Sexta, 31 de outubro de 2025

 

NESSA SEXTA
a cesta do João Paulo






JOÃO PAULO DA FONTOURA é de Taquari-RS. É escritor e historiador diletante, membro da ALIVAT – Academia Literária do Vale do Taquari, titular da cadeira nº 26.





VOLTAIRE 

Filósofo, poeta, teórico político e escritor francês iluminista,
Voltaire é uma das personalidades mais importantes de sua época



Numa época em que entendo cada vez mais (sem entrar em política, pois esta cesta semanal – histórica, cultural, literária – tem o claro objetivo, ou ao menos me esforço para tal, de funcionar como um bálsamo às inevitáveis tensões cotidianas que a sempre presente política local e internacional  tem tangido fortemente nossas mentes e corações) a elevada importância das questões advindas do enorme debate que permeou quase todo o século XVIII naquilo que foi legado à história como Iluminismo, a figura e obra do francês Voltaire, um dos luminares deste movimento, a mim se avoluma.

Então aproveito este meu ânimo e busco em minha pequena biblioteca, para uma rápida releitura, o livro "A Vida E O Pensamento De Voltaire" – da Coleção Iluminados da Humanidade, Editora Minuano, organizado pela escritora Fernanda Cury.

Voltaire, em sua longa vida, permeou três reinados no século em que ocorre na França o apogeu do absolutismo com a nefasta existência de três reis: Luís XIV – aquele do "L'État, c'est moi"; seu neto Luís XV; e seu trineto Luís XVI,  que paga os pecados da dinastia perdendo sua cabeça.

Luís XIV morre, em 1715; é justamente quando Voltaire, então um jovem de 21 anos, iniciava sua longa e exitosa carreira.

Quando o último Luís (Luís XVI , neto do Luís XV) ascende ao poder em 1774, já no declínio, o poeta maior da cultura francesa tem  80 anos. Isso significa dizer que Voltaire viveu toda a sua vida em um Estado absolutamente o mais repressivo, absoluto e arcaico possível. Como parâmetro, por essa época, no outro lado do canal, a Inglaterra vivia o esplendor da gloriosa Revolução de 1688 que impôs a seus reis, de forma permanente, uma saudável Monarquia Constitucional e Parlamentar.

Na relação dos grandes luminares do Iluminismo temos vários nomes a destacar, entre eles: Montesquieu, Voltaire; Jean-Jacques Rousseau, Denis Diderot e John Locke. Outros pensadores importantes foram Adam Smith, conhecido por suas teorias econômicas, e Immanuel Kant, que definiu o movimento como a "saída do homem de sua menoridade".

Os quatro primeiros citados eram franceses e viveram aproximadamente pela mesma época. Voltaire era tudo menos um ser afável, quebrou o pau pra valer com seus reis e concidadãos. A bronca com o Rousseau, por exemplo, foi a mais forte, vide a famosa carta de Voltaire a Rousseau sobre seu livro, na qual o filósofo diz que o fez "desejar ficar de quatro, feito um animal", e a resposta de Rousseau, que declarou: "Monsieur, eu o odeio".

O meu sentimento, por tudo que li sobre o movimento, creio que Voltaire tenha nele a participação mais frutífera, mais importante (talvez, o escocês Adam Smith, que atuou mais na questão econômica, tenha chegado próximo.)

Abaixo apresentarei uma biografia bem resumida, e, em seguida, uma análise do livro "Cândido, O Otimista", o mais conhecido e famoso (obviamente, a meu ver e gosto) do escritor e filósofo francês:

Biografia

Castelo de Voltaire em Ferney, França

François Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire, nasceu em Paris  no limiar do século XVIII, no ano de 1694, filho de uma abastada família burguesa togada. Seu pai, Monsieur François Arouet – tabelião, negociante e conselheiro real; sua mãe, Marguerite d’Aumard, filha de um escrivão criminal do Parlamento, e que morreu muito jovem, em 1701 (Voltaire tinha só sete anos). Aluno brilhante, estudou durante sete anos em um dos melhores colégios jesuítas da região, embora, olha a verve!, quando adulto dissesse chistosamente que lá só aprendera "latim e algumas bobagens".

Obrigado por seu pai, que o queria togado a serviço do rei, inicia a estudar Direito. Enquanto estudante, ficou amigo dos herdeiros das principais famílias da nobreza francesa. Após abandonar a Faculdade, em 1713, arrumam-lhe um posto na embaixada francesa na Holanda, do qual foi demitido porque começou a namorar uma mulher protestante.

(Interessante, por que o pseudônimo Voltaire? Pesquisando no Google, vem a resposta: ‘... para escapar da perseguição e censura do absolutismo francês e da Igreja Católica devido aos seus escritos críticos’. É um acrônimo do nome "Arouet le jeune" (Arouet, o jovem), utilizando uma grafia latinizada do sobrenome e a abreviação de "le jeune".)

Sempre foi um liberal, mas não dá para apodá-lo democrata. Nunca defendeu o ‘povo’ no poder. Pregava que o rei deveria respeitar as liberdades individuais e governar assistido por  literatos e filósofos esclarecidos. 

Suas ideias, seu comportamento, seus escritos sempre ácidos, críticos ao rei e ao absolutismo, à Igreja, ao Papa, à abjeta simonia praticada à rodo pelo clero, à intromissão indevida da Igreja em questões seculares fizeram-no ser censurado, ter as impressões de suas obras proibidas (coisas que ele contornava mandando imprimir fora da França, mas sempre sujeitas aos sequestros dessas impressões pelas autoridades reais) e frequentar presídios constantemente.

Voltaire foi preso pelo menos três vezes: duas na famosa Bastilha, sendo a primeira quando tinha apenas 23 anos, em 1717, e a segunda, em 1726. Também esteve preso em Frankfurt, em 1750, quando entrou em litígio com o imperador Frederico II – da Prússia.

Durante os mais de 60 anos de atividade literária, fala-se entre livros e panfletos, em mais de dois mil itens, o que é um número absurdo. Houve livros em que a tiragem passou de 20 mil –  para uma França agrária, miserável, na qual só os nobres e o clero eram alfabetizados.

Nesses dois mil itens constam Peças de Teatro; Poemas; Romances como o famoso "Cândido, ou o Otimista" (que já li várias vezes e abaixo o resenharei rapidamente); Contos Filosóficos; Obras Históricas – como "A Era de Luís XIV"; Escritos Científicos, muitos destes na famosa Enciclopédia Francesa, do Diderot; e por fim os Panfletos –  satíricos e polêmicos – que tanto o indispôs com os reis da hora e a eterna e cínica nobreza.

A Fundação Voltaire, da Universidade de Oxford, empenhou-se em reunir e publicar a obra completa do autor. A edição crítica, finalizada em 2022, compreende 205 volumes de capa dura, totalizando mais de 15 milhões de palavras. 

Já com 83 anos, vivendo exilado em seu castelo de Ferney (Suíça, fronteira com a França, 550 quilômetros de Paris), o "velho leão crítico de tudo e de todos", riquíssimo, 30 anos de ausência de sua pátria, recebe, finalmente, autorização do jovem rei Luís XVI para apresentar-se em Paris, Versalhes. Comoção geral.

Tumba de Voltaire no Panteão de Paris

Parte em 5 de fevereiro numa carruagem com espreguiçadeira e aquecedor (inverno europeu) e em 10 chega a Paris.

Espera ficar umas duas ou três semanas.

Multidões o aplaudem. Brilha, encanta, brinca, diverte-se.

Eram homenagens sem fim: do povo nas ruas, dos intelectuais na Academia, da nobreza nos teatros...

Para Voltaire restava uma só coisa, morrer!

Em 27 de maio, delírio de febre e inconsciência.

Três dias após – 30 de maio de 1778 – morre.

Seus restos mortais jazem no Panteão de Paris.

Die Tafelrunde, de Adolfo von Menzel: convidados de Frederico, o Grande, em Sanssouci , incluindo membros da Academia Prussiana de Ciências e Voltaire, o terceiro da esquerda para a direita


Cândido, O Otimista

A mim, sem sombra de dúvida, um livro maravilhoso. Vou procurá-lo para dar uma relida rápida e o resenhar aqui neste ensaio, mas não o localizo. Aí então, lembro-me de tê-lo emprestado a um querido amigo do Centro Literário de São Leopoldo – CLSL – Ligo. ‘Está comigo, João, repassei  à filha para também o ler’. Ótimo, Voltaire merece!

Passo na nossa biblioteca pública, e pego um exemplar emprestado.

Bom, sobre o nome Cândido, Voltaire já entra em contradição (claro que provocativamente), pois tudo o que ele foi em sua longa vida representou o oposto de "cândido" (candidus, latim significando branco, puro, ingênuo)

O enredo do livro (escrito em 1759, quando Voltaire já alcançara a idade da razão, 65 anos) inicia com o personagem central Cândido vivendo em um castelo luxuoso, onde aprende com seu tutor, o Dr. Pangloss – o qual vive no melhor dos mundos possíveis. Essa filosofia otimista, baseada nas ideias do filósofo Leibniz, torna-se a base de seu pensamento.

(E aqui caro amigo leitor, já está – embutido no enredo – a pena ácida do Voltaire a criticar o filósofo alemão Gottfried Leibniz, 1646-1716, e seu "otimismo metafísico" do "vivemos no melhor dos mundos", etc.) 

O Dr. Pangloss é em si só um espetáculo, uma figura extraordinária. A qualquer questão pessimista, ele repta: ‘ tá tudo bem, vai dar tudo certo, o mundo é bom... ’

É uma sátira? Um conto um tanto filosófico? Uma crônica dos tempos de antanho? Um romance de aventuras, gostosas aventuras?

Digamos que seja um romance como uma pitada de sátira (às ilusões sobre a bondade do mundo) e de  filosofia.

Narra a jornada de Cândido, um jovem que acredita no otimismo filosófico de seu tutor, o Dr. Pangloss, de que tudo acontece "para o melhor no melhor dos mundos possíveis". 

A história acompanha Cândido em uma série de infortúnios ao redor do mundo, como guerras, desastres naturais (como o terremoto de Lisboa), escravidão e perseguições, que servem para desconstruir gradualmente essa crença. 

Conclusão final e filosófica: é preciso ‘cultivar o nosso jardim’, ou seja, trabalhar em um projeto prático e significativo em sua própria realidade, em vez de se perder em teorias abstratas e otimismo ilusório. 

Finalizando, o personagem Dr. Pangloss – na minha visão, e achei-o uma delícia de personagem – além de seu eterno presente otimismo, é uma antecipação do detetive Sherlock Holmes pela capacidade de raciocínio dedutivo singular. Certamente, Sir Arthur Conan foi um leitor atento de Cândido, O Otimista. 

Em epílogo a este ensaio, algumas frases creditadas ao mestre francês, uma mais genial que a outra:

- Uma longa disputa significa que ambas as partes estão erradas;

- A grande função das palavras é ocultar nossos pensamentos;

- A diversidade de livros está nos tornando ignorantes;

- Os homens são iguais. Não é o nascimento, mas a virtude que faz a diferença;

- Acaso é uma palavra sem sentido; nada existe sem uma razão;

- Eu posso desaprovar o que você diz, mas irei defender até a morte seu direito de dizê-lo. (Como dito acima, não há certeza de que estas frases sejam exatamente dele. Nesta, especificamente, há um mar de donos. Mas, se não é genuinamente dele, ela expressa claramente a síntese de seu pensamento);

- Use, não abuse. Nem a abstinência nem o excesso tornam o homem feliz;

- O ótimo é inimigo do bom. (Esta é outra frase que tem vários pretensos donos. Eu particularmente a acho genial, uma mini lição de vida);

- O casamento é a única aventura disponível para o tímido;

- Possa Deus defender-me de meus amigos; pois de meus inimigos posso defender-me sozinho;

- Deus é um comediante representando para uma plateia muito assustada para rir;

- Todo o homem é culpado pela bondade que não praticou;  

- Não tenha projetos pequenos, eles não têm o poder de despertar a alma dos homens;

- Julgue o homem por suas perguntas, e não por suas respostas;

- O segredo do chato é falar demais;

- Eu morro adorando a Deus, amando meus amigos, odiando meus inimigos e detestando superstições;

- O medo acompanha o crime, e essa é sua punição;

- O fanático é um monstro que ousa dizer-se filho da religião;

- Se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo;               

- A vida é um perpétuo combate; e a filosofia – o único emplastro que podemos pôr nas feridas que recebemos de todos os lados;

- O  trabalho poupa-nos de três grandes males: tédio, vício e necessidade;

- A primeira lei da natureza é a tolerância, já que temos todos uma porção de erros e fraquezas. 

Voltaire aos 70 anos





9 comentários:

  1. Paulo.cananea@gmail.com31 de outubro de 2025 às 10:52

    Lendo as crônicas de meu amigo João Paulo, eu acredito, ainda que o mundo vai melhorar João. Paulo tem a grande virtude de poder compartilhar com seus amigos e com seus conteranos. O seu grande conhecimento. Daqui de Porto Alegre, manda um abraço carióso. E agradeço de poder estar na agenda deste amigo. Que ir a Deus que possamos por muitos e muitos anos, ainda será graciados por seus trechos literários, um abraço, meu amigo

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  2. Excelente para uma sexta-feira 13 invertida

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  3. Prévidi, dois obrigados, um pela bela diagramação, outro pelo vídeo apêndice ao texto, muito legal!

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  4. Excelente ensaio.
    Parabéns JOÃO PAULO DA FONTOURA .

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  5. 87% dos favelados aprovam a operação.
    Ah, esses pobres de direita!!!

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  6. Muito bom, João Paulo. Excelente. Estou aqui em Grenoble, na França, há 3 semanas. Nas caminhadas diárias já passei pelas ruas Rousseau e Voltaire. Só uma correção: "O bom é inimigo do ótimo".

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    1. Paulo, acho que a frase está certa, até mesmo porque a(s) retirei da web se alterar nada. Acho-a genial, pois fazer o bom está bom, mas se não faço o bom, sempre na busca pelo ótimo, excelência, estes funcionam como uma 'quimera nem sempre alcançada'. Traduzindo, vida prática, 'faça o feijão com arroz, que tá bom"
      Abração. Obrigado pela intervenção!

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    2. A frase expressa o risco presente de se tentar melhorar o que já está bom, para assim atingir o ótimo idealizado, e terminar pondo tudo a perder.

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  7. Gleize culpando o entreguismo pelo "massacre" sugere um certo desespero daqueles que estão vendo o estoque terminar e em breve encarar a abstinência...
    Novo lema da patota: "tudo pela última miligrama"

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