Sexta, 12 de setembro de 2014


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ponto do dia - especial




GRANDES VIAGENS



O início
Viajei muito nesta vida. Muito.
Consta que uma das minhas primeiras palavras racionais – fora aquelas mã-mã-mã, pá-pá-pá – foram ditas num Costellation da Pluna – Primeras Líneas Uruguayas de Navegación Aérea. Balbuciei “papas fritas”. Me encheram o saco com isso muitos anos, mesmo sendo um bebê mais para raquítico.
Mais crescido lembro que vínhamos do Rio para Porto Alegre no mesmo tipo de avião, só que da Varig. Gostava daquela função de fazer mala, aeroporto, vomitar no saquinho, aquele que fica nas costas do banco da frente, tudo. Uma vez fui a Belo Horizonte de trem. Também gostei, porque fui com a minha mãe em uma cabine e só acordei quando chegamos à estação. Também, não tinha o saquinho.
No início dos anos 60, inventaram um inferno para mim. As longuíssimas viagens de ônibus, do Rio para Porto Alegre. Lembro da primeira, pela única empresa que a oferecia, a Penha. Não tínhamos ainda entrado na Dutra e eu já estava enjoado. Senti o que seria a empreitada. Era tão pequeno, que à noite minha mãe fez uma cama, com muitos cobertores, na frente do nosso banco e ela se acomodou na parte de cima. Mesmo criança não conseguia dormir, porque a BR-116 estava ainda sendo concluída e eram muitos os trechos completamente esburacados e mesmo sem uma estrada, de fato.
As viagens de ônibus eram uma constante nas férias. Eu não tinha opção. Uma exceção foi um voo onde estavam também o meu pai e meu irmão e viemos para Porto Alegre com um Electra da Varig. Mas de POA a Caxias do Sul? Ônibus. POA a Jaguarão? Ônibus.
Já tinha feito vestibular e encarava o Penha. De Porto Alegre para São Paulo tinha o Minuano, horrível também.
Algumas vezes vínhamos do Rio para o Sul de carro, apelidado por nós de “Diligência”, um Oldsmobile 1957. Enorme, vidros elétricos, hidramático, uma beleza de carro. Eu vinha deitado no colo da minha vó. Só tinha um problema: como era um carro para americano, foi feito para estradas decentes. De Porto Alegre a Jaguarão a estrada inexistia. E entrava pó por todos os lados – tanto que se decidiu viajar de vidro aberto.
Imaginem.
Era um inferno mas era divertido.
Assim conhecemos uma grande parte do país, fora idas a Montevidéu e mesmo à Argentina, de Diligência.
Detalhe: não me lembro do meu pai sentado num ônibus da Penha ou da Minuano. O velho não era bobo e tinha mais o que fazer.


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Aventuras “dimaior”
Quando criança e adolescente conheci boa parte do Brasil e todo o Uruguai. Minha mãe era uruguaia e se orgulhava muito de sua terra. Vários verões passamos em Punta del Este. Lá vi grandes filmes, além de argentinas muito bonitas. Teorema, de Pasolini, Candy, não lembro de quem, Isadora Duncan, a bailarina que morreu porque sua echarpe enrolou-se na roda de uma Bugatti, são las películas que mais me marcaram.
Depois dos 18 comecei a me aventurar, mas optava sempre em embarcar num Penha e encarar 26 horas até o Rio. Ficava na casa de parentes, no início. Nas férias seguintes decidi procurar um lugar para ficar três meses em Copacabana. Me indicaram uma pensão metida a besta, no Posto 4. A dona me disse de saída que ali era a cobertura do embaixador de Cuba no Brasil, e que ele havia fugido quando da revolução do comandante Fidel.
Era um apartamento muito grande, enorme, com vários quartos – homens de um lado e mulheres do outro, não havia como se encontrar. Tudo muito arrumado, limpo, mas um calor insuportável. Passava as noites na esbórnia, porque o dinheiro era farto – ao ponto de abrir uma conta no Banco Nacional. Cheques e mais cheques.
Dormia até o meio da tarde e aí me preparava para definir o que faria a noite, depois de jantar. Uma rotina “sufocante” que durou até março, quando tive que retornar à base porto-alegrense para cursar o terceiro ano do científico, hoje segundo grau – já tem outro nome, não?
Como só tinha malandro na tal pensão, e eu mal sabia o que era malandragem, na véspera do carnaval me dei mal. Tinha retirado uma grana para as sacanagens de Momo e a colocado embaixo da pilha de cuecas. Chegando no quarto, à noite, fui pegar uma parte para sair e... tinha sumido tudo, só restando um saco plástico de moedas.
Dei um esporro na dona, em todo mundo que aparecia, chamei todos de ladrões, mas não adiantou. No dia seguinte fui obrigado a dar um telefonema para a coitada da minha mãe, que providenciou novamente um sorriso na minha vida.
Aprendi uma importante lição de viagem: não se deixa dinheiro longe do nosso corpo. Não se pode confiar em ninguém. Jamais.


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Uma alergia portenha
No verão de 1975, o peso argentino não valia nada em relação ao cruzeiro. Me disseram que tudo estava baratíssimo. Como já era um homenzinho, com 20 anos, consegui uma grana com minha mãe e me fui. Na Varig comprei ida e volta, no carnê.
Como era muito esperto e malandro não reservei hotel. Ao passar pela alfândega fui para a fila do táxi. Me dei conta da fria quando o motorista me pergunta “la direcion”. Pensei rápido e não me veio nada além de um “centro de la ciudad”. Já era noite.
Quando o movimento começou a aumentar, mandei o cara parar na primeira grande avenida, bem iluminada. Avenida de Mayo. De mala na mão fui entrando em todos os hotéis e nada de apartamento. Até que vi no outro lado da rua o Gran Hotel Vedra. Hoje uma diária lá passa dos 100 dólares, mas na época era uma barbada. Muito barato.
Me instalei e saí para comer e beber alguma coisa. Pude constatar que os dias que ficaria lá seriam muito legais, porque o meu jantar, regado a um bom vinho, foi praticamente de graça, comparando com os preços de Porto Alegre. Quando fui dormir me dei conta que o quarto não tinha ar-condicionado e tampouco um simples ventilador. E estava um calor terrível.
Como em todas as minhas viagens tem sempre um drama, estava com uma alergia, até então sem saber a razão, que fazia me coçar o corpo todo. Irritante, mesmo. De noite, quando estava pronto para o sono, a desgraça começava. Tentava amenizar, tomando um banho e me tapando de talco. Melhorava até o meio da madrugada e aí a coceira me infernizava até o clarear, quando voltava a dormir.
Durante o dia a coceira dava uma trégua. Passava os dias nas lojas e livrarias. Comprei tudo que via, ao melhor estilo “dame dos”. Até casaco de couro, o que era moda na época. À noite, depois do banho e de me tapar de talco descia para o saguão, mandava um aperitivo e conferia o movimento de las muchachas. Fui a todos os shows de tango e inclusive encarei a uma “excursão” a La Boca. No restaurante, aquela alegria forçada e a música mais tocada foi Cidade Maravilhosa. Um horror inesquecível.
No hotel conheci três peruanas. Claro, com aquelas caras de índias, mas eram agradáveis e uma, em particular, queria jogo comigo. Numa noite me convidou para ver “Inferno na Torre”, um filme-tragédia muito chato, que já tinha visto. Encarei, e valeu a pena o carinho da peruana. Nos dias seguintes, ela sempre me acordou. Bom, muito bom.
Fiquei uns dez dias por lá até que me enchi, inclusive da peruana. Marquei a passagem, no dia da viagem a companheira latino-americano se debulhou em lágrimas e entrei no táxi. Tudo perfeito, exceção para a minha alergia, que continuava me infernizando.
Saímos de Ezeisa no final da tarde e chovia bastante. O temporal persistiu até Porto Alegre e as aeromoças não se levantaram das poltronas. Aliás, ninguém podia se levantar, nem para ir ao banheiro. Sacudiu muito o avião.
Foi o primeiro grande cagaço aéreo. Pelo menos que me lembre.


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Montevidéu de índio
1990. Faceiro da vida, curtia os dois filhos. O Guilherme, mais velho, beirava os cinco anos e já estava numa escolinha; o Gustavo ainda ensaiava os primeiros passos e sugava o leite que podia da mãe. Tínhamos um Fusca 76 que resistia bravamente. O máximo que me aventurava com o possante era percorrer direto 25 quilômetros, de casa até a Branquinha, em Viamão, onde brincamos até hoje de sitiantes.
Num sábado, depois de lavar o poderoso, sentei-me numa cadeira de balanço e comecei a imaginar uma viagem. Nós quatro e o Fusca. A primeira cidade de que me lembrei foi Montevidéu. Velha paixão. Não dormi direito, porque pensava em como iria convencer a patroa a encarar a empreitada. Além disso, na Branquinha, área rural, os cachorros e galos me dão a certeza de que não dormem.
No domingo fiquei namorando o Fusca, medindo os espaços, conferindo os pneus, essas coisas. Chamei um cunhado, que sabe tudo de mecânica, e ele, sem saber do que se tratava, deu o empurrão final: “Bah, esse teu Fusca dá a volta no mundo!”.
Passei toda a semana angustiado, sem coragem de falar sobre o assunto em casa.
No final da semana seguinte, com o planejamento da viagem definido, pedi que me escutassem até o final. Mostrei como iríamos, os gastos, tudo. No Fusca caberiam até o carrinho do Gustavo e um isopor com refrigerantes, iogurtes e sanduíches.
Não acreditei quando recebi o sinal verde para tocar o projeto.
Na semana seguinte havia um feriadão. Era a única chance.
Deixamos tudo pronto na noite anterior à partida. Aquela quinta-feira estava imperfeita. Oito horas da manhã e chovia muito. Tinha deixado o Fusca na rua e ao abri-lo uma triste cena: havia quase um palmo de água no assoalho. Tirei o excesso com as mãos e coloquei muito jornal. Arrumei as bagagens como tinha planejado, chamei o pessoal e finalmente partimos. Só não tínhamos cumprido o horário de partida.
Mal saímos da nossa rua e o Gustavo já tinha começado a sugar a pobre mãe. O Guilherme dormia no banco de trás. Eu, firme no volante, conduzia o bravo, limpando o vidro que insistia em embaciar.
Chuva, chuva, chuva e mais chuva até poucos quilômetros antes de Pelotas. Sem trégua.
Quando entramos na estrada do Chuí o dia tornou-se lindo. Parei num posto para dar uma esfriada no motor. Um cara, num outro Fusca, mais novo, veio conversar. Perguntou para onde ia. “Te cuida, lá adiante tem um posto da polícia rodoviária que enchem o saco. Se um pisca não funciona não deixam passar”, me orientou o viajante.
Ainda bem que num dia antes da viagem, dois cunhados, provavelmente com pena dos aventureiros, deram uma geral no possante e trocaram até lâmpadas. Tudo funcionava.
Tiro e queda.
Ao me aproximar do posto rodoviário, um guardinha fez sinal para parar. Tinha um sorriso no canto da boca, como que pensando: peguei o otário. Depois de conferir os documentos, fiz todos os testes que me mandava fazer. Foi perdendo o sorrisinho aos poucos, até que ao ligar o carro lasquei com um sorriso no canto da boca: “Tá bom esse Fusca, hein?”.
“Vai, vai. Boa viagem”, disse o desmoralizado.
A estrada que vai ao Chuí é chatíssima, infindável e, pior ainda, não tem postos de gasolina. E eu não havia colocado combustível em Pelotas. E o ponteiro baixava. Reduzi a velocidade e fomos apreciando a paisagem. De tão devagar, comemos sanduíches e tomamos Coca, geladíssima, do meu isopor. Quando já estava na reserva, avistamos um posto de gasolina. Foi o nosso primeiro piquenique. Os garotos adoraram a improvisação.
O guardinha da polícia rodoviária encheu mais o nosso saco do que os uruguaios na fronteira. Sem problemas. Passamos pelo segundo posto da fronteira e, mais ou menos dez quilômetros depois, paramos para o segundo piquenique. Festa total, sentados no asfalto e o Gustavo engatinhando, se sujando de iogurte. Uma farofada muito legal.
Estrada e estrada, com asfalto perfeito, mas sem nenhum movimento. Monótono, mas estávamos em território uruguaio. Uau!! Com o Fusca!!
O Gustavo não parava de mamar e já era noite. Tivemos a ideia de parar num posto e comprar uma mamadeira de leite para saciar o moleque.
Bem, o leite era aquele de máquina, sabe? Ele não tinha ainda tomado e gostou. Comprei outra, de reserva. Largou o peito da mãe e brincava que saciava a fome com o leite da mamadeira.
Aí começou um pesadelo.
Errei a estrada. Peguei uma que estava em construção, sem asfalto. Teimoso, fui indo. E não se via nada, nem uma luzinha, nada. Como viu que estávamos apavorados, o Guilherme, que estava numa escolinha de umas freiras, começou a cantar. “Maria de Nazaré / Maria me cativou / Tornou mais forte a minha fé/ Por filho me adotou!!”. Depois: “Às vezes eu paro e fico a rezar / E sem perceber começo a cantar / Oh! Virgem de Nazaré!!”.
Repetiu tantas vezes e o pavor era tanto que não cantávamos. Gritávamos. Decorei a música na marra.
Depois de uma curva, na nossa frente, um caminhão. Emparelhei com o bruto e comecei a buzinar, sem parar, até que fechei a sua frente. O cara parou e deveria estar mais assustado do que eu. Estava mais do que completamente errado, mas tinha uma solução. E o motorista me ensinou.
Demorou mais uns 40 minutos e chegamos ao asfalto.
Mais um tanto e chegamos à Grande Montevidéu. Olhei a hora e já eram 9 e meia da noite. A nossa reserva expirava as 10. Comecei a imaginar a cena: “José Prévidi? No hay mas reserva”.
Decidi: se isso acontecesse iria me dar um ataque de fúria e começaria a quebrar a recepção do Gran Hotel America. Estava pensando essas bobagens, além de continuar a cantoria, quando já estávamos no subúrbio da capital, e o trânsito já era intenso.
Na nossa frente um trólebus.
O Gustavo agarrado na mamadeira e o Guilherme de olhos bem abertos conferindo tudo. Não faltava mais nada: os dois cabos aéreos se soltaram dos fios e começa uma faisqueira danada, inclusive labaredas.
O Gui se apavorou: “Já conheço Montevidéu. Agora vamos voltar!”. Dei um gentil esporro nele e o guri voltou à cantoria da Nossa Senhora.
Sabia onde era o America e chegamos na frente exatamente às 10 e 35.
Desci do possante, todo dolorido, mas muito macho. Pronto para quebrar tudo.
“José Prévidi? Si, como no? Don José, onde están los chicos?”
Nos instalamos no apartamento e os camareiros não entenderam o isopor, que eu mesmo fiz questão de transportar. Demos uma ajeitada nas coisas e saímos para jantar. O Gustavo no meu colo – o carrinho ainda estava no Fusca.
No primeiro restaurante, com mesas na rua, nos instalamos. Pedimos os pratos e uma Norteña. Estava dando os primeiros goles quando o Gu, sentado no meu colo, começa a fazer uma disfarçada força. Estava com o rosto vermelho. Dei uma olhada e um líquido marrom quase transbordava da fralda descartável. O cheiro, acreditem, era similar ao leite da máquina, que tínhamos comprado na estrada.
Imaginem o que foram os outros dias.
Uma viagem inesquecível.


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Nova York, lá vou eu!
Quando faltavam alguns meses para completar 40 anos resolvi me dar um presente. Daquelas fissuras que não têm grandes explicações. Mas desde adolescente queria conhecer Nova York. Mais tarde o Frank Sinatra deu o impulso que faltava.
Fui em busca do visto e em Porto Alegre ainda tinha o Consulado. Barbada, sem problemas, até porque tinha feito uma entrevista com o cônsul e ele tinha gostado da publicação. Passo seguinte: a loja da Varig. Em 10 vezes, saí faceiro com o carnê.
Aí me lembrei que o meu inglês era – e é – terrível.
Tenho um amigo, o Marco Poli, que morou por lá alguns anos. Me conseguiu a solução, simples até. Fez um “guia de viagem para Nova York”, com todas as informações básicas, como mexer com dinheiro, pedir uma pizza, um sanduíche, na recepção de um hotel ou num restaurante, essas coisas. Inclusive com a pronúncia.
Com dois outros amigos, consegui a orientação de um hotel legal para ficar. Como ia fora de temporada, não precisava fazer reserva. Ficava na frente do The New York Times. Uau!
Tudo se encaminhava. Os meus filhos faziam a relação do que queriam que comprasse, principalmente fitas de games. O gerente do banco pediu bolinhas de tênis. Um outro pediu um celular, recém-chegado ao RS. Eu não queria nada, só caminhar e caminhar por Manhattan. Nada além disso.
No dia do meu aniversário havia na cidade um show do Roberto Carlos. Levei a patroa e na volta comemos pizzas com as crianças e um pessoal que estava lá em casa.
A mala já estava arrumada e no dia seguinte fui no início da tarde para São Paulo para embarcar de noite para a fissura de anos.
A espera em Cumbica era angustiante, mas aproveitei para decorar o “guia de viagem para Nova York”. Tomei uns uísques e muito nervoso fui para a fila de embarque. No avião, tinha uma senhora sentada ao meu lado mas não consegui conversar – depois do jantar desmaiei.
Acordei com as luzes acesas e os sacanas estavam tocando New York, New York, com o próprio Sinatra. Os comissários naquela luta contra o tempo servindo o café da manhã e eu tentando ver a chegada na cidade.
Que café, que nada!
Desci, entrei na fila da imigração e um típico americano começa as perguntas. Mas é um sujeito cordato, nada de muitos detalhes. Não durou mais do que 10 minutos, carimbou o passaporte e fui saindo.
Eufórico, quando me dei conta estava fora do aeroporto. E só eu tinha saído por aquele portão. Pouco depois das sete horas e o dia estava muito bonito. Era um domingo.
Nada de táxi, de ônibus, nada, só carros estacionados.
Aí vem um baita de um cara, quase dois metros, de terno preto e me aponta uma limusine preta.
- How? – caprichei.
Cem dólares, me responde o sujeito.
- No, no!
Virei as costas e ele veio atrás. Fui por 60 dólares.
Só aquele passeio de limusine valeu a viagem. E ele falando o tempo todo, me mostrando, apontando.
Quando paramos numa sinaleira ele me pediu o endereço.
Claro, dei um papelzinho com o endereço do Hotel America.
Ele me olhou com uma cara muito estranha.
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Chegamos na rua 43 e fiquei impressionado com o prédio do The New York Times. Dei os 60 dólares para o gringo imenso da limusine e não tirava os olhos do edifício. Ao lado um misto de mercearia e bar, onde, tinham me dito, o pessoal da redação passava o tempo, comendo pizza. Aí me liguei em olhar o Hotel. Alto, e lá em cima o nome escrito em letras garrafais. A tinta estava gasta. Entrei.
Na portaria só orientais. E no saguão só negros. Eu era o único branco.
Dei o cartão de crédito e o china me deu uma chave. Entrei no elevador e uma baixinha negra entrou junto. A porta era daquelas que a gente mesmo tem que fechar. Ela me pergunta se vinha de New Jersey. Respondi um “no” para cortar o papo.
O quarto era precário, mas tinha uma TV a cabo e conferi se o chuveiro era bom. Os lençóis estavam limpos e tentei dormir. Os olhos não fechavam e resolvi sair. No saguão tinha ainda mais negros.
Passei por uma passeata de judeus, tinha até bandas, fantasias. Caminhei muito até chegar em uma rua com mais de 10 quadras de barracas de tudo que é tipo. Em alguns trechos, tonéis com refrigerantes que desconhecia. Parei e vi que as pessoas pegavam. Peguei uma latinha e era horrível. Até a pregação de pastores assisti. Não sei do que se tratava, mas me diverti com aquilo.
Lá pelas duas da tarde sentei num modesto restaurante e o garçom veio com o cardápio. As pessoas comiam sanduíches de uma maneira desesperada. Não entendi absolutamente nada do que ofereciam. Escolhi um que dava sinal de não ser de galinha nem de peixe. Não demorou muito e veio um monstro com uma Coca. Rapaz, era imenso! Não comeria nem a metade, pensei. E não comi. Quando veio pegar o meu prato o garçom rosnou alguma coisa – achei que deveria ter perguntado se não gostei. Mostrei o polegar para cima, com um ok.
Caminhei, caminhei, caminhei. Fui ao Central Park e identifiquei o edifício de John Lennon. Queria chegar em Times Square à noite. Sei lá onde estava, quando ameaçava escurecer. Com o mapa na mão, dei meia-volta em direção ao principal ponto de Manhattan. Claro que parava em cada quadra para conferir a altura e a arquitetura dos edifícios. Passei por vários cantores de rua que se apresentariam com sucesso em qualquer programa de TV do Brasil. Fiquei mais de meia hora ouvindo um negro velho, de barba e boina, cantando blues. Coloquei dez dólares em sua caixa e ele nem me olhou. É, realmente, ele me fez um favor.
Não dá para descrever o que é Time Square e muito menos o que se sente ao chegar lá, no miolo. Tem de tudo que se possa imaginar. Até uns caras, de gravata borboleta, recolhendo pequenos papéis e baganas do chão. Te oferecem de tudo, em todas as línguas. Quando leio que em São Paulo e em outras cidades tiraram as propagandas de rua me lembro de lá. É outro mundo, mesmo. Gente de tudo que é mundo, orientais lindíssimas.
Tinha caminhado muito, estava cansado. Não demorou muito vi um bar todo envidraçado, com uns banquinhos no balcão. Bem ali, naquele baita movimento. Entrei. O preço? Seja o que Deus quiser.
Pedi um uísque mas nem tomava direito, querendo ver aquela gente que passava. Não parava de passar, como na saída de um jogo de futebol.
Lá pelas tantas vi um cara alto com uma senhora bem robusta. Me deu a impressão que os conhecia. Não podia ser.
Antes de ir para o hotel entrei no bar ao lado do jornal. Era pouco antes da meia-noite e estava cheio. Comi dois pedaços de pizza, tomei uma Bud e comprei um maço de cigarros. Na entrada do hotel, uma surpresa. Dois travecos, um em cada lado da porta principal. Mal dava para passar. No lado direito, já dentro do estabelecimento, tinha uma boate e pelo que pude ver a coisa lá dentro era pesada. Pedi a chave e subi.
Deitei e em poucos minutos lá estava dormindo, mesmo com a TV ligada.
Acordei com alguém esmurrando a porta. O sujeito batia desesperado e ouvia: “Man!! Man!!”. Tinha que abrir, o cara não iria parar. Apesar de a porta ser frágil ele não conseguiu botar abaixo. A minha segurança era aquela corrente que permite abrir um pequeno vão. Abri.
“Sorry, man! Sorry, man!”, disse um negro, com cara de filme do Eddie Murphy. De bandido, claro.
Não consegui dormir tão rápido, porque não paravam de bater portas, gritaria, conversas altas, correria, um inferno. Mas dormi. Não demorou muito e esmurraram a porta de novo. Era outro negro. E também me pediu desculpas.
Rapaz, onde eu estava metido?
Fiquei ali, olhando a TV e esperando o dia clarear. Para tomar um banho e me mandar. Aquilo ali não ia dar certo. Estava no meio da confusão. Uma Nova York que o prefeito Rudolph Giuliani não tinha conseguido arrumar.
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Banho tomado, coloquei a roupa e saí, com a chave do quarto no bolso, porque não ia dá-la para aqueles chineses da portaria. Era menos de oito da manhã de segunda, e a recepção estava lotada. Como disse, parecia filme do Eddie Murphy. Raríssimos brancos. A boate ainda estava com um rock a mil.
O dia estava belíssimo e me senti bem de novo na rua. Dobro à esquerda na Quinta Avenida e pá!, não acreditei:
- Prévidi!!
Meu Deus, era o Edison Vara, repórter-fotográfico de Porto Alegre. Foi exatamente o cara que tinha visto na noite anterior com a senhora robusta.
Expliquei meio atrapalhado como tinha sido a noite anterior.
- Mas, rapaz, vai lá pro hotel em que estamos. É na rua 46, o Kingston (ou algo parecido).  Pega as tuas coisas e vai já!
Voltei pro América, peguei minha mala e paguei os chinas. O cara resmungou alguma coisa, e me mandei.
Uau!!, estava instalado num belo apartamento, uma cama king, banheiro que tive que estudar para ligar as torneiras e até um closet. Liguei a TV e trocentos canais. Claro que não conseguiria dormir.
Saí novamente feliz e entre o dinheiro ao vivo que tinha, uma nota de cem dólares que a cadela lá de casa tinha transformado em seis pequenos pedaços. Tinha que trocar aquilo.
Vi um ônibus desses de turismo, com dois andares. Estava parado e ao lado um sujeito com cara de mexicano, como um fiscal/cobrador. Resolvi testá-lo com um “olá” e ele respondeu. Aí comecei a perguntar como funcionava, por onde passava. Era bem legal, durante dois dias podia andar no bruto e descer onde quisesse. Era tudo que queria. Aí entrei no assunto da nota rasgada. Trocou no ato, descontando a passagem.
Fui pra parte de cima, rindo sozinho, feliz.
Descia numa parada e subia no ônibus que vinha uns 15 minutos atrás. Até que decidi entrar num ícone, a maior loja do mundo, o Macy’s. Como não ir lá? Por exemplo, vi a primeira TV “grande” da minha vida, com som estéreo. Impressionante. A gente subia a escada rolante e ela começava a aparecer. Meu Deus! E era um Guerra nas Estrelas que passava.
Como não ia sair do Macy’s sem comprar nada, comprei um casaco, tipo para chuva. Na saída, depois de caminhar um pouco, um monstro na minha frente: o Empire State Building. Ia lá, claro.
Mais de 100 andares em poucos minutos ao custo de uma mixaria.
Lá no topo aquelas maquininhas, tipo binóculo, que se coloca uma moeda e a visão é muito legal. Quer dizer, deveria ser muito legal, porque cada vez que eu me concentrava, o tempo estourava. Dei uma olhada geral, e me mandei.
Aí tive que comer alguma coisa. Consultei o meu dicionário turístico, feito pelo Marco Poli, e estava lá: Comida Italiana – acha um Sbarro.
Saí a procurar e não andei muitas quadras e lá estava um. Dei uma olhada e pedi pro sujeito me servir macarrão e almôndegas. Perfeito.
Tudo se encaminhava para dias inesquecíveis.
Saí caminhando, sem destino, como diria Peter Fonda.
Cansado, peguei o meu ônibus. Iria no Pier 17. Mas, não, resolvi voltar para o Central Park. Caminhei mais e o dia lindo. Calor.
Jantei no mesmo lugar do primeiro dia, onde tinha um garçom gay, bailarino. Comi um omelete com batatas fritas.
Sou muito simples pra comer, não?
No outro dia, cedo, fui às compras. Achei numa loja um balconista que era suíço e arranhava um espanhol e italiano. Nos entendemos. Tinha tudo que queria lá e comprei as coisas das crianças e as bolinhas de tênis do gerente do banco.
Larguei as compras no hotel e fui pegar o meu ônibus para o Pier 17.
Ah, para não esquecer: sempre que ia pagar alguma coisa com o cartão, o vendedor tinha que digitar o número do cartão. E aí dava certo. Estranho.
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Desci do ônibus na região do Pier 17. Antes, dei uma boa banda pelas ruas próximas. Naquelas próximas a Wall Street estranhei as pessoas fumando dentro de círculos na frente dos edifícios. Hoje, não me espantaria, porque é uma prática normal em todo o mundo. Parei para tomar uma cerveja e acompanhei por mais de uma hora dois caras que se faziam de sombras dos que caminhavam. Não tinha visto nada parecido como a dupla.
Quando entrei no Píer vi um caixa eletrônico. Coloquei o meu cartão e mais uma vez foi recusado. Por estar com a carteira minguando, fiquei preocupado, dei uma volta e peguei o ônibus para o Hotel. Antes, duas orientais lindas me achacaram cinco dólares para ajudar os povos de algum lugar que não me lembro.
Na Quinta Avenida, antes de chegar ao hotel, arrisquei de novo em um outro caixa, daqueles que não têm cabine, é na rua mesmo. Umas cinco pessoas na minha frente. Sem muita espera, já era o segundo. Estava na máquina um cara de terno, pasta, meio cabeludo, e demonstrava estar ansioso. Saiu rápido da frente do caixa e disparou pela calçada.
Quando cheguei na frente da dita, vi que tinha umas mensagens que não entendi. E fui apertando o “yes” sempre que aparecia. Aí mostrou algumas opções de retirada. Supus. Apertei na de 100 dólares. Sei lá a razão.
Alguns segundos e saiu a nota. Não entendi, porque o meu cartão estava na minha mão esquerda. Saí pela calçada.
“Man, man, man!!”, gritava um cara insistente. Olhei para trás e um negrão, com o braço levantado, mostrava um cartão. Voltei, agradeci e peguei o cartão. Claro, era do cara que estava na minha frente!
Fui na direção por onde ele tinha ido. Numa mão o meu cartão com a nota de 100 dólares e na outra o cartão do sujeito. Não caminhei muito e ele vinha em disparada no sentido contrário. Parei o distraído e mostrei o cartão. Ele abriu um sorriso, pegou o cartão, falou uns cinco “tanks”, deu umas batidinhas no meu ombro e saiu novamente em disparada.
E eu com os 100 dólares na mão esquerda. Não tive tempo de falar nada, porque ele não deixou. Paciência. Guardei a preciosidade na carteira e fui pro hotel. Direto.
Peguei o grosso guia de telefones de Nova York e acreditava que seria uma barbada achar a agência do Banco Nacional – ele mesmo, o que faliu. Nada. Absolutamente nada, nem mesmo parecido. Liguei para o Luiz Reni Marques, então meu sócio numa editora, e pedi socorro. Não demorou muito e ele volta a ligação, me dando dois telefones do Banco.
Dormi mal.
No outro dia liguei para os dois números. Nada. Nem atendiam.
Resolvi ir na agência da Varig, o verdadeiro consulado do Brasil. No caminho, não acreditei. No saguão de um edifício enorme, o símbolo do Banco Nacional. Não sei como vi, mas aquela “bola” estava lá – e ao lado, escrito em letras garrafais, Banco Nacional.
Perguntei o andar e a mulher me diz que é no tal andar o “Banco Nacional da Argentina”. Era o que faltava. Mas e o símbolo? Subi.
Veio me atender no balcão uma guria com jeitão de brasileira. Arrisquei um bom-dia. Ela retribuiu: “Bom dia! No que posso ajudar você?”.
Contei o meu drama. Ela pegou o cartão e voltou com as notas que havia pedido.
Fui na Varig marcar o meu retorno ao Brasil.
E nos dias seguintes não arrisquei. No máximo, dava uma banda por Time Square e comprei algumas camisetas. Almoçava e jantava por ali mesmo. Nada de correr riscos.
Foram muitas emoções em poucos dias para um recém quarentão.


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Ora, pois, vais por ali!
Trabalhei numa editora de 2000 a 2004. Uma das revistas, a Advertising, tinha uma parceria com uns portugueses que realizavam todo ano o Festival Internacional de Publicidade em Língua Portuguesa, numa cidade litorânea chamada Figueira da Foz. Claro que todo ano ia o dono da editora, o Julio Ribeiro. Mas em 2003, ele sem saco para encarar, fui em seu lugar.
O mais legal é que eles mandavam as passagens – São Paulo/Lisboa/São Paulo – e pagavam o hotel em Figueira. Junta grana daqui, dali, procura a passagem mais barata para ir e voltar de São Paulo e, finalmente, lá vou eu!
Num saquinho (de pano), preso com um alfinete de gancho dentro da cueca, lá vão meus euros, dólares e reais. Sem cartão de crédito! Imagine se me roubam.
Testei o saquinho num restaurante em Guarulhos. Antes de pagar o almoço, fiz um rápido cálculo da despesa, fui ao banheiro e tirei a grana. E assim ia ser a viagem toda. Muito cuidado.
Desci em Lisboa, num voo da TAP, pouco antes das 7 da manhã. Numa refeição, não me lembro se na ida ou na volta, o comissário vinha com o carrinho e perguntava:
- Boi ou galinha?
Dei uma risada e ele me olhou invocado. Depois conversamos.
O cara da Alfândega nem respondeu ao meu bom-dia simpático. Com o carimbo deu uma porrada no passaporte e chamou o próximo.
Claro que não tinha reservado hotel. Estava com uma nota de 100 euros no bolso da camisa, bem escondido pelo casaco do terno. Fui numa lanchonete e pedi uma água mineral. E mostrei a possante nota. O sujeito trocou e coloquei o troco no mesmo bolso da camisa.
Andei um pouco pelo aeroporto e parei num balcão de informações.
Uma senhora de cabelos brancos fumava desesperadamente. Me animei a acender um cigarro vendo aquela figura. Perguntei se sabia de um hotel bom e barato.
- Brasileiro. Claro que tenho.
Fez uma ligação e no meio do papo com quem atendeu, quis saber o meu nome.
- Ele está indo praí.
Falou o nome do hotel, 50 euros a diária com café da manhã.
- Onde pego um táxi?
- Que nada! São muito ladrões! Tomes o ônibus 35 ali na frente.
Parei no ponto e logo veio o dito. A mala que carregava era muito pesada, porque levava umas revistas para o Festival. Foi uma dificuldade me instalar no ônibus, porque estava cheio de estudantes. E todos me olhavam com curiosidade. Até mesmo o motorista me cuidava pelo espelho.
Cuidando quem entrava me dei conta que todos pagavam. E eu entrei na maior. Fui até lá pagar o portuga e ele me agradeceu.
Caminhei umas três quadras para chegar no hotel. Por fora, um prédio simples.
- Bom dia, sou o José Luiz, que...
- Bom dia! Que o amigo aprecie a minha terra – me responde o recepcionista, um sujeito de quase dois metros, gorducho e com um bigode digno de um legítimo português.
E me pediu o passaporte.
Faço aniversário no dia 20 de maio. Viajei para Portugal na noite do dia 20.
O cara confere o passaporte e abre um largo sorriso.
- Ora, pois!
E sai do balcão e me abraça, rindo, emocionado.
- Pois faço aniversário hoje, dia 21 de maio. E o senhor no dia 20!! Que satisfação!!
O portuguezão estava numa alegria danada!!
Subi. O apartamento era legal, tinha o necessário. Tentei dormir, mas era impossível. Ao passar pelo recepcionista me disse que a melhor forma e mais barata de conhecer a cidade era com o ônibus-turismo. Resolvi dar uma volta a pé pela região central, depois iria almoçar e aí pegaria o ônibus. Lá pela uma da tarde, passei por um restaurante, desses que o pessoal de escritório almoça e tinha uma placa na entrada: Hoje – arroz/feijão/couve a mineira/picanha.
E eu imaginando que eles só comiam bacalhau.
Na hora em que consegui uma mesa, o calor era insuportável. Nenhuma nuvem. Um sol implacável. Mesmo assim, tomei um uísque e comi a picanha, deliciosa, com o arroz.
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Fui até a praça do ônibus-turismo. As portas estavam fechadas. Próximo, um relógio com termômetro marcava 33 graus.
Umas seis pessoas também aguardavam o passeio, quando duas meninas muito bonitas, simpáticas, abrem as portas e convidam todos a entrar.
Depois do bacalhau, mais um mito caía: de que as portuguesas são feias e com bigodes.
Claro que não conheci toda Lisboa, mas fui aos principais lugares. Descia nas atrações e pegava o ônibus na volta. Passei a tarde nesta brincadeira.
À noite assisti a um jogo de futebol e desmaiei.
Cedo, muito cedo já estava antenado, mas o ar-condicionado não me deixava levantar. Antes das nove fui tomar o café, e encerrei a conta. A pé fui até a rodoviária, já suando.
No guichê:
- Bom dia, uma passagem para Figueira da Foz.
- Já partiu.
- Pode ser mais tarde.
- Só tem uma condução por dia.
- Mas eu tenho que estar lá hoje. O que posso fazer?
- Vais a Coimbra. De lá para Figueira.
Fui.
-
Tinha que conhecer alguma coisa de Coimbra. Peguei um táxi e um motorista gente fina me mostra as principais atrações. Para os padrões deles não gastei muito. E o cara me larga numa parada de ônibus onde passava o ônibus para Figueira da Foz. Calorão danado. Nenhuma nuvem.
Vem a condução. Bem legal, um potente ar-condicionado. Me instalo com a mala nos pés e o motorista me cuidando pelo espelho. De novo, entrei sem pagar o gajo.
Numa viagem direta, não gastaria mais de uma hora. Mas o maldito entrava em todas as aldeias. Todas. No início é até legal, mas vai torrando a paciência, porque são todas mais ou menos iguais. Valeu, porque vi uma aldeia com um nome muito bonito: Chão de Maçãs.
-
Na chegada da Rodoviária de Figueira da Foz pergunto ao motorista onde ficava o Hotel Ibis. Ele aponta para uma avenida, com uma leve subida.
- Ora, pois, vais por ali!
Ao descer do ônibus a impressão é de que estava entrando num forno. Mais de 35 graus. Em maio.
A leve subida se transformou numa subida terrível. E eu indo, indo, suando, suando pra burro. Resolvi dobrar à direita, e depois à esquerda, e sempre subindo. Caiu a ficha. O portuga motorista não tinha entendido o que tinha perguntado e chutou. Sacana!
Caminhei mais umas quadras e vi uma cafeteria. Entrei e perguntei pelo hotel.
- Estás muito longe. Queres um táxi?
Estava muito longe, mas em Figueira todos os deslocamentos de táxi têm o mesmo valor. E se paga por uma ligação local, mesmo sendo cliente.
Quando cheguei ao hotel, a recepcionista me olhava da cabeça aos pés. Dos pés a cabeça. Estava encharcado. Pingava suor. Perguntei alguma coisa e a moça não respondia, de boca aberta. Até que falei o meu nome e ela deu a chave.
-
Dei um tempo. Tomei um banho, algumas garrafinhas de água mineral, bermuda, camiseta e fui para o Festival. Me saudaram efusivamente, todos simpáticos. A diretora do Festival manda chamar a Adriana, depois de me entregar o material do evento.
- Olhe, esta é a Adriana. Te orienta em tudo que precisares aqui dentro.
Pra variar, a Adriana era linda. Uma guria muito simpática.
Fiquei lá do dia 22, à tarde, quando cheguei, até a manhã do dia 25. Um belo balneário, com toda a estrutura. Uma cidade que tem até faculdades. Bons restaurantes. Só me decepcionei com o cassino – só uma roleta mecânica e dezenas de caça-níqueis. Em compensação fui num bingo. Engraçado eles cantando os números.
Na praia não fui, porque tinha um vento constante, como nas praias gaúchas. Mas o calor não baixava de 30, 35 graus.
O Festival? Meio frio, é verdade, mas o jantar de encerramento foi de alto nível, animado por um ilusionista lusitano fantástico.
Esqueci de contar: em Lisboa tinha uma van para me levar para Figueira. Só que não me avisaram. Esses portugueses são de lascar. Mas conheci Chão de Maçãs.
-
Fomos para Lisboa, num ônibus moderníssimo. Brasileiros, africanos e até asiáticos. Ao chegar na capital, no hotel em que todos desceram, me dei conta de que iria voltar para São Paulo num voo que partiria da cidade do Porto. Na terça.
Era domingo. Me despedi de todos e entrei num táxi.
- Qual o melhor jeito de ir para Porto?
- Pela ferrovia – me diz o motorista do táxi.
A estação estava vazia. Comprei um bilhete caríssimo num trem que chamavam de “rápido”. Boa viagem. Desci e entrei num outro trem. Que me largou no centro da cidade. Ninguém me cobrou e não paguei. Tentei descobrir um hotel num centro de informações, mas eu falava e não me entendiam. Uma mulher só ria e um sujeito nem me olhava.
Fui caminhando. Umas três quadras depois, um táxi parado. Uma Mercedes nova. O motorista faz um sinal de positivo e vou até ele.
- Preciso de um hotel bom e barato.
O sujeito abre um tremendo sorriso. Não tinha um dente.
- Tenho um. É onde pélo umas namoradas.
Senti a fria.
Não era. Um prédio antigo, todo reformado. Beleza de hotel, de apartamento. E bem central, perto do que interessava.
Com aquele calorão, ao lado do hotel tinha um botequinho metido a besta com um chope estupendo.
-
Na noite, antes de ir até a beira do rio, comi uma picanha dos deuses. Com farofa e batata frita. Dez!
Não gostei muito do Porto, mas, pra variar, tenho uma história muito boa.
No dia seguinte à chegada, voltei àquela região do rio, onde há vários bares e restaurantes. Escolhi um e abri os trabalhos com aquele chope maravilhoso. As mesas, logo depois que cheguei, foram todas ocupadas. Fiquei observando, bebendo aquela delícia, e todos me pareceram nativos. Na mesa ao lado, tinha uma gordota bonita, sozinha (em toda Portugal vi muitas mulheres acima do peso).
Lá pelas tantas, pensava numa estratégia para conseguir um copo para minha coleção, quando vejo a gordota pegar o cigarro, o isqueiro e o celular. Levanta-se e pára na minha frente.
- Posso sentar?
- Claro.
E começa a falar e falar e falar. Eu ali, só ouvidos. Falava a portuguesa. Depois de mais ou menos meia hora, me diz que sofre de depressão. Era solteira mas tinha três filhos, “uma de cada pai”. E disse que tinha tentado se matar três vezes.
Puta que a pariu! Era o que me faltava, uma suicida!! Só faltava a louca se atirar no rio, que estava ali a poucos metros!!
Ia embora, mas como fazer aquela mulher parar de falar? E ela tomava, como água, um tipo de coquetel com vinho. A sua voz já estava pastosa.
Disse que ia no banheiro. Paguei a conta, pedi – e ganhei – um copo e voltei pra mesa.
- Foi uma satisfação.
Dei a mão a ela e a gordota se levantou, meio desequilibrada.
Me mandei e ficou falando sozinha.
Tive um pesadelo com o raio da suicida.
-
No dia seguinte, acordei, tomei um demorado banho e fui tomar o café.
Na porta da sala, três mulheres uniformizadas batem palma quando apareço.
- É ele, só faltava ele, o do 302!!
-
Foi muito agradável a minha estada por lá. Gostei muito de Portugal.


(Do livro A Revolução da Minha Janela, a venda aqui no Blog ou na Banca da República)


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