Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
...
ANDO DEVAGAR
PORQUE NÃO TENHO PRESSA
...
ANDO DEVAGAR
PORQUE NÃO TENHO PRESSA
SE EU NÃO INSISTIR...
Continuo com o pepino me cutucando. Por isso peço a contribuição de todos.
Segue a vaquinha. Tenho que tentar chegar perto do necessário para atender a determinação judicial que me condenou por escrever verdades.
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especial
Nesta sexta, uma cesta de
RICARDO AZEREDO
"Reportagem em TV foi a minha vida por cerca de 30 anos. Também trabalhei em rádio, apresentei telejornais, editei jornais impressos, dirigi assessorias de imprensa, departamentos de telejornalismo, produzi videos institucionais, campanhas políticas e uma série de outras atividades ligadas à comunicação, da linha de frente nas ruas à gestão. Fui também presidente da Fundação Piratini, que administra a TVE e a Rádio Cultura."
PARA QUEM GOSTA
DE UMA HISTORINHA
Direto do http://ricardoazeredo.com.br
PARA TUDO! ESSA CEGONHA É MINHA!
Jair Alberto, um tremendo repórter cinematográfico, faleceu neste ano |
Quando o cinegrafista é “encarnado”, ou seja, teimoso até as últimas consequências para obter a imagem que quer, não tem jeito. Melhor deixar o cara trabalhar, que ele vai dar um jeito de conseguir o take desejado. Ou pelo menos o melhor possível.
Me acostumei com a obstinação fundamentalista do repórter cinematográfico Jair Alberto. Embora tivéssemos trabalhado juntos na RBSTV, foi na Band RS, algum tempo depois, que nossa sintonia foi realmente afinada.
Éramos a equipe responsável pelas gravações do programa de reportagens especiais semanal “O Rio Grande que dá certo”.
Em 2004, estávamos na unidade da General Motors em Glorinha, à margens da BR 101 (que a gauchada só consegue chamar de Freeway) colhendo imagens para um programa sobre a indústria automotiva no sul.
Depois de gravar linha de produção, testes, depoimentos, etc, faltava a imagem final: o embarque dos carros prontos para o mercado.
Era uma operação cronometrada, que seguia padrões rígidos de timing, controlados com mão de ferro pelos encarregados de fiscalizar o embarque dos carros novinhos em folha nos caminhões cegonha, que tinham hora certa para ganhar a estrada e chegar ao seu destino.
No pátio junto ao grande portão de saída da fábrica, funcionários carrancudos anotavam em planilhas o ritmo dos embarques, marcando o tempo que os motoristas da empresa levavam para subir a rampa da cegonha e acomodar cada Celta no seu lugar. Apontavam o tempo que outros funcionários levavam para “amarrar” os carros na estrutura e o horário de saída pelo portão principal, acelerando o processo com ordens quase gritadas, como sargentos ensandecidos atucanando um grupo de recrutas destrambelhados.
Nada podia sair do ritmo. Aquela unidade industrial era modelo mundial e seguia regras draconianas.
Mas eles não conheciam o Jair Alberto.
Como estávamos de saída, tomando o rumo do estacionamento para ir embora, a assessoria de imprensa que havia nos acompanhado o tempo todo já tinha nos deixado.
Perguntei ao responsável pela área quantos caminhões faltavam partir. Sem tirar os olhos da prancheta, ele apontou para um Scania que roncava alto, esperando a abertura do portão, como se fosse um cavalo de corrida impaciente no partidor.
– Esse aí é o último de hoje. Já tá carregado e tá saindo agora mesmo.
Jair se virou para mim, com os olhos arregalados pela resposta, mirou o caminhão, e bradou:
– Mas não mesmo! Essa cegonha é minha!
Parou na frente do caminhão, com uma mão segurando a câmera apoiada no ombro, e a outra abanando freneticamente para o motorista, que não estava entendendo nada.
– Para aí papai, não avança não, agora é comigo!
O fiscal ao meu lado ficou paralisado diante da cena. Parecia não saber o que fazer. Era algo tão inusitado que ficou por alguns instantes meio catatônico, vendo aquele negão alto e barbudo assumindo o controle da operação, dando ordens com o vozeirão que ativava sempre que queria controlar a situação.
Tentei tranqüilizá-lo e dar alguma margem para o Jair fazer o que queria antes que a segurança fosse acionada:
– Fica tranquilo chefe, a direção tá sabendo, é só por alguns instantes.
Ele ficou me olhando ainda meio embasbacado. E balbuciou um “Tá bom” quase inaudível.
Na boléia do caminhão, o motorista estava atônito. Jair subiu no estribo da cabine:
– Olha só amigo, eu só vou gravar umas imagens dos carros embarcando, é vapt- vupt!
– Mas os carros já tão embarcados!
– Fica frio, vão embarcar tudo de novo! Olha lá o meu repórter, já acertou tudo com o teu chefe!
Desceu do estribo, olhou para os motoristas que assistiam a tudo, e gritou de longe mesmo:
– Vocês aí, sobe lá, tira os carros e sobe tudo de novo. Vamulá, vamulá, rápido, rápido, não dá pra ficar aqui o dia todo! Bora, bora, papai!!
Fui me afastando devagarinho do fiscal que observava tudo sem dizer nada. E deixei Jair à vontade pra fazer o seu show.
Como se fossem obedientes escoteiros, uns quatro ou cinco motoristas subiram na cegonha, desamarraram os Celtas atados na parte de baixo, baixaram a rampa metálica, acionaram os motores e desembarcaram os carros, formando uma fila atrás do caminhão.
Permaneceram aos volantes olhando para o Jair, esperando ordens. Pareciam hipnotizados.
“Atenção, olhando pra mim”, gritava Jair, já com o olho no wiewfinder (visor) da câmera, ajustando o foco. O braço esquerdo estava esticado para cima, para dar o sinal de largada.
– Agora, vai, um de cada vez, bem devagar, pra eu poder gravar bem bonito e não ter que fazer de novo!
E um a um os carros foram subindo a rampa. Os motoristas não tiravam os olhos do Jair, como se temessem levar uma bronca.
A operação toda levou uns 10 minutos. Se provocou ou não uma catástrofe no cronograma de despacho da GM, nunca soubemos. Mas na reportagem, a obstinação do Jair fez toda diferença!
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CARA A CARA COM OS PUMAS!
Estávamos gravando um Globo Repórter na Argentina. Era o primeiro programa inteiramente produzido pela RBSTV . Eu era o repórter. Na câmera, Eduardo Mendes, tendo como auxiliar técnico Felipe Silveira, que também era o motorista. Na coordenação da equipe, o editor do Núcleo Globo da RBSTV, Saulo de La Rue.
Era o inverno de 2002. A pauta, uma aventura ambiciosa: uma viagem pelos Andes, partindo de Uruguaiana, no RS, atravessando a Argentina e indo até Deserto de Atacama, no norte do Chile. Um mês de estrada.
Um dos principais destaques da reportagem era o perigoso trajeto pela rodovia que subia os picos da cordilheira entre a Argentina e o Chile.
No inverno, as nevascas freqüentemente bloqueiam a estrada. Havia muitas histórias de gente que ficou isolada em algum trecho inóspito nas alturas, e que, ao sair dos seus veículos, acabou sendo atacada pelos pumas. Um dos maiores felinos das Américas, a fera, típica da região, vai longe em busca de alimento na escassez do inverno, e acaba se aproximando das rodovias.
Como era esperado, a neve impediu nossa subida. Existe um sistema de alerta da polícia rodoviária argentina que monitora permanentemente o clima. Ao detectar risco de nevascas, as autoridades retém o tráfego nas cidades localizadas mais abaixo na Cordilheira, para impedir que motoristas fiquem isolados e morram de frio, ou fiquem à mercê das feras nas montanhas. O mesmo acontece no lado chileno.
Ficamos aguardando que o tempo melhorasse, estacionados num posto de combustíveis à margem da rodovia em Mendoza, na Argentina. Era um concorrido ponto de concentração de caminhoneiros. Observamos alguns caminhões que chegavam do Chile, com as lonas e caçambas sobrecarregadas com grossas camadas de neve.
Os motoristas traziam relatos assustados com a situação. Falavam do medo de ficar parados e congelar nas cabines. Desembarcar para fazer necessidades, nem pensar: com os pumas por perto, era melhor ficar trancado na boléia, segurar o apuro ou se aliviar numa garrafinha.
A estrada só foi liberada no dia seguinte. Subimos a cordilheira passando por vários caminhões que derramavam sal na pista, artifício que atenua a formação de gelo sobre o asfalto. Helicópteros de resgate sobrevoavam todo o trajeto, de prontidão para alguma emergência.
No inverno, as nevascas freqüentemente bloqueiam a estrada. Havia muitas histórias de gente que ficou isolada em algum trecho inóspito nas alturas, e que, ao sair dos seus veículos, acabou sendo atacada pelos pumas. Um dos maiores felinos das Américas, a fera, típica da região, vai longe em busca de alimento na escassez do inverno, e acaba se aproximando das rodovias.
Como era esperado, a neve impediu nossa subida. Existe um sistema de alerta da polícia rodoviária argentina que monitora permanentemente o clima. Ao detectar risco de nevascas, as autoridades retém o tráfego nas cidades localizadas mais abaixo na Cordilheira, para impedir que motoristas fiquem isolados e morram de frio, ou fiquem à mercê das feras nas montanhas. O mesmo acontece no lado chileno.
Ficamos aguardando que o tempo melhorasse, estacionados num posto de combustíveis à margem da rodovia em Mendoza, na Argentina. Era um concorrido ponto de concentração de caminhoneiros. Observamos alguns caminhões que chegavam do Chile, com as lonas e caçambas sobrecarregadas com grossas camadas de neve.
Os motoristas traziam relatos assustados com a situação. Falavam do medo de ficar parados e congelar nas cabines. Desembarcar para fazer necessidades, nem pensar: com os pumas por perto, era melhor ficar trancado na boléia, segurar o apuro ou se aliviar numa garrafinha.
A estrada só foi liberada no dia seguinte. Subimos a cordilheira passando por vários caminhões que derramavam sal na pista, artifício que atenua a formação de gelo sobre o asfalto. Helicópteros de resgate sobrevoavam todo o trajeto, de prontidão para alguma emergência.
No inverno, as nevascas freqüentemente bloqueiam a estrada. Havia muitas histórias de gente que ficou isolada em algum trecho inóspito nas alturas, e que, ao sair dos seus veículos, acabou sendo atacada pelos pumas. Um dos maiores felinos das Américas, a fera, típica da região, vai longe em busca de alimento na escassez do inverno, e acaba se aproximando das rodovias.
Como era esperado, a neve impediu nossa subida. Existe um sistema de alerta da polícia rodoviária argentina que monitora permanentemente o clima. Ao detectar risco de nevascas, as autoridades retém o tráfego nas cidades localizadas mais abaixo na Cordilheira, para impedir que motoristas fiquem isolados e morram de frio, ou fiquem à mercê das feras nas montanhas. O mesmo acontece no lado chileno.
Ficamos aguardando que o tempo melhorasse, estacionados num posto de combustíveis à margem da rodovia em Mendoza, na Argentina. Era um concorrido ponto de concentração de caminhoneiros. Observamos alguns caminhões que chegavam do Chile, com as lonas e caçambas sobrecarregadas com grossas camadas de neve.
Os motoristas traziam relatos assustados com a situação. Falavam do medo de ficar parados e congelar nas cabines. Desembarcar para fazer necessidades, nem pensar: com os pumas por perto, era melhor ficar trancado na boléia, segurar o apuro ou se aliviar numa garrafinha.
A estrada só foi liberada no dia seguinte. Subimos a cordilheira passando por vários caminhões que derramavam sal na pista, artifício que atenua a formação de gelo sobre o asfalto. Helicópteros de resgate sobrevoavam todo o trajeto, de prontidão para alguma emergência.
Algumas horas depois paramos em um “parqueadero”, local onde os caminhoneiros estacionam para descansar. Ouvimos ali mais algumas histórias sobre os perigos daquela rota, incluindo a ameaça dos pumas. Colhemos vários depoimentos.
E agora? Como contar essas histórias sem a participação do bicho? Imagens de arquivo tipo Animal Planet seriam uma saída frustrante.
ONDE ARRUMAR PUMAS SELVAGENS PARA A CENA IDEAL?
Quem tem experiência em reportagens sobre vida selvagem sabe que é extremamente difícil fazer imagens de felinos em seu habitat natural. São muito arredios e desaparecem quando percebem de longe a presença humana. As raras aparições só acontecem quando a escassez de alimentos os leva a se aproximar de fazendas. Ou quando o cinegrafista tem tempo para ficar semanas camuflado em algum buraco à espera do flagrante de alguns segundos.
Foi quando tivemos a ideia de perguntar a um guia turístico da região se havia algum zoológico por perto. A resposta foi bastante animadora: na província de San Luis, a uns 200km de onde estávamos, havia uma área de preservação onde pumas eram mantidos numa espécie de viveiro que reproduzia o ambiente natural.
“Tá resolvido! Vamos até lá e gravamos imagens deles, mesmo que sejam animais em cativeiro. Depois a gente dá um jeito de explicar”, eu disse, exultante.
O Parque La Florida é uma reserva ecológica estadual onde pumas são mantidos em cativeiro para que se reproduzam e depois sejam reintroduzidos na natureza. A espécie está sob ameaça de extinção. A sanha dos caçadores fez os pumas passarem de predadores a presas.
Fomos recebidos pelo administrador, Carlos Escobares, um tipo muito simpático, com a pele morena e a cabeleira negra e farta típica dos andinos.
Explicamos nossa missão e perguntamos se haveria problemas em fazer imagens dos pumas que eram mantidos ali.
“Problemas? Não, nenhum. Venham conhecer a Margarita!”
Nos levou a uma jaula de telas grossas, um espaço de cerca de 8x8m com pedras e uns arbustos simulando o habitat natural do puma.
Ali vivia Margarita, uma puma tão feroz que era mantida isolada.
Assim que viu nossa equipe se aproximando o bicho assumiu posição de ataque, rosnando ameaçadora com as orelhas deitadas para trás e os enormes dentes à mostra. Olhei para o administrador do parque e perguntei:
“Não é melhor gravar meio afastado da tela?”
Ele sorriu e fez um sinal como quem diz “esperem aí e vejam!”.
Para nossa total surpresa Carlos calmamente abriu a jaula e entrou.
A enfezada Margarita foi até o homem como um gatinho e passou a ronronar com a cabeça apoiada na perna dele, que agachado fazia despreocupados cafunés na fera.´
“Tudo é uma questão de carinho, de fazer um joguinho com o animal”, dizia ele para a câmera – o repórter cinematográfico Eduardo Mendes não perdeu tempo e começou a gravar na hora em que Carlos entrou na jaula. Vai que a puma perde a linha…
Ele sai, dá um tchauzinho para Margarita e nos pergunta se queremos mais pumas.
CARA A CARA COM AS FERAS
Diante do brilho nos olhares da equipe, nos leva até uma espécie de viveiro, muito maior que o da Margarita. No espaço com um pequeno morrinho no meio, árvores, rochas e vegetação rasteira, viviam quatro pumas adultos. Três nasceram no Parque La Florida.
O cenário, embora de confinamento, era perfeito para mostrar os felinos em seu habitat.
“Pena que tem a tela atrapalhando as imagens”, comentei. Carlos resolveu a questão no ato:
– Não seja por isso. Vamos todos lá pra dentro!
Parecia piada, mas não era. Chamou pelo rádio dois funcionários que logo chegaram carregando baldes com carne de cavalo fresca.
“Não se preocupem, antes de vocês entrarem a gente joga uns bifes pra eles. E aí os pumas não vão incomodar.”
Ficamos pensando no que ele quis dizer com “incomodar”…
Topamos o desafio e entramos. Com os olhos arregalados, mas entramos.
Ficamos bem agrupados junto da porta, que ficou entreaberta para o caso de todo mundo ter que sair voando dali de dentro.
Sentíamos um misto de tensão e fascínio. Permanecemos em grupo, sussurrando e gravando com a câmera no tripé.
Fomos ganhando confiança e pedimos para os funcionários jogarem os pedaços de carne mais perto de nós para garantir uns bons closes.
Os pumas vinham a menos de três metros do nosso grupo. Desconfiados, eles abocanhavam os bifões e se afastavam.
Satisfeitas com a refeição tão imprevista quanto bem vinda (e providencial para nós), as feras se afastaram para ceder à preguiça pós-almoço na sombra sob os arbustos.
Aproveitamos para gravar muitas imagens de pumas bocejando, subindo e descendo o morrinho, espreitando entre os arbustos, olhando para nós com ar de superioridade. Um belo clip à là National Geographic. Ou quase isso.
Na edição final, o texto em off citava a ameaça dos pumas em clima de suspense, mostrando, com o reforço de uma trilha musical tensa, as feras como se estivessem à solta em busca de presas fáceis. Só mais adiante na reportagem, depois de criada a sensação de medo que o roteiro pedia, a narrativa explicava que os bichos “flagrados”estavam em cativeiro para fins de proteção da espécie.
A encenação funcionou perfeitamente no ponto em que era necessária na reportagem, preservando o clima da narrativa e a verdade.
Todo mundo saiu ganhando. Incluindo os pumas, felizes e empanturrados.
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