A venda no banner aí ao lado ou na Banca República - esquina da Rua da República com Avenida João Pessoa.
MARIMBONDO
(ARNO BAUM)
Ao contrário do que se
costuma dizer, os marimbondos não morrem depois de picarem uma pessoa ou
animal.
O infeliz que é picado por um
desses insetos pode ter reações inflamatórias e, em casos de maior gravidade,
náuseas, vômitos, diarreia, dores abdominais, perda de memória e tontura,
diminuição da pressão arterial, bronco espasmos e, dependendo de outros
fatores, a morte por parada cardíaca e respiratória.
Um dos tipos mais conhecidos
é o marimbondo solitário, que é preto com manchas amarelas e varia de 10 a 25 mm de comprimento.
Alimentam-se de outros
insetos.
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O Marimbondo aqui é outro.
Não era perigoso – suas
mordidas não causavam danos irreparáveis ao homem.
Não precisava batalhar para
comer ou saborear algum tipo de néctar.
Não sabia o que é trabalhar;
portanto jamais tirou uma carteira de trabalho.
Este Marimbondo passava a
maior parte dos seus dias no Centro de Porto Alegre, especialmente na Rua da
Praia.
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Marimbondo era um mordedor do
Centro.
Como bom profissional, saía
de casa, todos os dias, com as “vítimas” mapeadas. Sabia aonde iria, quais os
passos a serem dados, para conseguir o dinheiro ideal para passar as horas.
Quando pedia, as pessoas jamais se negavam a “emprestar” algum.
Sempre existiram pelo Centro
pessoas como ele, que conseguiam pedir dando a impressão que estavam fazendo um
favor ao achacado. As histórias do Condessa, do Fanha, retratadas pelo Renato
Maciel de Sá Júnior, tornaram-se conhecidas e
fazem parte do folclore da Rua da Praia.
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Marimbondo contou em uma
entrevista ao Rua da Praia, em junho de 1987:
“Vivia aqui na Rua da Praia, dia e noite, desde 1957.
Comecei engraxando sapato, cuidando dos carros dos amigos, para ninguém mexer.
Mas sempre vivi em função de grana, atrás de tutu.
“Realmente eu peço porque pedir não é roubar. Peço
para me manter, para manter um troquinho no bolso, cumprir com as minhas
necessidades.”
A galeria de
mordidas é grande, explica Marimba, que prefere chamá-los de Amigos. Os mais
ilustres são Ismael Chaves Barcellos, Andreatta, José Asmuz, Aldo Costa, “gente
que é elevada ao povo. Tenho também muitos amigos na Galeria Di Primio Beck,
que são chegados a mim, como o Roberto di Primio Beck, o doutor Lauro CostA. Fora de sociedade, não.
Dentro da sociedade tudo bem, tudo comigo.”
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Marimba, como também foi
conhecido, era muito feio. Tinha os cabelos claros, cumpridos mais do que o
normal para um cara “conservador”. Andava de havaianas, por problemas nas
pernas. Roupas simples.
As pernas: “Às vezes me afasto dois, três meses da Rua
da Praia. Tenho o problema na minha perna, que estou tratando na Santa Casa. É
uma úlcera varicosa, na lateral esquerda. Está melhor, em andamento, mas não
posso caminhar muito. Por isso fico mais na minha zona, porque não posso pegar
friagem, andar na chuva. Tive problema de pulmão, tratado adequadamente no
Sanatório Partenon”.
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O apelido?
Ele desconversava, dizia que
vinha da família do pai. “A minha mãe me chamava de Socó.”
Era um malandro!
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Muitas são as histórias que
já entraram no folclore da cidade, onde Marimba é o protagonista.
Tinha uma língua descomunal,
a encostava em cima do nariz.
Um dia a turma da Praça da
Alfândega resolveu fazer uma brincadeira – mais uma – com o Marimbondo.
Contrataram uma prostituta para transar com ele, desde que ele a beijasse toda
e especialmente se dedicasse mais ao sexo oral. Com uma condição: ela tinha de
urinar na cara do Marimba.
Deram umas cervejas pra moça
e foi todo mundo para um quarto. Ela cumpriu o trato.
Na hora da chuvarada, o
Marimba foi de uma presença de espírito extraordinária:
- Chove no Maracanã, mas o jogo continua.
Outra que é contada na
entrevista do Rua da Praia:
Consta que no início dos anos
70 seus amigos ricos vestiram-no de fraque e cartola, conseguiram um convite e
o levaram, devidamente sentado no banco traseiro de um carro de luxo, a um
baile de debutantes do Clube do Comércio. “Me
botaram para fora. Não me lembro de tudo muito bem porque estava numa bomba
danada”, tenta recordar.
A mais sensacional é esta:
No Leopoldina Juvenil, a
história é mais sofisticada. Sentado no banco traseiro de uma Mercedes-Benz,
novíssima, Marimba, perfeito num smoking, banho tomado, cabelo aparado, com
convite para o baile de debutantes, foi barrado antes de entrar. “Todo mundo insistiu com os porteiros para eu
entrar, mas tinha um lá que sabia quem eu era e aí não teve jeito.”
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O jornalista Fernando Albrecht, um dos mais
brilhantes cronistas de Porto Alegre, e que ainda em 2012 lançará um livro de
histórias, conta em texto publicado em outubro de 2007 no www.fernandoalbrecht.com.br:
As cuecas do Marimbondo
Nos anos 60, era muito popular no Centro de Porto
Alegre uma figura apelidada de Marimbondo, ou Marimba, para os mais íntimos.
Adotado por uma turma de riquinhos, prestava-se para ser o clown da turma, o
que lhe valia algum dinheiro e sobrevivência.
Não raro, as troças e sacanagens beiravam à
desumanidade, como dar a ele nozes – Marimba era banguela. Essa turma batia
ponto em frente à legendária padaria e lancheria Matheus, na Rua da Praia, em
frente à praça da Alfândega.
Volta e meia, eles pegavam alguém como saco de
pancada, mas em outras vezes a reputação os precedia.
Foi o caso de uma famosa colunista do antigo jornal
Correio do Povo, que morava em um dos prédios lindeiros ao Matheus. Certa
noite, ela saiu da redação e no caminho para casa escandalizou-se com os
palavrões que a turma despejava. A casta donzela ficou tão indignada que no dia
seguinte laborou um veemente artigo em que criticava a turma, com direito
inclusive ao retrato falado de cada um, todos de famílias conhecidas à época.
A vingança não veio a cavalo, mas de Marimbondo.
Na saída da sessão das 22 horas dos cinemas Imperial e
Guarani, quando saíam magotes de gente, devidamente instruído, o Marimbondo
plantou-se embaixo do prédio. Olhando para cima, para a janela do apartamento dela, desandou a
gritar o nome da jornalista solteirona a plenos pulmões:
- As cuecas, me devolve pelo menos as cuecas, já que
não me queres mais!!!
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Trabalho? Ele ficava
seriíssimo e contrariado.
Está no mensário Rua da
Praia:
Assunto que diga respeito a trabalho, Marimbondo não é
muito chegado. ”Nunca tive uma profissão fixa. Por enquanto não. Cometemos a
infeliz idéia de perguntar se ele não tinha nenhum tipo de pensão do INPS! Como
é que eu vou ter, se nunca trabalhei, se nunca tive carteira do trabalho?”
De política,
Marimba também não gosta. “Tenho título de eleitor, adequadamente. Votei, mas
em partido nunca me meti.” Destaca alguns políticos “que muito me ajudam. O
Sinval Guazzelli foi um homem muito bom, quando a Caixa era aqui na Rua da
Praia. Me deu uma força, sempre me ajudou.”
“Também o doutor Luiz Carvalho sempre me ajudou, que
foi um dos diretores da Caixa Econômica. Esses eu levo livre. Ah, também levo
livre o nosso governador Brizola. Sempre me deu apoio moral.”
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Morava no bairro Navegantes.
Vivia na casa do cunhado na Rua Frederico Mentz, 300. “É a irmã que eu mais quero, é muito boa para mim. A minha sobrinha
também quero muito bem.”
E ela não briga contigo, por não ter um trabalho?
“De vez em quando me dá uma mijadinha, mas é bom, eu não trabalho mesmo,
né?”
Em 1987 ele tinha 42 anos,
mas aparentava muito mais.
Tinha uma vida tranqüila, se
assim se poderia dizer.
Acordava às 7h30min, “por aí, e a primeira coisa que faço é lavar
o rosto. Aí vou tomar o meu aperitivo no bar da zona, para regular a lenta, que
sem a lenta regulada não faço nada. Aí vou mostrar para os meus amigos que
estou com a lenta calma.
Pego o meu ônibus, o bus, e venho para o Centro,
sempre quando posso e aqui me estabeleço. Trabalhar, não, mas posicionar as
minhas ideias. Se não tenho ideias, não tem galho, porque roubar eu não vou.
Tomo um cafezinho, um lanchinho com os amigos. À tarde, dou uma banda, quem
quiser me ajudar me ajuda, o que eu quero é calma”.
Às 19 horas, Marimbondo vai
para casa, “comer uma coisinha. Tem
televisão lá em casa, mas não vou muito. Vejo essa novela nova, O Outro, e me
apago cedo. Nove horas estou na cama, com a perninha levantada, para o sangue
circular. E está terminado o meu dia”.
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Era mesmo um malandro da Rua
da Praia.
Leia o início da matéria que
fiz, em junho de 1987, para o jornal Rua da Praia:
Encontramos o Marimbondo por acaso, numa manhã fria na
Rua da Praia. Explicada a intenção da entrevista, topou de cara. No dia
combinado, chegamos com poucos minutos de atraso. Marimbondo estava impaciente:
“pensei que não viessem mais”.
Mais calmo, perguntei onde queria sentar-se. Disse que
poderia ser em qualquer lugar, “menos em bar, que eu não gosto”.
- Não bebe mais, Marimba?
- Nem mais, nem menos. Só não gosto de sentar em bar.
Caminhamos em direção à Praça da Alfândega,
lentamente. No trajeto, ele pergunta:
- Essa entrevista é numerada?
- Como numerada?
- Deixa pra lá.
Sentados na Praça, insisti para saber o que era a
entrevista numerada. Meio sem jeito, Marimba respondeu:
- Numerada, assim, um, dois, três...
Velho malandro se deu conta do erro na palavra, mas
não se entregou. Esqueceu da sílaba re, para formar a palavra que queria –
remunerada –, além da troca de letras.
Velho malandro, velho mordedor. Jamais irá perder o
hábito.
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Ao final da entrevista,
Marimbondo, impaciente, queria ir embora. Lembrei da remuneração e, mais
impaciente ainda, colocou as notas no bolso e saiu célere, mesmo com a
dificuldade que tinha para caminhar. Mas não se esqueceu de agradecer com um
largo sorriso nos lábios.
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Arno Baum nasceu em 1945.
Quando morreu?
Acredito que como os
marimbondos, Arno Baum cumpriu por aqui o seu ciclo de vida.
(Estive na avenida Frederico
Mentz, 300, onde morava sua família. Vivem lá outras pessoas. Nas redondezas,
ninguém tem notícias da família Baum.)
Belo texto. Conheci o Marimba na rua da Praia nos anos 60/70.
ResponderExcluirHoje,no Face Book,comentando uma situação de trabalho na chuva utilizei a expressão "Chove no Maracanã mas o jogo continua". Como respostas KKKK, acho que esse meu amigo também conheceu o Marimba.
Parabéns pelo Blog, excelente trabalho jornalístico.
Conheci o Marimbondo quando trabalhei numa joalheria que tinha na entrado da Vila Farrapos, trabalhei ali vinte anos, e o Marimbondo vinha sempre pedir uns centavos pra tomar um trago, isso foi de 78 a mais ou menos 89, fui embora dali nunca mais vi o Marimbondo.
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