Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
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(E CANALHAS)
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Eventualmente, à tarde, notícias urgentes.
DEVANEIOS ESCULHAMBADOS
Paulo Motta, o filho da dona Norma
Acelero mais antes da curva e o gole do King's Command derrama no meu joelho. Não sei a quantas ando, só sei que estou correndo mais do que deveria.
O cheiro desse uísque me lembra teus olhos negros mouros, minha amada degenerada que me deu um pé-na-bunda na segunda que ainda me dói na sexta.
Cada curva dessa pista tem a suavidade dos teus cabelos, minha ex-mulher.
Ex-mulher é homem; ex-homem é mulher, melhor parar de pensar e só dirigir.
Mais um gole e acendo outro Minister depois da reta cinzenta. Mulheres, mulheres.
Terminamos nossa relação, nosso soneto de amor, por incompatibilidade religiosa: ela achava que era Deus e eu um pobre bêbado desempregado, embora cumpridor das minhas responsabilidades conjugais.
Aliás, um perfeito executor de minhas responsabilidades conjugais, modéstia à parte.
Sinto um calafrio quando os reflexos entorpecidos me fazem perder o controle e o carro é jogado para fora da pista em alta velocidade.
- Porra, Motta! É o terceiro carrinho que tu destrói, hoje! Vou te cobrar dobrado, seu bosta!
É Corálio, o dono da pista de autorama que eu frequento quando fico deprê. A pista é do Corálio!
Melhor ir pra casa.
Cilene, minha tartaruga, deve estar com saudades; há dois dias não apareço em casa. Quando abro a porta ela pula no meu colo, abanando o rabinho de tanta felicidade!
Acho que vou preparar uma massa de manobra para uns pães de forno, veremos.
Mulheres, mulheres. Essa última ficou com gosto de King's Command.
Já foi pior: tive algumas com gosto de cachaça com framboesa, juro-lhes, pequenos assassinos de baratas.
Boa tarde.
...
CÚMPLICES NA FELICIDADE
Léo Iolovitch, o que vive Na Nuvem
Texto enviado aos amigos que viajaram juntos ao Japão, em 2006, para assistir ao Campeonato Mundial de Futebol da FIFA, vencido pelo Internacional, e que depois foi publicado no livro “A Conquista de um Sonho”, Ed. Nova Prova, 2007
Tenho recebido maravilhosas mensagens de vocês, que têm me emocionado. Cada um a seu modo relembra os momentos inesquecíveis que vivemos e cada qual quer dividir sua emoção com o grupo. Que legal.
Comigo aconteceu algo interessante, que custei a entender. Ao comentar para a minha família sobre nosso grupo, me dei conta que eu era o segundo ou terceiro mais velho. Mas o incrível é que eu nunca tinha percebido este fato, achava que era uma turma da minha idade, pensava que não havia maiores diferenças. Só então que entendi essa coisa estranha e um pouco mágica, houve uma fantástica coesão entre nós, que fez com que as diferenças se dissipassem.
Médicos, advogados, empresários, funcionários públicos, estudantes, ninguém era diferente, todos eram iguais. Houve um sentimento único, uma alegria coletiva e, ao mesmo tempo, um respeito em relação a cada um e a todos, que nos uniu de uma forma definitiva.
Não podemos falar de outros grupos que se formaram, mas não é pretensão pensar que nenhum terá sido mais feliz e coeso do que o nosso.
Nessas horas não se deve ser modesto, até porque quem torce pelo campeão do mundo pode não sê-lo, para proclamar que isso ocorreu porque: nós somos muito bons...
Fomos ao outro lado do mundo acompanhando nosso time. Tínhamos uma delegação tácita dos que não foram, de representá-los e, em nome deles, apoiar e “empurrar” a equipe em campo. E nós cumprimos nossa missão.
Comprei o CD do jogo nos camelôs do centro, assisti em casa e senti a nossa presença. Não é exagero, nós jogamos com o time. Somos campeões do mundo merecidamente.
Poucas vezes a felicidade pode ser completa e isso aconteceu conosco.
Além de vermos a glória máxima do nosso Internacional ao vivo e participando da conquista, ficamos fazendo parte de um grupo fantástico de pessoas, que passaram a integrar o nosso patrimônio afetivo.
Não era só eu que não percebia a diferença de idade, éramos todos que afastavam qualquer diferença para aumentar o espírito coletivo e fomentar o convívio. A gente sentia que estava vivendo um momento maravilhoso.
As câmeras e filmadoras buscavam eternizar cada um daqueles episódios memoráveis, mas por maior que seja a tecnologia e o talento do fotógrafo/cinegrafista algo escapa do registro na máquina. Por isso o interesse na troca de imagens e filmes que vamos fazer.
Porém, quero tranquiliza-los em relação aos registros da viagem. Há algo que transcende as fotos. É lá na nossa memória e no nosso coração, que não têm megapixels, nem gigabytes, que ficarão marcados de forma nítida e indelével os momentos únicos que tivemos o privilégio de viver.
Tudo, nos mínimos detalhes, está guardado de forma perene dentro de cada um de nós.
Quem ainda não se deparou no espelho fazendo a barba e de repente está rindo sem saber bem por que?
Quem não parou numa fila, num elevador, no trânsito e, sem mais nem menos, vem a lembrança daqueles momentos e se sente leve?
E assim vai ser por muito tempo. No escritório, no consultório, na rua, em casa, sempre vai surgir a evocação daquela experiência fantástica e vai aparecer um brilhozinho estranho no canto do olho, que nos remeterá ao Japão, ao ônibus, ao estádio, ao extraordinário período de nosso convívio.
Nós nunca mais seremos os mesmos.
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