NÃO LEVE A SÉRIO
QUEM NÃO SORRI!
Quer criticar, quem quer que seja?
Uma porrada?
Legal, publico, mas só com identificação.
OK?
especial
Nesta sexta, uma cesta
de HISTÓRIA!
Há 44 anos, um casal e duas crianças
uruguaios foram sequestrados
em Porto Alegre
Os dois da esquerda, Luiz Cláudio Cunha e J.B.Scalco, impediram que o sequestro se consumasse, arquitetado pelos da direita, Pedro Seelig e Didi Pedalada
LEIA ESTA MATÉRIA:
https://www.lpm editores.com.br/artigosnoticias/arquivos/operacao_condor_o_globo.pdf
https://www.ultrajano.com.br/dos-gols-tortura-pedalada-na-historia/
O sequestro acabou
por se tornar um transtorno. Não só para os presos, torturados na capital
gaúcha e em Montevidéu, como para os dois policiais brasileiros, lotados no
Dops em Porto Alegre – Orandir Portassi Lucas (o Didi) e João Augusto da Rosa
Eram tempos sem comunicação instantânea, como o
WhatsApp nosso de cada hora. Novembro de 1978, o editor da sucursal de Minas do
Jornal do Brasil, José de Castro, desligou ligação do Rio e me pediu que fosse
a sua salinha: “Cláudio, ligue para suas fontes do esporte aí e peça
comentários sobre Didi Pedalada, que jogou no Cruzeiro”.
“Sim, eu me lembro dele, não fez sucesso por aqui.
Por quê? Posso saber?”
“Depois você saberá”.
Assim, curto e grosso, ele me despachou para a
incumbência. Lembro-me de que recorri ao técnico Orlando Fantoni, que havia se
desligado do Vasco e estava em sua casa de Belo Horizonte, e a Piazza, que
comandava a Associação de Garantia ao Atleta Profissional (Agap) e sabia o
paradeiro de todo mundo. Eles falaram do antigo jogador, comandado por Titio
Fantoni uma década antes, no time que tinha Piazza como o grande capitão.
Disseram que tinha habilidade, se destacava por um drible em que passava o pé
sobre a bola, daí o apelido, e pronto.
Enviei a curta matéria para o Rio e esperei curioso
a edição do dia seguinte. Na época, 40 anos atrás, só sabíamos se nosso texto
fora publicado ao abrir o jornal no dia seguinte. E me assustei ao ler, em uma
página de reportagem (com meu texto no meio), que Pedalada havia sido
identificado como um dos autores do sequestro do casal uruguaio Lilian
Celiberti e Universindo Diaz, oposicionistas do governo do seu país, em Porto
Alegre, e os dois filhos dela, numa operação conjunta com policiais do país
vizinho.
O sequestro acabou por se tornar um transtorno. Não
só para os presos, torturados na capital gaúcha e em Montevidéu, como para os
dois policiais brasileiros, lotados no Dops em Porto Alegre – Orandir Portassi
Lucas (o Didi) e João Augusto da Rosa.
Numa manhã daquele novembro, o repórter Luís
Cláudio Cunha, da sucursal gaúcha da Veja, recebeu ligação de
pessoa que não se identificou, informando que o casal Lilian e Universindo
havia sido sequestrado e fornecendo o endereço do apartamento dele no Bairro
Menino Deus. Em companhia do fotógrafo JB Scalco, Cunha tocou a campainha do
local e, quando a porta foi aberta, se viu diante da mira de um revólver.
Os policiais disseram aos repórteres que estavam
prendendo os uruguaios por contrabando. Nem repórter nem fotógrafo acreditaram.
Cunha tratou de investigar o assunto. Scalco, que trabalhava também para
a Placar, outra revista do grupo Abril, reconheceu o homem que
apontava a arma e conferiu em seus arquivos na redação: era o ex-meia-atacante
do Internacional Didi Pedalada, que defendera também o Cruzeiro e o Atlético-PR.
A farsa foi desvendada pelas reportagens de Cunha e
de toda a imprensa, mas apenas o ex-jogador acabou punido, suspenso por seis
meses de toda a atividade. Posteriormente, foi lotado num cargo burocrático da
polícia. O casal ficou preso em Montevidéu e, sob pressão de organismos de
direitos humanos internacionais, só acabou libertado em novembro de 1973. Mas,
nos interrogatórios, Lilian foi peremptória: Didi Pedalada fora sido um dos
seus torturadores no Dops, em companhia de policiais do Uruguai.
(Pedalada e Universindo morreram de câncer. Scalco,
de insuficiência cardíaca. Cunha, que transformou a ampla e completa apuração
em livro, milita na imprensa e Lilian é ativista de causas sociais. Hoje
adultos, os filhos moram em Montevidéu).
O episódio de 1978, do aspirante a craque que se
transformou em torturador, puxou o novelo do que, anos mais tarde, seria
conhecido como Operação Condor – cooperação entre organismos policiais do Cone
Sul (Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile) em repressão, capturas,
torturas e mortes de perseguidos políticos.
Por que me lembro disso agora? Porque, como disse recentemente um apresentador do BBB, da “apartidária” plim-plim, esporte e política não se misturam.
https://ludopedio.org.br/arquibancada/como-um-ex-jogador-fez-a-operacao-condor-ser-flagrada-em-pleno-voo/
142.20
Como um ex-jogador
fez a Operação Condor ser flagrada em pleno voo
Bernardo
Peregrino 10 de abril
de 2021
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Há 40 anos, um casal de uruguaios era sequestrado por agentes da
repressão em Porto Alegre. E o envolvimento de um ex-atacante de Inter,
Cruzeiro e Atlético-PR revelou a ação coordenada entre as ditaduras de Brasil e
Uruguai, comprovando a existência de um consórcio sul-americano do terror
O uruguaio Universindo Rodríguez Díaz
tinha programa para aquele domingo, 12 de novembro de 1978. Apaixonado pelo
Peñarol, o jovem começava a criar uma relação com o Internacional, time da
cidade para onde se mudara havia menos de um mês. O fim de semana marcava o
começo do hexagonal final do Campeonato Gaúcho, e o Inter de Falcão, Caçapava,
Valdomiro e Batista vinha de uma empolgante vitória sobre o Grêmio, seu maior
rival, por 2 a 1. O adversário da tarde no Beira-Rio seria o Caxias, que
vencera o Colorado no mês anterior, ainda pela segunda fase do Gauchão.
Universindo tinha companhia para o
passeio dominical: os pequenos Camilo, 8 anos, e Francesca, 3. Os dois eram
filhos de um relacionamento anterior da também uruguaia Lilian Celiberti,
companheira de vida e de luta de Universindo. O apartamento 110 na Rua
Botafogo, 621, bloco 3, situado no bairro Menino Deus, era a morada do casal, a
poucos quilômetros do Beira-Rio. Universindo saiu de casa por volta de 13h45,
mas não conseguiu ir ao estádio ver o Internacional empatar por 1 a 1 com o
Caxias, num jogo tecnicamente ruim.
As crianças já estavam na rua quando
Universindo fechou a porta de casa. Mal ele se virou, viu uma pistola em seu
peito e a face do delegado Pedro Seelig, uma versão gaúcha de Sérgio Fleury.
Colorado fanático, Seelig vestia uma roupa esportiva, mas também não iria ao
Beira-Rio. O delegado estava num grupo de dez homens, entre brasileiros e
uruguaios.
Pouco antes, o próprio Seelig tinha
feito ação semelhante com Lilian. Ela já estava detida, e via tudo o que se
passava com Universindo de dentro de uma caminhonete Veraneio, que estava
estacionada na calçada. A uruguaia saltou logo do carro para abraçar os dois
filhos. Ela já havia chegado a um acordo com os policiais: iria tentar deixar
as crianças com uma vizinha. No entanto, não havia ninguém na casa deles.
Camilo e Francesca virariam testemunhas involuntárias do calvário de Lilian e
Universindo. A Operação Condor, a união multinacional das ditaduras militares
da América do Sul, havia acabado de dar início a mais uma missão.
https://sequestrouruguaios.wordpress.com/imagens/
Arquivo de fotos de um site dedicado ao sequestro. Inclui uma linha do tempo muito legal. Aqui, o endereço original:
https://sequestrouruguaios.wordpress.com/
Olá, leitores!
Este site é uma atividade
desenvolvida na disciplina Laboratório de Jornalismo Digital II, ministrada
pela Profª Drª Luciana Pellin Mielniczuk. O proposto na atividade é a criação
de sites relacionados às reportagens do livro 10 Reportagens que Abalaram a
Ditadura, da Editora Record.
No presente blog, os acadêmicos de
Jornalismo da UFSM, José Luís Zasso, Manuela Ilha Silva e Mariana Cervi Soares,
apresentam uma cobertura completa e contextualizada do sequestro de Universindo
Rodriguez Diáz e Lilián Celiberti ocorrido em 1978 em Porto Alegre, e que
acabou descoberto ao acaso pelo jornalista Luiz Cláudio Cunha e pelo repórter
fotográfico João Baptista Scalco, ambos da sucursal da revista Veja em Porto
Alegre.
No trabalho, os acadêmicos
entrevistaram pessoas envolvidas no caso e recolheram um importante material,
contando com áudios, documentos, fotos e vídeos relacionados ao caso e também à
Ditadura Militar brasileira e à Operação Condor.
Equipe do site “Sequestro dos Uruguaios”
´
https://robertojardim.medium.com/a-%C3%BAnica-derrota-do-condor-feb03d1a2131
Há exatos 40 anos, em meados de novembro de 1978, a Operação Condor —
cooperação repressiva das ditaduras instaladas em Argentina, Bolívia, Brasil,
Chile, Paraguai e Uruguai — conhecia sua única derrota. A ação, que iniciou
como mais um sucesso da colaboração internacional, com a captura de um casal e
duas crianças uruguaias em Porto Alegre, começou a virar quando Lilian
Celiberti decidiu tentar revelar seu sequestro, do seu companheiro de luta e
dos seus filhos. A virada definitiva veio quando dois jornalistas gaúchos, o
repórter Luiz Cláudio Cunha e o fotógrafo JB Scalco, entraram na história.
Você deve estar se perguntando qual a relação de uma história da
repressão político, ação conjunta de duas ditaduras, com o futebol, para
usarmos termos como derrota, virada… Não é? Além da participação do
fotojornalista talentoso e reconhecido nas coberturas esportivas, Scalco, tem
muito mais. Então, leia até o fim para entender.
POR ROBERTO
JARDIM
bobgarden@gmail.com
@bobbgarden
A história que aqui vamos contar remonta a um final de tarde calorento
qualquer, entre novembro e dezembro de 1978. Em um apartamento do bairro
Partenon, Zona Leste de Porto Alegre, um menino de oito anos brincava na sala
enquanto o pai assistia a um telejornal. Uma das matérias, que contava uma
história que envolvia um garoto de apenas nove anos, sua irmã, de três, sua mãe
e um homem, todos uruguaios, chamou sua atenção.
O relato da TV tratava do sequestro dos uruguaios Lilian Celiberti e
Universindo Díaz, e dos filhos dela...
[LEIA MAIS]
AVALIAÇÕES DO LIVRO
·
OBSERVATÓRIO
DA IMPRENSA
Nas entranhas da Operação Condor
·
· por Cristovam Buarque
· 1º de setembro de 2009
Se você tem idade para lembrar desta estória, como
trabalho de jornalista, não deve deixar de ler, para não esquecer o tempo
difícil que viveu; se é jovem suficiente para considerar como história, não
deve deixar de ler, como a pesquisa rigorosa de um historiador. Em ambos os
casos, não deve deixar de ler para lembrar o que foi nosso país, algumas poucas
décadas atrás, e para reafirmar o seu compromisso de que essas coisas não devem
voltar a acontecer.
Se você gosta de um livro bem escrito, não deve
deixar de ler este que descreve quase minuto a minuto um fato verdadeiro; mas
se você é daqueles que gostam de ler pelo prazer da emoção pelo suspense, não
deve deixar de ler este que é capaz de virar uma obsessão durante os dias que
você lhe dedicar.
Se você é daqueles que preferem os livros com
grandes personagens que fazem o mundo se mover ao redor, não deve deixar de ler
este, onde duas crianças, alguns jovens adultos, seus velhos pais, juízes,
jornalistas, bandidos policiais ou dirigentes militares de dois países surgem
como os personagens que vemos apenas nos grandes livros de ficção.
Se você é estudante de jornalismo, não deve deixar
de ler esta obra prima de investigação e relato, nos moldes do que faria Truman
Capote no A Sangue Frio, se ele descobrisse o crime ainda em
andamento e pudesse evitar que a família fosse morta. Se você é professor de
jornalismo, adote este livro como paradigma para seu estudante aprender como
enfrentar, com prazer e coragem, o desafio de dissecar as entranhas de um fato.
Apenas rumores
Este é um relato histórico cuidadoso, um livro de
suspense, um manifesto contra a brutalidade das ditaduras, um documento de
descrição da bárbara estupidez militar policial, um libelo pela liberdade, uma
denúncia contra a diplomacia brasileira nos anos de chumbo.
Um dos raros livros no qual conseguimos tudo o que
procuramos em livros e raramente encontramos juntos, em um único: Emoção – de
medo, de raiva, suspense, admiração, desafios, aventura; Informação – da
história, da política, da diplomacia; Gosto – pelo texto, pelo mergulho na
história, pelo enlevamento. Além disso, encontramos a coragem que há nos livros
com grandes heróis, inclusive os que fizeram o livro, toda a equipe, e
obviamente o autor-personagem.
Mais que isso, é um livro que tem em sua história a
consequência dele próprio quando era uma matéria jornalística: um livro que, ao
descrevê-la, mudou a realidade. Ainda sob a forma jornalística, virou
personagem ao salvar a vida de pessoas presas e torturadas, ao desmascarar a
mais vergonhosa operação internacional do terrorismo estatal que até então
tinha conseguido eliminar todas as testemunhas do lado das vítimas,
interessadas na denúncia.
Li a velha matéria jornalística na revista Veja,
quando ela foi publicada e o assunto estava atual. Lembro de ter embrulhado o
estômago ao tomar conhecimento do que se passava nos subterrâneos ainda
interditos aos olhos dos jornalistas e do público. Até então, o que fora
descrito como fato, eram apenas rumores, uma que outra vez vazados. Naquelas
matérias estava uma descrição clara, por observadores diretos e com fontes
confiáveis da tragédia da repressão.
Aprender a pesquisar
Lembro do nojo que a matéria nos deixava ao mostrar
como governos de países independentes, em pleno século 20, colaboravam de
maneira tão vergonhosa para a realização de operações capazes de humilhar a
maldade dos nazistas. Lembro da vergonha daqueles fatos serem promovidos pelo
governo de meu país; também do orgulho ao saber que os fatos tinham sido
enfrentados por brasileiros; e a esperança ao imaginar que, ao vir à luz, o
presente sinalizava para um futuro diferente.
Relendo agora, sob a forma de livro, senti a mesma
indignação. Mas, com a distância – de décadas e séculos, décadas na cronologia,
séculos simbólicos na história que desde então percorremos – li com
tranqüilidade, como fatos históricos, antigos, entretanto com um sentimento
mais profundo, do ponto de vista literário. Porque tem o texto corrido dos
livros de suspense e do bom jornalismo, com os detalhes e o tempo das grandes
obras. Li sem parar, como poucos livros conseguem prender, com o coração
suspenso – daí o nome suspense – ao mesmo tempo com a cabeça relembrando
aqueles dias e os que aconteceram ao seu redor.
Recomendo a todos que querem conhecer a história da
maldade dos anos de chumbo, aos que precisam saber como a maldade tinha sido
globalizada antes da própria economia, aos democratas para reafirmar seus
valores e compromissos, àqueles que desejam ler uma boa e bem escrita estória,
sabendo que é pura verdade histórica. E aos estudantes e professores de
jornalismo insisto em recomendar que usem este livro: fará o aluno gostar da
profissão, aprender a pesquisar, criar sua própria pauta em cima dos fatos,
construir um roteiro de mergulho na estória e, ainda mais, o fará gostar de
bons textos.
Economista, senador, ex-reitor da UnB
e ex-ministro da Educação
A IMPRENSA REPERCUTE
O jornalismo que venceu a ditadura...
Uma grande reportagem nesses tempos de poucas reportagens.
O GLOBO, março 2009.
O rigor dos fatos históricos com um
texto que prende o leitor pela fluidez e pelo suspense...Um tom noir de novela
policial, ao estilo dos clássicos americanos de Raymond Chandler e Dashiell
Hammet.
ZERO HORA, novembro 2008.
O Sequestro dos Uruguaios é uma
demonstração vigorosa do melhor trabalho da imprensa livre: desmontar as
trapaças oficiais.
VEJA, novembro 2008.
Um clássico do jornalismo...
Monumental...Verdadeira anatomia da política e da imprensa brasileiras ante a
violência instaurada pelo golpe de 1964...Leitura obrigatória.
AMÁLGAMA, blog literário, dezembro 2008.
O resultado de 30 anos de uma primorosa
e corajosa investigação... Escrito como um thriller, este livro-reportagem
envolve o leitor com um texto fluido e o registro delicioso dos anos 1970.
ROLLING STONES, janeiro 2009.
O livro reconstitui os fatos num
ritmo de reportagem, sem buscar isenção, nem distanciamento. O repórter bateu
num apartamento na rua Botafogo, no Menino Deus, e foi recebido por uma
pistola... O autor do livro está do lado de cá da pistola, que estava a serviço
de uma organização criminosa, que eliminava dissidentes à sombra das ditaduras
do continente. Por isso, Luiz Cláudio é impiedoso com todos aqueles que estavam
do lado de lá, o da pistola... O livro ficou como uma bomba silenciosa,
demolidora de biografias que se reconstruíam sob a poeira do tempo.
JÁ, novembro de 2008
Um texto que chega às livrarias como
referência de um tempo... Um relato corajoso, uma crônica precisa, às vezes
pesada, do medo vivido nas ruas e da infâmia dos porões dos anos 70... Um misto
de documento histórico e denúncia indignada.
O ESTADO DE S.PAULO, novembro de 2008.
Passados 30 anos, Luiz Cláudio Cunha
retoma os acontecimentos com uma visão mais próxima de um historiador do que de
um jornalista... com o tempo decorrido e o distanciamento físico que lhe deram
a frieza e a paciência necessária para esquadrinhar biografias e conferir
versões.
JORNAL DA UNIVERSIDADE, UFRGS, novembro de 2008.
Com rigor arqueológico, O Seqüestro dos Uruguaios desmente as
informações de sucessivos governos sobre a ação das Forças Armadas em ações
secretas e ilegais... O relato de um trabalho cinematográfico... Os jornalistas
montaram o quebra-cabeça da história em uma exaustiva apuração onde arriscaram
suas vidas,
peitaram chefes militares,
denunciaram a omissão dos governantes e
desmontaram a farsa para esconder o
papel do Brasil na Condor.
CORREIO BRAZILIENSE, dezembro de 2008
O repórter que surpreendeu o terror
da Operação Condor em pleno vôo... Trinta anos depois, a história de dor e
sangue está inteira no livro-relato.
JORNAL DO BRASIL, novembro 2008.
22-12-2008 |
Especiais, Literatura
Melhores Leituras – 2008
O AMÁLGAMA pediu a alguns escritores, jornalistas
e blogueiros - inclusive, alguns de seus colaboradores - que escrevessem um
pouco sobre o melhor livro que leram neste 2008 que se encerra.
Para quem lê muito, escolhas desse tipo nunca são
fáceis, mas o esforço para eleger um entre tantos livros faz parte do
espírito da brincadeira. Abaixo, o resultado. e todos os leitores estão
convidados a dizer qual a obra que mais curtiram ler no ano. [Daniel Lopes, editor do AMÁLGAMA]
Na sexta-feira, 17 de novembro de 1978, os
jornalistas Luiz Cláudio Cunha e J. B. Scalco bateram à porta de um apartamento
em condomínio da rua Botafogo, bairro Menino Deus, Porto Alegre. Scalco,
fotógrafo, e Cunha, então diretor da sucursal da revista Veja na capital
gaúcha, foram até lá porque este recebeu um telefonema anônimo que alertava
para a ocorrência de um sequestro. Moravam no apartamento, o anônimo dissera a
Cunha, um casal de refugiados da ditadura uruguaia, junto com seus dois filhos
pequenos, um menino e uma menina. Ao chegarem ao local, perguntando em espanhol
pelos moradores, os dois jornalistas se viram diante de uma pistola de grosso
calibre e obrigados a entrar no apartamento, onde foram revistados por alguns
homens, enquanto outros se escondiam no escuro. Ao revelar ser repórter de
Veja, Cunha notou certo constrangimento entre os sequestradores, e os dois
foram logo liberados.
Eles não sabiam, mas acabavam de frustar um plano
que os policiais brasileiros e uruguaios em poder do casal uruguaio tinham
traçado: fazer a moça uruguaia de isca para atrair o peixe grande Hugo Cores,
um dos mais ativos e procurados esquerdistas uruguaios no exterior – no caso,
ele estava exilado em São Paulo, de onde telefonara à sucursal de Veja (sim,
fora ele). Como Cunha chegara falando espanhol, os militares pensaram por um
momento ser Hugo Cores caindo no anzol.
Os dois adultos uruguaios naquele dia em poder de
agentes das ditaduras brasileira e uruguaia eram Lílian Celiberti e Universindo
Díaz. As crianças, Camilo e Francesca. Agora, 30 anos após os acontecimentos na
rua Botafogo, Luiz Cláudio Cunha conta em O sequestro dos uruguaios – uma
reportagem dos tempos da ditadura (L&PM, 2008) como Lílian, Universindo
e os filhos acabaram sendo os únicos sobreviventes das guarras da temida
Condor, a repressão binacional que seqüestrou, torturou e “desapareceu”
centenas de “terroristas” nos anos de chumbo. E não há dúvida: não tivesse
Cores feito o telefonema a Veja e não houvesse Cunha ido conferir a pista, hoje
nenhum dos quatro uruguaios estaria vivo – ao contrário da ditadura brasileira,
crianças filhas de subversivos nunca foram um constrangimento para os militares
uruguaios.
Assim, O sequestro dos uruguaios é um clássico do
jornalismo.
Monumental – são quase 500 páginas –, descreve com
detalhes não apenas a atuação de personagens diretamente envolvidos na operação
(como o delegado-torturador do DOPS de Porto Alegre, Paulo Seeling, hoje com 76
anos, ainda vivo e impune), mas vai e vem no tempo em relação àquele 78, numa
verdadeira anatomia da política e da imprensa brasileiras ante a violência
instaurada pelo Golpe. Há espaço, no relato, para magistrados corajosos (como
Raymundo Faoro, então presidente da OAB) e coniventes. Para políticos altivos
(como Pedro Simon) e políticos sacanas (todos da Arena). Para jornais e
jornalistas covardes (como, no geral, o Zero Hora) e seus colegas que honraram
o nome da profissão(como Elio Gaspari, no Jornal do Brasil).
E há dois substanciosos anexos – sobre a ditadura
uruguaia e a operação Condor. Sem esquecer a mais que provada contribuição da
CIA para a generalização da tortura no Cone Sul – às vezes diretamente, como no
caso do agente Dan Mitrione, que torturava mendigos e prostitutas para mostrar
aos esforçados militares uruguaios os pontos fracos do ser humano.
Hoje, Lílian dirige uma revista feminista em
Montevideu; Universindo é documentarista e historiador da Biblioteca Nacional,
também na capital uruguaia; Camilo, que tinha oito anos na época do sequestro,
trabalha como cozinheiro em Barcelona e tem dois filhos; e Francesa, com três
anos em 78, agora é desenhista gráfica, mora no Uruguai e tem um filho.
Uma história com raro final feliz, apesar das
torturas e demais percalços no meio do caminho, que Luiz Cláudio Cunha
eternizou.
Leitura obrigatória. [Daniel
Lopes, editor do AMÁLGAMA]
Enrique Serra Padrós – uruguaio, professor do Departamento e do
Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do RGS, maior especialista
de Condor na universidade brasileira. (Morreu em dezembro de 2021)
A
obra do jornalista Luiz Cláudio Cunha se constitui em uma contribuição impar ao
imbricar a história recente do Brasil, do Rio Grande do Sul e do Uruguai a
partir do fio condutor da Operação Sapato Roto, uma ação particular de
violência estatal inserida no contexto da Operação Condor, a conexão repressiva
por excelência que assolou o Cone Sul durante os anos sombrios das décadas de
70 e 80.
Como obra jornalística apresenta as
qualidades de um texto profundamente atrativo marcado por dinâmica fluída que
torna leve uma história tão complexa e dramática. A fina ironia e um permanente
sentido do humor realçam cenários, situações e posturas deploráveis de um
período histórico que muitos têm tentado diluir e diminuir.
Em tempos da constrangedora
“ditabranda” de certos meios de comunicação de passado comprometedor, a postura
ética do jornalista Luiz Cláudio cresce de forma inversamente proporcional à
desses agentes amnésicos. Isto porque, tendo sido um dos protagonistas centrais
dos eventos do longínquo ano de 1978, esperou 30 anos para publicar uma
história riquíssima de detalhes, aferindo miríade de informações e deixando
passar o tempo necessário para uma maior decantação dos acontecimentos e melhor
perspectiva histórica, obter e checar novas informações e depoimentos para
armar tão singular quebra-cabeça.
O amadurecimento e a consciência da
experiência única que lhe tocou viver junto com o fotógrafo Scalco realçam a
condição única do relato que registra um fato que, inclusive, o tem como
protagonista. E isto é curioso, pois diante dessa situação de protagonista e
testemunho direto, o jornalista não teve pressa para reivindicar-se,
legitimamente, como tal.
Ao contrário. Cumpriu com a obrigação
urgente da denúncia, da apuração dos fatos e se engajou nas possibilidades de
luta para que os fatos fossem conhecidos e as vidas de quatro cidadãos
estrangeiros não fossem eliminadas, apagadas ou apropriadas (ou seja, no
linguajar da doutrina da segurança nacional, DESAPARECIDAS!).
Escreveu textos ágeis e realizou
entrevistas com a contundência possível em tempos discricionários. Tempos de
barreiras visíveis e invisíveis que não conseguiram evitar que da investigação
sobre o sequestro da Lílian e do Universindo, e dos pequenos Francesca e
Camilo, surgissem caminhos, hipóteses e diagnósticos que redimensionaram a
estrutura repressiva interna, o silêncio constrangedor do mundo oficial e, pela
primeira vez na história do Cone Sul, que apontassem com coragem e faro
jornalístico a engenharia clandestina e encoberta da conexão repressiva
regional, a posteriormente conhecida Operação Condor.
Por isso, a publicação da segunda
edição do livro em questão se transforma em um belo libelo que marca um paradoxo
tão contraditório como peculiar. Ao mesmo tempo em que a Folha de São Paulo se
esforça em suavizar os anos de chumbo (que, no mínimo, começam em 1964 e
terminam em 1985), o trabalho rigoroso de Luiz Cláudio demonstra exatamente o
contrário: foi DITADURA; ditadura com maiúscula; ditadura criminosa. Ditadura
contra cidadãos nacionais, mas também ditadura contra cidadãos estrangeiros;
aliás, dentro e fora do Brasil, como bem mostram os voos rasantes do Condor,
inclusive antes da sua própria existência.
A riqueza do livro se assenta na complexidade da proposta. Em tese, o eixo da obra está colocado no seqüestro dos uruguaios e, inegavelmente, esse é o prato forte, tanto pela dimensão do Condor quanto pela luta dos uruguaios e da sua organização para permitir um canal de contato desde o exílio com a população sufocada no interior do Uruguai. Aqui é o momento em que Luiz Cláudio, mesmo a contragosto, surge como protagonista essencial. É neste momento em que se configura uma história que lhe diz respeito. Neste momento, não se trata mais do repórter ou do entrevistador que correatrás da nota, do furo ou da entrevista, ali onde outros são alvos de câmeras e microfones.
Agora se trata de um relato desde a
sua perspectiva; perspectiva de quem sabe que a sua obrigação como jornalista
não pode silenciar nem esconder a responsabilidade ética e solidária do
depoente-protagonista. No momento em que o jornalista e a testemunha se
sobrepõem, a reportagem sobre o sequestro efetuado pela unidade Condor ganha
particular relevância e proximidade.
Há que se ressaltar a contribuição na
bela recriação do cenário de Porto Alegre, fato fundamental para situar os
protagonistas dos eventos: os militantes uruguaios, os jornalistas da Veja, os
agentes repressivos, os defensores das vítimas, etc. O cotidiano da cidade
naqueles dias ganha intensas cores no texto nervoso de Luiz Cláudio: a dimensão
das lides futebolísticas, o Palácio Piratini, a rua Botafogo, a Rodoviária, o
Palácio da Polícia (e a reminiscência essencial do pequeno Camilo, o arroio Dilúvio
e a avenida Ipiranga, evidência concreta da conexão repressiva). É uma paisagem
urbana muito conhecida dos porto-alegrenses e a qual se interliga, como
encadeamento indissociável, o roteiro geográfico por onde transitou o Condor,
as estradas que se dirigem ao sul do estado-país e a característica fronteira pontuada
de cidades binacionais separadas por uma rua e de populações cotidianamente irmanadas.
Por outro lado, Cunha não se furta em
recriar um riquíssimo painel da política gaúcha e das suas vinculações
nacionais. Com elegante ironia tece considerações ao respeito dos
generais-presidentes-ditadores, ilustres políticos do partido que dá sustentação
ao regime, a ARENA, e daquele que faz oposição, o MDB. Questões regionais e
nacionais se entrecruzam de forma permanente deixando ver aspectos cruciais da restrita
lógica eleitoral, da relação entre civis e militares no interior da ditadura
(tanto no plano estadual como federal) e de aspectos geopolíticos (situação
conjuntural e particular do Rio Grande do Sul).
Particular interesse, na sua análise,
é o questionamento feito à postura do governador Sinval Guazzelli quanto ao seu
empenho na resolução dos fatos, assim como uma inédita vinculação do mesmo com
a origem da Lei Falcão. De forma muito pertinente e ágil, o texto conecta
constantemente Porto Alegre com Brasília e o Rio Grande do Sul com o Governo
Federal, apontando para a dimensão do seqüestro, na contramarcha do silêncio
oficial inicial e da posterior negação, bem como as enormes implicações e
responsabilidades existentes. Ainda por cima, são elucidativos do empenho das
forças de segurança e da comunidade de informações brasileiras em abafar o
caso, tanto o diversionismo (“a farsa”) de Bagé como o enterro da escrivã
Faustina, privilegiada e constrangida protagonista do seqüestro e
desaparecimento temporário das
crianças.
Não bastando essa vastidão de
perspectivas sobre cenários e protagonistas, o jornalista se empenha em
descrever e analisar uma realidade uruguaia que não é alheia aos grandes
acontecimentos que marcam as contradições e sensíveis expectativas latino-americanas
dos anos 60. Mostrando-se conhecedor da teia histórica central do país vizinho,
desenrola-a de forma a tornar inteligível como um dos países onde a população havia
adquirido uma série de conquistas sociais altamente qualitativas, em comparação
com a maioria dos países da região, sofrera profunda crise e rápida
radicalização
política.
Desse caldo de cultura resultou,
simultaneamente, um quadro de crescente autoritarismo estatal e o engajamento
de jovens estudantes, como Lilian Celiberti e Universindo Rodríguez Díaz,
através de uma militância política de confronto cada vez mais direto.
O governo Pacheco Areco, o golpe de
Estado de 1973 e a consequente ditadura de segurança nacional, que levou
milhares de cidadãos a abandonarem o país, entre os quais aqueles que fundaram
no exterior o Partido por la Victoria del Pueblo (ao qual pertenciam Lilian,
Universindo e Hugo Cores, outro personagem emblemático da trama), estão muito
bem apresentados tanto no anexo sobre o Uruguai quanto no corpo do texto. A
segurança com que Luiz Cláudio analisa a realidade uruguaia confirma, além de uma
relação afetiva com aquele país e aquele povo, o quão conhecedor é da sua história.
E como se tudo isso não bastasse, há um primoroso anexo sobre a Operação Condor
(sobre a qual há novidades importantes em relação à participação do Brasil).
Em realidade, Luiz Cláudio nos
presenteia com esses anexos, o do Uruguai e o da Operação Condor, dois relatos
que dialogam, inegavelmente, com o corpo do livro, mas que, em si, também podem
ser vistos como autônomos e constituídos por uma lógica interna. Eles lhe
permitem transitar da experiência cinzenta da ditadura uruguaia para aquela que
talvez seja a experiência mais sombria da história da América do Sul, essa Operação
Condor, marco da colaboração, coordenação e conexão do terrorismo de Estado
regional.
E é a Operação Condor que expressa,
como acertadamente destaca o autor durante toda a narrativa, a síntese do
diálogo repressivo que conecta as histórias do Rio Grande do Sul, do Brasil, do
Uruguai e do resto do Cone Sul.
Portanto, trata-se de uma obra de
múltiplas qualidades e possibilidades de leitura, onde a investigação
jornalística anda lado a lado com o rigor histórico. Fatos vão sendo
minuciosamente encadeados, contextualizados e aferidos através de inúmeras fontes
que dão sustentação às interpretações e análises do autor. Inquestionavelmente,
Operação Condor: o Seqüestro dos
Uruguaios — uma reportagem dos tempos da ditadura é uma obra de referência
para quem quiser entender os meandros da história recente do Brasil e do Cone
Sul.
César Charlone, uruguaio,
documentarista, cineasta e fotógrafo de filmes como Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel e Ensaio Sobre a Cegueira. São
Paulo, SP.
Fue gracias a la valentía y
perseverancia de Luiz Claudio que se impidió que Lilian, Universindo
y los dos niños, Camilo y Francesca, muy probablemente
desaparecieran, como era frecuente en aquella época. Fue gracias a su
denuncia y a su decidida investigación que se
pudo conocer a los responsables y organizar una gran campaña
internacional, que debe haber sido uno de los eventos mas importantes en la
retomada democrática de esta golpeada parte del continente.
Es con esa
misma valentía y dedicación que Luiz Claudio encara
la investigación que nos muestra en esta completisima obra sobre el
secuestro de esos ciudadanos uruguayos residentes en Porto Alegre. Lo que en
aquel momento fue la denuncia aislada de un operativo conjunto de las fuerzas
armadas de Brasil y Uruguay, ahora se contextualiza , se fundamenta, se apoya
con datos, fechas, nombres,permitiendo asi, entender mucho mejor y situar en el
mapa geopolítico, esta oscura parte de nuestra historia.
Nilson Mariano,
jornalista, repórter especial de Zero Hora, autor de As garras do Condor. Porto Alegre, RS.
O livro é maravilhoso. Conseguiu algo
raro: rigor histórico com um texto primoroso. Parabéns!
Leandro Fortes,
jornalista, repórter da revista Carta
Capital, professor de Técnicas de
Entrevista e Reportagem do IESB, autor do livro Jornalismo Investigativo. Brasília, DF.
Terminei, entre aturdido e
emocionado, de ler o seu livro sobre o sequestro dos uruguaios. No fundo,
fiquei um pouco envergonhado de ter escrito um livro sobre jornalismo
investigativo e não ter citado essa história incrível como exemplo definitivo
de esforço real, profundo, de reportagem. Não o fiz, confesso, por ignorância.
Não sabia da dimensão do seu trabalho
nem dos desdobramentos do caso, à época, porque era menino (tinha 12 anos), nem
posteriormente, já homem feito, a não ser por alto, de ouvir falar. Pena,
porque se soubesse, teria sido um jornalista melhor.
Digo isso sem hipocrisia: assim que
acabei de ler o livro, magnífico na história, saborosíssimo na prosa, pensei
muito nas coisas que fiz até aqui e, sinceramente, me deu vontade de fazer
muito, muito mais. Fiz pouco.
O Sequestro dos Uruguaios não é só um
relato de um grande repórter, mas uma declaração de amor ao jornalismo.
Fiquei matutando, ainda, sobre os
nossos tempos e o tipo de gente que está aí, hoje, no comando das redações. O
que se lê, o que se vê, o que se ouve, fala por si.
De cá, mando um abraço admirado e
grato pelas muitas lições do livro e pela amizade de sempre. Parabéns, de
verdade, por essa obra sensacional.
Jarbas Passarinho,
militar, ex-ministro, senador. Brasília, DF.
Já li a maior parte de teu livro e
aprendi com ele até o que eu não gostaria de ter aprendido. Teu depoimento é um
manancial de informações que eu desconhecia, inclusive como ministro de três
governos de presidentes do ciclo militar. Só o que me tem estranhado na
literatura dos que reescrevem a história (tu a escreves) é que os esquerdistas
- armados ou não - que nos combateram são sempre apresentados como vítimas e
nunca repartimos com os vencidos as misérias de uma guerra suja.
E eles nunca se horrorizaram com as
barbaridades dos países comunistas, onde foram adestrados, feitas não contra
guerrilheiros, mas civis, como mostrou Soljenitsin no Gulag.
Minha homenagem ao homem idealista e
ao repórter preciso e honesto, meu amigo.
Marcelo Marion Rodrigues,
juiz, filho de Danilo Moacir Rodrigues, o juiz que julgou e condenou os
sequestradores. Porto Alegre, RS
Minha irmã, Dirlene, e eu ficamos
impressionados com o seguinte fato: embora o conteúdo seja tão duro, tão árido,
tão pesado, teu texto apresenta uma fluidez e uma riqueza impressionantes.
Conseguiste imprimir vida às palavras, promover um encadeamento exemplar aos
diversos fatos, produzindo um texto bem-costurado e profundo.
Cabe ressaltar que a leitura do teu
livro nos proporcionou um retorno a um período que não traz boas lembranças.
Apesar de termos tomado conhecimento acerca do envio de bilhetes ou cartas
contendo ameaças ao pai e à família, jamais soubemos qual o seu teor. Éramos
crianças. Eu, com 8 ou 9 anos à época, não tinha alcance dos fatos.
Segundo nossa mãe, ele sempre se
negou a mostrar esses “recados”. Minha irmã conta que, ao se deparar com o
relato da tortura sofrida por Universindo, de situações vividas pelo pai e de
outros fatos, sentiu-se muito angustiada. Ela disse que foi como se estivesse
frente a frente com as ameaças e com os seus autores, com as preocupações e ponderações
que acometeram o pai na época. Mérito do autor do livro, diga-se de passagem.
Quanto maior o envolvimento do leitor, mais profundo o texto.
Porém, se alguns trechos despertaram
angústia, outros propiciaram o reencontro com o pai e relembraram a sua
coragem. Reafirmaram a crença de que sua passagem, embora breve (partiu às
vésperas de completar 56 anos), ficou registrada de forma intensa e positiva.
Confessamos que lemos primeiramente o capítulo dedicado a ele. Agradecemos pela
valiosa – não imaginas quanto - oportunidade, Luiz Cláudio.
Mas, falando em coragem, não posso
deixar de salientar a demonstrada por ti. Foste peça-chave no desenrolar dos
fatos. Que teus familiares tenham orgulho da tua coragem.
PARABÉNS pelas duas obras: a atuação
por ocasião do sequestro e a lançada em novembro de 2008. Trata-se de um livro
que diz a que veio, escrito por alguém cuja AÇÃO deixou sua marca na História.
João Domingos,
jornalista, chefe de redação da sucursal do jornal O Estado de S.Paulo, Brasília,
DF.
Seu livro é um marco na História do
país.
Com o humor dos informados, expõe as
malandragens dos políticos; com o horror dos indignados, mostra o que ocorreu
nos cárceres; com a dor dos injustiçados, exige Justiça; com a paciência dos
justos, despreza os que nem sequer desprezo merecem.
Lucas Figueiredo,
jornalista, repórter da revista Rolling Stones, autor dos livros Ministério do Silêncio, Morcegos Negros e
Olho no Olho (prêmios Jabuti e
Vladimir Herzog). Belo Horizonte, MG.
Estou para escrever já tem uns dias,
mas venho adiando porque queria fazê-lo sem correria. Seu livro é uma
maravilha!
Sobre o tema específico, o sequestro,
atendeu às minhas expectativas: dissecou o cadáver com brilhantismo e apuração
irrefutável, uma reportagem com R maiúsculo (em tempos de “jornalismo
investigativo”, as pessoas esquecem que o chique mesmo é fazer reportagem).
Mas o que me surpreendeu foram duas
coisas: o texto excelente, bem amarrado, em tom de thriller, prendeu-me do
início do fim. Ia dormir querendo chegar logo o dia de amanhã para saber o que
aconteceria.
Outra surpresa foi o delicioso relato
das redações e do jornalismo do final dos anos 1970. Sem ficar naquele papo
“naquele tempo era muito melhor”, você revelou, com cores, como era fazer
jornalismo num tempo ainda duro, mas com sobra de dignidade dos profissionais.
Delícia foi saber como era a redação da Veja em POA, e tenho certeza de que
esse aspecto irá agradar muito aos leitores não-jornalistas.
Parabéns pela obra!
Núbia Silveira,
jornalista, editora do site Matinal e
ativista de direitos humanos. Porto Alegre, RS.
Estou no final do teu livro. Esperei
chegar ao finzinho para te escrever.
Bato palmas altas e fortes para ti,
por vários motivos: excelentes texto, estrutura, informações e fotos.
Acima de tudo, excepcional
autocrítica. Gostei de ver que não escondeste o medo sentido, os momentos de
dúvidas, a ajuda dos amigos, a importância do Scalco e do Kadão na solução do seqüestro.
É um livro sincero acima de tudo. Lendo-o te vejo na minha frente com a eterna
cara de menino, o jeito de falar brincalhão e a competência profissional.
Palmas para ti. Mereces. E muito.
Lourenço Cazarré,
jornalista, escritor, vencedor dos prêmios Jabuti e Bienal Nestlé. Brasília,
DF.
Vazado num estilo límpido, nervoso, frequentemente
irônico, O Seqüestro dos Uruguaios
tem a pegada de um best-seller de ação e aventuras.
É leitura envolvente. É difícil
largar o livro, cujos capítulos vêm encaixados à perfeição: as ágeis aberturas
e os fechos irônicos se engrenam de tal modo que o interesse do leitor não cai
por um só instante.
Na verdade, Luiz Cláudio, você
transcendeu em muito a meta traçada inicialmente. Pela grande quantidade de
informações e pelo detalhado retrato dos personagens, o livro se transforma em
obra-chave para a compreensão de um período dramático do regime de força.
Tempos em que a ala militar que
pregava a distensão, sob o comando de Geisel, começava a encurtar o espaço da “linha
dura”, a turma barra-pesada da tortura e do assassinato de presos políticos.
O clima irrespirável da ditadura
exala das páginas do livro que, sem dúvida, vai entrar para a bibliografia
obrigatória dos que querem estudar o Brasil dos “anos de chumbo”, ao recriar o
clima de medo, paranoia e violência estatal que marcou uma geração de
brasileiros.
Clayton Rogério Netz,
jornalista, ex-preso político. São Paulo, SP.
Li avidamente seu livro. Embora tenha
mais de 460 páginas, é daquelas obras que a gente lamenta quando está chegando
ao fim. A começar pelo prefácio primoroso do Guzzo.
Como você diz na apresentação, mais
do que o relato de um seqüestro, essa é uma reportagem dos tempos da ditadura.
Ao não se ater exclusivamente ao episódio, já em si grave, da prisão do
Universindo e da Lilian, você coloca essa tragédia particular no quadro de uma
tragédia bem maior, simbolizada pela proliferação e hegemonia de regimes
autoritários e ditatoriais no continente.
Seguramente, seu livro vai prestar um
grande serviço de esclarecimento às gerações mais jovens, para as quais Condor
não significa mais do que um pássaro gigante da cordilheira dos Andes.
Acredite: valeu a pena esperar 30
anos para ver nas prateleiras o Seqüestro
dos Uruguaios.
Zélia Leal Adghirni,
jornalista, professora da UnB. Brasília, DF.
Tenho me deliciado com o livro do
Luiz Cláudio. Que texto!...
É puro prazer, apesar dos arrepios da
história que ele sabe tão bem contar.
Histórias de colegas e de amigos que, de certa forma, fazem parte de
minha história. Embora estivesse morando na França nesta época, acompanhei tudo
de perto.
E ao ver impressos os nomes dos
saudosos João Baptista Scalco e do Olívio Lamas, bateu uma dolorosa saudade.
Como eles foram corajosos! Eram todos tão jovens!
O próprio Luiz Cláudio, que só agora
me dou conta, tinha menos de 30 anos. Já existiam Janda e a Gabriela e, no
entanto, ele jamais hesitou em se engajar profundamente nesta investigação.
Agarrada literalmente no livro, varei madrugadas lendo a brilhante narrativa do
autor que não poupa palavras para descrever, da mais sórdida seção de tortura,
aos atos de bravura de pessoas simples mas dispostas a clamar por justiça.
Fiquei impressionada com a capacidade
do autor em resgatar dados históricos, com data, lugar e personagens envolvidas
nos fatos desse período sombrio da história do Rio Grande do Sul e do Brasil.
Bravo também para os anexos (a partir da página 339) sobre o ‘Uruguai
Seqüestrado’ e a ‘Operação Condor’.
Parabéns!... É uma obra brilhante,
texto impecável, testemunho histórico e, acima de tudo, uma lição de
jornalismo.
Vou incluir O Sequestro dos Uruguaios na bibliografia recomendada aos meus
alunos de Jornalismo na UnB.
Wladymir Ungaretti,
jornalista, professor de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica
(PUC),Porto Alegre, RS.
O que importa é que o livro, como um
todo, indique não só os fatos, mas que mostre que já se fez JORNALISMO nesse
país.
Farei uso dele em sala de aula. E,
com o máximo de orgulho, direi aos meus alunos que conheço o autor.
Nilce Azevedo Cardoso,
educadora popular, psicopedagoga clínica, psicanalista, ex-presa política, militante
dos direitos humanos. Porto Alegre, RS. [Torturada no DOPS gaúcho em abril de 1972 pelo delegado
Pedro Seelig. Sob torturas, Nilce sofreu uma parada cardíaca. Ao tentar
reanimá-la, os policiais do DOPS acabaram provocando um esmagamento do seio e
uma fratura no tórax. Foi levada para o Hospital Militar, ficou lá oito dias em
coma. Depois voltou para o DOPS. Foi transferida para o DOI-CODI de Brilhante
Ustra, em São Paulo, para novas sessões de pancada. Nilce morreu em 21 de
fevereiro passado, em Porto Alegre, aos 77 anos, 15 dias antes de Seelig.]
Um livro tem que se fazer, construir seu caminho. E isso foi feito. A gente vai lendo o livro e não consegue desgrudar os olhos de tudo que ali vai acontecendo. A linguagem jornalística talvez seja uma das mágicas desse livro.
É uma linguagem do presente. Está
acontecendo no aqui e no agora. E passamos a viajar pela mão de Luiz Cláudio,
que nos faz ir e vir para tentar acompanhá-lo.
Todos que vivemos nesses tempos de
ditadura somos muito gratos por mais essa revelação do que teimava em ser
encoberto. Gostei muito do livro e tenho recomendado insistentemente.
Um jornalista protagonista e agora
revelador, historiador, tem a oportunidade de resgatar a verdade de tempos
muito sombrios que, para não retornarem, necessitam de escritores que tenham
essa coragem e beleza de texto.
E livros como esses, com essa
linguagem legível, clara e explícita são úteis e necessários. Sempre!
Elza Pires,
jornalista. Brasília, DF.
Em alguns momentos dei risada, em
outros chorei.
Voltei no relógio da vida.
Nem vou dizer que este é o relato
mais correto que li sobre aquele período.
Quem vai “dizer” isto é o próprio
tempo. O mesmo tempo que felizmente traz de volta o seu texto impecável. E este
resgate histórico tão importante para nossos filhos e netos.
Osmar Béssio Trindade,
jornalista. Brasília, DF.
Buenas, hombre! O livro está do
tamanho da qualidade do repórter.
Valeu a espera!
Luiz Lanzetta,
jornalista. Brasília, DF.
O livro realmente é de aplaudir de
pé. Está ótimo. Honra o jornalismo gaúcho.
Só estranhei a resenha envergonhada da
Veja.
Acho que eles teriam que abrir as
páginas e comemorar.
Mas, os tempos são outros...
Tânia Jamardo Faillace,
jornalista. Porto Alegre, RS.
Comecei ontem a ler O Sequestro dos
Uruguaios, que mais parece um thriller do Graham Greene do que uma seqüência de
reportagens. Gostei dos cortes, da alternância das personagens, da quebra da
linearidade temporal e narrativa. Queiras ou não queiras, saiu com cara de
ficção, embora não seja.
É um grande livro, Luiz Claudio!
Podes orgulhar-te dele com justiça.
Pena que o brasileiro, hoje, tenha
tanta preguiça de ler. Porque esse livro de reportagem, também é um livro
histórico, documental, mas que não abdica do tom pessoal, humano, sequer do
humor tipicamente brasileiro de fazer graça com as coisas mais desengraçadas,
como se sabe (humor negro, muitas vezes, como não poderia deixar de ser).
Parabéns, Luiz Cláudio.
Elaine Lerner,
jornalista. Porto Alegre, RS.
- É este! Exclamou com um com enorme
sorriso a moça de cabelos pretos presos num rabo de cavalo para a colega também
de rabo de cavalo, para logo em seguida olhar pra mim e perguntar – O que tem
este livro que todo mundo quer?
No mesmo tom empolgado, expliquei às
duas incrédulas jovens vendedoras que eu conhecia o autor e que havia acompanhado
toda a história, mesmo que de fora.
Pô, que legal, completou a mais
falante, explicando que já deixou de vender vários exemplares. Também Saraiva,
do Praia de Belas Shopping, em Porto Alegre, vendeu até sexta todo o estoque do
final de semana.
Eu queria dois exemplares, vou tentar
hoje na Feira do Livro.
Pois é, Luiz Cláudio. Eu também
fiquei tão surpresa quanto às meninas já nas primeiras páginas do teu livro. Ao
ver as quase 500 páginas logo pensei como terias conseguido escrever tanto sobre
um único episódio, mesmo que ele tenha mudado a vida – e até mantidos vivos os
personagens centrais?
Por mais tristes e pesados que sejam
alguns trechos, especialmente quanto às torturas sofridas por gente que
conhecemos, a leitura coloca a gente dentro dos episódios.
Na primeira noite, fiquei até quase
meia noite sem largar o livro. Isso que tinha que acordar às cinco horas para
pegar o ônibus pra Copesul. Dois dias depois, até uma gripe foi bem-vinda ao me
manter em casa. Li entre espirros e lenços de
papel. Estou trabalhando com as
gurias da Lavoro, jornalistas, Ao comentar com elas, também já tinham histórias
pra contar. “Uma amiga só parou às seis da manhã quando chegou na última
página”, disse a Cris.
Também encontrei a resposta para uma
pergunta que nunca tive coragem de te fazer – sentiste culpa por não ter
conseguido evitar o seqüestro?
Muito obrigada por escrever com tanta
coragem e emocionar a todos nós.
Tenho muita dificuldade em escrever
me colocando no texto. E talvez tenha sido isso que eu mais admirei do teu
livro: a coragem de se expor.
MINHA APRESENTAÇÃO NO LIVRO
O
Sequestro dos Uruguaios:
Uma
reportagem dos tempos da ditadura
de
Luiz Cláudio Cunha, 472 pp., L&PM Editores, Porto Alegre, 2008;
Esta
é a reportagem de uma grande reportagem – no sentido mais literal e menos
arrogante do termo.
A
reportagem é uma longa travessia que contraria as práticas e os limites de
tempo sempre estritos da notícia. Se a notícia é o urgente relato de um fato, a
reportagem é a descrição ampliada e circunstanciada desse acontecimento. É um
jogo de paciência onde a investigação vence a ancestral impaciência da redação
pelo resultado diário, pela apuração cotidiana de um tema sujeito ao maldito
destino de virar embrulho de peixe como jornal velho do dia que passou.
A
reportagem sobre o seqüestro dos uruguaios, que se estendeu durante 86 semanas
de Veja, começou com uma pergunta feita na edição com data de 29 de novembro de
1978, após o relato pioneiro do encontro de dois repórteres com
homens
armados no apartamento da rua Botafogo [em Porto Alegre], uma semana antes.
Terminou no reconhecimento da edição com data de 30 de julho de 1980, que
trazia a corajosa decisão do juiz Moacir Danilo Rodrigues, de Porto Alegre,
condenando pela primeira vez no país agentes do intocável mecanismo de repressão armado pela ditadura de 1964. Existe um enorme espaço de tempo entre os dois títulos da intrigante indagação inicial – “Onde estarão?” – e da consoladora afirmação final – “Verdade resgatada” – que demarcam a teimosa, persistente cobertura dedicada ao caso.
Dedicação
intensiva e quase exclusiva
No
intervalo entre a dúvida do paradeiro dos seqüestrados e a certeza da verdade resgatada
decorreram 630 dias, quase 21 meses, cerca de dois anos de árdua investigação –
superando mentiras escarpadas, cavando fontes amedrontadas,
respirando
a poeira do acobertamento, procurando atalhos seguros para chegar ao cume das
responsabilidades e ao esclarecimento dos fatos.
Não
havia uma preocupação formal de falar no assunto toda semana. Falava-se quando
era necessário, quando havia novidades, quando se lançavam novas luzes sobre o
caso. Nem toda edição da revista tinha matéria do seqüestro. Ainda assim, o
espaço estava garantido quando os fatos tornavam obrigatório o seu registro.
Foi o que aconteceu nos meses de dezembro de 1978 e de janeiro de 1979, com
presença do tema em cada uma das oito edições semanais de Veja. De outra parte,
no mês de agosto de 1979 não existe uma única página sobre o seqüestro.
Essa rara liberdade na abordagem de um tema tão extensivo se juntava a outra condição incomum do jornalismo: a dedicação de um repórter por tanto tempo a um único tema. Liberado da pauta de rotina de outros assuntos, passei a dedicar-me de forma intensiva e quase exclusiva ao seqüestro. Essa opção se devia à compreensão dos editores em São Paulo de que a pauta do sequestro exigia uma permanente investigação
Inteligência,
coragem e senso jornalístico
A
ausência do seqüestro nas páginas de Veja dava eventualmente a impressão de que
a sucursal e a revista tinham abandonado o tema. Não passava, contudo, de um
eventual recuo tático para um avanço estratégico seguro. Resguardava-se a
publicação em uma ou outra semana para um salto evidente na semana seguinte. Na
verdade, o trabalho nunca parava – continuávamos apurando, investigando,
conferindo, conversando e ganhando a confiança de gente assustada, que não
queria nem podia aparecer. Era uma batalha semanal, diária, para ganhar
confiança e avançar na história. Exigia tempo e paciência. Não permitia
qualquer desvio para cobrir outros assuntos, mais amenos.
A
série do seqüestro tem um detalhe curioso: a intervenção decisiva de três
fotógrafos, em momentos pessoais que não registram um simples clic, não rendeu
uma única foto. João Baptista Scalco, que estava ao meu lado quando fomos
recebidos com pistola na cara no apartamento de Lilian e Universindo, não pôde
apontar sua câmera para os policiais, mas reconheceu com firmeza o rosto dos
seqüestrados impresso com nitidez em sua memória fotográfica. Olívio Lamas teve
a
idéia
e deu o berro poderoso que trouxe à luz o rosto da agente do Dops que custodiou
as crianças seqüestradas. Ricardo Chaves teve uma participação decisiva quando,
pelo detalhe e não pelo retrato, resgatou a pista já descartada na
identificação de um dos seqüestradores.
A
conclusão dessa tripla experiência sem fotos é que todos os três, em momentos
distintos da apuração, justificaram como ninguém a condição de repórter-
fotográfico. JB, Lamas e Kadão não precisaram de máquinas para exercer seu
ofício.
Valeram-se apenas da inteligência, da coragem e do senso jornalístico para reafirmar a condição de repórter mais do que a de fotógrafo.
Tempo
em que era preciso sorte
A
série sobre o sequestro dos uruguaios aconteceu ontem, nos idos dos anos 70, a
duas décadas do final do século 20. Parece agora um passado remoto, enterrado
no subsolo do tempo, sob camadas sucessivas de novidades que cobrem tudo aquilo
como um fóssil do jornalismo, mais atraente à lupa de um veterano arqueólogo do
que ao olho de um jovem repórter.
Vivia-se
uma compassada era pré-digital em que jornalistas não dispunham de celular,
computador, correio eletrônico, laptop, internet, google, wikipédia... Não
havia gadgets, nenhuma maravilha tecnológica da realidade on line, do paraíso
high-tech e do universo wireless que pudesse facilitar a vida de um repórter.
Antes
da pedra filosofal da eletrônica, havia a química, hoje tão medieval como a
alquimia. As fotos não eram um milagre instantâneo. Passavam antes pelo papel,
que era banhado em solução de ingredientes mágicos que faziam a foto emergir
lentamente no banho de revelação no quarto escuro. A transmissão de imagens não
era um frenesi medido em bytes ou segundos. Levava quinze, vinte minutos para
cada foto ser transmitida, via telefone, por uma geringonça barulhenta chamada
telefoto. Dali saía às vezes não uma foto, mas um borrão imprestável que nos
obrigava a repetir todo o processo.
As matérias não eram digitadas em tela limpa e iluminada de computador, para transmissão fulminante via satélite. Todo o texto era batido na máquina de escrever, no máximo portátil, em laudas impressas que se empilhavam cheias de palavras cobertas pela letra X – a tecla que se usava para cobrir os erros de digitação e gramática, já que ainda não havia a miraculosa tecla delete dos computadores. Datilografada a matéria, o texto era redigitado por um teletipista na máquina de telex – um aparelho ponto-a-ponto que transmitia o texto de Porto Alegre para São Paulo, através de uma fita picotada que, em dia de sorte, não se rompia. Era preciso sorte.
Testemunha
do momento decisivo
Não
existiam câmeras ocultas, nem se usava gravador. Grampo era uma façanha tecnológica
de alcance exclusivo da repressão. As conversas eram olho no olho, repórter e
fonte, sem nenhum gravador como intermediário. Naqueles tempos inseguros, o
microfone de um gravador produzia mais insegurança na conversa do que certeza
no texto. Em mais de 600 dias de apuração, não existe uma única conversa gravada
na série sobre o seqüestro.
Em
tempos assolados pela praga que Alberto Dines apelidou de “jornalismo fiteiro”,
é difícil imaginar que uma cobertura extensiva de 86 semanas tenha sido feita apenas
com o suporte de escassa tecnologia, como canetas bic e cadernetas de anotações
– além das pesadas câmeras Nikon convencionais armadas com teleobjetivas nem
sempre discretas. Nada além disso. O resto – diria Ricardo Kotscho – era sola
de sapato, acrescido de muita conversa, teimosia e persistência. Ainda que misturadas
pelo medo endêmico daqueles tempos.
Na
investigação do seqüestro muitas daquelas conversas feitas em off preservam o
sigilo da fonte até hoje. Como já disse em outra oportunidade, o off não é um
valor absoluto, intangível, dogmático. O off, como um medicamento eficaz, deve ser
parcimonioso e pontual. Não pode ser uma droga que transforme o repórter e o jornalismo
em dependentes crônicos, com o cérebro bloqueado e a pulsação alterada pelo
vício continuado da informação anônima – que só excita o jornalismo irresponsável
e cambaleia a credibilidade da informação.
O off é um escudo necessário quando está em jogo a integridade da informação, a segurança da fonte, o interesse da sociedade. Adélio Dias Sousa, o bilheteiro da Rodoviária que testemunhou um momento decisivo do sequestro – a prisão da uruguaia Lilian Celiberti pelo delegado do Dops Pedro Seelig – não quis falar formalmente. Ao ser localizado pela equipe da revista, Adélio recusou-se a depor – para mim, como entrevistado, e para o promotor, como testemunha de acusação.
Amizades
sólidas e novas fontes
Ele,
como todos nós, tinha medo.
Adélio
merecia ser protegido, não condenado. O perigo de retaliação era tão imediato
que não se podia nem descrever a cena da Rodoviária. A simples menção poderia
identificar a fonte aos policiais, já nervosos pela investigação persistente da
imprensa. Naquele momento delicado, sabíamos que mais importante do que a informação
era a proteção física do informante e a segurança de sua família. A vida é sempre
maior do que o jornalismo, que a tem como missão. Ainda assim, a informação em off do bilheteiro foi crucial para
confirmar detalhes do início do seqüestro em Porto Alegre, emprestando mais
segurança à investigação. Sustentei este off
durante longos quinze anos – até que Adélio se sentisse seguro, em 1993,
para
mostrar a cara e contar sua história no caderno especial (edição de Eduardo
Bueno, o Peninhaa) de Zero Hora e no
documentário (direção de João Guilherme Reis) para a RBS TV que eu escrevi e
apresentei como repórter e testemunha do caso.
Três
décadas depois da primeira matéria sobre o seqüestro, descobri animado que
algumas conversas difíceis naquela época ficaram menos complicadas, desobstruídas
pelo tempo, ponderadas pela distância, depuradas no filtro da história e
lapidadas na consciência de todos. Militares e paisanos, policiais e vítimas,
gente do governo e da oposição, pessoas graúdas e figuras modestas falam agora
com mais desenvoltura, embora ainda preservando a discrição, quando não o
anonimato.
Outras
informações me chegaram ao longo do tempo e a pesquisa sobre o episódio
desencadeado em novembro de 1978 se aprofundou. A investigação foi detalhada e,
para a rechecagem de dados e personagens inesperados, novas entrevistas foram
feitas. Surgiram daí algumas das peças que faltavam na montagem do
quebra-cabeça da investigação jornalística de trinta anos atrás. A necessidade
de um espaço maior para a reportagem ampliada por novas revelações fez com que
eu retomasse o antigo projeto de um livro-reportagem.
Uma mudança de cidade colaborou na evolução do livro. A partir de 1980, colocado diante de novos desafios profissionais, troquei Porto Alegre por Brasília, onde passei pelos cargos de direção de alguns dos principais órgãos de imprensa do país. Chefiei as sucursais brasilienses de Veja, IstoÉ, Jornal do Brasil, O Estado de S.Paulo, DCI e Zero Hora. Fui colunista político do Correio Braziliense, repórter político da coluna de Ricardo Boechat em O Globo e editor no Rio de Janeiro do “Informe JB”, do Jornal do Brasil. Este amplo e variado trajeto profissional me permitiu novas experiências, abriu horizontes, consolidou amizades e desbravou novas fontes que me seriam úteis na retomada do livro sobre o seqüestro dos uruguaios.
O
ar viciado da rua Botafogo
A
distância, no tempo e no espaço, só ajudou no amadurecimento do livro. Trinta
anos depois, a 1.600 km de Porto Alegre, pude concluir uma narrativa mais fria,
mais abrangente, mais detalhada, talvez mais implacável – mas certamente mais completa
e verdadeira do que o relato que eu poderia fazer no final dos anos 70, no extremo
sul do país, tão próximo das pessoas e das instituições envolvidas diretamente
no episódio. A decantação dos anos e o distanciamento do centro dos eventos
ajudaram a redesenhar os limites do seqüestro e a ajustar o foco do repórter. A
verdade surgiu mais nítida no horizonte, sem sucumbir às emoções paroquiais. Pude,
então, conhecer mais e melhor os fatos e os homens, corrigir versões, ampliar
informações,
esclarecer situações. O tempo aplacou as paixões e deu relevo ao que era
fundamental. E a memória do seqüestro ganhou contundência.
No
corpo deste livro reconstituo com detalhes inéditos o seqüestro de Lílian Celiberti
e Universindo Díaz, indo além, antes e depois daquele encontro com os seqüestradores
armados daquela sexta-feira, 17 de novembro. Faço um corte transversal no
tempo, para não ficar confinado às paredes do apartamento da rua
Botafogo.
O que acontecia ali dentro era apenas um reflexo do que se passava lá fora. Não
tinha começado naquela tarde, não acabava naquele lugar, não se reduzia a personagens
secundários da polícia local. A cena de violência da rua Botafogo era o reflexo
da grande política, dos grandes personagens e das grandes tragédias que moldavam
o Brasil do final dos anos 70. Era apenas um retrato em branco e preto daqueles
tempos cinzentos que o país procurava vencer, deixando para trás o sufoco da
ditadura em busca do ar limpo da democracia.
Ninguém sabia o tempo dessa jornada, nem mesmo se aconteceria. A partir de 1978, o país ainda iria respirar o ar viciado da rua Botafogo por longos sete anos, até que o último general deixasse o Palácio do Planalto pela porta dos fundos, devolvendo o poder aos civis.
O
fio caprichoso da história
Por
isso, mais do que o relato de um seqüestro, esta é uma reportagem dos tempos da
ditadura. Em primeiro plano, narro a sequência dos eventos que vitimaram Universindo,
Lilian e seus dois filhos, mas faço também uma incursão ao passado e atualizo a
história do presente. Parto de meu testemunho de vida e de minha visão como
repórter, mas também remonto episódios e cenários conforme me foram contados e
descritos pelas personagens da narrativa, que tiveram voz, cara e coragem para
me ajudar a reconstruir os acontecimentos.
Para
não quebrar o fluxo dessa narrativa, evitei ao máximo o uso da nota de pé de
página. Recorri a ela, em dose mínima, apenas quando foi necessário um esclarecimento
pontual ou uma referência específica que reforçaria a credibilidade do relato
sem prejudicar o ritmo da leitura.
Adicionei
ainda dois Anexos. No primeiro refiz o cenário histórico do Uruguai, que
compartilhava as mesmas dores e tragédias com o Brasil da época dos seqüestrados.
No segundo resumi a trama da criação da “Operação Condor”, da qual o seqüestro
de Porto Alegre é um raro exemplo no Cone Sul em que as vítimas sobrevivem –
fortes e íntegras como a dura verdade que descrevem ao longo deste livro.
Neste livro, a história do seqüestro mistura-se à biografia das personagens, nem todas encontráveis na rua Botafogo, nem todas contemporâneas de 1978. Elas emergiram clandestinas em outros tempos, em lugares distintos do Cone Sul do continente – nas ruas do bairro porto-alegrense do Menino Deus, na paulistana rua Tutóia, na carioca rua Barão de Mesquita, na Automotores Orletti de Buenos Aires, nas colônias de terror da Dina chilena, nos centros de tortura de Montevidéu. É a biografia de cada um que traça o fio caprichoso da história
Algumas
biografias
Aparentemente,
uma cena ou outra pode parecer repetitiva. É a mesma cena recontada pela
testemunha do seqüestro, pelos seqüestrados e pelos seqüestradores. Um recurso
deliberado de narrativa para contar a história de três perspectivas distintas,
que convergem para uma verdade mais completa. Afinal, como repete
sempre
o repórter uruguaio Roger Rodríguez, la
verdad es, la história puede ser.
É
a integração desta tríplice visão que faz a junção da história com a verdade. A
história narrada neste livro é a verdade que pode ser – e é.
O
seqüestro de Porto Alegre destacou algumas biografias, rebaixou outras.
Eu
lembrei de algumas delas, de outras também.
Elas
estão contadas nas páginas seguintes.
LUIZ CLÁUDIO CUNHA
VÍDEOS
Luiz Cláudio Cunha fala sobre a Operação Condor II
Francisco das Chagas Leite Filho CAFÉ NA POLÍTICA
Primeira parte - O jornalista Luís Cláudio Cunha, uma dos maiores
experts em crimes políticos, desde que flagrou um sequestro da Operação Condor,
em Porto Alegre, fala ao Café na Política da sua experiência de mais de 30
anos. Um dos convidados, entre outros da América Latina e dos Estados Unidos,
do seminário realizado na semana passada pela Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados sobre o tema, também comenta a realidade dos chamados
golpes brandos ou golpes de quarta geração, como os de Honduras e do Paraguai,
e conclui que, felizmente, ditaduras como aquelas dos anos 60 e 80 deixaram de
existir. Seu diagnóstico é de que quase todo o sub-continente encontra-se hoje
governado por presidentes legitimamente eleitos, ainda que de corte político
controverso, o que é o reverso daqueles anos, em que a América Latina vivia sob
o tacão do discricionarismo militar e empresarial. Ele também comentou seu
livro "Operação Condor - O Sequestro dos Uruguaios", vencedor de
prêmios como o Jabuti, o Wladimir Herzog e o da Casa de las Américas, de Havana.
https://www.youtube.com/watch?v=J8wdKuAWsLE - parte 1
https://www.youtube.com/watch?v=jag8LWARZAY - parte 2
Entrevista na Universidade Federal de SC,
novembro de 2014
O UFSC
Entrevista dessa semana recebe o jornalista Luiz Cláudio Cunha para falar sobre
seu histórico durante os anos de ditadura e seu papel atuante como jornalista
crítico e investigativo na atualidade.
UFSC
Entrevista - Luiz Cláudio Cunha 1 de 3 – 7’40’’
https://www.youtube.com/watch?v=ljjGlejwMfE&t=63s
UFSC
Entrevista - Luiz Cláudio Cunha 2 de 3
-11’40’
https://www.youtube.com/watch?v=F1NwKYZaNKo
UFSC Entrevista - Luiz Cláudio Cunha 3 de 3 -
9’47’’
https://www.youtube.com/watch?v=gwHnquR8Y0E&t=6s
Trecho do filme “Condor”, de Roberto
Mader, com entrevista minha logo após o sequestro.
E
imagens de uma ilustração da PLAYBOY, feita a partir da minha descrição da cena
no apartamento da Botafogo.
Trecho do filme "Condor", de Roberto Mader
https://www.youtube.com/watch?v=-Txej0d_Svs
TV BRASIL série de 4 programa sobre Condor,
junho de 2018
Uma série de 4
reportagens, da TV Brasil, sobre um dos temas mais marcantes da história
recente do Brasil. A operação chamada Condor é o resultado da articulação das
ditaduras dos países do Cone Sul, na década de 1970, para reprimir opositores.
A série de reportagens mostrara: a história de uma militante uruguaia que
escapou de um destino trágico, e também o drama de um militante catarinense
sequestrado na Argentina e que nunca mais foi visto; a polêmica sobre a morte
do ex-presidente João Goulart; a história do gaúcho que lutou ao lado de Che
Guevara e sumiu na Bolívia; e, finalmente: a Comissão da Verdade vai investigar
a aliança entre as ditaduras do continente na década de 70
https://www.youtube.com/watch?v=W6JLCGyT5MY
BELO DOCUMENTÁRIO DO CONDOR E FUTEBOL
Eu tô
lá, no capítulo do Brasil.
MEMÓRIAS DO CHUMBO O FUTEBOL NOS TEMPOS DO CONDOR /Episódo BRASIL
MEMÓRIAS DO CHUMBO O FUTEBOL NOS TEMPOS DO CONDOR BRASIL;2014 ;DIRETOR : Lúcio de Castro;51 min O documentário investiga as relações entre o futebol e as ditaduras militares do continente sul-americano nas décadas de 1960 e 1980 emquatro países: Brasil, Argentina, Chile e Uruguai. Episódio sobre o Brasil .
A pedalada daria um livro inteiro, já fez varias vitimas por aqui.
ResponderExcluirEric Faria da Globo/RBS agrediu um cidadão negro ao vivo no Qatar! Serão expulsos da Copa ou isso é "racismo do bem?"
ResponderExcluirLevou uma encoxada daquelas. Mas, claro, não justifica a agressão.
ExcluirVolta e meia vem esse tipo de matéria para puxar o saco do LCC. No mais, resume-se a alguma verdade embalada com várias camadas de ficção. Compra quem quer.
ResponderExcluirLer ou ouvir falar de LCC é o mesmo que beber ácido de bateria.
ResponderExcluirRuptura da Sociedade de Direito geram tais aberrações que devem ser permanentemente evitadas, sem exceção.
ResponderExcluirSó acho interessante que hoje a maioria dos jornalistas e de suas entidades representativa, que deveriam ser os guardiões desse principio democrático, defendem, na maior carinha de pau, as invasões do Alexandre de Morais nos sagrados direitos individuais consagrados pela Constituição de 1988. Ai pode, né!??????????
Hipócritas!
Viva a Sociedade Democrática de Direito - sempre!
É uma demonstração do que viraram os cursos de jornalismo: formação de soldadinhos da causa gramsciana.
ExcluirQuem vai segurar o Xandão?
ExcluirEstá chegando um ponto em que a solução será uma só.
ExcluirTerrorista é terrorista e ponto final.
ResponderExcluirAplicar-se-a neles o que eles aplicam em seus adversários: execução sumária.
Ah, mas eles lutam pela democracia...
ExcluirÉ gente do Comando Vermelho.
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