Sexta, 4 de novembro de 2022

 

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especial

Nesta sexta, uma cesta
de Lima Barreto! 




Os 100 anos do Homem que
lutou contra o preconceito racial
(sem mimimi)



O Brasil não tem povo, tem público.


Ele alegrou os outros e nunca teve alegria.


Cada louco traz em si o seu mundo e para ele não há mais semelhantes: o que foi antes da loucura é outro muito outro do que ele vem a ser após.





Não é só a morte que iguala a gente. O crime, a doença e a loucura também acabam com as diferenças que a gente inventa.


Lima Barreto

Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em em 13 de maio de 1881. Foi  jornalista e escritor. Seus pais: João Henriques de Lima Barreto, filho de escrava e de um madeireiro português, e de Amália Augusta, filha de escrava e agregada da família Pereira Carvalho.


A família morava na rua Ipiranga, próxima ao Largo do Machado, e seu pai ganhava a vida como tipógrafo. Sua mãe foi muito bem educada, sendo professora da 1ª à 4ª série.


O pai era monarquista, ligado ao visconde de Ouro Preto, padrinho de Afonso. As lembranças do Segundo Reinado de Dom Pedro II e a participação da Princesa Isabel na Abolição da Escravatura marcaram a visão crítica de Lima Barreto sobre o regime republicano.



Em abril de 1907, fez suas primeiras contribuições para uma revista de grande circulação, ao se tornar secretário da Fon-Fon, a pedido do poeta e jornalista Mário Pederneiras. Mas seu período na revista não durou muito: em junho do mesmo ano, sentindo-se desvalorizado, demite-se e, em outubro, lança a revista Floreal, da qual foi o diretor. Além destas, Barreto também contribuiu para as revistas A.B.C. e Careta.

Em 1911, publicou o romance Triste Fim de Policarpo Quaresma nas páginas do Jornal do Commercio, pagando do próprio bolso a edição em livro lançada em dezembro de 1915. Nessa época, tornaram-se mais agudas as crises de alcoolismo e depressão do escritor, o que provocou sua primeira internação no hospício em 1914.


Em 1916, colaborou com a revista ABC, publicando alguns textos em periódicos de viés socialista. Passados quatro anos da primeira internação no Hospital dos Alienados devido ao alcoolismo, seus problemas de saúde pioraram e Lima Barreto foi aposentado em dezembro de 1918. No ano seguinte, 1919, publicou o romance Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá pela editora Revista do Brasil, de Monteiro Lobato.

Os períodos de internação no hospício resultaram na composição de diversos diários e no romance inacabado Cemitério dos Vivos, do qual trechos foram publicados em 1921, mesmo ano em que o autor apresentaria sua terceira candidatura à Academia Brasileira de Letras (nas duas tentativas anteriores, fora preterido; nesta última, o próprio escritor desistiria antes das eleições).


De 1909 a 1922 foi excluído da crítica oficial com um "silêncio implacável" quanto aos seus escritos. Em sua época não era fácil ter um original aceito pelos maiores editores do Rio, e ele, como vários outros apelaram por publicações em Portugal, tendo sido sua obra Recordações do Escrivão Isaías Caminha seguido esse caminho em 1907.



Sua "posição combativa" e sua "crítica contundente" custaram-lhe a marginalidade e a indiferença da elite cultural. Este comportamento encontra-se refletido no fato da descoberta e valorização de sua obra após a sua morte, fato que pode facilmente ser associado à sua afirmação em artigo publicado no dia 6 de junho de 1922 na Revista Careta: "O Brasil não tem povo, tem público", típico de sua visão do mundo que o cercava e que aparece na dominante ironia presente em seu personagem narrador: Quaresma.


Muitos críticos apontam que a obra literária de Lima Barreto alcança altos níveis de criatividade e realização estética, assim como abdica de maiores preocupações artísticas para se assumir como panfleto ou meio de documentação social, política e histórica. Antonio Candido, por exemplo, observa que a concepção literária de Lima Barreto "de um lado favoreceu nele a expressão escrita da personalidade", enquanto "de outro pode ter contribuído para atrapalhar a realização plena do ficcionista". O crítico ressalta o valor de sua "inteligência voltada com lucidez para o desmascaramento da sociedade e a análise das próprias emoções", mas também afirma ser ele um escritor que não atingiu toda a sua potencialidade como narrador, sendo algumas vezes malsucedido na transposição de uma ideia numa realização literária criativa.


O crítico Osman Lins afirmou que, para além de realizações estéticas desiguais, há "certas características de ordem literária e humana que atravessam todos os seus livros – ou, até, todas as suas páginas –, dando-lhes grande homogeneidade", concluindo que "sua obra tão variada é um bloco coerente e em toda ela reconhecemos, inconfundível, nítida, a personalidade do autor".

Lima Barreto foi o crítico mais agudo da época da Primeira República Brasileira, rompendo com o nacionalismo ufanista e pondo a nu a roupagem republicana que manteve os privilégios de famílias aristocráticas e dos militares. Definindo seu projeto literário como o de escrever uma "literatura militante" — apropriando-se da expressão de Eça de Queirós — sua produção literária está quase inteiramente voltada para a investigação das desigualdades sociais, da hipocrisia e da falsidade dos homens e das mulheres em suas relações dentro da sociedade.

Em muitas obras, como no seu célebre romance Triste Fim de Policarpo Quaresma e no conto "O Homem que Sabia Javanês", o método escolhido por Lima Barreto para tratar desses temas é o da sátira, cheia de ironia, humor e sarcasmo.

Em sua obra, de temática social, privilegiou os pobres, os boêmios e os arruinados, assim como a sátira que criticava de maneira sagaz e bem-humorada os vícios e corrupções da sociedade e da política. Foi severamente criticado por alguns escritores de seu tempo por seu estilo despojado e coloquial, que Manuel Bandeira chamou de "fala brasileira" e que acabou influenciando os escritores modernistas. Suas obras seguem duas vertentes principais: a sátira e o romance do realismo resgatando em ambos os formatos as tradições cômicas e carnavalescas da cultura popular.

Em Triste Fim de Policarpo Quaresma, narra-se a história de um homem de inteligência mediana, mas de nacionalismo e boa-fé inabaláveis. Agindo de modo a valorizar e popularizar ideais do que ele julga ser a verdadeira cultura brasileira, Quaresma obtém da sociedade uma resposta sempre dura, sendo classificado como louco (ora inofensivo, ora perigoso). Desse modo, como observa Osman Lins, esse "é um romance sobre o desajuste entre o imaginário e o real, entre a idealização e a verdade, entre a ideia que o personagem-título faz do seu país e o que o seu país é realmente". No decorrer da obra, o autor também procura ridicularizar o apego da sociedade aos títulos, sobretudo o de bacharel, bem como as instituições políticas da época, sua burocracia e sua inoperância.

Em "O Homem que Sabia Javanês", é apresentado o caso de uma pessoa que, afirmando dominar o idioma javanês sem na realidade conhecê-lo, consegue enganar boa parte da sociedade carioca da época e até mesmo ascender na carreira política, acadêmica e diplomática com base nessa mentira; a certa altura, o personagem declara: "Imagina tu que eu até aí nada sabia de javanês, mas estava empregado e iria representar o Brasil em um congresso de sábios", trecho que representa uma crítica contundente à predominância das aparências nos meios sociais e políticos do período retratado.


Esses mesmos temas, quase sempre de ordem social, apresentam abordagens distintas em outras obras: no conto A Nova Califórnia, a escrita de Lima Barreto ganha certos contornos macabros ao narrar a história dos habitantes de uma pequena cidade que, ao descobrirem que se poderia fabricar ouro a partir de ossos humanos, esquecem todos os seus supostos valores éticos e morais, de extrato cristão, e cometem profanações e assassinatos em função da possibilidade de riqueza e ascensão social.

Lima Barreto declara diversas vezes não aprovar nenhum tipo de preciosismo na escrita literária. Critica seu contemporâneo Coelho Neto, afirmando que "não posso compreender que a literatura consista no culto ao dicionário" e declarando que a beleza literária "não é um caráter extrínseco da obra, mas intrínseco, perante o qual aquele pouco vale. É a substância da obra, não são suas aparências" - declarações, sobretudo esta última, que indicam como eram indissociáveis a estética buscada e a ética preconizada pelo autor, que procura despir tanto a literatura quanto a sociedade de suas falsas aparências.

Dessa postura, cria-se uma literatura marcada pelo coloquialismo, por um vocabulário pouco rebuscado e pela expressão direta - o que não significa desleixo ou pouca preocupação formal, mas a adequação do modo de expressão àquilo que se deseja demonstrar.

Essa crueza estilística, no caso de um romance de teor autobiográfico como Recordações do Escrivão Isaías Caminha, é a ideal para a representação dos percalços e dos preconceitos de ordem social e racial enfrentados por seu personagem em busca de ascensão na profissão de jornalista. O mesmo acontece em Cemitério dos Vivos, dura descrição da loucura e da internação em um hospício. É sobretudo nessa força e nessa tentativa de construir uma obra cujos preceitos estéticos são tão pouco disseminados na literatura brasileira, ainda afeita aos ideais de beleza do parnasianismo, que reside a singularidade da arte de Lima Barreto.

Com a saúde cada vez mais debilitada, faleceu de um colapso cardíaco no dia 1º de novembro de 1922, aos 41 anos, em sua casa, no bairro de Todos os Santos, no Rio de Janeiro.


Seus restos mortais, bem como os de seu pai (falecido dois dias depois) estão no cemitério de São João Batista, na Quadra 14 - 3º piso - Jazigo: 8024. No mesmo cemitério encontra-se o mausoléu dos imortais da Academia Brasileira de Letras.


Em 2016, uma vasta parte de sua obra escrita publicada sob pseudônimos foi descoberta por Felipe Botelho Corrêa, que organizou o livro Sátiras e Outras Subversões que traz à tona 164 textos que permaneciam inéditos em livro. No mesmo ano, o pesquisador Rogério Nascimento publicou o livro Cartas de um Matuto e Outros Causos, afirmando que os textos publicados originalmente na revista Careta foram escritos por Lima Barreto. Carlos Drummond de Andrade, contudo, diz em seu Dicionário de Pseudônimos Brasileiros que os textos da coluna foram escritos por Mário Behring. A chave para esse pseudônimo também aparece na própria revista Careta de 8 de junho de 1912, em texto que afirma ser de Mário Bhering a pena por trás do Coronel Tiburcio d'Annunciação.


O escritor foi homenageado, no carnaval do Rio de Janeiro de 1982, pela Escola de Samba Unidos da Tijuca, com o samba-enredo Lima Barreto, Mulato Pobre mas Livre. O cantor Taiguara compôs samba-enredo que não foi utilizado pela escola naquele ano, sendo lançado apenas em 2019, no EP Como Lima Barreto.


Também recebeu homenagem da 15ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), quando foi lançada sua mais recente biografia Lima Barreto - Triste Visionário, de Lilia Moritz Schwarcz, pela Editora Companhia das Letras.




OBRAS

Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909)

Triste Fim de Policarpo Quaresma (1911)

As Aventuras do Dr. Bogoloff (1912)

Numa e a Ninfa (1915)

Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919)

Histórias e Sonhos (1920)

Os Bruzundangas (1923), póstumo

Bagatelas (1923), póstumo

Clara dos Anjos (1948), póstumo

Diário Íntimo (1953), póstumo

Feiras e Mafuás (1953), póstumo

Marginália (1953), póstumo

Vida Urbana (1953), póstumo

Cemitério dos Vivos (1956), póstumo e inacabado

Coisas do Reino de Jambon (1956), póstumo

Impressões de Leitura (1956), póstumo

Correspondência (1956), póstumo, 2 volumes

O Subterrâneo do Morro do Castelo (1997), póstumo

Sátiras e outras subversões: textos inéditos (2016), póstumo, organizado por Felipe Botelho Corrêa



Um Lima Barreto triste, visionário e ambivalente

por Lilia Moritz Schwarcz


Texto de Leonardo Cazes, em O Globo


No retrato da sua turma na Escola Politécnica, Afonso Henriques de Lima Barreto, ainda adolescente, não encara a câmera e mantém um olhar fixo para o lado. A fotografia — encontrada pela historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz no acervo do biógrafo do escritor, Francisco de Assis Barbosa — é síntese do deslocamento de Lima Barreto ao longo de toda vida. Negro, nascido exatos sete anos antes da abolição, de pai tipógrafo e mãe professora, o escritor teve acesso a uma educação formal para poucos.

Ao mesmo tempo, viveu a ascensão do racismo científico, que vinculava raça e degeneração. Apesar das críticas a esses pensadores, que constavam na sua biblioteca, o escritor viu o pai enlouquecer e “confirmar” as teorias que tanto combatia. Ele próprio seguiu o mesmo caminho, derrotado pelo alcoolismo e carregando em si as contradições de seu tempo. Para Lilia, foi “triste e visionário”, tal como ela coloca no título de sua biografia, lançada após mais de dez anos de pesquisas. Ao GLOBO, a autora destaca as contradições do autor, que será homenageado na 15º Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). A obra será lançada no dia 10 de julho, às 19h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo.

...

Lima Barreto já tinha uma notável biografia, de 1952, escrita por Francisco de Assis Barbosa. Por que fazer outra?

Não há só uma biografia fundamental do Lima, mas vários livros fundamentais. Não se trata de suplantar a biografia do Assis Barbosa. Eu quis fazer as perguntas que ele não fez, não porque não quis, mas porque não eram questões no tempo dele. Por que, num momento em que a questão racial no Brasil era quase um interdito, o Lima fez uma literatura afirmadamente negra? No livro todo, tento mostrar como ele usa a cor. A questão da raça é fundamental para o Lima numa época em que temas como pan-africanismo ou associativismo negro não eram temas da agenda brasileira. Esta biografia é uma volta ao escritor por uma janela diferente, do nosso tempo.


Lima leu os teóricos do racismo científico. Deve ter sido uma fonte de muita angústia para ele, não?

Sim. Todo o meu primeiro capítulo é para mostrar que esse Brasil pós-abolição era muito complexo. Os pais do Lima são descendentes de escravizados, de famílias que só conhecem a ascendência feminina, o que é também uma história brasileira. Os pais do Lima comungam um projeto de que a verdadeira libertação se faz pela educação. O pai é tipógrafo, a mãe é diretora de escola. O Lima era um leitor voraz. Fiquei muito impressionada em como ele lê essas teorias de que não comunga. Imagine o que significou para alguém como ele o conhecimento das políticas de hereditariedade, a angústia que ele sentia. Sobretudo na internação de 1919, quando ele reconhece que tem uma hereditariedade degenerada. O Lima questiona essas teorias na sua época, mas ele também as teme profundamente.


Você destaca bastante, no livro, a ambivalência de Lima Barreto. Era o seu objetivo?

Biografia não é uma avenida corrida, é cheia de bifurcação, contornos, idas e voltas. Procurei trazer um Lima complexo, com as suas ambiguidades, um Lima mais humano. Ele é contra a Academia Brasileira de Letras, mas quer entrar nela. É profundamente impactado pelos subúrbios, mas se diferencia, destaca que tem uma educação diferenciada do resto dos moradores. É muito bonito, ele está sempre deslocado. No Centro, ele é do subúrbio, no subúrbio ele é de outro subúrbio. Lima critica os bovarismos, mas é um leitor dos russos, evoca Dostoiévski o tempo todo. Por isso inscrevi essa ambiguidade no título do livro, ao combinar duas palavras que, dariam em casamento litigioso.


O livro cruza o tempo todo vida e obra. Você já sabia que Lima era tão autobiográfico?

Eu tinha uma hipótese e fui ver, mas não imaginava que daria tão certo. Num discurso que não proferiu, mas publicou, ele diz: “eu professo uma literatura militante”. Militante para ele era falar das mazelas do seu mundo. Como tudo na sua vida, ele faz uma literatura à contramão. Hoje, não há problema nenhum em dizer que o seu projeto literário é pautado na sua experiência. Mas naquele momento não foram poucos os que chamaram Lima de um autor sem imaginação. Ele também construiu uma persona literária “desagradável” porque não se conformava, denunciava qualquer instituição. No seu projeto literário, cada personagem é uma face de Lima, de Isaías Caminha até Clara dos Anjos. E tento provar que Lima Barreto vai virando seus próprios personagens.


As imagens são uma fonte importante. Nos registros, Lima foi embranquecido?1

Como diz a Susan Sontag, a fotografia nasceu para mentir. Não podemos tomar essas imagens como documentos ingênuos. Desde o início da pesquisa dei muita atenção à iconografia e tive a sorte de me deparar com o acervo do Francisco de Assis Barbosa. As fotografias passaram sempre por um imenso branqueamento, que é paralelo à recepção do Lima. Ele definia sua cor como “azeitona escura”. Na primeira imagem do manicômio, ele aparece como branco, na segunda como pardo. Em quatro anos, ele mudou de cor. Como isso é possível? Essa foi uma questão inclusive para a capa do livro.


Ontem, matou-se um doente, enforcando-se. Escrevi nas minhas notas: suicidou-se no pavilhão um doente. O dia está lindo. Se voltar a terceira vez aqui, farei o mesmo. Queira Deus que seja o dia tão belo como o de hoje.


Não pretendo fazer coisa alguma pela pátria, pela família, pela humanidade. De resto, acresce que nada sei de história social, política e intelectual do país, que nada sei de geografia, que nada entendo de ciências sociais. Vou dar um excelente deputado.


Um Especialista


A Bastos Tigre


Era hábito dos dois, todas as tardes, após o jantar, jogar uma partida de bilhar em cinquenta pontos, finda a qual iam, em pequenos passos, até ao Largo da Carioca tomar café e licores, e, na mesa do botequim, trocando confidências, ficarem esperando a hora dos teatros, enquanto que, dos charutos, fumaças azuladas espiralavam preguiçosamente pelo ar.

Em geral, eram as conquistas amorosas o tema da palestra; mas, às vezes, incidentemente, tratavam dos negócios, do estado da praça e da cotação das apólices.

Amor e dinheiro, eles juntavam bem e sabiamente.

O comendador era português, tinha seus cinquenta anos, e viera para o Rio aos vinte e quatro, tendo estado antes seis no Recife. O seu amigo, o coronel Carvalho, também era português, viera, porém, aos sete para o Brasil, havendo sido no interior, logo ao chegar, caixeiro de venda, feitor e administrador de fazenda, influência política; e, por fim, por ocasião da bolsa, especulara com propriedades, ficando daí em diante senhor de uma boa fortuna e da patente de coronel da Guarda Nacional. Era um plácido burguês, gordo, ventrudo, cheio de brilhantes, empregando a sua mole atividade na gerência de uma fábrica de fósforos. Viúvo, sem filhos, levava a vida de moço rico. Frequentava cocottes; conhecia as escusas casas de rendez-vous, onde era assíduo e considerado; o outro, o comendador, que era casado, deixando, porém, a mulher só no vasto casarão do Engenho Velho a se interessar pelos namoricos das filhas, tinha a mesma vida solta do seu amigo e compadre.

Gostava das mulheres de cor e as procurava com o afinco e ardor de um amador de raridades.

À noite, pelas praças mal iluminadas, andava catando-as, joeirando-as com olhos chispantes de lubricidade e, por vezes mesmo, se atrevia a seguir qualquer mais airosa pelas ruas de baixa prostituição.

– A mulata, dizia ele, é a canela, é o cravo, é a pimenta; é, enfim, a especiaria de requeime acre e capitoso que nós, os portugueses, desde Vasco da Gama, andamos a buscar, a procurar.

O coronel era justamente o contrário: só queria às estrangeiras; as francesas e italianas, bailarinas, cantoras ou simplesmente meretrizes, era o seu fraco.

Entretanto havia já quinze dias, que não se encontravam no lugar aprazado e a faltar era o comendador, a quem o coronel sabia bem por informações do seu guarda-livros.

Ao acabar a segunda semana dessa ausência imprevista, o coronel, maçado e saudoso, foi procurar o amigo na sua loja à Rua dos Pescadores. Lá o encontrou amável e de boa saúde. Explicaram-se; e entre eles ficou assentado que se veriam naquele dia, à tarde, na hora e lugar habituais.

Como sempre, jantaram fartamente e regiamente regaram o repasto com bons vinhos portugueses. Jogaram a partida de bilhar e depois, como encarrilhados, seguiram para o café de costume no Largo da Carioca.

No princípio, conversaram sobre a questão das minas de Itaoca, vindo então à baila a inépcia e a desonestidade do governo; mas logo depois, o Coronel que "tinha a pulga atrás da orelha", indagou do companheiro o motivo de tão longa ausência.

– Oh! Não te conto! Foi um "achado", a coisa, disse o comendador, depois de chupar fortemente o charuto e soltar uma volumosa baforada; um petisco que encontrei... Uma mulata deliciosa, Chico! Só vendo o que é, disse a rematar, estalando os beiços.

– Como foi isso? inquiriu o coronel pressuroso. Como foi? Conta lá!

– Assim. A última vez que estivemos juntos, não te disse que no dia seguinte iria a bordo de um paquete buscar um amigo que chegava do Norte?

– Disseste-me. E daí?

– Ouve. Espera. Cos diabos isto não vai a matar! Pois bem, fui a bordo. O amigo não veio... Não era bem meu amigo... Relações comerciais... Em troca...

Por essa ocasião rolou um carro no calçamento. Travou em frente ao café e por ele adentro entrou uma gorda mulher, cheia de plumas e sedas, e para vê-la virou-se o comendador, que estava de costas, interrompendo a narração. Olhou-a e continuou depois:

– Como te dizia: não veio o homem, mas enquanto tomava cerveja com o comissário, vi atravessar a sala uma esplêndida mulata; e tu sabes que eu...

Deixou de fumar e com olhares canalhas sublinhou a frase magnificamente.

– De indagação em indagação, soube que viera com um alferes do Exército; e murmuravam a bordo que a Alice (era seu nome, soube também) aproveitara a companhia, somente para melhor mercar aqui os seus encantos. Fazer a vida... Propositalmente, me pareceu, eu me achava ali e não perdia vaza, como tu vais ver.

Dizendo isto, endireitou o corpo, alçou um tanto a cabeça, e seguiu narrando:

– Saltamos juntos, pois viemos juntos na mesma lancha – a que eu alugara. Compreendes? E, quando embarcamos num carro, no Largo do Paço, para a pensão, já éramos conhecimentos velhos; assim pois...

– E o alferes?

– Que alferes?

– O alferes que vinha com a tua diva, filho? Já te esqueceste?

– Ah! Sim! Esse saltou na lancha do Ministério da Guerra e nunca mais o vi.

– Está direito. Continua lá a coisa.

– E... e... Onde é que estava? Hein?

– Ficaste: quando ao saltar, foram para a pensão.

– É isto! Fomos para a Pensão Baldut, no Catete; e foi, pois, assim que me apossei de um lindo primor – uma maravilha, filho, que tem feito os meus encantos nestes quinze dias – com os raros intervalos em que me aborreço em casa, ou na loja, já se vê bem.

Repousou um pouco e, retomando logo após a palavra, assim foi dizendo:

– É uma cousa extraordinária! Uma maravilha! Nunca vi mulata igual. Como esta, filho, nem a que conheci em Pernambuco há uns vinte e sete anos! Qual! Nem de longe! Calcula que ela é alta, esguia, de bom corpo; cabelos negros corridos, bem corridos: olhos pardos. É bem fornida de carnes, roliça; nariz não muito afilado, mas bom! E que boca, Chico! Uma boca breve, pequena, com uns lábios roxos, bem quentes... Só vendo mesmo! Só! Não se descreve.

O comendador falara com um ardor desusado nele; acalorara-se e se entusiasmara deveras, a ponto de haver na sua fisionomia estranhas mutações. Por todo ele havia aspecto de um suíno, cheio de lascívia, inebriado de gozo. Os olhos arredondaram-se e diminuíram; os lábios se haviam apertado fortemente e impelidos pra diante se juntavam ao jeito de um focinho; o rosto destilava gordura; e, ajudado isto pelo seu físico, tudo nele era de um colossal suíno.

– O que pretendes fazer dela? Dize lá.

– É boa... Que pergunta! Prová-la, enfeitá-la, enfeitá-la e "lançá-la". E é pouco?

– Não! Acho até que te excedes. Vê lá, tu!

– Hein? Oh! Não! Tenho gasto pouco. Um conto e pouco... Uma miséria!

Acendeu o charuto e disse subitamente, ao olhar o relógio:

– Vou buscá-la de carro, porquanto vamos ao cassino, e tu me esperas lá, pois tenho um camarote.

– Até já.

Saindo o seu amigo, o coronel considerou um pouco, mandou vir água Apolináris, bebeu e saiu também.

Eram oito horas da noite.

Defronte ao café, o casarão de uma ordem terceira ensombrava a praça parcamente iluminada pelos combustores de gás e por um foco elétrico ao centro. Das ruas que nela terminavam, delgados filetes de gente saíam e entravam constantemente. A praça era como um tanque a se encher e a se esvaziar equitativamente. Os bondes da Jardim semeavam pelos lados a branca luz de seus focos e, de onde em onde, um carro, um tílburi, a atravessava célere.

O coronel esteve algum tempo olhando o largo, preparou um novo charuto, acendeu-o, foi até à porta, mirou um e outro transeunte, olhou o céu recamado de estrelas, e, finalmente, devagar, partiu em direção à Lapa.

Quando entrou no cassino, ainda o espetáculo não havia começado.

Sentou-se a um banco no jardim, serviu-se de cerveja e entrou a pensar.

Aos poucos, vinham chegando os espectadores. Naquele instante entrava um. Via-se pelo acanhamento, que era um estranho às usanças da casa. Esmerado no vestir, no calçar, não tinha em troca o desembaraço com que se anuncia o habitué. Moço, moreno, seria elegante se não fosse a estreiteza de seus movimentos. Era um visitante ocasional, recém-chegado, talvez, do interior, que procurava ali uma curiosidade, um prazer da cidade.

Em seguida, entrou um senhor barbado, de maçãs salientes, rosto redondo, acobreado. Trazia cartola, e pelo ar solene, pelo olhar desdenhoso que atirava em volta, descobria-se nele um legislador da Cadeia Velha, deputado, representante de algum estado do Norte, que, com certeza, há duas legislaturas influía poderosamente nos destinos do país com o seu resignado apoio. E assim, um a um, depois aos magotes, foram entrando os espectadores. Ao fim, na cauda, retardados, vieram os frequentadores assíduos – pessoas variegadas de profissão e moral que com frequência blasonavam saber os nomes das cocottes, a proveniência delas e as suas excentricidades libertinas. Entre os que entravam naquele momento, entrara também o comendador e o “achado”.

A primeira parte do espetáculo correra quase friamente.

Todos, homens e mulheres, guardavam as maneiras convencionadas de se estar em público. Era cedo ainda.

Em meio, porém, da segunda, as atitudes mudaram. Na cena, uma delgadinha senhora (chanteuse à diction – no cartaz) berrava uma cançoneta francesa. Os espectadores, com batidos das bengalas nas mesas, no assoalho, e com a voz mais ou menos comprometida, estribilhavam-na doidamente. O espetáculo ia no auge. Da sala aos camarotes subia um estranho cheiro – um odor azedo de orgia.

Centenas de charutos e cigarros a fumegar enevoavam todo ambiente.

Desprendimentos do tabaco, emanações alcoólicas, e, a mais, uma fortíssima exalação de sensualidade e lubricidade, davam à sala o aspecto repugnante de uma vasta bodega.

Mais ou menos embriagado, cada um dos espectadores tinha para com a mulher com quem bebia, gestos livres de alcova. Francesas, italianas, húngaras, espanholas, essas mulheres, de dentro das rendas, surgiam espectrais, apagadas, lívidas como moribundas. Entretanto, ou fosse o álcool ou o prestígio de peregrinas, tinham sobre aqueles homens um misterioso ascendente. A esquerda, na plateia, o majestoso deputado da entrada coçava despudoradamente a nuca da Dermalet, uma francesa; em frente o doutor Castrioto, lente de uma escola superior, babava-se todo a olhar as pernas da cantora em cena, enquanto em um camarote defronte, o Juiz Siqueira apertava-se à Mercedes, uma bailarina espanhola, com o fogo de um recém-casado à noiva.

Um sopro de deboche percorria homem a homem.

Dessa forma o espetáculo desenvolvia-se no mais fervoroso entusiasmo e o coronel, no camarote, de soslaio, pusera-se a observar a mulata. Era bonita de fato e elegante também. Viera com um vestido creme de pintas pretas, que lhe assentava magnificamente.

O seu rosto harmonioso, enquadrado num magnífico chapéu de palha preta, saía firme do pescoço roliço que a blusa decotada deixava ver. Seus olhos curiosos, inquietos, voavam de um lado a outro e a tez de bronze novo cintilava à luz dos focos. Através do vestido se lhe adivinhavam as formas; e, por vezes, ao arfar, ela toda trepidava de volúpia...

O comendador pachorrentamente assistia ao espetáculo e, fora do costume, pouco conversou. O amigo, pudicamente não insistiu no exame.

Quando saíram de permeio à multidão, acumulada no corredor da entrada, o coronel teve ocasião de verificar o efeito que fizera a companheira do amigo. Ficando mais atrás, pôde ir recolhendo os ditos e as observações que a passagem deles ia sugerindo a cada um.

Um rapazola dissera:

– Que "mulatão"!

Um outro refletiu:

– Esses portugueses são os demônios para descobrir boas mulatas. É faro. Ao passarem os dois, alguém, a quem ele não viu, maliciosamente observou:

– Parecem pai e filha.

E essa reflexão de pequeno alcance na boca que a proferiu, calou fundo no ânimo do coronel.

Os queixos eram iguais, as sobrancelhas, arqueadas, também; o ar, um não sei quê de ambos assemelhavam-se... Vagas semelhanças, concluiu o coronel ao sair à rua, quando uma baforada de brisa marinha lhe acariciou o rosto afogueado.

Já o carro rolava rápido pela rua quieta – quietude agora perturbada pelas vozes esquentadas dos espectadores saídos e pelas falsas risadas de suas companheiras – quando o comendador, levantando-se no estrado da carruagem, ordenou ao cocheiro que parasse no hotel, antes de tocar para a pensão. A sala sombria e pobre do hotel tinha sempre por aquela hora uma aparência brilhante. A agitação que ia nela; as sedas roçagantes e os chapéus vistosos das mulheres; a profusão de luzes, o irisado das plumas, os perfumes requintados que voavam pelo ambiente; transmudavam-na de sua habitual fisionomia pacata e remediada. As pequenas mesas, pejadas de pratos e garrafas, estavam todas elas ocupadas. Em cada, uma ou duas mulheres sentavam-se, seguidas de um ou dois cavalheiros. Sílabas breves do francês, sons guturais do espanhol, dulçorosas terminações italianas, chocavam-se, brigavam.

Do português nada se ouvia, parecia que se escondera de vergonha.

Alice, o comendador e o coronel, sentaram-se a uma mesa redonda em frente à entrada. A ceia foi lauta e abundante. A sobremesa, os três convivas repentinamente animados, puseram-se a conversar com calor. A mulata não gostara do Rio; preferia o Recife. Lá sim! O céu era outro; as comidas tinham outro sabor, melhor e mais quente. Quem não se recordaria sempre de uma frigideira de camarões com maturins ou de um bom feijão com leite de coco?

Depois, mesmo a cidade era mais bonita; as pontes, os rios, o teatro, as igrejas.

E os bairros então? A Madalena, Olinda... No Rio, ela concordava, havia mais povo, mais dinheiro; mas Recife era outra coisa, era tudo...

– Você tem razão, disse o comendador; Recife é bonito, e muito mais.

– O senhor, já esteve lá?

– Seis anos; filha, seis anos; e levantou a mão esquerda à altura dos olhos, correu-a pela testa, contornou com ela a cabeça, descansou-a afinal na perna e acrescentou: comecei lá minha carreira comercial e tenho muitas saudades. Onde você morava?

– Ultimamente à Rua da Penha, mas nasci na de João de Barro, perto do Hospital de Santa Águeda...

– Morei lá também, disse ele distraído.

– Criei-me pelas bandas de Olinda, continuou Alice, e por morte de minha mãe vim para a casa do doutor Hildebrando, colocada pelo juiz...

– Há muito que tua mãe morreu? indagou o coronel.

– Há oito anos quase, respondeu ela.

– Há muito tempo, refletiu o coronel; e logo perguntou: que idade tens?


– Vinte e seis anos, fez ela. Fiquei órfã aos dezoito. Durante esses oito anos tenho rolado por esse mundo de Cristo e comido o pão que o diabo amassou. Passando de mão em mão, ora nesta, ora naquela, a minha vida tem sido um tormento. Até hoje só tenho conhecido três homens que me dessem alguma coisa; os outros Deus me livre deles! – só querem meu corpo e o meu trabalho. Nada me davam, espancavam-me, maltratavam-me. Uma vez, quando vivia com um sargento do Regimento de Polícia, ele chegou em casa embriagado, tendo jogado e perdido tudo, queria obrigar-me a lhe dar trinta mil-réis, fosse como fosse.

Quando lhe disse que não tinha e o dinheiro das roupas que eu lavava, só chegava naquele mês para pagar a casa, ele fez um escarcéu. Descompôs-me. Ofendeu-me. Por fim, cheio de fúria agarrou-me pelo pescoço, esbofeteou-me, deitou-me em terra, deixando-me sem fala e a tratar-me no hospital. Um outro – um malvado em cujas mãos não sei como fui cair – certa vez, altercamos, e deu-me uma facada do lado esquerdo, da qual ainda tenho sinal!

Ah! Tem sido um tormento... Bem me dizia minha mãe: toma cuidado, minha filha, toma cuidado. Esses homens só querem nosso corpo por segundos, depois vão-se e nos deixam um filho nos quartos, quando não nos roubam como fez teu pai comigo...

– Como?... Como foi isso? interrogou admirado o coronel.

– Não sei bem como foi, retrucou ela. Minha mãe me contava que ela era honesta; que vivia na cidade do Cabo com seus pais, de cuja companhia fora seduzida por um caixeiro português que lá aparecera e com quem veio para o Recife. Nasci deles e dois meses ou mais depois do meu nascimento, meu pai foi ao Cabo liquidar a herança (um sítio, uma vaca, um cavalo) que coubera à minha mãe por morte de seus pais.

Vindo de receber a herança, partiu dias depois para aqui e nunca mais ela soube notícias dele, nem do dinheiro, que, vendido o herdado, lhe ficara dos meus avós.

– Como se chamava teu pai? indagou o comendador com estranho entono.

– Não me lembra bem; era Mota ou Costa... Não sei... Mas o que é isso? disse ela de repente, olhando o comendador. Que tem o senhor?

– Nada... Nada... retrucou o comendador experimentando um sorriso. Você não se lembra das feições desse homem? interrogou ele.

– Não me lembro, não. Que interesse! Quem sabe que o senhor não é meu pai? gracejou ela.

O gracejo caiu de chofre naqueles dois espíritos tensos, como uma ducha frigidíssima. O coronel olhava o comendador que tinha as faces em brasa; este, àquele; por fim depois de alguns segundos o coronel querendo dar uma saída à situação, simulou rir-se e perguntou:

– Você nunca mais soube alguma coisa... qualquer coisa ? Hein?

– Nada... Que me lembre, nada... Ah! Espere... Foi... É. Sim! Seis meses antes da morte de minha mãe, ouvi dizer em casa, não sei por quem, que ele estava no Rio implicado num caso de moeda falsa. É o que me lembra, disse ela.

– O que? Quando foi isso? indagou pressuroso o comendador.

A mulata, que ainda não se havia bem apercebido do estado do comendador, respondeu ingenuamente: – Mamãe morreu em setembro de l893, por ocasião da revolta... Ouvi contar essa história em fevereiro. É isso.

O comendador não perdera uma sílaba; e, com a boca meio aberta, parecia querê-las engolir uma e uma; com as faces congestionadas e os olhos esbugalhados, a sua fisionomia estava horrível.

O coronel e a mulata, extáticos, estuporados, entreolhavam-se.

Durante um segundo nada se lhes antolhava fazer. Ficaram como idiotas; em breve, porém, o comendador, num supremo esforço, disse com voz sumida:

– Meu Deus! É minha filha! 

Conto escrito em 1904 e publicado inicialmente na primeira edição de Triste fim de Policarpo Quaresma (1911).


 ⁠A morte tem a virtude de ser brusca, de chocar, mas não corroer, como essas moléstias duradouras nas pessoas amadas; passado que é o choque, vai ficando em nós uma suave recordação do ente querido, uma boa fisionomia sempre presente aos nossos olhos.


Ainda estudante da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, onde entrou em março de 1897, o escritor mulato Lima Barreto desiste de participar de uma estudanta, ato de rebeldia dos alunos da escola de elite. Consciente do racismo, Lima explica em conversa com um colega o motivo que o levou a desistir de pular o muro em companhia de seus colegas para assistir a uma montagem da ópera Aída de Verdi no Teatro Lírico:
“Todos haviam topado a estudantada. Todos, menos Lima Barreto. Este não tivera a coragem de pular o muro. Depois do ensaio geral, Nicolao Ciancio teve de ir sozinho para casa — a pensão de Madame Parisot. E ali chegando, cantarolando, como bom italiano, os últimos trechos de Aída, encontrou o amigo deitado, lendo. O diálogo que se seguiu e vai adiante transcrito foi reconstituído pelo próprio Nicolao Ciancio. Ei-lo sem alteração de uma vírgula:
 — Por que você não veio?
— Para não ser preso como ladrão de galinha!
— ?!
— Sim, preto que salta muros de noite só pode ser ladrão de galinhas!
— E nós, não saltamos?
— Ah! Vocês, brancos, eram ‘rapazes da Politécnica’. Eram ‘acadêmicos’. Fizeram uma ‘estudantada’… Mas, eu? Pobre de mim. Um pretinho. Era seguro logo pela polícia. Seria o único a ir preso”.

(extraído do livro A Vida de Lima Barreto, de Francisco de Assis Barbosa)



5 comentários:

  1. TVs/políticos, jornais, etc, neste sábado, simplesmente IGNORARAM as manifestações por todo Brasil contra "FRAUDE" e a CENSURA rolando solta. Que momento triste.

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    1. Mas quando vão lá fazer reportagem os trabalhadores das emissoras são agredidos pelos "cidadãos de bem"...

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    2. Bloquearam também o site do tribunal, que voltou ao ar com dados alterados. Muito suspeito.

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  2. stf/tse é a central de fake news do brazil

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