Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
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até o meio-dia
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É bonito isso
Para quem não leu, publico dois textos que gosto muito. Sobre pais.
Este primeiro é de agosto de 2013.
JAMAIS VI MEU PAI PELADO!!
É sério.
No máximo de cueca samba canção. Branca.
Mas sempre o entendi, mesmo tendo convivido apenas 12 anos com ele.
Imagina.
O Waldemar passou a infância toda sem calçar um sapato. Na sua casa só falavam italiano - aquele dialeto de Caxias do Sul. Moravam num sítio longe da cidade - hoje, a região tornou-se um bairro classe média alta.
Até hoje não sei se é verdade, porque ele contava dando risada. Consta que foi atropelado pelo primeiro carro que circulou por Caxias.
Aprendeu a falar português e foi estudar. Com a Maestra Viero, uma das primeiras professoras de Caxias. Dava aulas embaixo das árvores.
Seu primeiro emprego foi dado pelo tio, Abramo Eberle, irmão da sua mãe. No almoxarifado da Metalúrgica Abramo Eberle.
Com menos de 20 anos foi mandado para o Rio de Janeiro.
Trabalhar na filial da Metalúrgica. E terminou o científico - segundo grau.
Um gringão no Rio de Janeiro!!
Alguns anos depois tornou-se sub-gerente da filial.
Na foto aí abaixo, olha o estilo galã. Acreditem, com 24 anos.
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O tempo foi passando e alguns anos depois da foto acima ele conheceu uma uruguaia, que havia chegado de Jaguarão. Viagem de navio, com a mãe e o irmão. Como foram parar no Rio? A Adylles, a mãe, sonhava em morar no Rio. Só isso. E adorava viajar.
Etna era o nome da mocinha.
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Casaram logo depois que a Segunda Guerra terminou.
Todo tipo de dificuldades. Até alugar uma casa era difícil.
Conseguiram alugar uma em Santa Tereza.
Pouco tempo depois nasceu o Paulo César.
Mudaram-se para a Urca. Lembro do apartamento da rua Otávio Correia, mas antes teve uma passagem por outro, também na Urca.
Já era gerente da filial do Rio da Metalúrgica. E o dinheiro que sobrava no final do mês comprava ações da Metalúrgica.
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Vivíamos bem na Urca. Praia perto e ele tinha um Austin, que nos levava para todo lado. Gostávamos mesmo da Praia Vermelha. Íamos muito também nos parques da cidade. Aí, abaixo, acredito que seja na Gávea: Paulo César, Waldemar e eu.
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Uma família muito legal.
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Comecei a aprender alguma coisa com ele quando fomos morar na rua das Laranjeiras, num edifício que acabara de ser construído. Um belíssimo apartamento, todo com móveis sob-medida e dois flamantes ar-condicionados.
Nessa época o Gringão já estava de bola cheíssima no Eberle. Tanto que o número de ações que detinha já era considerável. E tinha um Olsmobile 1952. Carrão. Hidramático, como lembra o meu primo Volmir Previdi. E mais: sem maçaneta para subir os vidros. Os quatro eram elétricos!
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Foi curto o tempo de aprendizado. Mais ou menos de 1960 a 1966, quando morreu.
As poucas coisas que tenho de bom, acrfeditem, aprendi com ele. Ou herdei, sei lá. Coisa de sangue.
A partir daí, minha mãe o substituiu e pude aprender também um bocado.
Impressões do meu pai: calmo, muito calmo. Não discutia, nem brincando. Quando o chamavam de tubarão (porque era bem de vida, mesmo) dava risada. Lotou a casa de livros e enciclopédias. Qualquer dúvida que surgia, lá ia ele para a Barsa. E meu irmão e eu tínhamos que ler. Ler e ler. Trabalhava pra burro. mesmo nos finais de semana. Dormíamos com o barulho do teclado da máquina de escrever - por sinal, tenho ainda a velha Remington.
Era Fluminense e eu Botafogo. Ia com ele ao campo do Flu, onde éramos sócios. Mas me levava ao Maracanã para assistir Garrincha e companhia.
Sempre se vestiu discretamente. Raramente usava bermuda. Quando colocava uma blusa de ban-lon sabia que íamos passear.
Apenas uma vez levei umas chineladas dele. Elstava furioso comigo: minha mãe tinha se operado e num sábado não fui no hospital com ele. Com um amigo, fomos andar de bicicleta nas ruas. Bah, o porteiro do edifício contou pra ele e, acredito, nervoso com toda a situação, me deu umas chineladas na bunda. Sem muita força.
Seus funcionários gostavam muito dele. Me contaram que era um cara justo.
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Conhecia muito o espírito dos militares, porque atendia os Ministérios da área. A Eberle era a maior fornecedora dos milicos, tudo de metal.
Logo depois da chamada revolução de 64 estávamos nas cadeiras do campo do Fluminense. E veio sentar-se conosco um amigo dele. Eu ali, escutando o papo.
O cara estava faceiro com os milicos no poder.
Lá pelas tantas, disse mais ou menos isso:
- Daqui a pouco eles convocam eleições e tudo volta ao normal.
Meu pai olhou pra ele e respondeu:
- Conheço os militares. Não saem tão cedo do poder.
Dito e feito.
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Tentei, não sei o motivo, vê-lo pelado várias vezes. Até fingia que estava dormindo na cama de casal para ver se conseguia ver o tico do cara. Mas jamais consegui. O Waldemar era muito discreto.
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Curiosidade: seu nome era Waldemar Luiz Eberle Previdi.
Não sei quando, mas mudou para Waldemar Previdi.
Quem sabe para não associá-lo a empresa que trabalhava.
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Essa é a última foto que tenho dele.
De 21 de dezembro de 1965.
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Morreu em 16 de julho de 1966.
Lembra que lá em cima falei que gostávamos muito da Praia Vermelha?
Pois é, foi lá que ele nos deixou.
Aos 47 anos.
Faz tanto tempo, né?
E eu tenho uma saudade imensa do cara!
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EM 13 DE AGOSTO DE 2017 PUBLIQUEI ESTE TEXTO:
ESPECIAL
PAIS
Os Carlos: Contursi e Araújo |
É um domingo que poderia estar muito feliz.
Afinal, hoje, estou completando 14 anos neste espaço.
É o Dia dos Pais.
Só faltava um sol maravilhoso em Porto Alegre.
Não tem sol.
Gosto muito de todo dia 13 de agosto - pena que não estamos numa sexta-feira. Marca um período em que decidi fazer um "jornalismo de opinião com bom humor" - apesar que nos últimos tempos está dificílimo ter bom humor. Mas o balanço que faço a cada ano é sempre positivo. O que fiz de interessante supera qualquer percalço. Colocar o dedo em feridas e mesmo em cocô sempre me faz acreditar que estou cumprindo um papel interessante.
Também gosto muito quando as pessoas dizem que não concordam em tudo comigo. Imagina se todos concordassem com o que escrevo. Bah! Coisa mais monótona! Por isso, perco alguns leitores pelas minhas opiniões, mas em compensação ganho muitos, diariamente. As estatísticas mostram isso.
Feliz pelos 14 anos, apesar de já ter tido a tentação de parar inúmeras vezes.
Dia dos Pais. Muito legal. Temporariamente, meus dois filhos estão bem longe do Brasil. Imagina maior felicidade do que isso?
Estão passeando pelo mundo e hoje de manhã recebi brincadeiras (deboches, na verdade) dos dois. Evidente que não esperava um formal e babaca "feliz dia dos pais".
Um bom Dia dos Pais é saber que os filhos estão bem e fazendo o que querem. Felizes.
Claro que me lembrei do meu pai, Waldemar.
Pouco convivi com ele, mas foram 12 anos profícuos.
Fiz um texto sobre ele que publiquei no livro "10 Anos às Ganhas - Uma Década do previdi.com.br". Para quem não leu está lá embaixo.
Meu segundo pai foi minha mãe - aqueles que conviveram pouco com seus pais sabem do que estou falando. Etna foi fundamental na minha vida - claro. Tudo que sei - ou não - devo a ela. Tudo e mais um pouco. Sempre me apoiou na adolescência e marmanjo.
Meu irmão Paulo Cesar, seis anos mais velho, também foi um meu pai por pouquíssimo tempo. Morreu 11 meses depois do meu pai. Azar o meu, não?
Nesta vida tive vários pais emprestados.
Por exemplo, os dois irmãos da minha mãe - Dirceu e Juca.
Convivi bastante com os dois e também aprendi muito.
Destaco dois "pais emprestados" - mesmo que eles não soubessem que assim os considerava.
Carlos Cunha Contursi era o Velho Contursi. O que tenho de histórias com ele... Nem os filhos Ângela e Cascalho imaginam.
O Carlos Araújo, que faleceu no sábado, era outro.
Se jamais disse ao Contursi que o considerava um "pai", imagina se iria falar isso para o ex-deputado?! Debocharia de mim a vida toda!! Me liquidaria!!
Mas eu tenho bons motivos para considerá-lo assim.
Eu sabia quem era Carlos Araújo. Mas comecei a conviver com ele em 1983, quando assumiu o seu primeiro mandato de deputado estadual. Dilma, sua esposa, eu conhecia bem, porque era da assessoria do líder da bancada do PDT na Assembleia, o deputado Carlos Augusto de Souza.
Eu trabalhava como repórter da Política do Zero Hora e era CC da Assembleia (era normalíssimo o pessoal do jornal completar o salário baixo com uma função pública. Até o diretor e o editor-chefe tinham função pública).
Era CC da bancada do PDT, assim como o Mario Marona, que trabalhava no Correio do Povo.
Lembro apenas que era inverno e o Carlos Araújo nos convidou para um jantar em sua casa. Num sábado. Marona e eu fomos juntos e quando chegamos tive a impressão de que tinha esquecido o convite. Saímos os três para comprar vinho num mercadinho. Na volta fomos direto aos vinhos, em uma sala. Apareceu dona Dilma, deu o "boa noite" e disse "Gordo, vou sair" - ela o chamava assim, Gordo.
Não demorou muito fomos para a cozinha. Ele, sem o menor jeito, começou a esquentar a comida. Tivemos que tomar conta enquanto ele colocava a mesa. Ficamos até uma boa parte da madrugada conversando.
Claro que nos aproximamos dele. Tinha um poder de "juntar" pessoas ao seu redor, não apenas do PDT.
Em novembro de 1983 comuniquei a todos os deputados que iria trabalhar com o Contursi no Palácio Guanabara - primeiro Governo do Brizola no Rio. Não lembro o que falou, mas não foi contra. Poucos meses depois o Marona também foi.
Em maio de 1984 casei e em setembro a melhor notícia de minha vida: seria pai.
No início de 1985 duas médicas nos comunicaram que certamente haveria um problema seriíssimo no parto. Irreversível. Mãe ou filho não sobreviveriam. Ou os dois.
Putaquiuspariu! Foi a pior notícia da minha vida. Não sabia o que fazer. Não tinha saída.
Estava numa cidade que conhecia pouca gente, o plano de saúde era fraquíssimo e não tinha dinheiro para procurar outras alterativas. O sistema público já era falido.
Me restava apenas rezar.
Num final de tarde, o Contursi me mandou cobrir uma reunião do diretório nacional na sede do PDT, no Centro do Rio. Estou chegando e numa esquina, escuto um "Cabeça!!". Vinha de dentro de um bar, desses típicos de lá. Me aproximei e vi o Araújo em pé no balcão tomando um chope.
Ele estava chegando para a reunião e resolveu se "refrescar".
Lá pelas tantas, ele:
- O que é que tu estás com essa cara? Taí bem, tomando um chope numa sexta-feira! No Rio!!
Não demorou muito e desabei com o meu drama.
Ele ficou chocado.
- Já pensou em voltar para Porto Alegre?
- Claro, mas como? Acho que ela não pode nem viajar.
- Tudo se dá um jeito. Agora em março vai ter eleição para a mesa diretora da Assembleia e nós vamos tomar conta. O presidente vai ser o Valdomiro Lima e se tudo der como queremos, tu pode voltar em março mesmo.
- Bah, não sei.
- Dá um jeito e vai com o Velho Contursi pra lá logo que der. Vai ter uma reunião em Caxias do Sul e é bom que estejas lá.
Vim por um ou dois dias a Porto Alegre quando se definiu que o PDT estaria na Presidência da Assembleia.
Encontrei Araújo e Valdomiro Lima e os dois garantiram:
- Pode voltar. Tu vais ser o sub-chefe da Comunicação.
Chegando ao Rio, comuniquei a minha mãe a decisão de voltar e ela deu o maior apoio, porque lá o desfecho ia ser o pior possível. Poucos dias depois, o Contursi, mais uma vez, nos conseguiu passagens e voltamos para Porto Alegre. Com seis meses de barriga, e sem autorização médica para entrar num avião.
Na primeira consulta com um ginecologista, indicado pelas colegas da Assembleia, chamado Paulo Rosa, mandou que parassem com todos os remédios e que ele garantia a vida dos dois.
Dito e feito, em dois de junho de 1985 nasceu o Guilherme e a Rute estava ótima.
Passei um fim se semana lembrando desses e de muitos outros episódios que me lembraram dos meus dois "pais emprestados".
E muito triste pela morte do Carlos Araújo.
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