NÃO LEVE A SÉRIO
QUEM NÃO SORRI!
DE SER IGUAL AOS OUTROS
FORA DILMO!!
especial
Nesta sexta, uma cesta
de darcy ribeiro!
O intelectual de verdade,
que trabalhava
Só no Estado do Rio de Janeiro, o governador
Brizola e o vice Darcy fizeram em quatro anos
520 Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs)
Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.
Mestrado é só para mostrar que o sujeito é alfabetizado, pois a metade dos que estão na universidade não sabem ler.
(nada mais atual)
Meu exílio foi um passeio muito bonito.
Presente, passado e futuro? Tolice. Não existem. A vida é uma ponte interminável. Vai-se construindo e destruindo. O que vai ficando para trás com o passado é a morte. O que está vivo vai adiante.
Darcy Ribeiro
Darcy Ribeiro nasceu em Montes Claros, Minas Gerais, em 26 de outubro de 1922, filho de Reginaldo Ribeiro dos Santos e de Josefina Augusta da Silveira. Em Montes Claros fez os estudos fundamentais e secundário, no Grupo Escolar Gonçalves Chaves e no Ginásio Episcopal.
Foi para Belo Horizonte estudar Medicina. Mas ao cursar disciplinas de Ciências Sociais decidiu-se por esta área. Em 1946, formou-se em antropologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e dedicou seus primeiros anos de vida profissional ao estudo dos indígenas do Pantanal, do Brasil Central e da Amazônia (1946-1956).
Notabilizou-se fundamentalmente por trabalhos desenvolvidos nas áreas de educação, sociologia e antropologia tendo sido, ao lado do amigo a quem admirava Anísio Teixeira, um dos responsáveis pela criação da Universidade de Brasília, elaborada no início da década de 1960, ficando também na história desta instituição por ter sido seu primeiro reitor. Redigiu o projeto, como funcionário do Serviço de Proteção ao Índio, do Parque Indígena do Xingu, criado em 1961. Também foi o idealizador da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). Publicou vários livros, vários deles sobre os povos indígenas.
Darcy Ribeiro foi ministro da Educação durante o Regime Parlamentarista do governo do presidente João Goulart (18 de setembro de 1962 a 24 de janeiro de 1963) e chefe da Casa Civil entre 18 de junho de 1963 e 31 de março de 1964. Durante a ditadura militar brasileira, como muitos outros intelectuais brasileiros, teve seus direitos políticos cassados e foi obrigado a se exilar, vivendo durante alguns anos no Uruguai.
Durante o primeiro governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro (1983-1987), Darcy Ribeiro, como vice-governador, criou, planejou e dirigiu a implantação dos Centros Integrados de Ensino Público (CIEP), um projeto pedagógico visionário e revolucionário no Brasil de assistência em tempo integral a crianças, incluindo atividades recreativas e culturais para além do ensino formal - dando concretude aos projetos idealizados décadas antes por Anísio.
Nas eleições de 1986, Darcy foi candidato ao governo fluminense pelo PDT, concorrendo com Fernando Gabeira, então filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), Agnaldo Timóteo do Partido Democrático Social (PDS) e Moreira Franco do Movimento Democrático Brasileiro (então PMDB). Darcy foi derrotado nas urnas, recebendo 36% dos votos, com a eleição de Moreira, que recebeu 49% dos votos.
Foi responsável pela criação e pelo projeto cultural do Memorial da América Latina, centro cultural, político e de lazer, inaugurado em 18 de março de 1989, no bairro da Barra Funda, em São Paulo, assim como foi responsável pelo projeto de lei que deu origem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), lei 9 394/96 aprovado pelo senado brasileiro.
Exerceu o mandato de senador pelo Rio de Janeiro de 1991 até sua morte em 1997 - anunciada por um lento processo canceroso que comoveu o Brasil. Darcy, sempre polêmico e ardoroso defensor de suas ideias, teve, em sua longa agonia, o reconhecimento e admiração até dos adversários.
Publica O Povo Brasileiro em 1995, obra em que aborda a formação histórica, étnica e cultural do povo brasileiro, com impressões baseadas nas experiências de sua vida. Foi sepultado no Cemitério de São João Batista no Rio de Janeiro.
As ideias de Darcy Ribeiro pertenciam à escola evolucionista de sociologia e antropologia, e suas principais influências eram os neovolucionistas Leslie White e Julian Steward, além do arqueólogo marxista V. Gordon Childe. Ele acreditava que os povos passavam por um "processo civilizatório", começando como caçadores-coletores.
Ribeiro propôs também um esquema de classificação para os países americanos onde identificou:
Povos Novos (Chile, Colômbia, Paraguai, Venezuela, etc.), que se fundiram da mistura de várias culturas;
Povos Testemunho (Peru, México, Equador, Guatemala e Bolívia), restos de civilizações antigas; e
Povos Transplantados (Argentina, Uruguai, Estados Unidos e Canadá), essencialmente europeus, após imigração maciça. São basicamente uma reprodução da Europa no continente americano.
Em seu livro O Povo Brasileiro, Ribeiro apresenta uma divisão empírica das classes. Isto é, trata-se de uma divisão baseada não em níveis de renda, mas apenas na observação da sociedade. Critica a importação de tipologias de classes sociais da Europa, como se elas valessem automaticamente para a realidade latino-americana. Para suprir essa lacuna, criou sua tipologia de classes.
No topo da hierarquia, há três grupos. O patronato, cujo poder e riqueza vêm da exploração econômica. O patriciado, por sua vez, é composto por indivíduos que exercem altos cargos (general, deputado, bispo, etc.) Mais tarde, surgiu entre as classes dominantes outro grupo: o estamento gerencial das empresas estrangeiras.
Os setores intermediários, por sua vez, são compostos por "pequenos oficiais, profissionais liberais, policiais, professores", entre outros. As classes subalternas englobam os indivíduos que, apesar de pobres, estão integrados no mercado. Possuem empregos estáveis, Também englobam pequenos empresários, arrendatários, gerentes de propriedades rurais, etc.
A mais ampla classe é, contudo, as oprimidas, ou dos "marginais", composta principalmente de negros e mulatos. Estes não estão plenamente integrados na vida social, no sistema econômico, etc., e vivem de subempregos, ou de empregos instáveis. A eles cabe a tarefa de reformar a sociedade.
Darcy Ribeiro foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 8 de outubro de 1992 para a cadeira 11, que tem por patrono Fagundes Varela, sendo recebido em 15 de abril de 1993 por Cândido Mendes.
Sensacional, em seu discurso de posse, registrou:
Confesso que me dá certo tremor d'alma o pensamento inevitável de que, com uns meses, uns anos mais, algum sucessor meu, também vergando nossa veste talar, aqui estará, hirto, no cumprimento do mesmo rito para me recordar. Vendo projetivamente a fila infindável deles, que se sucederão, me louvando, até o fim do mundo, antecipo aqui meu agradecimento a todos. Muito obrigado.
Estou certo de que alguém, neste resto de século, falará de mim, lendo uma página, página e meia. Os seguintes menos e menos. Só espero que nenhum falte ao sacro dever de enunciar meu nome. Nisto consistirá minha imortalidade.
DOCUMENTOs
Último discurso do Senador Darcy Ribeiro no plenário do Senado, dia 5 de dezembro de 1996, na sessão especial requerida pelo deputado Matheus Schmidt, líder do PDT na Câmara, em homenagem aos 20 anos da morte do Presidente João Goulart.
O SR. DARCY RIBEIRO (PDT-RJ) – “O Hino Nacional me dá ânsia de choro. Não sentia isso antes. Por quê? Os anos de exílio sem ouvi-lo? Não sei. Doença? O certo é que me comove mais do que devia. Dá vontade de pegar uma espada e sair pronto para brigar, mas me ponho a chorar”. (Palmas.)
“Exmo. Sr. Presidente do Senado da República, Senador José Sarney; meu querido amigo Leonel Brizola (Palmas), que eu quisera ver como Presidente da República — tenho certeza de que ele, mais do que ninguém que conheça, seria capaz de passar o Brasil a limpo, a favor da felicidade do povo e da dignidade da Nação; meu companheiro Almino Affonso (Palmas), queridos companheiros, queridas companheiras: vamos falar do Jango, do Presidente João Goulart, com quem tive um longo e intenso convívio, um convívio muito grato. O Jango era bom de conviver.
Lembro a V.Exªs. o que me vem agora à memória. Há 20 anos, eu corri muito para chegar a São Borja — e cheguei — para ver o Jango morto. Ele tinha sido proibido de entrar na sua pátria querida. Era o esquife dele que vinha. Tentei ficar perto, mas havia muitas pessoas do Brasil inteiro, sobretudo do Rio Grande, querendo colocar a mão no caixão ou tocar naquele homem extraordinário que se ia. Tive de me afastar para deixar que essas pessoas saudassem Jango e dele se despedissem. Sentei-me, então, num túmulo de mármore branco, de estilo comum, que parecia o sepulcro de uma família italiana. Fiquei sentado sobre o túmulo e assustei-me quando vi que era o de Getúlio. O retrato e o nome dele estavam lá. Fiquei muito emocionado: esse é o túmulo de Getúlio?
Mas, emocionou-me mais o fato de estarem aqueles dois homens plantados ali a 50 metros um do outro. Homens dali, de São Borja. Homens da tradição gaúcha mais profunda, homens da região missioneira tão sofrida, em que 300 mil índios foram assassinados ou vendidos para o Nordeste como escravos, o que criou naquela população missioneira algumas características que se difundiram no gaúcho.
Características que tinha Jango e Getúlio: a capacidade de convívio, ainda que assimétrico, com as classes subordinadas; de tomar o chimarrão juntos, de viver conversando, de amanhecer e passar a manhã juntos, conversando. Vejo em Getúlio e, sobretudo, em Jango uma capacidade extraordinária de falar com operário, com o lavrador. Creio que essa herança vem de lá. Mineiros e paulistas, que eu conheço tão bem, não têm essa característica, essa capacidade de intimidade assimétrica.
Mas intimidade com povo, capacidade de estar ao lado dele, não querendo se confundir com o povo, mas como um companheiro maior, o irmão mais velho que ali estava. Creio que essa é uma das heranças gaúchas bonitas, herança que era característica desses dois homens.
Jango se fez sucessor de Getúlio por méritos próprios. Era um jovem estancieiro muito rico; engordava 20 mil cabeças de gado por ano; podia continuar na sua vida venturosa e bem-sucedida, mas o convívio com Getúlio o foi chamando para outras tarefas, uma tarefa que era o Brasil, que era o trabalhismo, que era os trabalhadores. O convívio quase diário com seu vizinho, que era o velho Getúlio, o acompanhamento de Getúlio na campanha eleitoral, levou Getúlio, eleito Presidente, a fazê-lo seu Ministro do Trabalho. Ou seja, Getúlio dava a Jango a sua bandeira maior, o trabalhismo, que ele agarrou e levantou com dignidade, com honestidade a vida inteira.
A reação foi muito grande contra Jango. Ele combinou com Getúlio dobrar o salário mínimo, que desde o Governo Dutra não tinha se alterado. Isso provocou raiva muito grande, que não devia ter provocado. Alguns coronéis se irritavam, como se ofendesse a eles o fato de um operário ganhar mais. Jango nessa época ganhou uma grande bandeira de luta, mas ganhou também uma odiosidade feroz, terrível, das velhas classes dominantes.
É um homem que, como Getúlio, tem sua carreira política marcada por essas duas dimensões: o amor do povo e o ódio das classes dirigentes. Continuou convivendo com Getúlio, mas foi retirado do Ministério. É curioso verificar que nesse momento nascem dois homens: Golbery, autor do manifesto contra Jango com relação ao salário mínimo, e Jango, na posição oposta. Homens que teriam um papel muito profundo na história brasileira posterior. Jango herdava de Getúlio; tinha aprendido com Getúlio e tinha um extraordinário apreço pelas grandes tarefas do Getúlio. A tarefa de disciplinar as Forças Armadas, colocá-las nos quartéis, fazê-las obedecer ao poder civil e acabar com a anarquia do período tenentista.
Outra tarefa, polêmica, mas de importância inexcedível, que tem de ser compreendida para se compreender o Brasil, foi dar ordem, ajudar a estruturar o movimento operário, o movimento trabalhista brasileiro. Foi uma batalha, porque a liderança do movimento trabalhista estava sendo disputado por comunistas e por anarquistas, muito generosos de coração, mas que não tinham o que dar, e por Getúlio, que dá ao operariado um projeto próprio para lutar por suas próprias causas. Pressionado pelo próprio movimento operário, ele é levado a dar grandes saltos, saltos extraordinários na história brasileira.
Um dos saltos, que atualmente está sendo contestado criminosamente, pois é a maior invenção social brasileira, é o Imposto Sindical, que agora se chama contribuição sindical. Vários partidos desta Casa não se opõem a que os patrões recebam contribuição sindical para manter o SESI, o SENAC e as políticas deles, mas se opõem a que o povo operário tenha a sua contribuição sindical (Palmas). A contribuição sindical é a maior invenção social brasileira. Ela está na base de um sindicalismo frondoso que floresceu aqui, um dos maiores do mundo, porque cada sindicato que se organizava encontrava um modo de ter uma ajuda, uma verba tirada de todos os operários, correspondente a um dia de salário, dividido em doze prestações. Nem o próprio operário sentia, porque era descontado pelo patrão na folha de salário e entregue ao Governo — uma parte ficava com o Ministério da Educação.
Essa invenção não tem similar, mas alguns doidos alucinados que querem acabar com ela, querem a contribuição voluntária. Pode ser que os sindicatos dos metalúrgicos — o que eu duvido — consigam se organizar com a contribuição voluntária, mas 99% dos sindicatos não se organizarão, desaparecerão. Ou seja, um dos maiores movimentos sindicais do mundo, que envolve milhões de trabalhadores, que são defendidos sejam ou não membros do sindicato, isso tudo pode ruir pelo sectarismo, tipo de pendor udenista antioperário, antitrabalhador.
Outro feito fundamental de Getúlio, de que Jango e nós somos herdeiros, é a unicidade sindical. A unicidade sindical dá possibilidade de a classe operária ter atuação política, de estar presente no quadro nacional. O que pretendem hoje alguns partidos, inclusive alguns partidos chamados de esquerda, como o PT, que acaba de fazer essa proposição, é extinguir a unicidade sindical para adotar o sistema norte-americano, de um sindicato para cada empresa, o que acaba com o sindicalismo, o que acaba com o movimento operário. É uma coisa criminosa, que se deve à inspiração estrangeira, o pluralismo sindical dos financiadores do movimento sindical no mundo, os alemães, os franceses, os norte-americanos. E adotar isso no País é como se jogar fora o nosso passado e adotar o passado norte-americano, o passado inglês. Outra grande conquista foi a estabilidade no emprego, que nesses dias acaba de ser ameaçada — a Câmara liberou o patrão de obrigações para com os seus trabalhadores.
Aquilo que nós conseguimos está dentro da linha do pensamento japonês, por um paralelismo, por uma coincidência. A nossa concepção e a concepção de Getúlio é que uma empresa se faça com o capital, que tem de ser respeitado e lucrativo, e com os trabalhadores que a constroem. Eles têm parte daquela empresa; quando o trabalhador é despedido, ele não pode ser simplesmente descartado; ele tem de ser remunerado por isso. Permitir o absurdo de que o patrão assine a carteira sem obrigações é um ato criminoso.
Falam de Jango, mas Jango nasce herdeiro dessa posição e de outras posições de Getúlio e tenta levá-las adiante. Leva adiante, sobretudo, aquilo que constitui o documento mais importante, que é a Carta-Testamento de Getúlio, que deu a sua vida no momento em que a direita ganhar o poder; mas Getúlio o evitou, estourando seu coração com uma bala, aos 72 anos. Se não o fizesse — era a única saída —, ele seria enxotado do Catete, para dar o poder aos golpistas, aos udenistas, aos lacerdistas e a outros.
O suicídio de Getúlio Vargas foi um ato de extrema sabedoria. É o que vai permitir que JK — esse belo Presidente que nós tivemos, otimista, trabalhador, ousado — chegasse ao poder. Ele foi ao poder devido àquele tiro que Getúlio deu no coração. Há mil coisas mais a lembrar aqui. O Jango, com a Carta-Testamento, herda sobretudo a percepção de que a causa principal do atraso brasileiro era cruzeiro dar rendimento em dólares. Quando uma empresa põe aqui 10 mil dólares e cresce, foi porque teve êxito econômico? É porque apelou para o sistema bancário brasileiro. Todo o capital que ela passou a ter passa também a gerar dólares. Isso cria um desequilíbrio na economia nacional, coloca em posições antagônicas o capital nacional e o capital estrangeiro, obriga os empresários nacionais a ser coniventes com o capital estrangeiro. Isso é algo que se fixou em Jango.
Outra coisa que também se fixou em Jango — eu passei muitos dias conversando com ele sobre isso — era a noção de que a fórmula da revolução brasileira, de que o caminho brasileiro da revolução social era levar adiante a Revolução de 30. Àquelas conquistas acrescentar outras, sobretudo a reforma agrária. Era a convicção de que, fazendo a reforma agrária, o País seria reordenado, passaria a pertencer às multidões de brasileiros. O que eu classifico hoje como o mais importante momento social da história brasileira é o movimento dos sem-terra, que agora enfrenta o poder, exigindo um pedacinho de terra para plantar mandioca, milho, para criar galinha e cabra. Isso seria feito como? Tomando as terras de metade do Brasil que estão mal possuídas e não usadas, o que é um supremo despautério.
O Presidente da República acaba de dar um passo positivo impondo o que deveria ter ocorrido há 20 anos: um imposto para propriedades com mais de 80 hectares e improdutivas. Mas é preciso mais, porque esse decreto do Presidente, para ser colocado em execução e ser aceito pela Justiça levará anos e anos. E aqui vem uma questão séria: o movimento dos sem-terra vem por um lado e, por outro, o sistema econômico, destruindo os empregos. Vivemos uma quadra tremenda de desemprego, em que o próprio Governo privatiza empresas, estimulando a demissão ou colocando para fora 30%, pelo menos, dos seus trabalhadores.
Se amanhã privatizarem a Vale — os funcionários precisam saber disso —, 30% dos seus funcionários irão embora no outro dia. Essa situação de hostilidade com a força de trabalho, essas medidas coercitivas só podem apontar para uma situação dramática. Um povo não vai à revolução, à luta e à liberdade porque é mais miserável e pode morrer de fome. E é o que está ocorrendo. Por que a população brasileira não cresceu como deveria? Tinha de crescer para 160 milhões de brasileiros no último censo, mas faltaram 15 milhões. Esses 15 milhões não vieram por quê? Por fome, desemprego. Nunca tivemos uma fase de tanta violência, de tanta menina de 9, 10 anos prostituída. Essas meninas não se prostituem por volição, por vocação, por um pendor à prostituição. É casa sem comida, é casa abandonada e destruída.
Neste momento a única oferta que há de emprego para milhões de brasileiros é a do movimento dos sem-terra. Precisamos começar a distribuir a terra em grandes quantidades. Parcelas de 20, 30 hectares para quem queira nelas viver e trabalhar. Qual a alternativa que o Governo oferece para empregar essa multidão de milhões de desempregados e lançados à marginalidade e à violência? A única oferta que se faz, hoje, é a do movimento dos sem-terra.
Já falei muito. Poderia falar horas, tanto estou ligado à história de Jango. Deixem-me, apenas, recordar o que sucedeu em l964. A ideia que eu e Jango tínhamos era de que seria perfeitamente possível enfrentar o latifúndio e a direita latifundiária. O projeto de lei para isso eu tinha entregue ao Congresso Nacional, acompanhado de mensagem presidencial, propondo as medidas da reforma agrária, o que era factível de ser aprovado. Mas o que não era factível, o que nos tombou, foi a aliança da direita com os norte-americanos obcecados com a Guerra Fria.
Havia dois inimigos para os norte-americanos na Guerra Fria: a Rússia, claro; mas os inimigos locais eram Cuba, que ainda hoje os leva ao desespero, e o Brasil, pois temiam que a fome no Nordeste, a fome no Brasil, levasse o País a tomar um caminho desses. Jango não estava empurrando o País para esse caminho, para dar soluções, para equacionar o problema das terras.
O Brasil seria outro hoje se o projeto de reforma agrária que apresentamos ao Congresso a 15 de março tivesse sido aprovado. O golpe, então, se articulou como um golpe estrangeiro, financiado pelos norte-americanos e por outras potências, subornando generais, subornando políticos, todos sabendo dos escândalos, nesta Casa, do IBAD, da quantidade de dinheiro que foi posta na mão de Deputados e Senadores que aceitavam ser coniventes com a política deles, que era manter o Brasil tal qual é, porque era lucrativo para eles, era bom para eles, indiferentes à sorte do povo
Jango realizou grandes feitos. Vi crescerem projetos ao seu lado. Vi-o empurrar os Parlamentares que estavam lutando pelo Estatuto do Trabalhador Rural; vi-o levar adiante e criar a ELETROBRAS, que agora querem destruir. Na ELETROBRAS, conseguimos um mecanismo legítimo para aumentar as tarifas de eletricidade, para que o excedente fosse aplicado em construção de novas hidrelétricas. E construímos. E duplicamos, e triplicamos e decuplicamos nossa capacidade. E agora vai-se dar esse instrumento às empresas que comprarem, o direito de aumentar as taxas para fazerem hidrelétricas? Elas nem querem fazer hidrelétricas. Serão encargos do Governo, que tirará os recursos de onde, se a fonte secou?
Outros feitos foram o décimo terceiro salário, cuja tramitação teve todo o seu apoio; o controle do capital estrangeiro, cujo projeto chegou a ser aprovado na Câmara e no Senado; e a lei de remessa e lucros que o Jango regulamentou com a assessoria de Carvalho Pinto.
Quero terminar essa minha fala dizendo que a Jango devemos uma outra coisa muito bonita, que a meu coração fala especialmente: aquele senso de liberdade, de democracia e de criatividade cultural. É naquele período de Jango que surge um movimento poderoso que se estende a 1968: o movimento da bossa nova, o movimento do cinema novo, o movimento das canções de protesto, o movimento do teatro de opinião, movimentos que empolgavam toda a juventude, ganhando-a para si mesmo e para o País. Isso é o que falta hoje.
Quem vai ganhar essa juventude que a ditadura castrou e que aí está desbundada? (Palmas.) Isso me preocupa profundamente. Havia formas de concatenar a ação dos jovens para que eles fossem orgulhosos de ser brasileiros. E fossem quadros da nossa luta. Em 1968, na luta por manter aquele espírito, eles ofereceram os corações e os fígados às balas. Às dezenas foram mortos e torturados.
A beleza do movimento cultural é alguma coisa que devemos ao Governo de Jango, conciliador, persuasório, incapaz de violência. Acho mesmo, às vezes, que ele deveria ter tido um tom de violência um pouco maior, porque não há crime maior do que perder o poder. Mas não era da natureza de Jango. A formação dele não contribuía, de forma nenhuma, para uma guerra fratricida em que poderiam morrer milhões de brasileiros. Estamos aqui para recordar e saudar a memória desse homem por todos os títulos honrado e para que as pessoas se lembrem de que há outra versão, para a qual cada um de nós tem de contribuir.
Não é a versão de vencedor, que descreve aquele período como o período do Jango, que eles quiseram enfrentar da forma que fosse, sem nada a ver, de um governo que tinha conseguido constituir um partido revolucionário. Ora, a crença de Jango era a de que ele iria fazer o Partido Trabalhista Brasileiro igual ao inglês; que ele iria concorrer nas eleições e ganhar.
De fato, ele triplicou o número de Deputados trabalhistas. E mais, muito mais do que isso: Jango chamou ao Partido Trabalhista gente como Almino Affonso, que vinha de outras fontes: São Thiago Dantas, Hermes Lima e tanta gente mais. Introduziu na esquerda brasileira inclusive o eminente Presidente do Senado Federal, José Sarney, que naquele momento estava também na nossa luta. O que se quebrou foi aquela postura aberta, persuasória, de transformar o Brasil pelo consentimento das classes dominantes, em vista de que não dava prejuízo a ninguém, senão a quem não merecia atenção, que eram os latifundiários absenteístas.
Meus senhores, um dos meus orgulhos é o de ter sido o Chefe da Casa Civil do Presidente João Goulart”. (Palmas.)
A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto.
Anísio Teixeira, por Darcy Ribeiro
Para Anísio, eu, como intelectual, era um ente desprezível
Trecho da autobiografia “Confissões” de Darcy Ribeiro publicada pela Companhia das Letras em 1997.
Anísio Spínola Teixeira representou para mim o que fora Rondon em outro tempo e dimensão. Baixinho, irrequieto, falador, mais cheio de dúvidas que de certezas, de perguntas que de respostas. Anísio me ensinou a duvidar e a pensar. Ele dizia de si mesmo que não tinha compromisso com suas ideias, o que me escandalizava, tão cheio eu estava de certezas. Custei a compreender que a lealdade que devemos é à busca da verdade, sem nos apegarmos a nenhuma delas. De mim dizia que eu tinha a coragem dos inscientes, referindo-se à minha ignorância e à ousadia de investir sobre os problemas educacionais, optando rapidamente entre alternativas.
Anísio exerceu uma influência muito grande sobre mim. Tanto que costumo dizer que tenho dois alter egos. Um, meu santo-herói, Rondon, com quem convivi e trabalhei por tanto tempo, aprendendo a ser gente. Outro, meu santo-sábio, Anísio. Por que santos os dois? Sei lá… Missionários, cruzados, assim, sei que eram. Cada qual de sua causa, que foram ambas causas minhas. Foram e são: a proteção aos índios e a educação do povo.
Fui para a educação pelas mãos de Anísio, de quem passei a ser, nos anos seguintes, discípulo e colaborador. O curioso da história de nossas relações de amizade e de respeito recíprocos é que, de início, Anísio e eu éramos francamente hostis um ao outro.
Para Anísio, eu, como intelectual, era um ente desprezível. Um homem metido com índios, enrolado com gentes bizarras, lá do mato. Ele não tinha simpatia nenhuma pelos índios; não sabia nada deles, nem queria saber. Para Anísio, Rondon era uma espécie de militar meio louco, um sacerdote de reiúna pregando para os índios; uma espécie de Anchieta de farda. Eu, para ele, era ajudante daquele Anchieta positivista. Um cientista preparado que se gastava à toa com os índios, aprendendo coisas que não tinham interesse nem relevância.
Para mim, Anísio era o oposto, um homem urbano, letrado, alienado. Eu o via como aquele intelectual magrinho, pequenininho, feinho, indignadozinho, que falava furioso de educação popular, que defendia a escola pública e gratuita com um ardor comovente. Mas eu não estava nessa. Gostava era do mato, estava era com meus índios, era com os camponeses, com o povão. Estava pensando era na revolução socialista. Anísio até me parecia udenista. Eu o achava meio udenóide por sua amizade com o Mangabeirão e por suas posições americanistas. Seu jeito não me agradava, ainda que reconhecesse nele, mesmo à distância, uma qualidade de veemência, uma quantidade de paixão que não encontrava em mais ninguém.
Através de Charles Wagley, que sempre nos quis aproximar – e que me levou a vê-lo umas duas vezes -, acabei conhecendo pessoalmente o Anísio. Isso quando ele criava, dentro do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, funcionando, nessa época, ainda na rua México. Wagley, que lá estava ajudando a fazer o primeiro plano de pesquisas do CBPE, convenceu Anísio de que devia ouvir uma conferência minha sobre índios.
Era uma conferência igual a muitas que eu fazia, naquela época, sobre os povos indígenas brasileiros e aspectos culturais da vida indígena, comparando e contrastando suas diversas fisionomias culturais. O certo é que comecei a conferência e, depois de falar uns dez minutos, vi que Anísio estava aceso, os olhinhos bem apertados, atento, comendo palavra por palavra do que eu dizia. Continuei a conferência, olhando para ele de vez em quando, de certa forma falando para ele. Em dado momento, Anísio começou a murmurar e eu custei a entender o que ele dizia. Vociferava: “São uns gregos! Uns gregos!”.
Eu mais falava sobre os índios – estava analisando a vida social dos Ramkokamekra, os chamados Canelas do Maranhão, que têm uma organização social muito complexa – e mais Anísio resmungava: “São uns gregos! Gregos!”.
Com essas interjeições, ele abriu uma espécie de diálogo louco comigo. Eu dizia coisas e coisas, e ele opunha interjeições: “São gregos! Gregos!”. Eu, inquieto, sem entender o que ele queria dizer com aquilo. Anísio aceso. Custei a compreender que, fechado em sua formação clássica, Anísio só foi capaz de ver e entender os índios enquanto configurações culturais, e meu interesse neles, por via de sua comparação com a mentalidade ateniense e a espartana.
Até então, Anísio, que não gostava dos índios, dizia que eu só podia ser um idiota porque, sendo inteligente como diziam, me dedicava a 0,02% da população brasileira, a indiada. O certo é que desde aquele primeiro encontro intelectual nos apaixonamos um pelo outro.
Fui trabalhar com Anísio. Ajudei a compor, a partir de uma central no Rio, que era o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, uma rede deles junto a universidades e grupos intelectuais em São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Curitiba e Porto Alegre. Nessa empreitada estavam Thales de Azevedo, Gilberto Freyre, Abgar Renault, Fernando Azevedo, muita gente mais de prestígio intelectual e de vago interesse pela educação. Exceto Fernando, que desde a década de 1920 era um combatente da educação pública. A ideia básica de Anísio era interessar a universidade brasileira e a intelectualidade em integrar a educação no seu campo de estudos, como fazia com a medicina e a engenharia.
Não nos largamos mais. Nos vendo diariamente, discutindo, trabalhando durante anos e anos. Sempre discordando, é certo, porque ambos somos espíritos polêmicos, mas sempre confluindo. Juntos enfrentamos a luta em defesa da escola pública, no curso dos debates no Congresso Nacional sobre a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional.
Foi na campanha por uma lei democrática para a educação e na luta para criar a Universidade de Brasília que comecei a me tornar visível no Brasil como educador. Aquela foi uma luta memorável, em que o melhor da intelectualidade lúcida e progressista se opunha à reação, comprometida com o privatismo, que condena o povo à ignorância. Nos dois campos os líderes mais atuantes eram o Anísio e seus colaboradores, eu inclusive, de um lado, e Carlos Lacerda e dom Hélder Câmara, no campo oposto.
O movimento alargou-se, porém, a todo o país, despertando para a ação política um grande número de intelectuais universitários, que, não encontrando uma via de acesso à militância, se estiolavam numa vida acadêmica esterilizante. Esse é o caso de Florestan Fernandes, admirável sociólogo, que só na luta pela escola pública e gratuita encontrou caminho para voltar ao combate político.
O que se debatia, em essência, era, por um lado, o caráter da educação popular que se devia dar e, por outro lado, como destinar ao ensino popular os escassos recursos públicos disponíveis para a educação. Não nos opusemos jamais à liberdade de ensino no sentido do direito, de quem quer que seja, a criar qualquer tipo de escola a suas expensas, para dar educação do colorido ideológico que deseja. Nos opúnhamos, isso sim, em nome dessa liberdade, a que o privatismo se apropriasse, como se apropriou, dos recursos públicos para subsidiar escolas confessionais ou meramente lucrativas.
Além dessa participação ativa na campanha em defesa da escola pública, cooperei com Anísio, também, no campo de minha especialidade. Principalmente na organização e direção, para o Ministério da Educação, do mais amplo programa de pesquisas sociológicas e antropológicas realizado no Brasil. Seu propósito era proporcionar aos condutores da política educacional brasileira toda a base informativa indispensável sobre a sociedade e a cultura brasileira, bem como sobre o processo de urbanização caótico e de industrialização intensiva a que ela vinha sendo submetida.
Para isso, assumi a direção científica do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. Transferi para lá o programa pós-graduado de formação de pesquisadores que mantinha no Museu do Índio e organizei a equipe interna de pesquisadores e um corpo externo de colaboradores, do qual participaram alguns dos principais cientistas sociais brasileiros. Sobre essas bases, levei a cabo um triplo programa de pesquisas que tinha o Brasil como objeto de estudo.
O primeiro desses programas consistiu num conjunto de pesquisas de campo focalizando cidades em seu contexto urbano e rural de doze zonas
brasileiras representativas das principais áreas culturais do país. Preparei nos cursos que dava no CBPE e fiz residir, em cada uma daquelas cidades, um cientista social durante um ano. Cada um deles operando como observador participante, à base de um programa comum de pesquisa, que tornaria comparáveis os seus estudos.
O segundo programa, esse de base bibliográfica, consistiu numa série de estudos de síntese sobre temas básicos para a compreensão do Brasil moderno.
O terceiro programa abrangeu diversas pesquisas sociológicas, indispensáveis para o planejamento educacional, focalizando aspectos cruciais dos processos de urbanização e de industrialização.
Planejei e conduzi esses estudos tendo sempre a ideia de redigir um livro de síntese sobre o Brasil com base no material dele resultante. Entretanto, as tarefas a que fui chamado, depois, à frente da Universidade de Brasília, do Ministério da Educação e, mais tarde, como chefe da Casa Civil da Presidência da República não permitiram que eu fizesse minha parte. Só no exílio retomei essa temática, já com outra visão da ciência antropológica e da realidade brasileira. Não poderia ser a síntese daqueles estudos, mesmo porque, dos 32 programados, apenas catorze foram publicados, e também porque eu queria, então, coisa diferente — entender por que o Brasil teimava em não dar certo.
O convívio diário com Anísio e o fato circunstancial de que tinha me comprometido com Cyro dos Anjos a redigir o capítulo da educação das mensagens presidenciais de JK me deram oportunidade de me inteirar, ano após ano, das questões educacionais e, principalmente, do atraso vergonhoso em que andavam e da necessidade de uma virada séria. Na ocasião, se discutia no Congresso a primeira Lei de Diretrizes e Bases da educação, que me obrigou a me aprofundar nas implicações filosóficas e ideológicas do processo educacional.
Uma das discussões mais vivas, que nos contrapunha à direita, dizia respeito à formação do magistério primário. Eles queriam, em nome da liberdade de ensino, transferir o concurso de ingresso no curso normal do princípio dele para o fim. O que pretendiam com isso era deixar livre quem quisesse criar escolas normais. Aprovada a lei, isso se converteu num negócio que multiplicou geometricamente os cursos normais e, na mesma medida, degradou irreparavelmente a formação do professorado. Nós lutávamos para preservar e melhorar os institutos de educação que existiam em todos os estados e realizavam uma tarefa altamente meritória de formação de professores competentes. Eles queriam fazer das escolas normais, como fizeram, um negócio lucrativo. A Igreja foi nessa conversa, acreditando que assim se livrava de influência comunista sobre o alunado dos institutos de educação.
Darcy, intelectual e homem de ação. Idealista e passional. Viveu intensamente e pensou educação e a questão indígena como poucos. Homem de esquerda, ficaria chocado com o avanço do fascismo no Brasil que amava tanto. Boa lembrança, Prévidi!
ResponderExcluirComunista chocado com fascismo?
ResponderExcluirÉ só o que choca eles, e nem precisa ser fascismo real. Para comunista, todo opositor é um fascista.
ExcluirUm exemplo da esquerda festiva, que até parecia inofensiva àquela época, mas que se demonstrou tão perniciosa quanto a esquerda agressiva.
ResponderExcluir