Sexta, 23 de novembro de 2018




Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
...
ANDO DEVAGAR
PORQUE NÃO TENHO PRESSA







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até o meio-dia











especial

Nesta sexta, uma cesta de
FRANZ KAFKA



Franz Kafka (3 de julho de 1883) nasceu em uma família judaica de classe média e que falava alemão em Praga, então pertencente ao Império Austro-Húngaro. Durante sua vida, a maior parte da população de Praga falava tcheco e a divisão entre os que falavam tcheco e alemão era visível, já que ambos os grupos estavam tentando fortalecer sua identidade nacional.
O próprio Kafka era fluente nas duas línguas, considerando o alemão sua língua materna.
Formou-se em direito e, depois de completar sua educação, conseguiu um emprego em uma companhia de seguros. Começou a escrever contos no seu tempo livre.
Pelo resto de sua vida, reclamou do pouco tempo que tinha para dedicar-se ao que chegaria a chamar de “seu chamado”. Arrependeu-se de ter tido que dedicar tanto tempo ao seu “ganha pão”. Kafka preferia comunicar-se através de cartas; escreveu centenas de cartas para sua família e amigas próximas, incluindo seu pai, sua noiva Felice Bauer e sua irmã mais nova, Ottla Kafka.
Tinha uma relação complicada e turbulenta com seu pai, o que teve uma grande influência sobre sua escrita. Também sofreu por ser judeu, sentindo que essa era uma característica que tinha pouco a ver consigo, apesar de críticos afirmarem que isso influenciou sua escrita.
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Apenas algumas das obras de Kafka foram publicadas durante sua vida: as coleções de contos Considerações e Um Médico Rural, e contos (como A Metamorfose) em revistas literárias. Preparou a coleção Um Artista da Fome para impressão, mas só foi publicada postumamente.
Os trabalhos inacabados de Kafka, como os romances O Processo, O Castelo e O Desaparecido, foram publicados postumamente pelo seu amigo Max Brod, que ignorou o desejo de Kafka de ter seus manuscritos destruídos.

Albert Camus, Gabriel García Márquez e Jean-Paul Sartre estão entre os escritores influenciados pela obra de Kafka; o termo "kafkiano" popularizou-se em português como algo complicado, labiríntico e surreal, como as situações encontradas em sua obra.

Morreu (vítima de tuberculose) em 3 de junho de 1924, em Klosterneuburg, República Austríaca, atual Áustria.
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A escrita de Kafka inspirou a criação do termo "kafkiano", usado tanto em português como em outras línguas para descrever conceitos e situações que remetem à sua obra, principalmente O Processo e A Metamorfose. Entre os exemplos de situações usadas estão momentos quando a burocracia subjuga as pessoas, geralmente de forma surreal, evocando distorção, falta de sentido e impossibilidade de ajuda. Personagens em uma cena kafkiana geralmente carecem de autossuficiência para escapar das situações labirínticas. Elementos kafkianos muitas vezes aparecem em obras existencialistas, mas o termo ultrapassou o meio literário e também é usado em ocorrências reais que são incompreensíveis, complexas, bizarras ou ilógicas.
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A Metamorfose é o conto (livro) mais importante.



O PIÃO

Um filósofo costumava circular onde brincavam crianças. E se via um menino que tinha um pião já ficava à espreita. Mal o pião começava a rodar, o filósofo o perseguia com a intenção de agarrá-lo. Não o preocupava que as crianças fizessem o maior barulho e tentassem impedi-lo de entrar na brincadeira; se ele pegava o pião enquanto este ainda irava, ficava feliz, mas só por um instante, depois atirava-o ao chão e ia embora.

Na verdade, acreditava que o conhecimento de qualquer insignificância, por exemplo, o de um pião que girava, era suficiente ao conhecimento do geral. Por isso não se ocupava dos grandes problemas – era algo que lhe parecia antieconômico. Se a menor de todas as ninharias fosse realmente conhecida, então tudo estava conhecido; sendo assim só se ocupava do pião rodando.

E sempre que se realizavam preparativos para fazer o pião girar, ele tinha esperança de que agora ia conseguir; e se o pião girava, a esperança se transformava em certeza enquanto corria até perder o fôlego atrás dele. Mas quando depois retinha na mão o estúpido pedaço de madeira, ele se sentia mal e a gritaria das crianças – que ele até então não havia escutado e agora de repente penetrava nos seus ouvidos – afugentava-o dali e ele cambaleava como um pião lançado com um golpe sem jeito da fieira.



A PARTIDA

Ordenei que tirassem meu cavalo da estrebaria. O criado não me entendeu. Fui pessoalmente à estrebaria, selei o cavalo e montei-o. Ouvi soar à distância uma trompa, perguntei-lhe o que aquilo significava. Ele não sabia de nada e não havia escutado nada. Perto do portão ele me deteve e perguntou:

– Para onde cavalga, senhor?

– Não sei direito – eu disse – só sei que é para fora daqui, fora daqui. Fora daqui sem parar: só assim posso atingir meu objetivo.

– Conhece então seu objetivo? – perguntou ele.

– Sim – respondi -. Eu já disse: “fora-daqui”, é esse o meu objetivo.

– O senhor não leva provisões – disse ele.

– Não preciso de nenhuma – disse eu -. A viagem é tão longa que tenho de morrer de fome se não receber nada no caminho. Nenhuma provisão pode me salvar. Por sorte esta viagem é realmente imensa.



O ABUTRE

Era um abutre que me dava grandes bicadas nos pés. Tinha já dilacerado sapatos e meias e penetrava- me a carne. De vez em quando, inquieto, esvoaçava à minha volta e depois regressava à faina. Passava por ali um senhor que observou a cena por momentos e me perguntou depois como eu podia suportar o abutre.

– É que estou sem defesa – respondi. – Ele veio e atacou-me. Claro que tentei lutar, estrangulá-lo mesmo, mas é muito forte, um bicho destes! Ia até saltar-me à cara, por isso preferi sacrificar os pés. Como vê, estão quase despedaçados.

– Mas deixar-se torturar dessa maneira! – disse o senhor. – Basta um tiro e pronto!

– Acha que sim? – disse eu. – Quer o senhor disparar o tiro?

– Certamente – disse o senhor. – É só ir a casa buscar a espingarda. Consegue agüentar meia hora?

– Não sei lhe dizer. – respondi.

Mas sentindo uma dor pavorosa, acrescentei:

– De qualquer modo, vá, peço-lhe.

– Bem – disse o senhor. – Vou o mais depressa possível.

O abutre escutara tranquilamente a conversa, fitando-nos alternadamente. Vi então que ele percebera tudo. Elevou-se com um bater de asas e depois, empinando-se para tomar impulso, como um lançador de dardo, enfiou-me o bico pela boca até ao mais profundo do meu ser. Ao cair senti, com que alívio, que o abutre se engolfava impiedosamente nos abismos infinitos do meu sangue.



A PERGUNTA

Só a nossa noção de tempo nos faz pensar em Juízo Final, quando é de justiça sumária que se trata.
O suicida é como o prisioneiro que, vendo armar-se uma forca no pátio, imagina que é para ele – foge de sua cela, à noite, desce ao pátio e pendura-se ao baraço.

Os mártires não menosprezam o corpo, apenas fazem-no pregar à cruz: é no que estão de acordo com seus adversários.

As portas são inumeráveis, a saída é uma só, mas as possibilidades de saída são tão numerosas quanto as portas. Há um propósito e nenhum caminho: o que denominamos caminho não passa de vacilação.
Os leopardos invadem o Templo e esvaziam os vasos sagrados… O fato não cessa de reproduzir-se; até que se chega a prever o momento exato e isso entra a fazer parte do ritual.

Os bons vão a passo certo; os outros, ignorando-os inteiramente, dançam à volta deles a coreografia da hora que passa.

Outrora eu não podia compreender que minhas perguntas não obtivessem resposta; hoje em dia não compreendo que jamais tivesse admitido a hipótese de formular perguntas… Bem, eu não acreditava então em coisa alguma – só fazia perguntar.


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