Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
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especial copas
Lembranças de heróis e os militares
Amarildo: grande ídolo! |
Gosto muito deste texto.
Está no livro "A Revolução da Minha Janela", de dezembro de 2008.
A primeira Copa que acompanhei foi a de 1962. Por razões óbvias – completara oito anos e já tinha um time de botão, com meus ídolos do Botafogo. Gostava de futebol, gostava do Botafogo. Vivia no Rio de Janeiro e fui algumas vezes ao Maracanã ver o meu time.
Para tristeza da minha família, uma das primeiras palavras que disse foi “fogo”, quando ouvia no rádio a transmissão de uma partida de futebol. Pais e irmãos, além de tias e avós, eram Fluminense. Assim como eles, eu também era sócio do Clube, pela proximidade de casa. Via até alguns jogos no Estádio das Laranjeiras, mas não me impressionava.
Naqueles dias que antecederam a primeira partida do Brasil contra o México constatei que vários dos “meus jogadores” estavam no Chile – Garrincha, Nilton Santos, Didi e, o meu atacante predileto, Amarildo.
No segunda partida contra a extinta Tchecoslováquia, Pelé se machucou e ficaria fora de todos os jogos. Quem entrou? Ele, Amarildo.
Terceiro jogo. Estava ao lado de minha família escutando atentamente o jogo de Amarildo contra a Espanha. Saímos perdendo, mas meu ídolo fez dois gols.
Nas partidas seguintes, Garrincha brilhou ao lado de Amarildo, e nos tornamos campeões do mundo. O meu Botafogo estava lá!!
Quando voltaram ao Brasil, torrei a paciência do meu pai para me levar ao centro da cidade ver o desfile dos campeões. Era noite, estava com sono, mas vi Amarildo passar no caminhão do corpo de bombeiros. Tinha um sorriso tímido.
Mas o seu apelido era Possesso.
Um cronista da época registrou:
”Pelé se machucou na segunda partida e ficou fora da Copa do Chile. E no jogo contra a Espanha, no dia 3 de junho de 1962, lá estava o garoto Amarildo com a camisa 20. No começo, Amarildo estava apático, as pernas pareciam de chumbo e aquela ferocidade sumira. Até que no final no primeiro tempo o zagueiro Garcia cuspiu-lhe na camisa e puxou-lhe o cabelo. Pobre Garcia, despertava o adormecido anjo branco e dele surgia a figura do Possesso. Veio o segundo tempo e o Brasil venceu com dois gols de Amarildo. Aquele era o grande Amarildo, bicampeão mundial, bicampeão carioca.”
...
Depois da inesquecível Copa de 62 – é, a primeira a gente não esquece –, acompanhei sem entusiasmo a de 1966, na Inglaterra. Por alguns motivos relevantes. Para vocês terem uma idéia, ouvi pelo rádio o Brasil ser eliminado no Rio de Janeiro e acompanhei o sucesso do angolano Euzébio, da Seleção de Portugal, em Porto Alegre. Mas em 66 parte do meu time de botão estava presente: Manga, Rildo, Gérson, Garrincha e Jairzinho.
O "capitão" Carlos Alberto Torres e o general Medici |
Bem, aí chegamos à histórica Copa do México, em 70. Assistia ao general Médici visitando os jogadores, dando palpites e cada vez mais aumentava o meu nojo dos militares que mandavam no Brasil. Sabia que tínhamos uma Seleção que somente venceria, mas não podia torcer pelas vitórias. Meus amigos vibravam com os resultados positivos, mas eu não.
Quando o Brasil venceu a última partida, fui com um amigo onde estava sendo comemorada a façanha, na avenida Independência, em Porto Alegre. Assisti a brigas, pessoas vomitando, uma alegria só. Eu lá num canto, no saguão do Teatro Leopoldina.
No início de 74 tinha me acidentado e estava de molho. Não me levantava da cama para nada. E do meu quarto assisti à Copa da Alemanha e, como na anterior, torcendo contra o Brasil. Mesmo que estivessem lá Paulo Cesar Carpegianni e Valdomiro, meus ídolos do Internacional.
Vi jogar uma das melhores Seleções de todos os tempos, a da Holanda de Cruyff. Quando o Brasil foi jogar com eles, o intragável Zagallo disse que iria fazer uma laranjada deles – referindo-se à cor das camisetas da Holanda. Tomaram dois a zero, ao natural.
Tomei vários copos de cerveja em homenagem aos holandeses.
...
Nas duas Copas seguintes, 78 e 82, torci, como muitos brasileiros, contra o Brasil. Descaradamente. O raciocínio era simples: os militares não poderiam faturar em cima da Seleção. Aliás, é sempre bom lembrar que depois de 64 os militares se infiltraram no futebol e tornaram-se cartolas. Almirantes, generais, coronéis e capitães mandavam no futebol e nos demais esportes. Sabiam de tudo.
Leiam uma análise feita pela revista Placar: “Muita coisa mudara no futebol brasileiro depois de 1974. Uma intervenção velada na Confederação Brasileira de Desportos pusera fim ao longo reinado de João Havelange e indicara para seu lugar, como novo todo-poderoso da entidade – e, conseqüentemente, da Seleção Brasileira –, o almirante Heleno Nunes. A intervenção tinha claros fins políticos. O substituto de Havelange era, na época, nada menos que o presidente da Arena, partido do governo, no estado do Rio de Janeiro. Sua indicação para o comando da CBD aproximava ainda mais o futebol do poder e tornava mais eficaz a utilização de um pelo outro. Os interesses políticos passaram a prevalecer, com evidentes prejuízos técnicos para times e jogadores”.
Em 78, na Argentina, uma seleção de craques foi a “campeão moral”. Era comandada por um capitão do Exército, carioca, chamado Cláudio Coutinho. Se deram mal.
Na Espanha, em 82, inventaram o “futebol arte”, justamente no mesmo ano em que aconteceriam as eleições diretas para os governos estaduais. Claro que os militares não poderiam vencer esta batalha. Mesmo que o grande Paulo Roberto Falcão, criado no Internacional e ídolo da Roma, estivesse no time principal.
Nessa Copa, o melhor jogo foi a derrota para a Itália. Estava lá em casa uma prima uruguaia e ela não entendia como eu podia torcer contra o meu país. Tentei explicar mas ela não entendia.
Hoje, reconheço, se eu tentasse me explicar também não entenderia – se é que vocês conseguem me entender.
...
Nas Copas de 86 e 90 nem me dei ao trabalho de torcer contra.
Na primeira os brasileiros viram a Argentina dar um banho de bola. A geração de craques do eixo Rio-São Paulo, mais uma vez, fracassou. Zico e os demais protagonizaram um novo fiasco. De qualquer forma, lá estava o lateral Josimar, do Botafogo, que substituía Leandro. O representante do Internacional brilhou – Mauro Galvão. Falcão já estava de volta ao Brasil e atuava no São Paulo.
Em 90, na Itália, a carrancuda Alemanha venceu. E lá estavam quatro jogadores vinculados ao RS: Taffarel, Mauro Galvão, que estava no velho Botafogo, Dunga, na Fiorentina, e Renato, que deixara o Grêmio e brilhava no Flamengo.
Não cheguei a torcer contra o Brasil na Copa dos Estados Unidos, em 94, porque meus filhos tinham outros sentimentos em relação à Seleção e fiquei na minha – afinal, assistimos aos jogos juntos. Estavam lá Taffarel, Márcio Santos e Dunga.
Da sacada de casa vi muito marmanjo chorando em razão da derrota contra a França, em 98. Era uma Seleção simpática, com Taffarel e Dunga. Também não torci contra – os militares estavam num passado muito distante. Mas as pessoas que giram em torno dos jogadores da Seleção, de modo geral, são nojentas, presunçosas, fazem questão de mostrar soberba. Foi uma lição.
Na Copa de 2002 não tive como torcer contra. Era um time maravilhoso, sob o comando de um sujeito simples, o Felipão. Estava lá o excelente Lúcio, que se projetou no Internacional.
Torci, mesmo, depois de muitos anos sendo do contra.
Perdi tempo?
O Juca Kfouri diz que sim.
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Zagallo e a nossa Zagallo
Temos três cadelas em casa. A mais nova é uma cocker, a Frida. A do meio é uma poodle, a Nala. A primeira a se tornar da família foi a Pinta, uma fox completamente louca desde nenê. Daquelas que late por qualquer coisa, não admite que chegue visita e quando permite um intruso não deixa que se aproxime de alguém de casa – ataca sempre o calcanhar do visitante.
A Pinta está conosco há mais ou menos 15 anos.
Vocês sabem que um cachorro, por melhor que seja tratado, quando chega a esta idade está se entregando, é uma anciã. Está na terceira idade. Gagá. Mas a Pinta não se entrega. Está sempre conferindo quem está na cozinha, fica rondando a mesa na hora das refeições, gosta de tomar banho e, prazer supremo, dar uma volta no Parque da Redenção. Já tentou namorar algumas vezes, mas uma rápida cirurgia terminou com o seu tesão.
É só olhar para a Pinta e ver que ela está nas últimas. Tem cara de velhinha, está sempre tremendo, não tem paciência nem mesmo para receber um afago. Durante os jogos da Copa, as duas colegas da Pinta ficam enlouquecidas com os foguetes. Ela, não; dorme tranqüilamente no sofá da sala, mesmo que tenha uma almofada que nenhuma das outras se atreve a passar perto.
Assistimos aos jogos do Brasil em casa.
Família reunida significa deboche em doses cavalares.
Até que a TV começa a mostrar o Parreira e ao seu lado o Zagallo, com aquela cara de quem não tinha a menor idéia de onde estava. Quando mostram o ex-ponteiro do meu Botafogo e da Seleção com uma camisa do Brasil implorando que um croata troque com ele – e nenhum aceita – foi demais.
Começamos a imaginar o que ele estaria falando (?) com o Parreira, por exemplo. Aliás, deveria chamar o técnico de Feola ou de Aimoré Moreira. Estaria pedindo para que colocasse o Jairzinho, “porque o furacão resolve”.
“Feola, estou com a minha camisa 13 por baixo do abrigo. Deixa eu entrar”, implorava o Zagallo. Viajamos em todos os jogos.
Lá pelas tantas, acredito que no jogo contra o Japão, nos perguntamos: o que Zagallo estava fazendo na Alemanha? Meu Deus, sério, o que o pobre Zagallo estava fazendo lá? Ficamos com a nítida impressão de que durante o jogo da França o coordenador técnico da Seleção dormiu no ombro do Parreira.
Terminado o último jogo, estávamos falando mal do Roberto Carlos e a Pinta acordou. Pulou do sofá para o chão e se espreguiçou. Olhamos para ela e resolvemos mudar o seu nome: “Zagallo!!”, falamos todos ao mesmo tempo. A Pinta é desde sábado o nosso Zagallo.
Pelo menos a Pinta sabe muito bem o que está fazendo aqui em casa. Nos domingos, por exemplo, toma banho e corre como uma lebre por toda casa, feliz da vida.
E o Zagallo? Será que sabe o que aconteceu na Alemanha?
O Brasil não merece isso. O Brasil não merecia o desfecho que teve na Alemanha. O Brasil não merecia ver o Zagallo querendo trocar de camisa com um jogador qualquer.
Pelo menos, aqui em casa, não tem uma câmera exclusiva da Globo para focalizar um fiasco da nossa Zagallo. Fiascos bem menores do que o de um grande jogador da década de 60. Um ídolo.
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