PORQUE JÁ TIVE PRESSA
especial
Nesta sexta, uma cesta
de Gilberto Freyre!
O mais importante
sociólogo brasileiro
Sem um fim social o saber será a maior das futilidades.
A culinária é uma das maiores expressões do comportamento humano, do saber humano, da criatividade humana, muito do saber humano está naquilo que você come.
Gilberto Freyre (Gilberto de Mello Freyre) nasceu no Recife, Pernambuco, em 15 de março de 1900. Foi um pensador genial. Para terem uma ideia, Monteiro Lobato testemunhou:
“O Brasil do futuro não vai ser o que os velhos historiadores disserem e os de hoje repetem. Vai ser o que Gilberto Freyre disser. Freyre é um dos gênios de palheta mais rica e iluminante que estas terras antárticas ainda produziram”.
Seu pai, Alfredo Freyre, juiz, advogado e professor de Direito, tratou de dar uma educação completa para o filho. Ainda criança, Freyre aprendeu as primeiras letras no Colégio Batista Americano Gilreath, que o próprio pai ajudou a fundar.
Mostrou dificuldades na aprendizagem da escrita nos primeiros anos escolares e se destacou com seus desenhos.
Logo, superada a dificuldade da escrita, demonstrou grande talento para a literatura e para as ciências humanas. Ainda na escola, foi editor e redator do jornal escolar “O Lábaro”.
Aos 18 anos vai estudar na Universidade Baylor no Texas, onde se formou bacharel em artes liberais e especializou-se em ciências políticas e sociais. Depois concluiu seu mestrado e doutorado em ciências políticas, jurídicas e sociais na Universidade de Columbia.
Lá conheceu o professor Franz Boas, uma de suas maiores referências intelectuais. E, em 1922, publicou sua tese “A Vida social no Brasil em meados do século XIX”.
Gilberto à direita, Carlos Lemos no centro e Ulisses Freyre em passeio no Recife, 1920 |
Em 1924, retornou à terra natal, onde passou a publicar artigos em jornais sobre a formação social do Brasil. Seus artigos eram publicados em jornais de Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.
Em 1926, escreveu o Manifesto Regionalista, contrário a Semana de Arte Moderna e a europeização da cultura brasileira. Entre 1927 e 1930, trabalhou como chefe do gabinete do governador de Pernambuco, Estácio Coimbra.
Em 1933, foi exilado por se opor à Ditadura Vargas. O exílio foi o momento da escrita da principal obra, Casa Grande & Senzala.
Em 1940, de volta ao Brasil, o governo Vargas fechou-lhe o jornal e o prendeu. Novamente, foi vítima de sua oposição ao regime.
Em 1941, casou-se com Maria Magdalena Guedes, com quem teve dois filhos. Em 1946, foi eleito deputado da Constituinte, pela União Democrática Nacional.
Sua obra alcançou grande repercussão e reconhecimento nacional e internacional. No entanto, passou boa parte da vida tendo de explicar novamente pontos do seu livro, alvo de muitas difamações e distorções.
A partir de 1950, recebeu vários convites para ministrar conferências em universidades americanas e europeias. Foi chamado também para compor comissões da ONU que tratavam da questão racial.
Criou a Fundação Gilberto Freyre e abriu a Casa-Museu, ambos na sua antiga residência, para preservar seu legado e sua biblioteca de mais de 30 mil volumes.
Recebeu vários prêmios em vida e títulos de doutor Honoris Causa, de diversas universidades do Brasil e do mundo.
Gilberto Freyre faleceu em 18 de julho de 1987, em Recife, em decorrência de diversos problemas de saúde.
É tão raro o homem de uma só época como raro é hoje raro o homem de uma só cultura ou de uma só raça, ou como parece vir sendo, o indivíduo de um só sexo.
Casa-Grande e Senzala
Texto de João Paulo da Fontoura.
Sempre tive desejo de ler esse livro por saber de seu valor intrínseco e também por curiosidade intelectual. Igual ao Ulysses, de James Joyce, é uma obra muito falada, mas pouco lida. A razão, ao menos ao meu ver, é muito simples, ambas são muito áridas, extensas, e nós, brasileiros do século XXI, ainda temos muito de Macunaíma, ai que preguiça!
Há coisa de uns dez anos, encontrei um original da primeira edição, 1933, muito usado e em condições não muito boas, em um sebo em São Leopoldo. Assustou-me o preço, em torno de 300 reais. Deveria tê-lo comprado, pois livros raros passaram a ser ativos de muito valor. Há pouco, consegui comprar uma reedição de 1992 do MEC/FNDE, usado, simples e em boas condições.
Gilberto Freyre, nascido em Recife no distante 1900 (e lá falecido em 1987) de uma família de classe média alta que pode lhe fornecer uma educação de primeiro mundo, inclusive em universidades norte-americanas e europeias, é um arquétipo descendente das tradicionais famílias patriarcais pernambucanas, e, num sentido lato, nordestinas.
Pra mim, Gilberto Freyre foi aquele que melhor interpretou o Brasil e os brasileiros na sua história, sociologia, psicologia, antropologia. Ele foi tudo, ou quase: jornalista, sociólogo, antropologista, político, ensaísta, historiador, poeta, escritor, pintor, polemista. Dele, disse o escritor Monteiro Lobato: ‘O Brasil do futuro não vai ser o que os velhos historiadores disserem e os de hoje repetem. Vai ser o que Gilberto Freyre disser. Freyre é um dos gênios de paleta mais rica e iluminante que estas terras antárticas ainda produziram’.
Nesse tema, quem talvez mais se aproximou dele em termos de pesquisa e produção literária foi Sérgio Buarque de Holanda, 1902-1982, pai do cantor e compositor Chico Buarque, com sua magnífica obra, Raízes do Brasil.
Mas, reafirmo: foi indubitavelmente em seu tempo o intelectual brasileiro de maior expressão tanto aqui em terras brasilis quanto na Europa e Estados Unidos.
Bem, feita a introdução, falemos então da obra em si.
Casa-Grande e Senzala é um livro em forma de ensaio, lançado em dezembro de 1933, e que teve várias reedições. Este meu é a 34ª edição, 1992. Além de português, houve impressões em várias outras línguas, quase sempre com acréscimos explicativos derivados do intenso debate que sua publicação provocou, tanto por aqui quanto na Europa, Estados Unidos e alhures.
O subtítulo da edição primeira já diz muito sobre a obra, ‘Formação da família Brasileira Sob o Regime Patriarcal’. Com quase 500 páginas, é estruturado em cinco grandes capítulos (além de inúmeras outras páginas com bibliografia, iconografia, registros onomásticos) sendo:
1) Características gerais da colonização portuguesa no Brasil: formação de uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida;
2) O indígena na formação da família brasileira;
3) O colonizador português: antecedentes e predisposições;
4) O escravo negro na vida sexual e de família do brasileiro;
5) O escravo negro na vida sexual e de família do brasileiro, continuação.
Vou dar umas pinceladas sobre alguns aspectos do livro que me despertaram maiores curiosidades. No início, Freyre dá uma resumida na questão da formação da identidade brasileira, destacando vieses antagônicos entre: a cultura europeia e a indígena; a europeia e a africana; a africana e a indígena; a economia agrária e a pastoril; a agrária e a mineira; o católico e o herege; o jesuíta e o fazendeiro; o bandeirante e o senhor de engenho; o grande proprietário e o pária; o paulista e o emboaba; o pernambucano e o mascate; mas(e esse ‘mas’ é do Freyre), predominando sobre todos os antagonismos, o mais geral, o mais profundo, o SENHOR e o ESCRAVO.
A Casa-Grande era o símbolo maior da sociedade patriarcal brasileira, era o domínio total e absoluto do SENHOR, senhor da família, senhor dos agregados, senhor da política, senhor da moral, senhor da justiça, senhor dos corpos das indígenas e das africanas, um Czar dos trópicos. E, a partir de 1831, com a implantação da Guarda Nacional, ainda mais poder, pois, senhor Coronel!
Há críticos, muitos, que curtem destacar os ‘desvios’ do ensaísta relacionados a aspectos sexuais e raciais. Alguns criticam o uso de uma linguagem imprópria, talvez até mesmo ‘chula’ para um ensaio tão apurado (exemplo, o uso do substantivo coito: coito homem-mulher, homem-homem, homem-animal). Há citações que hoje seriam proibitivas como exemplo à do historiador Oliveira Viana salientando que: ‘... em Minas Gerais observam-se hoje nos negros delicadeza de traços e relativa beleza, ao contrário das cataduras simiescas abundantes na região ocidental da baixada fluminense...’ Outra, ‘... em meados do século XIX, Burton encontrou em Minas Gerais uma cidade de cinco mil habitantes com duas famílias apenas com puro sangue europeu. No litoral, observou o inglês, fora possível aos colonos casar suas filhas com europeus. Mas nas capitanias do interior o mulatismo tornara-se um mal necessário.’
Mesmo sendo produto de um meio à sua época, início do século XX, bastante racista, ele, a mim ao menos, abandona a falácia do racismo científico e trata a miscigenação índio-negro-europeu em uma perspectiva nova. A questão sexual na formação da nossa identidade, ele não tergiversa nem passa paninho quente. O homossexualismo entre os indígenas e africanos, ele afirma, era muito forte, destacando que os pajés nas tribos eram elementos claramente afeminados. Pode ser, mas também pode ser um ‘escapismo’ do Freyre’. Eu li uma entrevista dele nas páginas amarelas da revista Veja, já quase ao final da sua vida, na qual declara, sem pudor, ter tido experiências homossexuais na juventude. A ainda ativa historiadora Maria Lúcia Pallares Burke, em sua biografia Gilberto Freyre: um vitoriano dos trópicos, declara que ‘...as condições de vida dos jovens de Oxford eram favoráveis ao desenvolvimento de relacionamentos profundos e às vezes homoeróticos. Era como se na vida oxfordiana houvesse um forte impulso para intensas amizades de rapazes com algum componente homossexual, possivelmente transitório, próprio das antigas amizades gregas...’
Finalizando, Fernando Henrique Cardoso, que antes de político foi um grande sociólogo, foi econômico quando disse que ‘todos nós brasileiros temos um pezinho na África’. Não, caro presidente, temos um pé na África e uma mão nas tabas indígenas.
Outra crítica que andei lendo, mas que não considero justa, é que o ensaio do eminente sociólogo só vai até São Paulo, deixando o nosso Sul praticamente à margem. Do Sul, ele só cita as nossas, que nem mesmo nossas eram, posto que espanholas, reduções jesuíticas. O problema é que o Sul só passa a existir em termos de Brasil lá por volta de 1737, com a fundação do forte e povoado do Rio Grande.
Plagiando meu parente, Francisco Pinto da Fontoura, "sigam meu exemplo, leiam esse importante ensaio, afirmo: é muito legal!"
Obras
Casa-Grande & Senzala, 1933
Guia Prático, Histórico e Sentimental da Cidade do Recife, 1934
Sobrados e Mucambos, 1936
Nordeste: Aspectos da Influência da Cana Sobre a Vida e a Paisagem…, 1937
Açúcar, 1939
Olinda, 1939
Uma cultura ameaçada: a luso-brasileira, 1940 e 1942 (2ª edição)
O mundo que o português criou, 1940
Um engenheiro francês no Brasil,1940 e 1960 (2ªedição)
Região e Tradição, 1941
Ingleses, 1942
Problemas brasileiros de antropologia, 1943
Continente e ilha, 1943
Sociologia, 1945
Interpretação do Brasil, 1947
Ingleses no Brasil, 1948
Assombrações do Recife velho, 1955
A Propósito de Frades, 1957
Ordem e Progresso, 1959
O Recife sim, Recife não, 1960
Talvez Poesia, 1962
Vida, Forma e Cor, 1962
Os escravos nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX, 1963
Vida social no Brasil nos meados do século XIX, 1964
Dona Sinhá e o Filho Padre, 1964
Brasis, Brasil e Brasília, 1968
Como e porque não sou sociólogo, 1968
O brasileiro entre os outros hispanos, 1975
Tempo morto e outros tempos, 1975
Oh de Casa, 1979
Homens, engenharias e rumos sociais, 1987
Perfeito meu amigo JL Prévidi
ResponderExcluirCaro Prévidi,
ResponderExcluirObrigado pela postagem da minha resenha da obra maior do Grande Freyre, CG&S.
Um amigo e colega da ALIVAT, o engenheiro Marcos Marcos Bastiani, disse-me que no Seminário em que estudou, quando jovem, os padres não gostavam muito do Gilberto Freyre. E não sem motivos, pois as casas grandes dos senhores dos engenhos tinham só paridade em termos de fausto os claustros, conventos, mosteiros onde os padres viviam. Também tem a questão do Gilberto apontar claramente que ‘ter filhos foi dos fenômenos interessantes da vida dos padres e vigários do século passado (XVIII), resultando dessa atividade parapatriarcal dos sacerdotes brasileiros, homens notáveis pela inteligência, altos serviços e brilho das posições. Vigários ativos e padre avulsos povoavam gordamente o solo, sem qualquer embaraço ou cerimônia além do ralhar espaçado e longínquo dos bispos e da crítica inútil dos maçons.’
O pai do grande escritor José de Alencar era padre.
É o que é!
Não resisti, Manchete no G1 da Globo:
ResponderExcluir""Navio de soja encalha em pedras no Guaíba, em Porto Alegre"".
Se ele é de soja, certamente não encalhou, e sim, desmanchou-se.
Muito bom!
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