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ACREDITO NOS ANIMAIS
(DE OLHOS FECHADOS)
DOIS MINUTOS
COM PRÉVIDI
- ESPECIAL PARA
A ANIVERSARIANTE
253 ANOS DE PORTO ALEGRE
- Porto Alegre, onde a história ganha vida! No aniversário de 253 anos da cidade, as esculturas que nos contam quem somos despertam para celebrar esse momento especial. O Laçador, os Heróis Voluntários, o fiel cachorro da Praça da Matriz e tantos outros monumentos ganham movimento para lembrar que Porto Alegre é feita de memórias vivas, lutas e sonhos.
Uma cidade que respira arte, cultura e tradição. Que teu espírito siga vibrante, Portinho! Feliz 253 anos!
- Nenhum de Nós
- Fotos e vídeo: @omarfreitasjunior
nesta sexta,
a cesta do
j.p. da fontoura
TEXTOS DE
JOÃO PAULO
DA FONTOURA*
As Revoluções Russas de 1917
Ei, russos!
Pescadores do universo,
Na rede da aurora colhendo o céu –
Troai como trompas!
Sob a charrua do raio
Ruge para a terra.
Rompe os penhascos a auridente
Relha.
Novo semeador
Erra pelos campos
Novas sementes
Arroja aos sulcos.
Um satélite-luz
Vem num carro.
Corre entre as nuvens
Uma água
Sela da água –
Azul.
Sinos da sela –
Estrelas.
Poema escrito em 1917, no contexto e ambiente da revolução, por Sierguéi Iessiênin – tradução de Augusto Campos.
Continuação da Cesta da semana passada
Revolução de março de 1917
A Revolução Russa (ou as Revoluções Russas) de 1917 é considerada, e acho que aí há quase uma unanimidade, um dos três maiores acontecimentos do século XX – sendo os outros como Guerras Mundias. Mas essas mesmas duas guerras tiveram a influência – lateral ou direta – da gesta épica de 1917. Vou citar um exemplo: será que os aliados venceriam os nazistas se não fosse a determinação do 'doidivanas' Stálin (ninguém retrocede, quem retroceder ou deixar-se tornar prisioneiro será, se pego, fuzilado!) e dos seus 20 milhões de soldados mortos?
Ela vai muito além da eliminação do czarismo, pois sua consequência para a História Mundial permeou por todo o século XX.
A Rússia seguiu há séculos (exceção foi o período de Pedro, O Grande, já descrito algures neste ensaio) um modo de produção bastante atrasado. Era majoritariamente rural e se encontrava em um regime muito próximo ao feudal. As tentativas de industrialização, ao longo da história, várias vezes não deram certo, o que fez com que a aristocracia, ou seja, os nobres, concentraram toda a riqueza, enquanto o restante do povo vivia na miséria e na fome.
(Aqui vou abrir um parêntese: eu sempre tive dificuldades para aceitar o lugar comum entre os historiadores que apontam para uma situação muito atrasada, quase feudal, da economia russa por volta do início do século XX. Não quero dizer que a vida para o campesinato russo não era extremamente dura. Quero dizer, sim, que havia 'ilhas' de crescimento na economia, o nascimento de uma burguesia que curtia teatros, filmes, li livros, fofocava sobres amorosos no Café Nevski, principalmente da relação escandalosa da czarina Alexandra com o místico Rasputin, visitava os hipódromos aos domingos, formava trustes para enriquecer, aplicava na bolsa, formava uma casta de profissões liberais como advogados, médicos, professores, engenheiros, jornalistas, etc., à sombra do autocrático Czar, havia 40 mil operadores da bolsa, de ambos os sexos! Nikopol-Mariupol, onde um jovem Nikita Khruschev iniciou como operário chão-de-fábrica.
Havia ensino superior de qualidade, além das faculdades de direito. Exemplo: Alexandre, irmão mais velho do Lênin, participou com outros jovens radicais, da tentativa de morte do Czar Alexandre III, em 1887, utilizando materiais químicos complexos, como o ácido nítrico, para produzir explosivos. Este composto foi retirado do Laboratório de Faculdade de Ciências Naturais, onde o jovem revolucionário havia se formado recentemente. (Produzir esse composto, mesmo que em laboratório, não é, como sabemos, para países muito atrasados).
De tempos em tempos, principalmente a partir da segunda metade do século XIX, várias ideias positivas à monarquia absolutista foram surgindo, algumas delas revolucionárias, como as dos mencheviques e bolcheviques, essas, mesmo que lentamente, ganharam adesão crescente junto ao povo russo sofrido.
O czar Nicolau II, que havia reforçado o Império em 1896, era um dos governantes mais despreparados para a carga. Quando de sua ascensão escreveu 'foi a pior coisa que poderia ter acontecido comigo'. Era um homem tímido, devotado à esposa, e não curtia a vida na corte. Os trágicos acontecimentos de 'Domingo Sangrento', de 1905, é um exemplo bem didático de sua total falta de habilidade e determinação para com suas cortesões e povo. Sim, ele já poderia ter caído. Ganhou uma sobrevida. Mas a Guerra de 1914 foi o fim. Sua desqualificação e presunção (foi para a frente da guerra, para nada decidir e ainda atrapalhar seus ineptos gerais) premiou-o com a perda da coroa, a prisão, e em sequência, agora já com os bolcheviques no poder, a morte sua e de toda sua família.
Em março, com a abdicação e queda do seu governo, o poder passou para o efêmero Governo Provisório, com os membros da Duna, liderados por Kerensky, Gutchkov, etc., funcionando, em meio a uma crise sem fim, como um parlamento liberal europeu.
A chamada República da Duna, ou Revolução de março, ou Revolução Branca, ou Revolução Menchevique, ou Revolução dos Cadetes, fenece meros sete meses depois de entregar 'TODO O PODER AOS BOLCHEVIQUES'.
Lênin é pego, distante, lá na Suíça, inerte, desanimado: ' deixem que continuem essa guerra imperialista. ..' Mas recupera a saúde debilitada, anima-se e muda de tom: ' como vamos chegar lá? ' Consegue ajuda e saída: vai atravessar a Alemanha, rumo à estação Finlândia...
Revolução de novembro de 1917, a pra valer!
Repetindo o endereço posto acima, não há um só historiador que não aponte para esse evento do início do século XX como um – se não for 'O’ – dos mais importantes e dos que mais impactaram o curso dos eventos do século passado.
A Revolução Bolchevista de 1917 é sinônimo de URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e das suas derivações como a China, a Coreia do Norte, Cuba, o extinto Pacto de Varsóvia, a 'explosão' numérica e absurda dos arsenais atômicos mundo afora, etc.
Já falei na importância decisiva da União Soviética na vitória aliada na Segunda Guerra Mundial. Outro ponto importante foi que por quase meio século esse produto derivado da Revolução Russa de 1917 dividiu meio a meio o mundo com o seu inimigo ideológico – Os Estados Unidos, na temível 'Guerra Fria', a afiadíssima Espada de Dâmocles na cabeça da população mundial.
A utopia tritura a História, todo o poder aos bolcheviques.
Seis de novembro de 1917, véspera da queda e da ruína pessoal do primeiro-ministro da frágil república Menchevique, o famoso Teatro Aleksandr da cidade de Pedro, O Grande, apresentou, para delírio dos seus habitantes amantes do teatro, a peça 'A Morte de Ivan, O Terrível'.
Premonição?
No teatro da vida real, dois atores, Lênin e Kerensky, antigos contemporâneos, ex-amigos, preparam-se para uma luta mortal!
E a história poderia ter sido diferente. Bastava ao indeciso Kerensky retirar seus soldados da guerra, uma guerra que o povo russo odiava, e as provocações dos inimigos, os grevismos, as passeatas, não continham força para derrubá-lo.
Do outro lado, do lado bolchevique, houve ação e decisão. Para um velho Lênin, 47 anos, com vários problemas de saúde, que gastou sua juventude e meia-idade com estudos e pregações da teoria de Karl Marx, era uma janela estreita, a única, à qual teria que ultrapassar fosse como fosse. Se perder essa oportunidade, se 'sua' revolução não vingasse, nem mesmo nos rodapés de jornais interiores seu nome constaria. Sua pregação e vida foram vãs!
Na madrugada do dia seguinte, sete de novembro, os bolcheviques liderados por Lênin, Zinoviev, Radek, Stálin, Trotsky, e o apoio decisivo a elementos revolucionários organizados e afinados, doutrinados ideologicamente cercam a capital e tomam a sede do governo provisório, prendendo vários políticos que não conseguiram escapar.
Kerensky – ilhado no palácio sem luz e sem telefone – consegue fugir com ajuda de um automóvel da embaixada americana da, agora, 'Vermelha Cidade do Pedro'.
À tarde, no espaço da Duna, uma sessão do Soviete de Petrogrado delega o poder (do governo) ao Conselho dos Comissários do Povo, dominado pelos bolcheviques.
A Assembleia Constituinte, que organizava uma nova constituição no país, foi, no ato, dissolvida.
Antes do 'soco' final de novembro, em julho, os bolcheviques buscaram um levante contra os mencheviques do governo Kerensky. Houve fracasso nessa intenção, com mais de 150 pessoas mortas ou feridas. Lênin e outros líderes tiveram que fugir do país para não serem presos ou mortos. Mas nem tudo foi ruim: esses dias de julho revelaram uma grande vulnerabilidade do governo provisório. Os ensinamentos tirados desse intento organizaram o palco para uma revolução vitoriosa de novembro.
Finalizando este ensaio, já tão longo, esses sete meses de processos revolucionários, essa busca pela tão desejada utopia, parece-me com o 'caldeirão das bruxas de Macbeth', bruxas proféticas shakespearianas que aclamam Macbeth impedindo sua ascensão à realeza ao matar o rei e tomar o trono (podem trocar Macbeth por Lênin).
Igual aquelas bruxas havia um mar de escritores e poetas russos, ou melhor, russos soviéticos, que criam que o sucesso da revolução seria a tão aclamada e desejada redenção da sofrida classe operária, enfim a extinção do serviço humano.
Vejamos abaixo um dos versos do poeta Aleksei Tolstói (1883-1945):
'Imersos em três águas,
Banhados em três sangues,
Fervidos em três lavagens,
Somos puros entre os puros.
Será?
Lamentavelmente, não! Os 73 anos de laboratório da URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas deram em quê? Dor, sofrimento, mentiras, traições, prisões, assassinatos, Arquipélagos Gulag, exílios siberianos em massa...
Nem vou me estender muito, mas a utopia foi rompida já no início: a alegria das repúblicas que participaram da revolução com a promessa da tão desejada 'liberdade' (Ucrânia, Bielorrússia, Estônia, Letônia, Lituânia, Geórgia, Armênia, e muito mais, totalizando 15) foram arbitrárias e compulsoriamente anexadas à Rússia para formar a URSS.
Aos líderes que não aceitaram essa união, as portas da Sibéria estavam abertas – acidentalmente.
O grande estadista Winston Churchill cunhou uma frase mais tarde, que a mim definiria claramente o novo estatuto da Europa, mas que, igualmente, serviria para o mundo: ' Uma cortina de ferro cobriu a Europa' .
Agora sim finalizando: Aleksei Tolstói, o poeta acima citado, morreu de morte natural em 1945, aos 62 anos. A mesma sorte não teve o seu colega Maiakovski, apodado 'O Poeta da Revolução', que morreu 'suicidado' em 1930, com apenas 36 anos.
Maiakovski mudou ou foi apenas apagado da foto oficial?
No contexto dos negros dias de busca da sonhada utopia, da brutal Tcheká, que, a ferro e fogo, tentava purificar a sacra revolução, um fanático Maiakovski, que entre um Marat e uma Charlotte Corday não escondia sua preferência pelo primeiro, descrevendo as seguintes (e ternas) palavras em relação ao comissário Djerjinski – o todo poderoso chefe da Tcheká:
' Ao jovem que medita sobre a existência,
Procurando quem lhe dê um exemplo na vida,
Direi sem hesitar: Tome como exemplo
Ó camarada Djerjinski !'
Uma reflexão de um pensador anônimo: 'o que é o leninismo/stalinismo e o nazismo senão a crueldade que perdeu até mesmo a fé numa meta utópica?
*joão paulo da fontoura é escritor e historiador diletante, membro da ALIVAT – Academia Literária do Vale do Taquari, titular da cadeira nº 26.