NÃO LEVE A SÉRIO
QUEM NÃO SORRI!
Quer criticar, quem quer que seja?
Uma porrada?
Legal, publico, mas só com identificação.
OK?
especial
Nesta sexta, uma cesta
de Tom Jobim!
O maior da MPB
Sabe o que é melhor que ser bandalho ou galinha? Amar. O amor é a verdadeira sacanagem.
Nenhuma situação é tão complicada que uma mulher não possa piorar.
Este é um país em que as prostitutas gozam, os traficantes cheiram e em que um carro usado vale mais que um carro novo. É ou não é um país de cabeça para baixo?
No Brasil é tudo importado: eu, você, a língua, os índios, a cana-de-açúcar e o café.
Tom Jobim
Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim nasceu na Tijuca, Rio de Janeiro, em 25 de janeiro de 1927. Compositor, maestro, pianista, cantor, arranjador e violonista é considerado o maior da Música Popular Brasileira. É também um dos pais da Bossa Nova, ao lado de João Gilberto e Vinicius de Moraes.
Filho do diplomata gaúcho Jorge de Oliveira Jobim e da dona de casa fluminense Nilza Brasileiro de Almeida.
Antônio Carlos nasceu na rua Conde de Bonfim, n.º 634, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro (na época Distrito Federal).
Mudou-se com a família no ano seguinte para Ipanema, onde foi criado. A ausência do pai durante a infância e adolescência lhe impôs um contido ressentimento, desenvolvendo uma profunda relação com a tristeza e o romantismo melódico, transferido peculiarmente para as construções harmônicas e melódicas.
Aprendeu a tocar violão e piano em aulas, entre outros, com o professor alemão Hans-Joachim Koellreutter, introdutor da técnica dodecafônica no Brasil.
No dia 15 de outubro de 1949, Antonio Carlos Jobim casou-se com Thereza de Otero Hermanny (1930), com quem teve dois filhos, Paulo (1950) e Elizabeth (1957).
Em 1976, Tom conheceu a fotógrafa Ana Beatriz Lontra, então com 19 anos, mesma idade de sua filha Elizabeth. Em 30 de abril de 1986, eles se casaram. Tom e sua segunda esposa tiveram dois filhos juntos, João Francisco (1979-1998) e Maria Luiza Jobim (1987).
Pensou em trabalhar com arquitetura, chegando a cursar o primeiro ano da faculdade e até a se empregar em um escritório, mas logo desistiu e decidiu ser pianista. Tocava em bares e boates em Copacabana, como no Beco das Garrafas no início dos anos 1950, até que em 1952 foi contratado como arranjador pela gravadora Continental, onde trabalhou com Sávio Silveira.
Além dos arranjos, também tinha a função de transcrever para a pauta as melodias de compositores que não dominavam a escrita musical. Datam dessa época as primeiras composições, sendo a primeira gravada Incerteza, uma parceria com Newton Mendonça, na voz de Mauricy Moura.
Depois da Continental, foi para a Odeon. Entretanto, não tinha tanto tempo para se dedicar à composição, que lhe interessava mais. É nessa época que compôs alguns sambas, em parceria de Billy Blanco: Tereza da Praia, gravada por Lúcio Alves e Dick Farney pela Continental (1954), Solidão e a Sinfonia do Rio de Janeiro. Tereza da Praia foi o primeiro sucesso.
Depois disso, ocorreram outras parcerias, como com a cantora e compositora Dolores Duran, na canção Se é por Falta de Adeus.
No ano de 1953, as canções Faz uma Semana e Pensando em Você foram gravadas por Ernani Filho. Ainda nos anos 50, com Vinicius de Moraes, Tom produziu as canções para a peça Orfeu da Conceição e, posteriormente, para o filme Orfeu do Carnaval ou Orfeu Negro, dirigido por Marcel Camus, ao lado de Luiz Bonfá e Antônio Maria.
Dessa peça fez bastante sucesso a canção antológica Se Todos Fossem Iguais a Você, gravada diversas vezes. Tom Jobim fez parte do núcleo embrionário da bossa nova. O LP Canção do Amor Demais (1958), em parceria com Vinícius e interpretação de Elizeth Cardoso, foi acompanhado pelo violão de um baiano até então desconhecido, João Gilberto.
A orquestração é considerada um marco inaugural da bossa nova, pela originalidade das melodias e harmonias. Inclui, entre outras, Canção do Amor Demais, Chega de Saudade e Eu Não Existo sem Você. A consolidação da bossa nova como estilo musical veio logo em seguida com o 78 rotações Chega de Saudade, interpretado por João Gilberto, lançado em 1959, com arranjos e direção musical de Tom, que selou os rumos que a música popular brasileira tomaria dali para frente.
No mesmo ano foi a vez de Sílvia Telles gravar Amor de Gente Moça, um disco com doze canções de Tom, entre elas Só em Teus Braços, Dindi (com Aloysio de Oliveira) e A Felicidade (com Vinícius).
Tom foi um dos destaques do Festival de Bossa Nova do Carnegie Hall, em Nova Iorque, em 1962. No ano seguinte compôs, com Vinícius, um dos maiores sucessos e possivelmente a canção brasileira mais executada no exterior: Garota de Ipanema. Nos anos de 1962 e 1963 a quantidade de “clássicos” produzidos por Tom é impressionante: Samba do Avião, Só Danço Samba (com Vinícius), Ela é Carioca (com Vinícius), O Morro Não Tem Vez, Inútil Paisagem (com Aloysio), Vivo Sonhando.
Nos Estados Unidos gravou discos (o primeiro individual foi The Composer of Desafinado, Plays, de 1965), participou de espetáculos e fundou sua própria editora, a Corcovado Music. Em 1964, competindo com os Beatles, os Rolling Stones e Elvis Presley, Tom Jobim ganhou o Grammy de Música do Ano com a Garota de Ipanema.
O sucesso fora do Brasil o fez voltar aos EUA em 1967 para gravar com um dos grandes mitos americanos, Frank Sinatra. O disco Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim, com arranjos de Claus Ogerman, incluiu versões em inglês das canções de Tom (The Girl From Ipanema, How Insensitive).
Também Dindi, Quiet Night of Quiet Stars) e composições americanas, como I Concentrate On You, de Cole Porter.
No fim dos anos 1960, depois de lançar o disco Wave (com a faixa-título, Triste, Lamento, entre outras instrumentais), participou de festivais no Brasil, conquistando o primeiro lugar no III Festival Internacional da Canção (Rede Globo), com Sabiá, em parceria com Chico Buarque, interpretado por Cynara e Cybele, do Quarteto em Cy. Sabiá conquistou o júri, mas não todo o público, que em grande parte preferia que a vencedora fosse "Pra não Dizer que não Falei das Flores" (ou, como ficou mais conhecida popularmente, "Caminhando"), composta e interpretada por Geraldo Vandré, por seu conteúdo de confrontação à ditadura política por que passava o país. Assim, o público vaiou ostensivamente tanto a divulgação do resultado quanto toda a interpretação da vencedora.
Ao apresentar-se como segundo colocado, Vandré, sentindo o clima defendeu os vencedores, dizendo:
"Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque de Hollanda merecem o nosso respeito. A nossa função é fazer canções; a função de julgar, nesse instante, é do Júri, que ali está" (e ao afrontar assim o público, foi vaiado estrondosamente, também. Ao que ele reagiu esperando o final dos apupos, para deixar uma alerta e lição ao público) (...). Tem mais uma coisa só: pra vocês, que continuam pensando que me apoiam vaiando... (o público inicia um coro de "é marmelada!") (...). Olha, tem uma coisa só: a Vida não se resume em Festivais!"
É reconhecida a influência de Debussy e Ravel na música do maestro Antônio Carlos Jobim, que utilizou motivos impressionistas e estruturas harmônicas semelhantes às desses compositores em suas músicas populares como nas eruditas, o caso de A Sinfonia da Alvorada.
Uma das marcas de Tom era a incrível capacidade de dotar de leveza e elegância a complexidade e a densidade elevadas de suas composições.
Admirador e influenciado por Villa Lobos e Ary Barroso, Jobim também estudou de modo aprofundado as obras de eruditos como Radamés Gnatalli e Guerra Peixe.
Tom Jobim, Vinicius e o estilo mais intimista da Bossa Nova abriram espaço para os compositores gravarem seus sucessos de modo frequente, pois tornou-se importante conhecer a carga emocional pensada ou desejada pelos compositores para suas composições.
Aprofundando seus estudos musicais, adquirindo influências de compositores eruditos, principalmente Villa-Lobos e Debussy, Tom Jobim prosseguiu gravando e compondo músicas vocais e instrumentais de rara inspiração, juntando harmonias do jazz , como Stone Flower, e elementos tipicamente brasileiros, fruto de suas pesquisas sobre a cultura brasileira.
É o caso de Matita Perê e Urubu, lançados na década de 1970, que marcam a aliança entre sua sofisticação harmônica e sua qualidade de letrista.
São desses dois discos Águas de Março, Ana Luiza, Lígia, Correnteza, O Boto, Ângela. Também nessa época gravou discos com outros artistas, como Elis & Tom, com Elis Regina, Miúcha e Tom Jobim e Edu e Tom, com Edu Lobo.
Valendo-se ainda do filão engajado do pós-regime militar, cantou, ainda que com uma participação individual diminuta, no coro da versão brasileira de We are the world, o hit americano que juntou vozes e levantou fundos para a África ou USA for Africa.
Em 1987, lançou Passarim, obra de um compositor já consagrado, que pode desenvolver seu trabalho sem qualquer receio, acompanhado por uma banda grande, a Banda Nova. Além da faixa-título, Gabriela, Luiza, Chansong, Borzeguim e Anos Dourados (com Chico Buarque) são os destaques.
Em 1992 foi enredo da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Seu último álbum, Antônio Brasileiro, foi lançado em 1994, pouco antes da sua morte.
Algumas biografias foram publicadas, entre elas Antônio Carlos Jobim, um Homem Iluminado, de sua irmã Helena Jobim, Antônio Carlos Jobim - Uma Biografia, de Sérgio Cabral, Tons sobre Tom, de Márcia Cezimbra, Tárik de Souza e Tessy Callado, e Tom Jobim - Histórias de Canções, de Wagner Homem e Luiz Roberto Oliveira.
Antônio Carlos Jobim era doutor honoris causa pela Universidade Nova de Lisboa / Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, de 1991.
O Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro foi renomeado Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro/Galeão - Antônio Carlos Jobim junto ao Congresso Nacional por uma comissão de notáveis, formada por Chico Buarque, Oscar Niemeyer, João Ubaldo Ribeiro, Antônio Cândido, Antônio Houaiss e Edu Lobo, criada e pessoalmente coordenada pelo crítico Ricardo Cravo Albin.
Grandes nomes da música internacional tocaram e cantaram as músicas de Tom Jobim, como Stan Getz, Dizzy Gillespie, Ella Fitzgerald, Count Basie, Oscar Peterson, Sarah Vaughan, além de Frank Sinatra.
Essa admiração fez com que Tom Jobim fosse chamado por músicos do jazz de o George Gershwin do Brasil, uma grande honraria.
Com a obra de Antônio Carlos Jobim, a música brasileira experimentou uma projeção internacional inédita, rigorosamente sem precedentes e definitiva. Até o movimento da Bossa Nova, a presença brasileira, ainda que marcada pela excelência, como nas obras de Ary Barroso, Dorival Caymmi, Zequinha de Abreu e Waldir Azevedo, era eventual; com Jobim, contudo, ela se tornou permanente, estrutural e influenciou a produção posterior.
Uma vertente musical que nasceu do samba-canção se abriu ao diálogo com as tendências internacionais da música, marcou gerações e exibiu a riqueza que nasce da disposição ativa para conhecer a diversidade cultural dos povos, articulando o popular e o erudito, sem nenhum preconceito, reverenciando os clássicos, oferecendo uma nova leitura da música popular, superando estereótipos, expressando, assim, uma marca indelével de sua produção musical, constituída de obras de rara beleza com amplo reconhecimento internacional pela critica especializada e o grande público.
Jobim morreu no dia 8 de dezembro de 1994, em Nova York. Sofreu uma embolia pulmonar. Havia dito à irmã Helena: “Se Ary Barroso e Villa-Lobos morreram, eu também posso morrer”. Antes disso, depois da morte de Vinicius de Moraes disse: “Foi a morte de Vinicius que me deu a convicção de que não somos imortais”.
Vinicius morreu em 1980 e Tom preferiu não comparecer no cemitério. Nos bate-papos, passou a usar a expressão “neste resto de vida” para se referir ao que estava por viver. Um filho, uma filha, uma Banda Nova, o disco de originais Passarim. “A areia de Ipanema era tão fina, que cantava no pé – quando você corria na praia, a areia fazia cuim, cuim, cuim” (Tom no documentário A Casa do Tom).
Quando uma árvore é cortada ela renasce em outro lugar. Quando eu morrer quero ir para esse lugar, onde as árvores vivem em paz.
OBRAS INDIVIDUAIS
The Composer of Desafinado, Plays (Verve, 1964)
Antônio Carlos Jobim (Elenco, 1964), reedição brasileira do álbum acima, com capa e título diferentes.
The Wonderful World of Antonio Carlos Jobim (Warner, 1964)
A Certain Mr. Jobim (Warner, 1965)
Wave (A&M/CTI, 1967)
Stone Flower (CTI, 1970)
Tide (A&M/CTI, 1970)
Matita Perê (Philips, 1973)
Jobim (MCA, 1973), reedição norte-americana do álbum acima, com capa e título diferentes. A diferença é que contém uma faixa a mais: “Waters of March.
Urubu (Warner, 1976)
Terra Brasilis (Warner, 1980)
Passarim (Verve, 1987)
Antônio Brasileiro (Columbia, 1994)
OLHA O QUE TOM EXPLICA
(nada mais atual)
Viver no exterior é bom, mas é uma merda. Viver no Brasil é uma merda, mas é bom.
UMA SELEÇÃO
O Brasil é um país úmido e hereditário. As coisas se estragam com a umidade e passam como estão para a geração seguinte, aí se estragam mais.
LIGIA
Rua,
Espada nua
Boia no céu imensa e amarela
Tão redonda a lua
Como flutua
Vem navegando o azul do firmamento
E no silêncio lento
Um trovador, cheio de estrelas
Escuta agora a canção que eu fiz
Pra te esquecer Luiza
Eu sou apenas um pobre amador
Apaixonado
Um aprendiz do teu amor
Acorda amor
Que eu sei que embaixo desta neve mora um coração
Vem cá, Luiza
Me dá tua mão
O teu desejo é sempre o meu desejo
Vem, me exorciza
Dá-me tua boca
E a rosa louca
Vem me dar um beijo
E um raio de sol
Nos teus cabelos
Como um brilhante que partindo a luz
Explode em sete cores
Revelando então os sete mil amores
Que eu guardei somente pra te dar Luiza
Luiza
Luiza
No Brasil, sucesso é ofensa pessoal.
TOM, PIAZOLLA, CHICO E CAETANO
Por LUCAS COLOMBO, 1º de dezembro de 2014
Até onde se sabe, aqueles que Vinicius de Moraes considerou, nos anos 1970, serem os dois maiores músicos modernos da América Latina – para o futuro confirmá-lo –, só se encontraram uma vez, nos ensaios do programa Chico & Caetano, apresentado por Chico Buarque e Caetano Veloso na TV Globo, em 1986. Tom Jobim e Astor Piazzolla eram os convidados da edição de maio. Por pouco, contudo, o roteiro não teve de ser rasgado. Irritado por Chico não ter concluído a letra para um tango que compusera, a ser executado no programa, o argentino quis ir embora da gravação. No que o diretor Daniel Filho, para não perdê-lo, lançou mão de uma boa jogada: “Espere, gostaria que conhecesse o maestro Antonio Carlos Jobim”. Ao ver o colega brasileiro, então, Piazzolla ficou calmo e respeitoso. Os dois tiveram uma conversa animada, inclusive sobre as “omissões” do parceiro Chico, e a gravação do programa – em que Jobim tocou Coração vagabundo (de Caetano), Sabiá, Tema de Gabriela e Águas de março, e Piazzolla, Michelangelo 70 e Adiós Nonino – transcorreu bem, sem cenas de drama argentino ou de desorganização brasileira.
Se encontro “físico” só houve esse, e se os países e gêneros musicais dos dois são diferentes, o mesmo não se pode dizer de suas trajetórias e das características de suas obras. Jobim e Piazzolla têm vários pontos em comum e causaram impactos culturais similares em seus países. Nascido em 1927 e morto há 20 anos, em dezembro de 1994, Jobim estudou música sinfônica na juventude e iniciou a carreira tocando piano em bares e boates cariocas e fazendo arranjos para cantores, até ser convidado por Vinicius para musicar Orfeu da Conceição.
Nascido em 1921 e morto em 1992, Piazzolla, também lembrado neste 2014 em razão dos 40 anos de Summit – reunión cumbre, disco que gravou com o saxofonista Gerry Mulligan e que se tornou um dos mais estimados do jazz, de igual modo estudou piano clássico na adolescência – bandoneón, ele aprendeu ainda criança – e começou a trabalhar como músico em pequenos shows em Buenos Aires, até entrar para a orquestra tanguera de Anibal Troilo e, depois, fundar seu próprio grupo. O gosto de ambos por música de concerto, porém, conviveu com audições de jazz e música “popular” de seus países. Jobim, apreciador de Chopin, Ravel, Debussy e Villa-Lobos, também foi formado por Gershwin, Pixinguinha e Caymmi. Piazzolla, ao mesmo tempo em que adorava Bach e Stravinsky, ouvia Duke Ellington e, claro, Gardel.
A mistura desaguou em seus trabalhos autorais. Uma das marcas das obras de Jobim e Piazzolla é, justamente, o rompimento de fronteiras entre “erudito” e “popular”. Os acordes e melodias inspirados em sonatas e prelúdios que Jobim trouxe ao samba – ouça: os primeiros compassos de Insensatez têm quase as mesmas harmonia e melodia do Prelúdio em mi menor, op.28, n.4, de Chopin –, unidos depois à batida sincopada do violão de João Gilberto, configuraram a bossa nova.
Piazzolla, também nos anos 1950, empreendeu uma revolução análoga: aliou o tango a formas que conhecia do jazz e de peças sinfônicas e, assim, levou-o para salas de concerto, e não apenas para salões de baile, como era comum até então. “Tanto Jobim quanto Piazzolla usam à exaustão aquela harmonia que vem de Bach: ir descendo os baixos. As harmonias de Insensatez e Libertango, por exemplo, que são quase as mesmas, vêm desses baixos contínuos barrocos, de onde Chopin partiu também”, analisa o músico e radialista gaúcho Arthur de Faria, fã dos dois compositores. O nuevo tango de Piazzolla comportava ainda dissonâncias típicas do jazz e da música “erudita” do século 20, da qual Stravinsky é o maior nome. Jobim igualmente formava acordes dissonantes (mas sem soar difícil ou desagradável). A conexão com o jazz, nesse aspecto, se dá porque os músicos do bebop, segundo Arthur, estudaram os mesmos impressionistas franceses que Jobim estudou, e Piazzolla também, embora sua ênfase tenha sido em Stravinsky.
FALSA DIVISÃO
Ambos sabiam que andavam num terreno livre. “Não defino linhas de fronteira entre a música popular e a erudita. Inclusive Chopin, Villa-Lobos, estão cheios de temas populares dentro da música erudita. Essa divisão é falsa, não leva a nada”, declarou Jobim. Villa-Lobos, aliás, autor tanto de choros e valsas quanto de obras orquestrais, talvez tenha sido a maior referência do pianista. Piazzolla parecia concordar sobre essa “falsa divisão”: dizia que a “lógica interna” do seu trabalho embasava-se na música de concerto, apesar de ter as raízes no tango. “Tanto os músicos de tango como os eruditos me odeiam”, afirmava. Ele compôs Las cuatro estaciones porteñas, inspirado em Vivaldi, mas as fez em separado, sem querer montar uma suíte em quatro movimentos. Além disso, chegou a elaborar peças estritamente “eruditas”, bem como Jobim. Essas, contudo, não alcançaram a mesma expressão que as composições “populares” deles.
Jobim contestou Paulo Francis, quando o jornalista disse que bossa nova era “50% jazz”, porém nunca negou que a música americana também o formou. Como atesta até um título de canção, houve influência do jazz, sim, na gestação da bossa nova. Parcerias com músicos dos EUA, por sinal, de igual modo marcam Jobim e Piazzolla. Os dois dividiram álbuns com saxofonistas expoentes do jazz: Stan Getz, no caso de Jobim, e o já citado Gerry Mulligan, no de Piazzolla. O primeiro encontro resultou em Getz/Gilberto, disco lançado há 50 anos e que, com João Gilberto ao violão e nos vocais, traz a versão mais envolvente de Corcovado. Já Summit contém a arrebatadora Años de soledad.
Eles podiam, ainda, trabalhar ou não com palavras. Jobim era mais cancionista, mas compôs vários temas instrumentais. Três, de forte inspiração villa-lobiana e debussyana, estão no disco Urubu, de 1976. Piazzolla, nesse quesito, era mais de criar temas: fez sucesso comBalada para un loco (“Ya sé que estoy piantao, piantao, piantao…”), parceria com o poeta Horacio Ferrer, e, com As ilhas, que compôs com o brasileiro Geraldo Carneiro, e foi gravado por Ney Matogrosso.
Aproximam-se de novo, entretanto, nos ataques que sofreram em seus países. Com suas aberturas ao que de bom se produzia nos EUA e na Europa, Jobim e Piazzolla, claro, foram acusados de “desnacionalizar” seus gêneros. O pesquisador José Ramos Tinhorão e o escritor recentemente falecido Ariano Suassuna, para citar dois críticos notórios, tacharam Jobim de “americanizado”, quando o que ele fez foi modernizar a MPB, não americanizá-la (como escreveu Daniel Piza, “no Brasil, quando se olha o fundo das opiniões, o que se encontra é o raso da ideologia”). Na Argentina, puristas igualmente desprezaram Piazzolla, por verem em seu trabalho, em que tinham vez até instrumentos como vibrafone e guitarra elétrica, um abandono da tradição do tango.
Quem tem ideia do que fala, todavia, sabe que ambos os músicos conjugaram o nacional ao internacional, num diálogo saudável e frutífero. Olhavam para dentro e para fora, atitude rara na cultura latino-americana, tão polarizada. E, desse jeito, renovaram e enriqueceram a música de seus países – a bossa nova que Jobim ajudou a criar, por exemplo, é samba, mas mais complexo, com harmonias intrincadas e outra divisão rítmica. Tal incompreensão nacional colaborou para que Jobim e Piazzolla tivessem maior sucesso no exterior. O argentino era particularmente admirado na Europa e América Latina. Jobim, por sua vez, embora sempre tocasse aqui, não se conformava em ser mais reconhecido em Nova York do que numa cidade brasileira.
TRILHAS
Outro traço comum a eles é a composição de trilhas sonoras memoráveis. Jobim criou, entre outras, a do filme Gabriela (1983), de Bruno Barreto, adaptação do romance de Jorge Amado, na qual consta o Tema de Gabriela, e fez a canção-tema de Eu te amo (1981), de Arnaldo Jabor, belamente letrada por Chico Buarque (“Na bagunça do teu coração/ Meu sangue errou de veia e se perdeu”). Elaborou ainda as músicas da minissérie global O tempo e o vento, adaptação da obra de Erico Veríssimo, exibida em 1985, entre as quais a não menos belaPassarim. No mesmo ano, Piazzolla desenvolveu a trilha ora agressiva, ora romântica de Tangos, o exílio de Gardel, filme de Fernando Solanas sobre um grupo de artistas portenhos exilados em Paris durante a ditadura militar argentina (1976-83). As cenas iniciais, de muito apuro visual, mostram um casal a dançar Duo de amor em pontes sobre o Sena. Mas familiares também motivaram os dois: Jobim fezÂngela para Ana Lontra, sua segunda mulher, e Samba de Maria Luiza para a filha caçula; Piazzolla compôs a triste e linda Adiós Nonino, de longe sua melodia mais conhecida, após saber da morte do pai. Por fim, ligam-nos os fatos de terem, depois de tudo, se tornado grandes mestres, com raros a ainda torcer-lhes o nariz, e de suas obras representarem suas nações para o mundo.
Só faltou uma parceria. Treze anos antes do encontro na Globo, Piazzolla, numa entrevista em que se revelou fascinado pela MPB, disse que gostaria de trabalhar com Jobim: “Não me importa que ele seja brasileiro, como a ele não deve importar que eu seja argentino. A única coisa que deve importar é que a gente faça boa música”. Não passou de um desejo, mas a justificativa permanece. Professor do curso de música popular da UFBA e baixista da Banda Base, de música instrumental, Ivan Bastos parece tê-la em mente: uniu os estilos dos dois criadores num tema chamado Antonio e Astor. “Sem racionalizar muito, achei, à medida que fui compondo, que havia algo denuevo tango na parte A da música, a qual me remetia a Piazzolla. A parte B é mais bossa nova, mais Jobim”, conta. Já executada pela Orquestra Sinfônica da Bahia, Antonio e Astor evidencia o diálogo travado pelas obras e vidas dos geniais Jobim e Piazzolla.
Apreciador de música, outro artista genial, Machado de Assis, no conto Trio em lá menor, apresenta a personagem Maria Regina, pianista amadora dividida entre dois pretendentes que vê como complementares. Uma noite, ela sonha que morre e sua alma voa até “uma bela estrela dupla”, que se parte em duas. A moça, a voar de um pedaço para outro, ouve então uma voz dizer que aquela era sua pena: oscilar para sempre entre dois astros, “ao som desta velha sonata do absoluto”. Pois optar entre Jobim e Piazzolla também parece tarefa ingrata – a audição de um enriquece a do outro. Melhor ficar com ambos. Isso, porém, não seria uma “pena”, mas uma fonte de prazer estético. Eterna.
Assim como o brasileiro foi educado para perder, o americano foi educado para ganhar.
A gente leva da vida a vida que a gente leva.
Quando me casei descobri a felicidade. Mas aí já era tarde demais.
Simplesmente magnífico!
ResponderExcluirGrande artista, gênio. Das suas músicas a que mais curto é Águas de Março, belíssima!
ResponderExcluirInteressante que sempre soube ter ele nascido aqui no Rio Grande do Sul, engano. O Pai dele, diplomata, é que era gaúcho!
Domingo na F-1 a massa cantou: "LULADRÃO TEU LUGAR É NA PRISÃO" mas a Band tentou abafar...kkk! Dia 15 = Dia D!
ResponderExcluirFoi uma pequena amostra do que está por vir.
Excluir"massa" na arquibancada da F1... Hehehe tá certo. Bora pra frente dos quartéis, patriotinhas!
ExcluirNa F1, nos estádios, nas ruas, onde mais você imaginar. Ah, claro, nos presídios não.
ExcluirAnônimo 11:40, no CPX não teve manifestação. Vai pra lá, mané.
ExcluirOntem o cara de areia mijada disse que o uso da camisa da seleção brasileira por manifestantes era apropriação indébita. Faltou dizer de quem eles roubaram. Evidentemente que se for confrontado ele sairá pela tangente, dirá que foi mal interpretado, mas o fato é que ele fez uma acusação gravíssima, que, por sinal, é a estratégia vinda da matriz no Rio de Janeiro.
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