Sexta, 18 de novembro de 2022

 

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especial

Nesta sexta, uma cesta
de HISTÓRIA!


Há 44 anos, um casal e duas crianças
uruguaios foram sequestrados 
em Porto Alegre



Os dois da esquerda, Luiz Cláudio Cunha e J.B.Scalco, impediram que o sequestro se consumasse, arquitetado pelos da direita, Pedro Seelig e Didi Pedalada



A produção a seguir é do jornalista Luiz Cláudio Cunha.

IMAGENS (clica em cima que ampliam)

Uma seleta de imagens, catadas no Google.








https://www.ultrajano.com.br/dos-gols-tortura-pedalada-na-historia/






O sequestro acabou por se tornar um transtorno. Não só para os presos, torturados na capital gaúcha e em Montevidéu, como para os dois policiais brasileiros, lotados no Dops em Porto Alegre – Orandir Portassi Lucas (o Didi) e João Augusto da Rosa

Eram tempos sem comunicação instantânea, como o WhatsApp nosso de cada hora. Novembro de 1978, o editor da sucursal de Minas do Jornal do Brasil, José de Castro, desligou ligação do Rio e me pediu que fosse a sua salinha: “Cláudio, ligue para suas fontes do esporte aí e peça comentários sobre Didi Pedalada, que jogou no Cruzeiro”.

“Sim, eu me lembro dele, não fez sucesso por aqui. Por quê? Posso saber?”

“Depois você saberá”.

Assim, curto e grosso, ele me despachou para a incumbência. Lembro-me de que recorri ao técnico Orlando Fantoni, que havia se desligado do Vasco e estava em sua casa de Belo Horizonte, e a Piazza, que comandava a Associação de Garantia ao Atleta Profissional (Agap) e sabia o paradeiro de todo mundo. Eles falaram do antigo jogador, comandado por Titio Fantoni uma década antes, no time que tinha Piazza como o grande capitão. Disseram que tinha habilidade, se destacava por um drible em que passava o pé sobre a bola, daí o apelido, e pronto.

Enviei a curta matéria para o Rio e esperei curioso a edição do dia seguinte. Na época, 40 anos atrás, só sabíamos se nosso texto fora publicado ao abrir o jornal no dia seguinte. E me assustei ao ler, em uma página de reportagem (com meu texto no meio), que Pedalada havia sido identificado como um dos autores do sequestro do casal uruguaio Lilian Celiberti e Universindo Diaz, oposicionistas do governo do seu país, em Porto Alegre, e os dois filhos dela, numa operação conjunta com policiais do país vizinho.

O sequestro acabou por se tornar um transtorno. Não só para os presos, torturados na capital gaúcha e em Montevidéu, como para os dois policiais brasileiros, lotados no Dops em Porto Alegre – Orandir Portassi Lucas (o Didi) e João Augusto da Rosa.

Numa manhã daquele novembro, o repórter Luís Cláudio Cunha, da sucursal gaúcha da Veja, recebeu ligação de pessoa que não se identificou, informando que o casal Lilian e Universindo havia sido sequestrado e fornecendo o endereço do apartamento dele no Bairro Menino Deus. Em companhia do fotógrafo JB Scalco, Cunha tocou a campainha do local e, quando a porta foi aberta, se viu diante da mira de um revólver.

Os policiais disseram aos repórteres que estavam prendendo os uruguaios por contrabando. Nem repórter nem fotógrafo acreditaram. Cunha tratou de investigar o assunto. Scalco, que trabalhava também para a Placar, outra revista do grupo Abril, reconheceu o homem que apontava a arma e conferiu em seus arquivos na redação: era o ex-meia-atacante do Internacional Didi Pedalada, que defendera também o Cruzeiro e o Atlético-PR.

A farsa foi desvendada pelas reportagens de Cunha e de toda a imprensa, mas apenas o ex-jogador acabou punido, suspenso por seis meses de toda a atividade. Posteriormente, foi lotado num cargo burocrático da polícia. O casal ficou preso em Montevidéu e, sob pressão de organismos de direitos humanos internacionais, só acabou libertado em novembro de 1973. Mas, nos interrogatórios, Lilian foi peremptória: Didi Pedalada fora sido um dos seus torturadores no Dops, em companhia de policiais do Uruguai.

(Pedalada e Universindo morreram de câncer. Scalco, de insuficiência cardíaca. Cunha, que transformou a ampla e completa apuração em livro, milita na imprensa e Lilian é ativista de causas sociais. Hoje adultos, os filhos moram em Montevidéu).

O episódio de 1978, do aspirante a craque que se transformou em torturador, puxou o novelo do que, anos mais tarde, seria conhecido como Operação Condor – cooperação entre organismos policiais do Cone Sul (Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile) em repressão, capturas, torturas e mortes de perseguidos políticos.

Por que me lembro disso agora? Porque, como disse recentemente um apresentador do BBB, da “apartidária” plim-plim, esporte e política não se misturam.

 

https://ludopedio.org.br/arquibancada/como-um-ex-jogador-fez-a-operacao-condor-ser-flagrada-em-pleno-voo/

142.20

PUNTERO IZQUIERDO

Como um ex-jogador fez a Operação Condor ser flagrada em pleno voo

Bernardo Peregrino 10 de abril de 2021

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Há 40 anos, um casal de uruguaios era sequestrado por agentes da repressão em Porto Alegre. E o envolvimento de um ex-atacante de Inter, Cruzeiro e Atlético-PR revelou a ação coordenada entre as ditaduras de Brasil e Uruguai, comprovando a existência de um consórcio sul-americano do terror


O uruguaio Universindo Rodríguez Díaz tinha programa para aquele domingo, 12 de novembro de 1978. Apaixonado pelo Peñarol, o jovem começava a criar uma relação com o Internacional, time da cidade para onde se mudara havia menos de um mês. O fim de semana marcava o começo do hexagonal final do Campeonato Gaúcho, e o Inter de Falcão, Caçapava, Valdomiro e Batista vinha de uma empolgante vitória sobre o Grêmio, seu maior rival, por 2 a 1. O adversário da tarde no Beira-Rio seria o Caxias, que vencera o Colorado no mês anterior, ainda pela segunda fase do Gauchão.

Universindo tinha companhia para o passeio dominical: os pequenos Camilo, 8 anos, e Francesca, 3. Os dois eram filhos de um relacionamento anterior da também uruguaia Lilian Celiberti, companheira de vida e de luta de Universindo. O apartamento 110 na Rua Botafogo, 621, bloco 3, situado no bairro Menino Deus, era a morada do casal, a poucos quilômetros do Beira-Rio. Universindo saiu de casa por volta de 13h45, mas não conseguiu ir ao estádio ver o Internacional empatar por 1 a 1 com o Caxias, num jogo tecnicamente ruim.

As crianças já estavam na rua quando Universindo fechou a porta de casa. Mal ele se virou, viu uma pistola em seu peito e a face do delegado Pedro Seelig, uma versão gaúcha de Sérgio Fleury. Colorado fanático, Seelig vestia uma roupa esportiva, mas também não iria ao Beira-Rio. O delegado estava num grupo de dez homens, entre brasileiros e uruguaios.

Pouco antes, o próprio Seelig tinha feito ação semelhante com Lilian. Ela já estava detida, e via tudo o que se passava com Universindo de dentro de uma caminhonete Veraneio, que estava estacionada na calçada. A uruguaia saltou logo do carro para abraçar os dois filhos. Ela já havia chegado a um acordo com os policiais: iria tentar deixar as crianças com uma vizinha. No entanto, não havia ninguém na casa deles. Camilo e Francesca virariam testemunhas involuntárias do calvário de Lilian e Universindo. A Operação Condor, a união multinacional das ditaduras militares da América do Sul, havia acabado de dar início a mais uma missão.

https://sequestrouruguaios.wordpress.com/imagens/

 Arquivo de fotos de um site dedicado ao sequestro. Inclui uma linha do tempo muito legal. Aqui, o endereço original:

https://sequestrouruguaios.wordpress.com/


carta de apresentação



Olá, leitores!

 

Este site é uma atividade desenvolvida na disciplina Laboratório de Jornalismo Digital II, ministrada pela Profª Drª Luciana Pellin Mielniczuk. O proposto na atividade é a criação de sites relacionados às reportagens do livro 10 Reportagens que Abalaram a Ditadura, da Editora Record.

No presente blog, os acadêmicos de Jornalismo da UFSM, José Luís Zasso, Manuela Ilha Silva e Mariana Cervi Soares, apresentam uma cobertura completa e contextualizada do sequestro de Universindo Rodriguez Diáz e Lilián Celiberti ocorrido em 1978 em Porto Alegre, e que acabou descoberto ao acaso pelo jornalista Luiz Cláudio Cunha e pelo repórter fotográfico João Baptista Scalco, ambos da sucursal da revista Veja em Porto Alegre.

No trabalho, os acadêmicos entrevistaram pessoas envolvidas no caso e recolheram um importante material, contando com áudios, documentos, fotos e vídeos relacionados ao caso e também à Ditadura Militar brasileira e à Operação Condor.

Equipe do site “Sequestro dos Uruguaios”

´

 

https://robertojardim.medium.com/a-%C3%BAnica-derrota-do-condor-feb03d1a2131

 

Há exatos 40 anos, em meados de novembro de 1978, a Operação Condor — cooperação repressiva das ditaduras instaladas em Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai — conhecia sua única derrota. A ação, que iniciou como mais um sucesso da colaboração internacional, com a captura de um casal e duas crianças uruguaias em Porto Alegre, começou a virar quando Lilian Celiberti decidiu tentar revelar seu sequestro, do seu companheiro de luta e dos seus filhos. A virada definitiva veio quando dois jornalistas gaúchos, o repórter Luiz Cláudio Cunha e o fotógrafo JB Scalco, entraram na história.

Você deve estar se perguntando qual a relação de uma história da repressão político, ação conjunta de duas ditaduras, com o futebol, para usarmos termos como derrota, virada… Não é? Além da participação do fotojornalista talentoso e reconhecido nas coberturas esportivas, Scalco, tem muito mais. Então, leia até o fim para entender.

POR ROBERTO JARDIM
bobgarden@gmail.com
@bobbgarden

história que aqui vamos contar remonta a um final de tarde calorento qualquer, entre novembro e dezembro de 1978. Em um apartamento do bairro Partenon, Zona Leste de Porto Alegre, um menino de oito anos brincava na sala enquanto o pai assistia a um telejornal. Uma das matérias, que contava uma história que envolvia um garoto de apenas nove anos, sua irmã, de três, sua mãe e um homem, todos uruguaios, chamou sua atenção.

O relato da TV tratava do sequestro dos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Díaz, e dos filhos dela...  [LEIA MAIS]

 



AVALIAÇÕES DO LIVRO

 

·         OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA  


Nas entranhas da Operação Condor 

· 

·         por Cristovam Buarque 

·    1º de setembro de 2009

Se você tem idade para lembrar desta estória, como trabalho de jornalista, não deve deixar de ler, para não esquecer o tempo difícil que viveu; se é jovem suficiente para considerar como história, não deve deixar de ler, como a pesquisa rigorosa de um historiador. Em ambos os casos, não deve deixar de ler para lembrar o que foi nosso país, algumas poucas décadas atrás, e para reafirmar o seu compromisso de que essas coisas não devem voltar a acontecer.

Se você gosta de um livro bem escrito, não deve deixar de ler este que descreve quase minuto a minuto um fato verdadeiro; mas se você é daqueles que gostam de ler pelo prazer da emoção pelo suspense, não deve deixar de ler este que é capaz de virar uma obsessão durante os dias que você lhe dedicar.

Se você é daqueles que preferem os livros com grandes personagens que fazem o mundo se mover ao redor, não deve deixar de ler este, onde duas crianças, alguns jovens adultos, seus velhos pais, juízes, jornalistas, bandidos policiais ou dirigentes militares de dois países surgem como os personagens que vemos apenas nos grandes livros de ficção.

Se você é estudante de jornalismo, não deve deixar de ler esta obra prima de investigação e relato, nos moldes do que faria Truman Capote no A Sangue Frio, se ele descobrisse o crime ainda em andamento e pudesse evitar que a família fosse morta. Se você é professor de jornalismo, adote este livro como paradigma para seu estudante aprender como enfrentar, com prazer e coragem, o desafio de dissecar as entranhas de um fato.

Apenas rumores

Este é um relato histórico cuidadoso, um livro de suspense, um manifesto contra a brutalidade das ditaduras, um documento de descrição da bárbara estupidez militar policial, um libelo pela liberdade, uma denúncia contra a diplomacia brasileira nos anos de chumbo.

Um dos raros livros no qual conseguimos tudo o que procuramos em livros e raramente encontramos juntos, em um único: Emoção – de medo, de raiva, suspense, admiração, desafios, aventura; Informação – da história, da política, da diplomacia; Gosto – pelo texto, pelo mergulho na história, pelo enlevamento. Além disso, encontramos a coragem que há nos livros com grandes heróis, inclusive os que fizeram o livro, toda a equipe, e obviamente o autor-personagem.

Mais que isso, é um livro que tem em sua história a consequência dele próprio quando era uma matéria jornalística: um livro que, ao descrevê-la, mudou a realidade. Ainda sob a forma jornalística, virou personagem ao salvar a vida de pessoas presas e torturadas, ao desmascarar a mais vergonhosa operação internacional do terrorismo estatal que até então tinha conseguido eliminar todas as testemunhas do lado das vítimas, interessadas na denúncia.

Li a velha matéria jornalística na revista Veja, quando ela foi publicada e o assunto estava atual. Lembro de ter embrulhado o estômago ao tomar conhecimento do que se passava nos subterrâneos ainda interditos aos olhos dos jornalistas e do público. Até então, o que fora descrito como fato, eram apenas rumores, uma que outra vez vazados. Naquelas matérias estava uma descrição clara, por observadores diretos e com fontes confiáveis da tragédia da repressão.

Aprender a pesquisar

Lembro do nojo que a matéria nos deixava ao mostrar como governos de países independentes, em pleno século 20, colaboravam de maneira tão vergonhosa para a realização de operações capazes de humilhar a maldade dos nazistas. Lembro da vergonha daqueles fatos serem promovidos pelo governo de meu país; também do orgulho ao saber que os fatos tinham sido enfrentados por brasileiros; e a esperança ao imaginar que, ao vir à luz, o presente sinalizava para um futuro diferente.

Relendo agora, sob a forma de livro, senti a mesma indignação. Mas, com a distância – de décadas e séculos, décadas na cronologia, séculos simbólicos na história que desde então percorremos – li com tranqüilidade, como fatos históricos, antigos, entretanto com um sentimento mais profundo, do ponto de vista literário. Porque tem o texto corrido dos livros de suspense e do bom jornalismo, com os detalhes e o tempo das grandes obras. Li sem parar, como poucos livros conseguem prender, com o coração suspenso – daí o nome suspense – ao mesmo tempo com a cabeça relembrando aqueles dias e os que aconteceram ao seu redor.

Recomendo a todos que querem conhecer a história da maldade dos anos de chumbo, aos que precisam saber como a maldade tinha sido globalizada antes da própria economia, aos democratas para reafirmar seus valores e compromissos, àqueles que desejam ler uma boa e bem escrita estória, sabendo que é pura verdade histórica. E aos estudantes e professores de jornalismo insisto em recomendar que usem este livro: fará o aluno gostar da profissão, aprender a pesquisar, criar sua própria pauta em cima dos fatos, construir um roteiro de mergulho na estória e, ainda mais, o fará gostar de bons textos.

Economista, senador, ex-reitor da UnB e ex-ministro da Educação

 

A IMPRENSA REPERCUTE

O jornalismo que venceu a ditadura... Uma grande reportagem nesses tempos de poucas reportagens.

O GLOBO, março 2009.

 

O rigor dos fatos históricos com um texto que prende o leitor pela fluidez e pelo suspense...Um tom noir de novela policial, ao estilo dos clássicos americanos de Raymond Chandler e Dashiell Hammet.

ZERO HORA, novembro 2008.

 

O Sequestro dos Uruguaios é uma demonstração vigorosa do melhor trabalho da imprensa livre: desmontar as trapaças oficiais.

VEJA, novembro 2008.

 

Um clássico do jornalismo... Monumental...Verdadeira anatomia da política e da imprensa brasileiras ante a violência instaurada pelo golpe de 1964...Leitura obrigatória.

AMÁLGAMA, blog literário, dezembro 2008.

 

O resultado de 30 anos de uma primorosa e corajosa investigação... Escrito como um thriller, este livro-reportagem envolve o leitor com um texto fluido e o registro delicioso dos anos 1970.

ROLLING STONES, janeiro 2009.

 

O livro reconstitui os fatos num ritmo de reportagem, sem buscar isenção, nem distanciamento. O repórter bateu num apartamento na rua Botafogo, no Menino Deus, e foi recebido por uma pistola... O autor do livro está do lado de cá da pistola, que estava a serviço de uma organização criminosa, que eliminava dissidentes à sombra das ditaduras do continente. Por isso, Luiz Cláudio é impiedoso com todos aqueles que estavam do lado de lá, o da pistola... O livro ficou como uma bomba silenciosa, demolidora de biografias que se reconstruíam sob a poeira do tempo.

JÁ, novembro de 2008

 

Um texto que chega às livrarias como referência de um tempo... Um relato corajoso, uma crônica precisa, às vezes pesada, do medo vivido nas ruas e da infâmia dos porões dos anos 70... Um misto de documento histórico e denúncia indignada.

O ESTADO DE S.PAULO, novembro de 2008.

 

Passados 30 anos, Luiz Cláudio Cunha retoma os acontecimentos com uma visão mais próxima de um historiador do que de um jornalista... com o tempo decorrido e o distanciamento físico que lhe deram a frieza e a paciência necessária para esquadrinhar biografias e conferir versões.

JORNAL DA UNIVERSIDADE, UFRGS, novembro de 2008.

 

Com rigor arqueológico, O Seqüestro dos Uruguaios desmente as informações de sucessivos governos sobre a ação das Forças Armadas em ações secretas e ilegais... O relato de um trabalho cinematográfico... Os jornalistas montaram o quebra-cabeça da história em uma exaustiva apuração onde arriscaram suas vidas,

peitaram chefes militares, denunciaram a omissão dos governantes e

desmontaram a farsa para esconder o papel do Brasil na Condor.

CORREIO BRAZILIENSE, dezembro de 2008

 

O repórter que surpreendeu o terror da Operação Condor em pleno vôo... Trinta anos depois, a história de dor e sangue está inteira no livro-relato.

JORNAL DO BRASIL, novembro 2008.



WWW.AMÁLGAMA.BLOG.BR

22-12-2008 | Especiais, Literatura

Melhores Leituras – 2008   

O AMÁLGAMA pediu a alguns escritores, jornalistas e blogueiros - inclusive, alguns de seus colaboradores - que escrevessem um pouco sobre o melhor livro que leram neste 2008 que se encerra.

Para quem lê muito, escolhas desse tipo nunca são fáceis, mas o esforço para eleger um entre tantos livros faz parte do espírito da brincadeira. Abaixo, o resultado. e todos os leitores estão convidados a dizer qual a obra que mais curtiram ler no ano.    [Daniel Lopes, editor do AMÁLGAMA]

Na sexta-feira, 17 de novembro de 1978, os jornalistas Luiz Cláudio Cunha e J. B. Scalco bateram à porta de um apartamento em condomínio da rua Botafogo, bairro Menino Deus, Porto Alegre. Scalco, fotógrafo, e Cunha, então diretor da sucursal da revista Veja na capital gaúcha, foram até lá porque este recebeu um telefonema anônimo que alertava para a ocorrência de um sequestro. Moravam no apartamento, o anônimo dissera a Cunha, um casal de refugiados da ditadura uruguaia, junto com seus dois filhos pequenos, um menino e uma menina. Ao chegarem ao local, perguntando em espanhol pelos moradores, os dois jornalistas se viram diante de uma pistola de grosso calibre e obrigados a entrar no apartamento, onde foram revistados por alguns homens, enquanto outros se escondiam no escuro. Ao revelar ser repórter de Veja, Cunha notou certo constrangimento entre os sequestradores, e os dois foram logo liberados.

Eles não sabiam, mas acabavam de frustar um plano que os policiais brasileiros e uruguaios em poder do casal uruguaio tinham traçado: fazer a moça uruguaia de isca para atrair o peixe grande Hugo Cores, um dos mais ativos e procurados esquerdistas uruguaios no exterior – no caso, ele estava exilado em São Paulo, de onde telefonara à sucursal de Veja (sim, fora ele). Como Cunha chegara falando espanhol, os militares pensaram por um momento ser Hugo Cores caindo no anzol.

Os dois adultos uruguaios naquele dia em poder de agentes das ditaduras brasileira e uruguaia eram Lílian Celiberti e Universindo Díaz. As crianças, Camilo e Francesca. Agora, 30 anos após os acontecimentos na rua Botafogo, Luiz Cláudio Cunha conta em O sequestro dos uruguaios – uma reportagem dos tempos da ditadura (L&PM, 2008) como Lílian, Universindo e os filhos acabaram sendo os únicos sobreviventes das guarras da temida Condor, a repressão binacional que seqüestrou, torturou e “desapareceu” centenas de “terroristas” nos anos de chumbo. E não há dúvida: não tivesse Cores feito o telefonema a Veja e não houvesse Cunha ido conferir a pista, hoje nenhum dos quatro uruguaios estaria vivo – ao contrário da ditadura brasileira, crianças filhas de subversivos nunca foram um constrangimento para os militares uruguaios.

Assim, O sequestro dos uruguaios é um clássico do jornalismo.

Monumental – são quase 500 páginas –, descreve com detalhes não apenas a atuação de personagens diretamente envolvidos na operação (como o delegado-torturador do DOPS de Porto Alegre, Paulo Seeling, hoje com 76 anos, ainda vivo e impune), mas vai e vem no tempo em relação àquele 78, numa verdadeira anatomia da política e da imprensa brasileiras ante a violência instaurada pelo Golpe. Há espaço, no relato, para magistrados corajosos (como Raymundo Faoro, então presidente da OAB) e coniventes. Para políticos altivos (como Pedro Simon) e políticos sacanas (todos da Arena). Para jornais e jornalistas covardes (como, no geral, o Zero Hora) e seus colegas que honraram o nome da profissão(como Elio Gaspari, no Jornal do Brasil).

E há dois substanciosos anexos – sobre a ditadura uruguaia e a operação Condor. Sem esquecer a mais que provada contribuição da CIA para a generalização da tortura no Cone Sul – às vezes diretamente, como no caso do agente Dan Mitrione, que torturava mendigos e prostitutas para mostrar aos esforçados militares uruguaios os pontos fracos do ser humano.

Hoje, Lílian dirige uma revista feminista em Montevideu; Universindo é documentarista e historiador da Biblioteca Nacional, também na capital uruguaia; Camilo, que tinha oito anos na época do sequestro, trabalha como cozinheiro em Barcelona e tem dois filhos; e Francesa, com três anos em 78, agora é desenhista gráfica, mora no Uruguai e tem um filho.

Uma história com raro final feliz, apesar das torturas e demais percalços no meio do caminho, que Luiz Cláudio Cunha eternizou.

Leitura obrigatória. [Daniel Lopes, editor do AMÁLGAMA]

Enrique Serra Padrós uruguaio, professor do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do RGS, maior especialista de Condor na universidade brasileira. (Morreu em dezembro de 2021)

 

         A obra do jornalista Luiz Cláudio Cunha se constitui em uma contribuição impar ao imbricar a história recente do Brasil, do Rio Grande do Sul e do Uruguai a partir do fio condutor da Operação Sapato Roto, uma ação particular de violência estatal inserida no contexto da Operação Condor, a conexão repressiva por excelência que assolou o Cone Sul durante os anos sombrios das décadas de 70 e 80.

Como obra jornalística apresenta as qualidades de um texto profundamente atrativo marcado por dinâmica fluída que torna leve uma história tão complexa e dramática. A fina ironia e um permanente sentido do humor realçam cenários, situações e posturas deploráveis de um período histórico que muitos têm tentado diluir e diminuir.

Em tempos da constrangedora “ditabranda” de certos meios de comunicação de passado comprometedor, a postura ética do jornalista Luiz Cláudio cresce de forma inversamente proporcional à desses agentes amnésicos. Isto porque, tendo sido um dos protagonistas centrais dos eventos do longínquo ano de 1978, esperou 30 anos para publicar uma história riquíssima de detalhes, aferindo miríade de informações e deixando passar o tempo necessário para uma maior decantação dos acontecimentos e melhor perspectiva histórica, obter e checar novas informações e depoimentos para armar tão singular quebra-cabeça.

O amadurecimento e a consciência da experiência única que lhe tocou viver junto com o fotógrafo Scalco realçam a condição única do relato que registra um fato que, inclusive, o tem como protagonista. E isto é curioso, pois diante dessa situação de protagonista e testemunho direto, o jornalista não teve pressa para reivindicar-se, legitimamente, como tal.

Ao contrário. Cumpriu com a obrigação urgente da denúncia, da apuração dos fatos e se engajou nas possibilidades de luta para que os fatos fossem conhecidos e as vidas de quatro cidadãos estrangeiros não fossem eliminadas, apagadas ou apropriadas (ou seja, no linguajar da doutrina da segurança nacional, DESAPARECIDAS!).

Escreveu textos ágeis e realizou entrevistas com a contundência possível em tempos discricionários. Tempos de barreiras visíveis e invisíveis que não conseguiram evitar que da investigação sobre o sequestro da Lílian e do Universindo, e dos pequenos Francesca e Camilo, surgissem caminhos, hipóteses e diagnósticos que redimensionaram a estrutura repressiva interna, o silêncio constrangedor do mundo oficial e, pela primeira vez na história do Cone Sul, que apontassem com coragem e faro jornalístico a engenharia clandestina e encoberta da conexão repressiva regional, a posteriormente conhecida Operação Condor.

Por isso, a publicação da segunda edição do livro em questão se transforma em um belo libelo que marca um paradoxo tão contraditório como peculiar. Ao mesmo tempo em que a Folha de São Paulo se esforça em suavizar os anos de chumbo (que, no mínimo, começam em 1964 e terminam em 1985), o trabalho rigoroso de Luiz Cláudio demonstra exatamente o contrário: foi DITADURA; ditadura com maiúscula; ditadura criminosa. Ditadura contra cidadãos nacionais, mas também ditadura contra cidadãos estrangeiros; aliás, dentro e fora do Brasil, como bem mostram os voos rasantes do Condor, inclusive antes da sua própria existência.

A riqueza do livro se assenta na complexidade da proposta. Em tese, o eixo da obra está colocado no seqüestro dos uruguaios e, inegavelmente, esse é o prato forte, tanto pela dimensão do Condor quanto pela luta dos uruguaios e da sua organização para permitir um canal de contato desde o exílio com a população sufocada no interior do Uruguai. Aqui é o momento em que Luiz Cláudio, mesmo a contragosto, surge como protagonista essencial. É neste momento em que se configura uma história que lhe diz respeito. Neste momento, não se trata mais do repórter ou do entrevistador que correatrás da nota, do furo ou da entrevista, ali onde outros são alvos de câmeras e microfones.

Agora se trata de um relato desde a sua perspectiva; perspectiva de quem sabe que a sua obrigação como jornalista não pode silenciar nem esconder a responsabilidade ética e solidária do depoente-protagonista. No momento em que o jornalista e a testemunha se sobrepõem, a reportagem sobre o sequestro efetuado pela unidade Condor ganha particular relevância e proximidade.

Há que se ressaltar a contribuição na bela recriação do cenário de Porto Alegre, fato fundamental para situar os protagonistas dos eventos: os militantes uruguaios, os jornalistas da Veja, os agentes repressivos, os defensores das vítimas, etc. O cotidiano da cidade naqueles dias ganha intensas cores no texto nervoso de Luiz Cláudio: a dimensão das lides futebolísticas, o Palácio Piratini, a rua Botafogo, a Rodoviária, o Palácio da Polícia (e a reminiscência essencial do pequeno Camilo, o arroio Dilúvio e a avenida Ipiranga, evidência concreta da conexão repressiva). É uma paisagem urbana muito conhecida dos porto-alegrenses e a qual se interliga, como encadeamento indissociável, o roteiro geográfico por onde transitou o Condor, as estradas que se dirigem ao sul do estado-país e a característica fronteira pontuada de cidades binacionais separadas por uma rua e de populações cotidianamente irmanadas.

Por outro lado, Cunha não se furta em recriar um riquíssimo painel da política gaúcha e das suas vinculações nacionais. Com elegante ironia tece considerações ao respeito dos generais-presidentes-ditadores, ilustres políticos do partido que dá sustentação ao regime, a ARENA, e daquele que faz oposição, o MDB. Questões regionais e nacionais se entrecruzam de forma permanente deixando ver aspectos cruciais da restrita lógica eleitoral, da relação entre civis e militares no interior da ditadura (tanto no plano estadual como federal) e de aspectos geopolíticos (situação conjuntural e particular do Rio Grande do Sul).

Particular interesse, na sua análise, é o questionamento feito à postura do governador Sinval Guazzelli quanto ao seu empenho na resolução dos fatos, assim como uma inédita vinculação do mesmo com a origem da Lei Falcão. De forma muito pertinente e ágil, o texto conecta constantemente Porto Alegre com Brasília e o Rio Grande do Sul com o Governo Federal, apontando para a dimensão do seqüestro, na contramarcha do silêncio oficial inicial e da posterior negação, bem como as enormes implicações e responsabilidades existentes. Ainda por cima, são elucidativos do empenho das forças de segurança e da comunidade de informações brasileiras em abafar o caso, tanto o diversionismo (“a farsa”) de Bagé como o enterro da escrivã Faustina, privilegiada e constrangida protagonista do seqüestro e desaparecimento temporário das

crianças.

Não bastando essa vastidão de perspectivas sobre cenários e protagonistas, o jornalista se empenha em descrever e analisar uma realidade uruguaia que não é alheia aos grandes acontecimentos que marcam as contradições e sensíveis expectativas latino-americanas dos anos 60. Mostrando-se conhecedor da teia histórica central do país vizinho, desenrola-a de forma a tornar inteligível como um dos países onde a população havia adquirido uma série de conquistas sociais altamente qualitativas, em comparação com a maioria dos países da região, sofrera profunda crise e rápida radicalização

política.

Desse caldo de cultura resultou, simultaneamente, um quadro de crescente autoritarismo estatal e o engajamento de jovens estudantes, como Lilian Celiberti e Universindo Rodríguez Díaz, através de uma militância política de confronto cada vez mais direto.

O governo Pacheco Areco, o golpe de Estado de 1973 e a consequente ditadura de segurança nacional, que levou milhares de cidadãos a abandonarem o país, entre os quais aqueles que fundaram no exterior o Partido por la Victoria del Pueblo (ao qual pertenciam Lilian, Universindo e Hugo Cores, outro personagem emblemático da trama), estão muito bem apresentados tanto no anexo sobre o Uruguai quanto no corpo do texto. A segurança com que Luiz Cláudio analisa a realidade uruguaia confirma, além de uma relação afetiva com aquele país e aquele povo, o quão conhecedor é da sua história. E como se tudo isso não bastasse, há um primoroso anexo sobre a Operação Condor (sobre a qual há novidades importantes em relação à participação do Brasil).

Em realidade, Luiz Cláudio nos presenteia com esses anexos, o do Uruguai e o da Operação Condor, dois relatos que dialogam, inegavelmente, com o corpo do livro, mas que, em si, também podem ser vistos como autônomos e constituídos por uma lógica interna. Eles lhe permitem transitar da experiência cinzenta da ditadura uruguaia para aquela que talvez seja a experiência mais sombria da história da América do Sul, essa Operação Condor, marco da colaboração, coordenação e conexão do terrorismo de Estado regional.

E é a Operação Condor que expressa, como acertadamente destaca o autor durante toda a narrativa, a síntese do diálogo repressivo que conecta as histórias do Rio Grande do Sul, do Brasil, do Uruguai e do resto do Cone Sul.

Portanto, trata-se de uma obra de múltiplas qualidades e possibilidades de leitura, onde a investigação jornalística anda lado a lado com o rigor histórico. Fatos vão sendo minuciosamente encadeados, contextualizados e aferidos através de inúmeras fontes que dão sustentação às interpretações e análises do autor. Inquestionavelmente, Operação Condor: o Seqüestro dos Uruguaios — uma reportagem dos tempos da ditadura é uma obra de referência para quem quiser entender os meandros da história recente do Brasil e do Cone Sul.

 

César Charlone, uruguaio, documentarista, cineasta e fotógrafo de filmes como Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel e Ensaio Sobre a Cegueira. São Paulo, SP.

Fue gracias a la valentía y perseverancia de Luiz Claudio que se impidió que Lilian, Universindo y los dos niños, Camilo y Francesca, muy probablemente desaparecieran, como era frecuente en aquella época. Fue gracias a su denuncia y a su decidida investigación que se pudo conocer a los responsables y organizar una gran campaña internacional, que debe haber sido uno de los eventos mas importantes en la retomada democrática de esta golpeada parte del continente.

Es con esa misma valentía y dedicación que Luiz Claudio encara la investigación que nos muestra en esta completisima obra sobre el secuestro de esos ciudadanos uruguayos residentes en Porto Alegre. Lo que en aquel momento fue la denuncia aislada de un operativo conjunto de las fuerzas armadas de Brasil y Uruguay, ahora se contextualiza , se fundamenta, se apoya con datos, fechas, nombres,permitiendo asi, entender mucho mejor y situar en el mapa geopolítico, esta oscura parte de nuestra historia. 

 

Nilson Mariano, jornalista, repórter especial de Zero Hora, autor de As garras do Condor. Porto Alegre, RS.

O livro é maravilhoso. Conseguiu algo raro: rigor histórico com um texto primoroso. Parabéns!

 

Leandro Fortes, jornalista, repórter da revista Carta
Capital, professor de Técnicas de Entrevista e Reportagem do IESB, autor do livro Jornalismo Investigativo. Brasília, DF.

Terminei, entre aturdido e emocionado, de ler o seu livro sobre o sequestro dos uruguaios. No fundo, fiquei um pouco envergonhado de ter escrito um livro sobre jornalismo investigativo e não ter citado essa história incrível como exemplo definitivo de esforço real, profundo, de reportagem. Não o fiz, confesso, por ignorância.

Não sabia da dimensão do seu trabalho nem dos desdobramentos do caso, à época, porque era menino (tinha 12 anos), nem posteriormente, já homem feito, a não ser por alto, de ouvir falar. Pena, porque se soubesse, teria sido um jornalista melhor.

Digo isso sem hipocrisia: assim que acabei de ler o livro, magnífico na história, saborosíssimo na prosa, pensei muito nas coisas que fiz até aqui e, sinceramente, me deu vontade de fazer muito, muito mais. Fiz pouco.

O Sequestro dos Uruguaios não é só um relato de um grande repórter, mas uma declaração de amor ao jornalismo.

Fiquei matutando, ainda, sobre os nossos tempos e o tipo de gente que está aí, hoje, no comando das redações. O que se lê, o que se vê, o que se ouve, fala por si.

De cá, mando um abraço admirado e grato pelas muitas lições do livro e pela amizade de sempre. Parabéns, de verdade, por essa obra sensacional.

 

Jarbas Passarinho, militar, ex-ministro, senador. Brasília, DF.

Já li a maior parte de teu livro e aprendi com ele até o que eu não gostaria de ter aprendido. Teu depoimento é um manancial de informações que eu desconhecia, inclusive como ministro de três governos de presidentes do ciclo militar. Só o que me tem estranhado na literatura dos que reescrevem a história (tu a escreves) é que os esquerdistas - armados ou não - que nos combateram são sempre apresentados como vítimas e nunca repartimos com os vencidos as misérias de uma guerra suja.

E eles nunca se horrorizaram com as barbaridades dos países comunistas, onde foram adestrados, feitas não contra guerrilheiros, mas civis, como mostrou Soljenitsin no Gulag.

Minha homenagem ao homem idealista e ao repórter preciso e honesto, meu amigo.

 

Marcelo Marion Rodrigues, juiz, filho de Danilo Moacir Rodrigues, o juiz que julgou e condenou os sequestradores. Porto Alegre, RS

Minha irmã, Dirlene, e eu ficamos impressionados com o seguinte fato: embora o conteúdo seja tão duro, tão árido, tão pesado, teu texto apresenta uma fluidez e uma riqueza impressionantes. Conseguiste imprimir vida às palavras, promover um encadeamento exemplar aos diversos fatos, produzindo um texto bem-costurado e profundo.

Cabe ressaltar que a leitura do teu livro nos proporcionou um retorno a um período que não traz boas lembranças. Apesar de termos tomado conhecimento acerca do envio de bilhetes ou cartas contendo ameaças ao pai e à família, jamais soubemos qual o seu teor. Éramos crianças. Eu, com 8 ou 9 anos à época, não tinha alcance dos fatos.

Segundo nossa mãe, ele sempre se negou a mostrar esses “recados”. Minha irmã conta que, ao se deparar com o relato da tortura sofrida por Universindo, de situações vividas pelo pai e de outros fatos, sentiu-se muito angustiada. Ela disse que foi como se estivesse frente a frente com as ameaças e com os seus autores, com as preocupações e ponderações que acometeram o pai na época. Mérito do autor do livro, diga-se de passagem. Quanto maior o envolvimento do leitor, mais profundo o texto.

Porém, se alguns trechos despertaram angústia, outros propiciaram o reencontro com o pai e relembraram a sua coragem. Reafirmaram a crença de que sua passagem, embora breve (partiu às vésperas de completar 56 anos), ficou registrada de forma intensa e positiva. Confessamos que lemos primeiramente o capítulo dedicado a ele. Agradecemos pela valiosa – não imaginas quanto - oportunidade, Luiz Cláudio.

Mas, falando em coragem, não posso deixar de salientar a demonstrada por ti. Foste peça-chave no desenrolar dos fatos. Que teus familiares tenham orgulho da tua coragem.

PARABÉNS pelas duas obras: a atuação por ocasião do sequestro e a lançada em novembro de 2008. Trata-se de um livro que diz a que veio, escrito por alguém cuja AÇÃO deixou sua marca na História.

 

João Domingos, jornalista, chefe de redação da sucursal do jornal O Estado de S.Paulo, Brasília, DF.

Seu livro é um marco na História do país.

Com o humor dos informados, expõe as malandragens dos políticos; com o horror dos indignados, mostra o que ocorreu nos cárceres; com a dor dos injustiçados, exige Justiça; com a paciência dos justos, despreza os que nem sequer desprezo merecem.

 

Lucas Figueiredo, jornalista, repórter da revista Rolling Stones, autor dos livros Ministério do Silêncio, Morcegos Negros e Olho no Olho (prêmios Jabuti e Vladimir Herzog). Belo Horizonte, MG.

Estou para escrever já tem uns dias, mas venho adiando porque queria fazê-lo sem correria. Seu livro é uma maravilha!

Sobre o tema específico, o sequestro, atendeu às minhas expectativas: dissecou o cadáver com brilhantismo e apuração irrefutável, uma reportagem com R maiúsculo (em tempos de “jornalismo investigativo”, as pessoas esquecem que o chique mesmo é fazer reportagem).

Mas o que me surpreendeu foram duas coisas: o texto excelente, bem amarrado, em tom de thriller, prendeu-me do início do fim. Ia dormir querendo chegar logo o dia de amanhã para saber o que aconteceria.

Outra surpresa foi o delicioso relato das redações e do jornalismo do final dos anos 1970. Sem ficar naquele papo “naquele tempo era muito melhor”, você revelou, com cores, como era fazer jornalismo num tempo ainda duro, mas com sobra de dignidade dos profissionais. Delícia foi saber como era a redação da Veja em POA, e tenho certeza de que esse aspecto irá agradar muito aos leitores não-jornalistas.

Parabéns pela obra!


Núbia Silveira, jornalista, editora do site Matinal e ativista de direitos humanos. Porto Alegre, RS.

Estou no final do teu livro. Esperei chegar ao finzinho para te escrever.

Bato palmas altas e fortes para ti, por vários motivos: excelentes texto, estrutura, informações e fotos.

Acima de tudo, excepcional autocrítica. Gostei de ver que não escondeste o medo sentido, os momentos de dúvidas, a ajuda dos amigos, a importância do Scalco e do Kadão na solução do seqüestro. É um livro sincero acima de tudo. Lendo-o te vejo na minha frente com a eterna cara de menino, o jeito de falar brincalhão e a competência profissional.

Palmas para ti. Mereces. E muito.

 

Lourenço Cazarré, jornalista, escritor, vencedor dos prêmios Jabuti e Bienal Nestlé. Brasília, DF.

Vazado num estilo límpido, nervoso, frequentemente irônico, O Seqüestro dos Uruguaios tem a pegada de um best-seller de ação e aventuras.

É leitura envolvente. É difícil largar o livro, cujos capítulos vêm encaixados à perfeição: as ágeis aberturas e os fechos irônicos se engrenam de tal modo que o interesse do leitor não cai por um só instante.

Na verdade, Luiz Cláudio, você transcendeu em muito a meta traçada inicialmente. Pela grande quantidade de informações e pelo detalhado retrato dos personagens, o livro se transforma em obra-chave para a compreensão de um período dramático do regime de força.

Tempos em que a ala militar que pregava a distensão, sob o comando de Geisel, começava a encurtar o espaço da “linha dura”, a turma barra-pesada da tortura e do assassinato de presos políticos.

O clima irrespirável da ditadura exala das páginas do livro que, sem dúvida, vai entrar para a bibliografia obrigatória dos que querem estudar o Brasil dos “anos de chumbo”, ao recriar o clima de medo, paranoia e violência estatal que marcou uma geração de brasileiros.

 

Clayton Rogério Netz, jornalista, ex-preso político. São Paulo, SP.

Li avidamente seu livro. Embora tenha mais de 460 páginas, é daquelas obras que a gente lamenta quando está chegando ao fim. A começar pelo prefácio primoroso do Guzzo.

Como você diz na apresentação, mais do que o relato de um seqüestro, essa é uma reportagem dos tempos da ditadura. Ao não se ater exclusivamente ao episódio, já em si grave, da prisão do Universindo e da Lilian, você coloca essa tragédia particular no quadro de uma tragédia bem maior, simbolizada pela proliferação e hegemonia de regimes autoritários e ditatoriais no continente.

Seguramente, seu livro vai prestar um grande serviço de esclarecimento às gerações mais jovens, para as quais Condor não significa mais do que um pássaro gigante da cordilheira dos Andes.

Acredite: valeu a pena esperar 30 anos para ver nas prateleiras o Seqüestro dos Uruguaios.

 

Zélia Leal Adghirni, jornalista, professora da UnB. Brasília, DF.

Tenho me deliciado com o livro do Luiz Cláudio. Que texto!...

É puro prazer, apesar dos arrepios da história que ele sabe tão bem contar.  Histórias de colegas e de amigos que, de certa forma, fazem parte de minha história. Embora estivesse morando na França nesta época, acompanhei tudo de perto.

E ao ver impressos os nomes dos saudosos João Baptista Scalco e do Olívio Lamas, bateu uma dolorosa saudade. Como eles foram corajosos! Eram todos tão jovens!

O próprio Luiz Cláudio, que só agora me dou conta, tinha menos de 30 anos. Já existiam Janda e a Gabriela e, no entanto, ele jamais hesitou em se engajar profundamente nesta investigação. Agarrada literalmente no livro, varei madrugadas lendo a brilhante narrativa do autor que não poupa palavras para descrever, da mais sórdida seção de tortura, aos atos de bravura de pessoas simples mas dispostas a clamar por justiça.

Fiquei impressionada com a capacidade do autor em resgatar dados históricos, com data, lugar e personagens envolvidas nos fatos desse período sombrio da história do Rio Grande do Sul e do Brasil. Bravo também para os anexos (a partir da página 339) sobre o ‘Uruguai Seqüestrado’ e a ‘Operação Condor’.

Parabéns!... É uma obra brilhante, texto impecável, testemunho histórico e, acima de tudo, uma lição de jornalismo.

Vou incluir O Sequestro dos Uruguaios na bibliografia recomendada aos meus alunos de Jornalismo na UnB.

 

Wladymir Ungaretti, jornalista, professor de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica (PUC),Porto Alegre, RS.

O que importa é que o livro, como um todo, indique não só os fatos, mas que mostre que já se fez JORNALISMO nesse país.

Farei uso dele em sala de aula. E, com o máximo de orgulho, direi aos meus alunos que conheço o autor.

 

Nilce Azevedo Cardoso, educadora popular, psicopedagoga clínica, psicanalista, ex-presa política, militante dos direitos humanos. Porto Alegre, RS. [Torturada  no DOPS gaúcho em abril de 1972 pelo delegado Pedro Seelig. Sob torturas, Nilce sofreu uma parada cardíaca. Ao tentar reanimá-la, os policiais do DOPS acabaram provocando um esmagamento do seio e uma fratura no tórax. Foi levada para o Hospital Militar, ficou lá oito dias em coma. Depois voltou para o DOPS. Foi transferida para o DOI-CODI de Brilhante Ustra, em São Paulo, para novas sessões de pancada. Nilce morreu em 21 de fevereiro passado, em Porto Alegre, aos 77 anos, 15 dias antes de Seelig.]

       Um livro tem que se fazer, construir seu caminho. E isso foi feito. A gente vai lendo o livro e não consegue desgrudar os olhos de tudo que ali vai acontecendo. A linguagem jornalística talvez seja uma das mágicas desse livro.

É uma linguagem do presente. Está acontecendo no aqui e no agora. E passamos a viajar pela mão de Luiz Cláudio, que nos faz ir e vir para tentar acompanhá-lo.

Todos que vivemos nesses tempos de ditadura somos muito gratos por mais essa revelação do que teimava em ser encoberto. Gostei muito do livro e tenho recomendado insistentemente.

Um jornalista protagonista e agora revelador, historiador, tem a oportunidade de resgatar a verdade de tempos muito sombrios que, para não retornarem, necessitam de escritores que tenham essa coragem e beleza de texto.

E livros como esses, com essa linguagem legível, clara e explícita são úteis e necessários. Sempre!

 

Elza Pires, jornalista. Brasília, DF.

Em alguns momentos dei risada, em outros chorei.

Voltei no relógio da vida.

Nem vou dizer que este é o relato mais correto que li sobre aquele período.

Quem vai “dizer” isto é o próprio tempo. O mesmo tempo que felizmente traz de volta o seu texto impecável. E este resgate histórico tão importante para nossos filhos e netos.

 

Osmar Béssio Trindade, jornalista. Brasília, DF.

Buenas, hombre! O livro está do tamanho da qualidade do repórter.

Valeu a espera!

 

Luiz Lanzetta, jornalista. Brasília, DF.

O livro realmente é de aplaudir de pé. Está ótimo. Honra o jornalismo gaúcho.

Só estranhei a resenha envergonhada da Veja.

Acho que eles teriam que abrir as páginas e comemorar.

Mas, os tempos são outros...

 

Tânia Jamardo Faillace, jornalista. Porto Alegre, RS.

Comecei ontem a ler O Sequestro dos Uruguaios, que mais parece um thriller do Graham Greene do que uma seqüência de reportagens. Gostei dos cortes, da alternância das personagens, da quebra da linearidade temporal e narrativa. Queiras ou não queiras, saiu com cara de ficção, embora não seja.

É um grande livro, Luiz Claudio!

Podes orgulhar-te dele com justiça.

Pena que o brasileiro, hoje, tenha tanta preguiça de ler. Porque esse livro de reportagem, também é um livro histórico, documental, mas que não abdica do tom pessoal, humano, sequer do humor tipicamente brasileiro de fazer graça com as coisas mais desengraçadas, como se sabe (humor negro, muitas vezes, como não poderia deixar de ser).

Parabéns, Luiz Cláudio.

 

Elaine Lerner, jornalista. Porto Alegre, RS.

 - É este! Exclamou com um com enorme sorriso a moça de cabelos pretos presos num rabo de cavalo para a colega também de rabo de cavalo, para logo em seguida olhar pra mim e perguntar – O que tem este livro que todo mundo quer?

No mesmo tom empolgado, expliquei às duas incrédulas jovens vendedoras que eu conhecia o autor e que havia acompanhado toda a história, mesmo que de fora.

Pô, que legal, completou a mais falante, explicando que já deixou de vender vários exemplares. Também Saraiva, do Praia de Belas Shopping, em Porto Alegre, vendeu até sexta todo o estoque do final de semana.

Eu queria dois exemplares, vou tentar hoje na Feira do   Livro.

Pois é, Luiz Cláudio. Eu também fiquei tão surpresa quanto às meninas já nas primeiras páginas do teu livro. Ao ver as quase 500 páginas logo pensei como terias conseguido escrever tanto sobre um único episódio, mesmo que ele tenha mudado a vida – e até mantidos vivos os personagens centrais?

Por mais tristes e pesados que sejam alguns trechos, especialmente quanto às torturas sofridas por gente que conhecemos, a leitura coloca a gente dentro dos episódios.

Na primeira noite, fiquei até quase meia noite sem largar o livro. Isso que tinha que acordar às cinco horas para pegar o ônibus pra Copesul. Dois dias depois, até uma gripe foi bem-vinda ao me manter em casa. Li entre espirros e lenços de

papel. Estou trabalhando com as gurias da Lavoro, jornalistas, Ao comentar com elas, também já tinham histórias pra contar. “Uma amiga só parou às seis da manhã quando chegou na última página”, disse a Cris.

Também encontrei a resposta para uma pergunta que nunca tive coragem de te fazer – sentiste culpa por não ter conseguido evitar o seqüestro?

Muito obrigada por escrever com tanta coragem e emocionar a todos nós.

Tenho muita dificuldade em escrever me colocando no texto. E talvez tenha sido isso que eu mais admirei do teu livro: a coragem de se expor.


MINHA APRESENTAÇÃO NO LIVRO

       

O Sequestro dos Uruguaios:

Uma reportagem dos tempos da ditadura

de Luiz Cláudio Cunha, 472 pp., L&PM Editores, Porto Alegre, 2008;


Esta é a reportagem de uma grande reportagem – no sentido mais literal e menos arrogante do termo.

A reportagem é uma longa travessia que contraria as práticas e os limites de tempo sempre estritos da notícia. Se a notícia é o urgente relato de um fato, a reportagem é a descrição ampliada e circunstanciada desse acontecimento. É um jogo de paciência onde a investigação vence a ancestral impaciência da redação pelo resultado diário, pela apuração cotidiana de um tema sujeito ao maldito destino de virar embrulho de peixe como jornal velho do dia que passou.

A reportagem sobre o seqüestro dos uruguaios, que se estendeu durante 86 semanas de Veja, começou com uma pergunta feita na edição com data de 29 de novembro de 1978, após o relato pioneiro do encontro de dois repórteres com

homens armados no apartamento da rua Botafogo [em Porto Alegre], uma semana antes. Terminou no reconhecimento da edição com data de 30 de julho de 1980, que trazia a corajosa decisão do juiz Moacir Danilo Rodrigues, de Porto Alegre,

condenando pela primeira vez no país agentes do intocável mecanismo de repressão armado pela ditadura de 1964. Existe um enorme espaço de tempo entre os dois títulos da intrigante indagação inicial – “Onde estarão?” – e da consoladora afirmação final – “Verdade resgatada” – que demarcam a teimosa, persistente cobertura dedicada ao caso.

Dedicação intensiva e quase exclusiva

No intervalo entre a dúvida do paradeiro dos seqüestrados e a certeza da verdade resgatada decorreram 630 dias, quase 21 meses, cerca de dois anos de árdua investigação – superando mentiras escarpadas, cavando fontes amedrontadas,

respirando a poeira do acobertamento, procurando atalhos seguros para chegar ao cume das responsabilidades e ao esclarecimento dos fatos.

Não havia uma preocupação formal de falar no assunto toda semana. Falava-se quando era necessário, quando havia novidades, quando se lançavam novas luzes sobre o caso. Nem toda edição da revista tinha matéria do seqüestro. Ainda assim, o espaço estava garantido quando os fatos tornavam obrigatório o seu registro. Foi o que aconteceu nos meses de dezembro de 1978 e de janeiro de 1979, com presença do tema em cada uma das oito edições semanais de Veja. De outra parte, no mês de agosto de 1979 não existe uma única página sobre o seqüestro.

Essa rara liberdade na abordagem de um tema tão extensivo se juntava a outra condição incomum do jornalismo: a dedicação de um repórter por tanto tempo a um único tema. Liberado da pauta de rotina de outros assuntos, passei a dedicar-me de forma intensiva e quase exclusiva ao seqüestro. Essa opção se devia à compreensão dos editores em São Paulo de que a pauta do sequestro exigia uma permanente investigação

Inteligência, coragem e senso jornalístico

A ausência do seqüestro nas páginas de Veja dava eventualmente a impressão de que a sucursal e a revista tinham abandonado o tema. Não passava, contudo, de um eventual recuo tático para um avanço estratégico seguro. Resguardava-se a publicação em uma ou outra semana para um salto evidente na semana seguinte. Na verdade, o trabalho nunca parava – continuávamos apurando, investigando, conferindo, conversando e ganhando a confiança de gente assustada, que não queria nem podia aparecer. Era uma batalha semanal, diária, para ganhar confiança e avançar na história. Exigia tempo e paciência. Não permitia qualquer desvio para cobrir outros assuntos, mais amenos.

A série do seqüestro tem um detalhe curioso: a intervenção decisiva de três fotógrafos, em momentos pessoais que não registram um simples clic, não rendeu uma única foto. João Baptista Scalco, que estava ao meu lado quando fomos recebidos com pistola na cara no apartamento de Lilian e Universindo, não pôde apontar sua câmera para os policiais, mas reconheceu com firmeza o rosto dos seqüestrados impresso com nitidez em sua memória fotográfica. Olívio Lamas teve a

idéia e deu o berro poderoso que trouxe à luz o rosto da agente do Dops que custodiou as crianças seqüestradas. Ricardo Chaves teve uma participação decisiva quando, pelo detalhe e não pelo retrato, resgatou a pista já descartada na identificação de um dos seqüestradores.

A conclusão dessa tripla experiência sem fotos é que todos os três, em momentos distintos da apuração, justificaram como ninguém a condição de repórter- fotográfico. JB, Lamas e Kadão não precisaram de máquinas para exercer seu ofício.

Valeram-se apenas da inteligência, da coragem e do senso jornalístico para reafirmar a condição de repórter mais do que a de fotógrafo.

Tempo em que era preciso sorte

A série sobre o sequestro dos uruguaios aconteceu ontem, nos idos dos anos 70, a duas décadas do final do século 20. Parece agora um passado remoto, enterrado no subsolo do tempo, sob camadas sucessivas de novidades que cobrem tudo aquilo como um fóssil do jornalismo, mais atraente à lupa de um veterano arqueólogo do que ao olho de um jovem repórter.

Vivia-se uma compassada era pré-digital em que jornalistas não dispunham de celular, computador, correio eletrônico, laptop, internet, google, wikipédia... Não havia gadgets, nenhuma maravilha tecnológica da realidade on line, do paraíso high-tech e do universo wireless que pudesse facilitar a vida de um repórter.

Antes da pedra filosofal da eletrônica, havia a química, hoje tão medieval como a alquimia. As fotos não eram um milagre instantâneo. Passavam antes pelo papel, que era banhado em solução de ingredientes mágicos que faziam a foto emergir lentamente no banho de revelação no quarto escuro. A transmissão de imagens não era um frenesi medido em bytes ou segundos. Levava quinze, vinte minutos para cada foto ser transmitida, via telefone, por uma geringonça barulhenta chamada telefoto. Dali saía às vezes não uma foto, mas um borrão imprestável que nos obrigava a repetir todo o processo.

As matérias não eram digitadas em tela limpa e iluminada de computador, para transmissão fulminante via satélite. Todo o texto era batido na máquina de escrever, no máximo portátil, em laudas impressas que se empilhavam cheias de palavras cobertas pela letra X – a tecla que se usava para cobrir os erros de digitação e gramática, já que ainda não havia a miraculosa tecla delete dos computadores. Datilografada a matéria, o texto era redigitado por um teletipista na máquina de telex – um aparelho ponto-a-ponto que transmitia o texto de Porto Alegre para São Paulo, através de uma fita picotada que, em dia de sorte, não se rompia. Era preciso sorte.

Testemunha do momento decisivo

Não existiam câmeras ocultas, nem se usava gravador. Grampo era uma façanha tecnológica de alcance exclusivo da repressão. As conversas eram olho no olho, repórter e fonte, sem nenhum gravador como intermediário. Naqueles tempos inseguros, o microfone de um gravador produzia mais insegurança na conversa do que certeza no texto. Em mais de 600 dias de apuração, não existe uma única conversa gravada na série sobre o seqüestro.

Em tempos assolados pela praga que Alberto Dines apelidou de “jornalismo fiteiro”, é difícil imaginar que uma cobertura extensiva de 86 semanas tenha sido feita apenas com o suporte de escassa tecnologia, como canetas bic e cadernetas de anotações – além das pesadas câmeras Nikon convencionais armadas com teleobjetivas nem sempre discretas. Nada além disso. O resto – diria Ricardo Kotscho – era sola de sapato, acrescido de muita conversa, teimosia e persistência. Ainda que misturadas pelo medo endêmico daqueles tempos.

Na investigação do seqüestro muitas daquelas conversas feitas em off preservam o sigilo da fonte até hoje. Como já disse em outra oportunidade, o off não é um valor absoluto, intangível, dogmático. O off, como um medicamento eficaz, deve ser parcimonioso e pontual. Não pode ser uma droga que transforme o repórter e o jornalismo em dependentes crônicos, com o cérebro bloqueado e a pulsação alterada pelo vício continuado da informação anônima – que só excita o jornalismo irresponsável e cambaleia a credibilidade da informação.

O off é um escudo necessário quando está em jogo a integridade da informação, a segurança da fonte, o interesse da sociedade. Adélio Dias Sousa, o bilheteiro da Rodoviária que testemunhou um momento decisivo do sequestro – a prisão da uruguaia Lilian Celiberti pelo delegado do Dops Pedro Seelig – não quis falar formalmente. Ao ser localizado pela equipe da revista, Adélio recusou-se a depor – para mim, como entrevistado, e para o promotor, como testemunha de acusação.

Amizades sólidas e novas fontes

Ele, como todos nós, tinha medo.

Adélio merecia ser protegido, não condenado. O perigo de retaliação era tão imediato que não se podia nem descrever a cena da Rodoviária. A simples menção poderia identificar a fonte aos policiais, já nervosos pela investigação persistente da imprensa. Naquele momento delicado, sabíamos que mais importante do que a informação era a proteção física do informante e a segurança de sua família. A vida é sempre maior do que o jornalismo, que a tem como missão. Ainda assim, a informação em off do bilheteiro foi crucial para confirmar detalhes do início do seqüestro em Porto Alegre, emprestando mais segurança à investigação. Sustentei este off durante longos quinze anos – até que Adélio se sentisse seguro, em 1993,

para mostrar a cara e contar sua história no caderno especial (edição de Eduardo Bueno, o Peninhaa) de Zero Hora e no documentário (direção de João Guilherme Reis) para a RBS TV que eu escrevi e apresentei como repórter e testemunha do caso.

Três décadas depois da primeira matéria sobre o seqüestro, descobri animado que algumas conversas difíceis naquela época ficaram menos complicadas, desobstruídas pelo tempo, ponderadas pela distância, depuradas no filtro da história e lapidadas na consciência de todos. Militares e paisanos, policiais e vítimas, gente do governo e da oposição, pessoas graúdas e figuras modestas falam agora com mais desenvoltura, embora ainda preservando a discrição, quando não o anonimato.

Outras informações me chegaram ao longo do tempo e a pesquisa sobre o episódio desencadeado em novembro de 1978 se aprofundou. A investigação foi detalhada e, para a rechecagem de dados e personagens inesperados, novas entrevistas foram feitas. Surgiram daí algumas das peças que faltavam na montagem do quebra-cabeça da investigação jornalística de trinta anos atrás. A necessidade de um espaço maior para a reportagem ampliada por novas revelações fez com que eu retomasse o antigo projeto de um livro-reportagem.

Uma mudança de cidade colaborou na evolução do livro. A partir de 1980, colocado diante de novos desafios profissionais, troquei Porto Alegre por Brasília, onde passei pelos cargos de direção de alguns dos principais órgãos de imprensa do país. Chefiei as sucursais brasilienses de Veja, IstoÉ, Jornal do Brasil, O Estado de S.Paulo, DCI e Zero Hora. Fui colunista político do Correio Braziliense, repórter político da coluna de Ricardo Boechat em O Globo e editor no Rio de Janeiro do “Informe JB”, do Jornal do Brasil. Este amplo e variado trajeto profissional me permitiu novas experiências, abriu horizontes, consolidou amizades e desbravou novas fontes que me seriam úteis na retomada do livro sobre o seqüestro dos uruguaios.

O ar viciado da rua Botafogo

A distância, no tempo e no espaço, só ajudou no amadurecimento do livro. Trinta anos depois, a 1.600 km de Porto Alegre, pude concluir uma narrativa mais fria, mais abrangente, mais detalhada, talvez mais implacável – mas certamente mais completa e verdadeira do que o relato que eu poderia fazer no final dos anos 70, no extremo sul do país, tão próximo das pessoas e das instituições envolvidas diretamente no episódio. A decantação dos anos e o distanciamento do centro dos eventos ajudaram a redesenhar os limites do seqüestro e a ajustar o foco do repórter. A verdade surgiu mais nítida no horizonte, sem sucumbir às emoções paroquiais. Pude, então, conhecer mais e melhor os fatos e os homens, corrigir versões, ampliar

informações, esclarecer situações. O tempo aplacou as paixões e deu relevo ao que era fundamental. E a memória do seqüestro ganhou contundência.

No corpo deste livro reconstituo com detalhes inéditos o seqüestro de Lílian Celiberti e Universindo Díaz, indo além, antes e depois daquele encontro com os seqüestradores armados daquela sexta-feira, 17 de novembro. Faço um corte transversal no tempo, para não ficar confinado às paredes do apartamento da rua

Botafogo. O que acontecia ali dentro era apenas um reflexo do que se passava lá fora. Não tinha começado naquela tarde, não acabava naquele lugar, não se reduzia a personagens secundários da polícia local. A cena de violência da rua Botafogo era o reflexo da grande política, dos grandes personagens e das grandes tragédias que moldavam o Brasil do final dos anos 70. Era apenas um retrato em branco e preto daqueles tempos cinzentos que o país procurava vencer, deixando para trás o sufoco da ditadura em busca do ar limpo da democracia.

Ninguém sabia o tempo dessa jornada, nem mesmo se aconteceria. A partir de 1978, o país ainda iria respirar o ar viciado da rua Botafogo por longos sete anos, até que o último general deixasse o Palácio do Planalto pela porta dos fundos, devolvendo o poder aos civis.

O fio caprichoso da história

Por isso, mais do que o relato de um seqüestro, esta é uma reportagem dos tempos da ditadura. Em primeiro plano, narro a sequência dos eventos que vitimaram Universindo, Lilian e seus dois filhos, mas faço também uma incursão ao passado e atualizo a história do presente. Parto de meu testemunho de vida e de minha visão como repórter, mas também remonto episódios e cenários conforme me foram contados e descritos pelas personagens da narrativa, que tiveram voz, cara e coragem para me ajudar a reconstruir os acontecimentos.

Para não quebrar o fluxo dessa narrativa, evitei ao máximo o uso da nota de pé de página. Recorri a ela, em dose mínima, apenas quando foi necessário um esclarecimento pontual ou uma referência específica que reforçaria a credibilidade do relato sem prejudicar o ritmo da leitura.

Adicionei ainda dois Anexos. No primeiro refiz o cenário histórico do Uruguai, que compartilhava as mesmas dores e tragédias com o Brasil da época dos seqüestrados. No segundo resumi a trama da criação da “Operação Condor”, da qual o seqüestro de Porto Alegre é um raro exemplo no Cone Sul em que as vítimas sobrevivem – fortes e íntegras como a dura verdade que descrevem ao longo deste livro.

Neste livro, a história do seqüestro mistura-se à biografia das personagens, nem todas encontráveis na rua Botafogo, nem todas contemporâneas de 1978. Elas emergiram clandestinas em outros tempos, em lugares distintos do Cone Sul do continente – nas ruas do bairro porto-alegrense do Menino Deus, na paulistana rua Tutóia, na carioca rua Barão de Mesquita, na Automotores Orletti de Buenos Aires, nas colônias de terror da Dina chilena, nos centros de tortura de Montevidéu. É a biografia de cada um que traça o fio caprichoso da história

Algumas biografias

Aparentemente, uma cena ou outra pode parecer repetitiva. É a mesma cena recontada pela testemunha do seqüestro, pelos seqüestrados e pelos seqüestradores. Um recurso deliberado de narrativa para contar a história de três perspectivas distintas, que convergem para uma verdade mais completa. Afinal, como repete

sempre o repórter uruguaio Roger Rodríguez, la verdad es, la história puede ser.

É a integração desta tríplice visão que faz a junção da história com a verdade. A história narrada neste livro é a verdade que pode ser – e é.

O seqüestro de Porto Alegre destacou algumas biografias, rebaixou outras.

Eu lembrei de algumas delas, de outras também.

Elas estão contadas nas páginas seguintes.      LUIZ CLÁUDIO CUNHA


VÍDEOS


Luiz Cláudio Cunha fala sobre a Operação Condor II

Francisco das Chagas Leite Filho   CAFÉ NA POLÍTICA

Primeira parte - O jornalista Luís Cláudio Cunha, uma dos maiores experts em crimes políticos, desde que flagrou um sequestro da Operação Condor, em Porto Alegre, fala ao Café na Política da sua experiência de mais de 30 anos. Um dos convidados, entre outros da América Latina e dos Estados Unidos, do seminário realizado na semana passada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados sobre o tema, também comenta a realidade dos chamados golpes brandos ou golpes de quarta geração, como os de Honduras e do Paraguai, e conclui que, felizmente, ditaduras como aquelas dos anos 60 e 80 deixaram de existir. Seu diagnóstico é de que quase todo o sub-continente encontra-se hoje governado por presidentes legitimamente eleitos, ainda que de corte político controverso, o que é o reverso daqueles anos, em que a América Latina vivia sob o tacão do discricionarismo militar e empresarial. Ele também comentou seu livro "Operação Condor - O Sequestro dos Uruguaios", vencedor de prêmios como o Jabuti, o Wladimir Herzog e o da Casa de las Américas, de Havana.

 

https://www.youtube.com/watch?v=J8wdKuAWsLE   - parte 1

https://www.youtube.com/watch?v=jag8LWARZAY    - parte 2

 

 

Entrevista na Universidade Federal de SC, novembro de 2014

O UFSC Entrevista dessa semana recebe o jornalista Luiz Cláudio Cunha para falar sobre seu histórico durante os anos de ditadura e seu papel atuante como jornalista crítico e investigativo na atualidade.


UFSC Entrevista - Luiz Cláudio Cunha 1 de 3 – 7’40’’

https://www.youtube.com/watch?v=ljjGlejwMfE&t=63s

 

UFSC Entrevista - Luiz Cláudio Cunha 2 de 3    -11’40’

https://www.youtube.com/watch?v=F1NwKYZaNKo

 

 

UFSC Entrevista - Luiz Cláudio Cunha 3 de 3  -  9’47’’

https://www.youtube.com/watch?v=gwHnquR8Y0E&t=6s

 

 

 

Trecho do filme “Condor”, de Roberto Mader, com entrevista minha logo após o sequestro.

E imagens de uma ilustração da PLAYBOY, feita a partir da minha descrição da cena no apartamento da Botafogo.

Trecho do filme "Condor", de Roberto Mader


https://www.youtube.com/watch?v=-Txej0d_Svs

 

 

TV BRASIL   série de 4 programa sobre Condor, junho de 2018


Uma série de 4 reportagens, da TV Brasil, sobre um dos temas mais marcantes da história recente do Brasil. A operação chamada Condor é o resultado da articulação das ditaduras dos países do Cone Sul, na década de 1970, para reprimir opositores. A série de reportagens mostrara: a história de uma militante uruguaia que escapou de um destino trágico, e também o drama de um militante catarinense sequestrado na Argentina e que nunca mais foi visto; a polêmica sobre a morte do ex-presidente João Goulart; a história do gaúcho que lutou ao lado de Che Guevara e sumiu na Bolívia; e, finalmente: a Comissão da Verdade vai investigar a aliança entre as ditaduras do continente na década de 70

https://www.youtube.com/watch?v=W6JLCGyT5MY

 

BELO DOCUMENTÁRIO DO CONDOR E FUTEBOL

Eu tô lá, no capítulo do Brasil.

MEMÓRIAS DO CHUMBO O FUTEBOL NOS TEMPOS DO CONDOR /Episódo BRASIL

MEMÓRIAS DO CHUMBO O FUTEBOL NOS TEMPOS DO CONDOR BRASIL;2014 ;DIRETOR : Lúcio de Castro;51 min O documentário investiga as relações entre o futebol e as ditaduras militares do continente sul-americano nas décadas de 1960 e 1980 emquatro países: Brasil, Argentina, Chile e Uruguai. Episódio sobre o Brasil .

https://www.youtube.com/watch?v=MSawvkXO75E





















12 comentários:

  1. A pedalada daria um livro inteiro, já fez varias vitimas por aqui.

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  2. Eric Faria da Globo/RBS agrediu um cidadão negro ao vivo no Qatar! Serão expulsos da Copa ou isso é "racismo do bem?"

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    1. Levou uma encoxada daquelas. Mas, claro, não justifica a agressão.

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  3. Volta e meia vem esse tipo de matéria para puxar o saco do LCC. No mais, resume-se a alguma verdade embalada com várias camadas de ficção. Compra quem quer.

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  4. Jurandir Pedroso Duarte19 de novembro de 2022 às 08:14

    Ler ou ouvir falar de LCC é o mesmo que beber ácido de bateria.

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  5. Ruptura da Sociedade de Direito geram tais aberrações que devem ser permanentemente evitadas, sem exceção.
    Só acho interessante que hoje a maioria dos jornalistas e de suas entidades representativa, que deveriam ser os guardiões desse principio democrático, defendem, na maior carinha de pau, as invasões do Alexandre de Morais nos sagrados direitos individuais consagrados pela Constituição de 1988. Ai pode, né!??????????
    Hipócritas!
    Viva a Sociedade Democrática de Direito - sempre!

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    1. É uma demonstração do que viraram os cursos de jornalismo: formação de soldadinhos da causa gramsciana.

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    2. Quem vai segurar o Xandão?

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    3. Está chegando um ponto em que a solução será uma só.

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  6. Terrorista é terrorista e ponto final.
    Aplicar-se-a neles o que eles aplicam em seus adversários: execução sumária.

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