricante de nome Paulo Marshall, que vem a ser o pai do Roberto Marshall, o qual, bota casualidade, estava assistindo ao programa;



2) Também pelos anos 1980, esteve pelo interior do nosso estado, fazendo um "tour" de moto com amigos.

Assistam!  Vale a pena!

Abaixo vou falar algumas palavras do personagem desta cesta histórica  (pequena bio),  e, igualmente, do seu livro maior Cem Dias Entre Céu e Mar.

Biografia

O navegador, aventureiro, escritor, palestrante, e empreendedor Amyr Klink nasceu em São Paulo em 25 de setembro 1955 (portanto está com 70 anos) e quando da sua primeira e arriscada aventura, a travessia do oceano Atlântico, a remo, num acanhado barco de seis metros, da África até o Brasil, tinha apenas 29 anos.
Passou boa parte da sua infância e juventude entre as cidades de Paraty e São Paulo.
Aos 10 anos, comprou seu primeiro barco, feito pelo maior mestre canoeiro, o Mané Santos.
Era um estranho ao ninho entre seus amigos, pois nunca, por exemplo, curtiu futebol. Sua praia eram barcos e itens relacionados ao mar. Seus heróis eram os antigos navegadores, descobridores de continentes, rotas marítimas, povos, riquezas. Sobre aventureiros – James Cook, Marco Polo e tantos outros -  chegou a reunir em sua biblioteca mais de 200 livros!


Casado com a fotógrafa Marina Bandeira Klink, o casal tem três filhas, as gêmeas Tamara e  Laura, e a caçula Marina Helena.
Filho de pai libanês e mãe sueca, ele, Jamil Klink, ela, Asa Elizabeth Freiberg Klink.
Seu pai já tinha uma irmã morando no Brasil. Ele veio durante a guerra, apaixonou-se  pelo país, e decidiu aqui permanecer. 
Ele era um visionário que tinha muitos negócios diferentes,  um investidor meio playboy que falava muitos idiomas, oito, extremamente culto, pouco empreendedor, mas ele tinha uma visão de mundo muito audaciosa.

Amyr com o irmão e o pai

Sua família no Líbano era de posses, mas ele, muito jovem, foi para a Pérsia e lá se fez sozinho.
Mesmo que – em tom de brincadeira – na entrevista ao programa ‘5 a 7’ ele tenha dito que seu pai não era o que classicamente chamamos de ‘empreendedor’, de uma forma ou de outra ele foi vencedor, pois acaba sendo proprietários de ilhas , praias e fazendas em Paraty.

Vou brincar um pouco: um pai com nome ‘Já mil’, jamais poderia ser um perdedor!
Sua mãe, a sueca Asa Elizabeth, era uma moça muito evoluída para a época. Veio pro Brasil e acabou montando uma agência de publicidade. Era uma artista plena, e que desenhava – palavras do filho Amyr – muito bem. Era mais tranquila, pragmática, que o pai.

Amyr e a mãe

Voltando ao pai, houve uma altercação pai-filho que quase acaba a carreira do futuro navegador. Uns dois anos antes da travessia pioneira, Amyr reage ao império do pai socando uma porta de vidro que quebrou e funcionou como uma guilhotina cortando-lhe o braço e deixando a mão pendurada por alguns poucos tendões.
Como o pai desmaiou, foi salvo por um advogado da região. Depois da rápida atuação de médicos locais, foi levado por esse advogado, de automóvel, a São Paulo para costurar  e revascular a mão, numa complexa microcirurgia.
Graças a Deus (e a Netuno), sua mão foi salva.

Amyr é autor de vários livros sobre suas viagens.
Seu primeiro – o best-seller CEM DIAS ENTRE CÉU E MAR – foi editado um ano após seu singular feito, pela Editora Círculo do Livro – em 1985. A este seguiram-se outros seis.
Ministra palestras sobre planejamento e gerenciamento de risco.  Além disso, é sócio de empresas de planejamento e pesquisa e administra suas marinas em Paraty.
É formado em economia pela Universidade de São (USP), e pós-graduado em Administração de Empresas pelo Mackenzie – Universidade Presbiteriana.
Em 1990, passou 13 meses no continente antártico, durante os quais ficou sete  preso no gelo da baía de Dorian.
Em 1998, liderou o projeto ‘Antártica 360 Graus’, realizando a circunavegação polar em uma rota complicada de longos 88 dias.

 CEM DIAS ENTRE CÉU E MAR


Eu já havia lido este livro quando do lançamento.
Para escrever este ensaio sobre o personagem e sua obra literária maior, precisava relê-lo.
Então, procuro na minha pequena biblioteca e não o localizo (devo tê-lo emprestado whithout return). Acabei pegando outro exemplar com um amigo, o Leandro Teixeira Kern, o querido ‘Mala’.
É tão legal que o matei em três dias.
Como é menos um livro autoral, e mais um livro documental, uma espécie de relato jornalístico (mas, magnificamente bem feito e bem escrito!), não há muito o que se comentar na questão literária, estilística.



Eu – como já dito - gostei muito, pois a mim parecia a todo o momento que ele (o Amyr) estava papeando comigo. Fluiu leve como uma pena ao vento!
O livro inicia no capítulo 1 com os trâmites burocráticos para a liberação da saída do barco e do navegante do Porto de Lüderitz, na Namíbia – antiga África do Sudoeste. Finalmente, às seis horas do dia 10 de junho de 1984, uma gelada manhã de domingo, o oficial de Imigração libera a saída.
(Aqui abro um parêntese para falar de algo absolutamente singular, fora da lógica, citado pelo autor, uma sequência de coincidências incríveis, tipo o ‘dedo divino interferindo pras coisas darem certo’. Vou citar só uma, mas são várias:  O Amyr tinha pesquisado, estudado, procurado o melhor ponto para a saída, e tinha chegado a um local com o estranho nome ‘Lüderitz’, na Namíbia.
A procura por informações dava em nada!
Essa questão super importante, da escolha do porto de saída, estava relacionada a um local – raro – onde ventos e correntes se afastam da costa, e também, depois dessa fuga, a existência de correntes marítimas favoráveis e dos ventos (alísios) que conduzem os barcos até à costa do nordeste brasileiro.
Quando Amyr, dando uma pausa a essa busca, tenta obter informações em classificados de jornal sobre equipamentos e técnicas de radioamador, ele encontra um rapaz muito atencioso, daqueles viciados em antenas, bobinas, condensadores, etc. que se dispõe a ajudá-lo pessoalmente, ao vivo.
No correr da conversa, ele explica ao rapaz o seu projeto, e fala que pretende partir de um local na Namíbia de nome Lüderitz: o rapaz estanca, reage, o quê?, Lüderitz é o meu sobrenome!
Mas calmo, detalha, meu nome completo é Henrique Lüderitz, e sou descendente direto desse Adolf Lüderitz, o fundador do porto e da cidade...)
A viagem toda foi (ao menos é o que deduzo pela leitura do livro) relativamente tranquila.
Só no início, ainda bem próximo à costa africana, em um forte temporal, Amyr teve seu barco ‘capotado’ (o termo é dele).
Eu lendo, fiquei mal, pois acho que realmente foi algo muito perigoso. Mas, como estava muito preparado, nosso navegante saiu do problema e seguiu adiante.
Ele nunca demonstra angústia, desespero, alteração, nem mesmo no tranco inicial, até mesmo porque, ele e seu barco estavam adredes preparados para a viagem.
Foi coisa de alguém extremamente profissional, muito preparado para o mister a que, por gosto, impunha-se.
Alimentação desidratada e separada dia por dia, estoque de água, sistema de geoposicionamento (medidores de latitude e longitude), mapas das correntes, rádios para comunicação com a base e com os navios circundantes. Tinha, até mesmo, rádio para ouvir estações do Brasil, entre elas a Gaúcha de Porto Alegre e os horóscopos da mística Zora Yonara.

=

A viagem acaba, depois de longos 100 dias, justo às 13h30m do dia 18 de setembro, no litoral de São Salvador, Bahia, numa enseada defronte ao ‘Buteco do Doró’, que lhe recebe perguntado, ‘como foi a pescaria, moço?’
Finalizando, na entrevista ao 5 a 7, e mesmo no livro, o Amyr tenta explicar as questões das correntes e as rotas de navegações.
No mar, o caminho mais curto entre dois pontos é aquele que observa as correntes marinhas. Como não ficou claro, e eu curto muito esses assuntos científicos, vou explicar, ou tentar.
Existe na natureza um fenômeno da física chamado efeito Coriolis.
O que é exatamente?
 
É um fenômeno que causa o desvio aparente na trajetória de objetos em movimento (como massas de ar, água e projéteis) em relação à superfície da Terra, e é devido à "rotação do planeta". 
A causa fundamental desse efeito é a diferença na velocidade de rotação da Terra em diferentes latitudes.
Aqui no hemisfério sul, em nossas casas, quando esgotamos a água de uma pia, no final nota-se que, em fuga pelo ralo, ela gira no sentido horário.
No Hemisfério Norte, é ao contrário.

That’s All, Folks!


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