Sexta, 11 de outubro de 2024




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A antiga luta contra a censura não era motivada
por um princípio moral; era, antes de mais nada,
expressão do ressentimento de
a censura ter sido feita por outros.



nesta sexta,
a cesta do
j.p. da fontoura


TEXTOS DE
JOÃO PAULO
DA FONTOURA*








ERICO VERISSIMO E
O TEMPO E O VENTO




Caro amigo leitor, na cesta desta semana permita-me desviar um pouco das linhas que aqui tenho traçado  semanalmente e passear por uma senda bem mais leve, a análise de um romance histórico que marcou (e ainda marca, penso!) indelevelmente a literatura brasileira, latino-americana e mundial, o romance O Tempo e o Vento, magistral, seminal obra do nosso escritor cruz-altense, um romance para todos, um romance para sempre.


Uma pequena bio

Erico nasceu lá no distante 1905, no município de Cruz Alta, a noroeste do nosso estado, e faleceu em Porto Alegre em 1975.

Morreu com 70 anos (merecíamos que vivesse mais) em consequência de problemas cardíacos. Alguns anos antes, ele já tinha tido um infarto. Recuperado, não nos poupou de descrever o acidente em seu livro Solo de Clarineta, aos detalhes, mas de uma forma leve, meio que bulindo com o quase desastre.

Foi neto do Doutor Franklin Veríssimo, um médico muito conceituado na região, rico, dono de um casarão em Cruz Alta, e que legou aos filhos, patrimônio e cultura. Lamentavelmente, como descrito algures, o pai do Érico, o farmacêutico Sebastião Veríssimo da Fonseca, era muito complicado e também perdulário.

Mas, enquanto ainda havia patrimônio e dinheiro, o menino Erico pode crescer em um ambiente confortável e culto.

Seus pais (a mãe era a dona de casa Abegahy Lopes) possuíam uma ampla biblioteca com mais de dois mil livros.

(Com esse mar de livros à disposição, não à toa despertou precocemente o interesse do Erico por livros e literatura. Com 13 anos, já lia obras dos brasileiros: Aluísio de Azevedo, Joaquim Manoel de Macedo, Euclides da Cunha, Monteiro Lobato, Coelho Neto, Oswald de Andrade, Mário de Andrade e muitos mais. Dos estrangeiros: Leon Tolstoi, Balzac, Proust, Émile Zola, Walter Scott, Dostoievski, Oscar Wilde, Friedrich Nietzsche, Aldous Huxley, Eça de Queirós.)

Sebastião era apreciador de música clássica, e a família possuía alguns luxos como gramofone e discos. Certamente daí saiu o gosto do Erico por música, que ele descreve repetidamente em seus livros, inclusive nomeando um como ‘Solo de Clarineta’. Já em seus anos finais, Erico curtia ouvir a rádio da Universidade e sua programação erudita em termos musicais.

Teve dois irmãos: Enio e Maria, sendo esta adotiva, e primos alguns com destaque na sociedade gaúcha, sendo o mais famoso o conceituado cardiologista Dr. Franklin Veríssimo, falecido em 1990.

Em 1920, com 15 anos, vem para Porto Alegre para complementar estudo básico no Colégio Cruzeiro do Sul, hoje extinto. Dois anos depois, com seus pais já separados, volta para Cruz Alta.

São tempos difíceis, de aperto, com sua mãe e irmãos morando na casa dos avós maternos.

O pai faliu, perdendo entre outros bens a propriedade da farmácia, que era, na realidade da época, farmácia e um pequeno hospital.


Então, o futuro maior nome da literatura gaúcha tem que ajudar no orçamento da família trabalhando com um tio, depois numa seguradora, e por fim no Banco Nacional do Comércio.

Em 1927, entra como sócio numa farmácia, mas acaba por falir em 1930, deixando dívidas, muitas, a serem pagas.

Por essa época, o nosso Erico já se arriscava em escrever alguns contos e os enviar a Porto Alegre, onde são publicados na Revista do Globo e no Correio do Povo.

Em 1930, vem definitivamente para a capital gaúcha, com o determinado objetivo de viver à custa de seus contos, textos e literatura.

Inicia sua retumbante carreira como secretário de redação da poderosa Revista do Globo, da Editora Globo, um canhão em termos de poder na área da editoração, impressão, e distribuição de livros, a maioria estrangeiros.

Lá encontrou, entre outros, o Mário Quintana que traduzia para o nosso português sucessos literários estrangeiros em inglês, alemão e francês.

Erico, não ficou para trás, já em 1933 traduziu o sucesso mundial Counter Point – Contraponto – do então famoso Aldous Huxley. Também nesse mesmo ano teve seu primeiro romance publicado, Clarissa.

Com a relativa estabilidade financeira alcançada, já em 1932 ele havia voltado a Cruz Alta para casar-se com sua companheira de toda a vida ( nesse caso, a fruta caiu longe do pé), Mafalda, e com ela tiveram dois filhos, Clarisse e Luís Fernando.

E por aqui paro. Se seguir, teremos um livro! 

O Tempo e o Vento


Eu, como leitor, sou um apaixonado pelo estilo de escrita romance histórico, pois em um só pacote tenho um combo: o romance em si e o registro de eventos da História. Nesta, o autor tem a possibilidade de adjetivar, opinar, tomar partido sobre determinados personagens (da História) na medida em que insere na obra personagens ficcionais que funcionam como alter ego seu ou de alguém da sua relação.

A mim, pelo que li no romance autobiográfico Solo de Clarineta, fica muito claro que o capitão Rodrigo Cambará – personagem com uma carga de humanidade explosiva: instável, mulherengo, brigão – é baseado no seu pai.
 

(Há uma cena descrita no Solo de Clarineta que é de fazer qualquer ser humano chorar – eu incluso: Erico, magoado com seu pai, que já estava separado de sua mãe depois de tanto a humilhar com repetidas traições, mentiras, agressões, etc., envia-lhe uma carta prenhe de acusações, mágoas e indignações. O pai recebe-a, lê e a guarda no bolso de seu casaco. Consegue avisá-lo que está indo para São Paulo para participar da Revolução de 1932. Pouco antes da sua partida, pai e filho encontram-se na estação férrea. Sebastião, então, depois dos protocolares cumprimentos, olhos embargados de emoção, retira a carta dobrada do bolso e a entrega ao filho com um só pedido: rasgue-a. Despede-se, entra no trem e segue para São Paulo. Erico nunca mais viu seu pai, que parece ter retornado para Santa Catarina e ali ter falecido na década de 1950.)

Eu tenho dois vícios: torcer para o meu Inter e ler livros. Um vício só me dá prazer; bem..., já o outro... deixemos de lado!

De quando em vez, algum amigo questiona-me sobre quais os livros mais legais, os que mais gostei de ler. É uma resposta difícil, pois são tantos os bons livros que já tive em mãos. Mas não me furto de responder os três que mais curto: Os Tambores de São Luís, do maranhense Josué Montello; O Cortiço, do também maranhense Aloísio Azevedo; e O Coronel e o Lobisomem, do fluminense José Cândido de Carvalho. (Quem diz que o Maranhão só produz drogas?)

Opa, mas, João, ué, e o Tempo e o Vento?

Easy my friend: O Tempo e o Vento é um Pelé literário, não entra nessas listas!

Assim como o Pelé, é hors-concours, está sacralizado no alto da prateleira, um deus literário no Olimpo!

O Tempo e o Vento segue na linha dos grandes romances históricos da humanidade, começando bem lá atrás, na Grécia Antiga, século VIII a.C, com os clássicos Ilíada e Odisseia, de Homero; depois, dando um pulo grande, o magnífico Guerra e Paz, um calhamaço com 1200 páginas do russo Leon Tolstói (mesmo assim menor que o do nosso Erico), baseado na invasão de Napoleão à Rússia em 1812; depois, E o Vento Levou, da americana Margaret Mitchell, que romanceia a Guerra da Secessão Americana de 1861.

Temos também nessa linha Cem anos de Solidão, do colombiano Gabriel García Márquez, que conta parte da história da formação da Colômbia, num estilo pouco diferente destes anteriores, ‘realismo fantástico’, e que, conforme depoimento do autor ao Jô Soares em seu programa de TV baseou-se em O Tempo e o Vento, não sem antes tê-lo estudado profundamente, para cometer seu romance best-seller mundial – mais de 40 milhões de livros vendidos.

A primeira vez que li esta obra, eu a fiz na minha querida São Leopoldo, onde morava com meus familiares, pego do acervo da biblioteca municipal dirigida pelo senhor João, um bibliotecário prático que tratava todos nós, ávidos neófitos leitores, com presteza, gentileza e carinho. Tinha uns 15 anos mais ou menos. Peguei um tomo já pelo meio do romance e depois retomei pelo início, O Continente, iniciando pelo capítulo um, O Sobrado.

Este romance, li, reli, tresli em seu todo!

Nesta última semana, ao acaso, passo e pego na biblioteca da minha Taquari um livro com 656 páginas com o título O Tempo e o Vento – parte I, editado pela Companhia das Letras em 2004, com os Volumes I e II de O Continente; li-o na levada de uma semana. Depois deste, escrito em 1945 e publicado em 1949, há mais dois tomos: O Retrato e o Arquipélago.

Se alguém tiver interesse nesta obra, aconselho ter o cuidado de iniciar por este que acabo de ler, O Continente, pois é claramente ‘um livro que tem unidade própria e pode ser lido como livro independente’, conforme diz sabiamente a professora doutora Regina Zilberman, em prefácio.

Esta obra, dividida em sete segmentos não lineares (ou seja, a narrativa passeia pelo tempo), conta a história das famílias Terra, Cambará, Amaral, Caré, e as disputas por poder e terras.

Inicia em uma noite fria de julho de 1895, quando os federalistas maragatos liderados por Bento Amaral cercam o Sobrado da família Terra onde Rodrigo Cambará (o neto do capitão Rodrigo), intendente e chefe político republicano da vila de Santa Fé, encastelado com sua família e um grupo de correligionários, oferece uma resistência à toda prova para não entregar Santa Fé ao inimigo.

Para quem gosta de História, uma maravilha.

(Este segmento do livro foi roteirizado e virou um filme, em PB, de 1956, com o ator Fernando Baleroni fazendo o papel do Licurgo Cambará, o Lima Duarte, o papel do Fandango, etc. Acho que é encontrado no YouTube.)

Nesses dois tomos, a pena do Erico descreve todos os eventos guerreiros da formação do Continente de São Pedro, desde a fundação da Colônia do Sacramento em 1680, passando pela destruição das Missões pelos exércitos combinados de Portugal e Espanha, em 1756, pela guerra platina (Uruguai) de 1823, seguindo pela Revolução Farroupilha de 1835, depois a guerra contra Oribe e Rosas em 1851, com a intervenção militar brasileira na questão sucessória uruguaia, a Guerra do Paraguai, em 1864, e, por fim, acabando no ano de 1895 com os eventos finais da Guerra Federalista.

O ponto central do romance é a mítica Santa Fé (maquete), o povoado, e depois vila, criado pela mente genial do Erico, e aonde Ana Terra, grávida de seu filho Pedro, decide em desespero escafeder-se depois de ter toda sua família morta por um bando livre de bandidos castelhanos.

Perguntinha aos preclaros leitores: onde ficaria Santa Fé?

No romance há duas pistas, fica entre Rio Pardo e Cruz Alta e não é cortada por rios.


*joão paulo da fontoura é escritor e historiador diletante, membro da ALIVAT – Academia Literária do Vale do Taquari, titular da cadeira nº 26.


3 comentários:

  1. Muito bom, muita riqueza de informações. Imaginem a obra prima de Érico Verissimo ter sido uma das estudadas por um Prêmio Nobel de Literatura...

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  2. Nossa quantas informações que nos deixam com vontade de quero mais. Muito boa a narrativa. Gratidão por esta entrega. Escrita e leitura leve. Parabéns. Sucesso sempre. Carinhoso abraço. Paz bem e luz

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  3. O simples fato de dedicares teu tempo, além de ler a obra, também conhecer a vida do autor e nós transcrever esse conhecimento é digno de aplausos. Somente, como disseste, um leitor apaixonado assim procede.

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