Sexta, 15 de julho de 2022


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especial

Nesta sexta, uma cesta
de Geraldo Carneiro! 


O filho da poesia marginal



“um dia hei de ser múltiplo de mim/ do fim até o princípio"


todo poeta nasce um pouco póstumo / como volúpia de vencer a morte.


Com seu obstinado esforço de embranquecimento, Machado de Assis foi uma espécie de precursor de Michael Jackson.







Geraldo Carneiro (Geraldo Eduardo Carneiro)  nasceu - “como muitos dos melhores cariocas, em Minas” - em Belo Horizonte no dia 11 de junho de 1952. Aos 3 anos já estava morando no Rio de Janeiro e desde jovem se dedicou a poesia, foi letrista e dramaturgo, além de roteirista.


Geraldo ficou conhecido como compositor desde o final dos anos 60, por suas parcerias com o compositor Eduardo Souto Neto, gravadas por diversos intérpretes, como a canção Choro de Nada, gravada por Vinicius de Moraes e Toquinho, em 1975, e por Antônio Carlos Jobim e Miúcha, em 1978. Nos anos 70 firmou parceria com Egberto Gismonti, Astor Piazzolla, John Neschling, Francis Hime, Wagner Tiso, entre outros.


Participou do movimento “poesia marginal”, tendo estreado em livro quando ainda estudante de Letras na PUC-Rio, em 1974, ao lado dos poetas Cacaso, Francisco Alvim, João Carlos Pádua e Roberto Schwarz, pela coleção Frenesi, à qual o poeta deu nome, inspirado num filme de Alfred Hitchcock. Publicou posteriormente os livros Verão Vagabundo (80), Piquenique em Xanadu (1988, Prêmio Lei Sarney de Melhor Livro de Poesia do Ano, conferido por um júri presidido pelo crítico Antonio Candido), Pandemônio (93), Folias Metafísicas (95), Por Mares Nunca Dantes (2000), Lira dos Cinquent’anos (2002), Balada do Impostor (2006) e Poesia Reunida (2010). Seu último livro é Folias de Aprendiz.


Publicou ainda Vinicius de Moraes: a Fala da Paixão (Ed. Brasiliense, 1984) e Leblon: a Crônica dos Anos Loucos (RioArte-Relume-Dumará. 1966). Traduziu sonetos de William Shakespeare, na coletânea Sonhos da Insônia (1977), publicada em parceria com Carlito Azevedo. O livro foi ilustrado em 1997 pelo ator e humorista Bento Ribeiro, filho do escritor João Ubaldo Ribeiro. Em 2016, lançou Subúrbios da Galáxia, uma antologia de seus escritos em quatro décadas de produção.]


Participou do grupo "A Barca do Sol", grupo aproximado do rock progressivo, onde era um dos compositores. É parceiro de Egberto Gismonti, Astor Piazzolla, Francis Hime, Wagner Tiso, John Neschling, Nando Carneiro e outros compositores, sendo também gravadas por Ney Matogrosso, Lenine, Michel Legrand, Olivia Byington, Zé Renato, Olívia Hime, Cauby Peixoto, Fafá de Belém, Leila Pinheiro, Gal Costa, As Frenéticas, Jane Duboc e Zezé Motta.


Para o teatro escreveu Lola Moreno, parceria com Bráulio Pedroso (encenada em 1979 e 1982), Folias do Coração e Apenas Bons Amigos, parceria com Miguel Falabella, ambas encenadas em 1983; Divina Increnca e A Bandeira dos Cinco Mil Réis, ambas encenadas em 1986; Manu Çaruê (ópera performática com música de Wagner Tiso, encenada em 1992), Iluminada, 1992.

Traduziu A Tempestade, de William Shakespeare (encenada em 1982 e 1983 e publicada em 1991); adaptou Como Gostais, do mesmo autor (encenada em 1985 e publicada em 1986), além de Lúcia McCartney, de Rubem Fonseca 1987), Lulu, de Frank Wedekind (1989) e As 1001 Noites (1991). Do mesmo Shakespeare, traduziu ainda Antônio e Cleópatra (encenada em 2005) e Trabalhos de Amor Perdidos.



Como roteirista, escreveu Sônia: Morta & Viva, de Sérgio Waissman (Tucano de Ouro do FestRio II), Eternamente Pagu (em parceria com Márcia de Almeida), O Judeu (em parceria com Millôr Fernandes). Para a TV, adaptou diversas obras literárias para a série Brasil Especial (entre as quais O Santo que não acreditava em Deus, depois refilmada por Cacá Diegues como Deus É Brasileiro, A Desinibida do Grajaú, Lúcia McCartney e O Compadre de Ogum), escreveu as minisséries Tudo em Cima, exibida em 1985, e O Sorriso do Lagarto (adaptação do romance homônimo de João Ubaldo Ribeiro), exibida em 1991, participou da criação do programa Tamanho Família e da série Você Decide, da qual foi supervisor de texto. Escreveu a série para TV Faça sua História em parceria com João Ubaldo Ribeiro.


Em coautoria com Alcides Nogueira, adaptou a novela O Astro, um grande sucesso de Janete Clair, exibida em 1977. A nova versão de O Astro (2011), com apenas 60 capítulos, teve seu primeiro capítulo exibido em 12 de agosto de 2011. Foi uma homenagem da Rede Globo aos 60 anos da telenovela no Brasil.


Geraldo foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 27 de outubro de 2016, na sucessão de Sábato Magaldi. Ocupa a cadeira 24, cujo patrono é Júlio Ribeiro.




a voz do mar


Na nave língua em que me navego

só me navego eu nave sendo língua

ou me navego em língua, nave e ave.

eu sol me esplendo sendo sonhador

eu esplendor espelho especiaria

eu navegante, o anti-navegador

de Moçambiques, Goas, Calecutes,

eu que dobrei o Cabo da Esperança

desinventei o Cabo das Tormentas,

eu desde sempre agora nunca mais

cultivo a miração das minhas ilhas.

eu que inventei o vento e a Taprobana,

a ilha que só existe na ilusão,

a que não há, talvez Ceilão, sei lá,

só sei que fui e nunca mais voltei

me derramei e me mudei em mar;

só sei que me morri de tanto amar

na aventura das velas caravelas

em todas as saudades de aquém-mar.




iluminação

depois de outro verão em teus países baixos

onde vaguei funâmbulo e feliz

enquanto as almas conversavam lá no alto

no cordame de Notre Dame de L´Espoir,

a nau dos insensatos corações,

me vi no céu sob um dossel de estrelas

num carnaval de colombinas querubinas

e outros desses seres lá do Empíreo,

e pensei: de duas, uma:

ou os deuses te puseram por engano

à mercê de minhas maquinações

ou sou um místico ainda irrevelado,

um novo São João da Cruz,

e você é o meu Êxtase:

o resto são as drogas da estação


o espelho


do outro lado um estranho

faz simulações como se fosse

um demônio familiar

é sempre noite, um assassino sonha

com mulheres assassinadas em série

sob as palmeiras de Malibu

o mundo é só uma ficção plausível

a imagem que baila ao rés-da-lâmina

é um último e improvável vestígio

da existência de Deus

o resto são ecos de outras faces

gestos de espanto e despedida

a música dos relógios, a morte


Entrevista a concerto.com.br

Um doce exílio

Sobre o seu contato inicial com a música e a poesia, Carneiro contou que na infância lia os poetas “como se fosse um estrangeiro”, num misto de reverência e iconoclastia, relação que ainda persiste em sua memória afetiva, nas releituras (sensação de “adolescência permanente”) e sobretudo em sua grande liberdade de trabalho. “Eu nunca respeitei os orixás da poesia”, disse. 

Aprendeu piano e violão na juventude, mas seus amigos mais talentosos na música desde cedo lhe pediam letras, e acabou sendo “docemente exilado”. Essas parcerias, a seu ver, eram proveitosas para os dois lados, deixando à mostra apenas o melhor de cada um. “As letras dele eram ainda piores que as minhas músicas” – foi assim que descreveu a longa e frutífera parceria com Egberto Gismonti. 

Sua condição de “exilado”, no entanto, não o impede de fazer sugestões musicais. Ao enviar a Francis Hime a letra do que viria a ser a canção Pau Brasil, pediu que a música fosse o mais simples possível. E foi. No amalgamar das parcerias artísticas, um passa a ser a voz do outro. Muitas vezes o que se conhece previamente do compositor acaba influenciando as suas letras, como conta sobre Auto-retrato, parceria com Gismonti, que traz elementos da biografia do compositor: “Um dia no Japão/ Vi o sol na asa do avião”. 

Apesar de baseado na troca e no diálogo, o trabalho colaborativo não precisa, a seu ver, de interação o tempo todo.  Cita o exemplo bem-sucedido da parceria com Wagner Tiso na opereta Manu Çaruê, derivada de Mandu Çarará, de Villa-Lobos, onde a maior parte do trabalho foi de cada um em seu canto. 

“Pororoca simbólica”

Assim Carneiro descreveu o efeito desejado de outra de suas atividades: a tradução. O encontro das duas línguas precisa despertar algo de novo, mas o sentido precisa desaguar o mais inteiro possível no idioma de destino. É, em suas palavras, “um mundo vasto, uma experiência que dá fôlego”, especialmente se tratando de Shakespeare, de quem traduziu os 12 sonetos e várias peças, algumas com o máximo rigor, como A tempestade, outras onde podia se permitir algumas brincadeiras, como é o caso de As you like it, em que pôde incluir alusões a poemas e canções brasileiras famosas. Em se tratando de dramaturgia, considera o autor norte-americano Ezra Pound (1885-1972) “o único professor que se iguala” ao Bardo.

Na boca do cão

Carneiro também transita pelo teatro musical e pela ópera, sendo a peça Doce deleite, com música de John Neschling e protagonizada por Marília Pera e Marco Nanini, o mais célebre e longevo trabalho nessa área. Outro sucesso foi Lola Moreno, parceria com Neschling e Bráulio Pedroso. Sua primeira tentativa em dramaturgia musical foi o projeto de uma obra sobre Eva Perón, em parceria com Astor Piazzola, mas que acabou não se concretizando. 

Recentemente tem trabalhado em óperas de câmara, empreitada proposta pela soprano Gabriela Geluda. A primeira, Na boca do cão, estreada em 2017, é baseada em um episódio da infância de Geluda, em que teve a cabeça abocanhada por um pastor alemão. Carneiro considera poeticamente potente o fato de a menina, que felizmente escapou fisicamente ilesa, ter se tornado uma cantora lírica. Destaca que o compositor Sérgio Roberto de Oliveira soube assimilar muito bem as sugestões de seu texto, que entregou já pronto, especialmente no uso de um acorde perfeito maior na frase “eu não sou cachorro não”, em meio a um todo musical mais dissonante. A segunda ópera foi Migrações, com música de Beto Villares, e a terceira, em elaboração, está ainda sem título. 

A televisão também é outro de seus campos de trabalho, atuando há décadas como roteirista na Rede Globo. Na entrevista, citou seu trabalho na minissérie Lúcia McCartney, baseada no conto de Rubem Fonseca (também adaptado por ele para cinema e teatro).  

Minas mítica

A conversa do último sábado fez parte da programação do Ateliê de Criação em Dramaturgia Musical da Academia de Ópera do Palácio das Artes, promovida pela Fundação Clóvis Salgado, de Belo Horizonte, e com a curadoria de Lívia Sabag e Gabriel Rhein-Schirato. Carneiro é professor na oficina de criação de libretos, atividade central do Ateliê. Perguntado sobre essa experiência, destacou a maturidade e o clima de cumplicidade e simpatia entre os participantes, envolvidos, em parceria com cinco compositores convidados, no desenvolvimento de minióperas sobre o romance O grande mentecapto, de Fernando Sabino, estória em alguma medida despretensiosa, mas que traz, a seu ver, “uma espécie de resumo mítico de Minas Gerais”. A diversidade de abordagens é, em suas palavras, o grande trunfo deste trabalho em desenvolvimento.

“Não há como cercear os caminhos da linguagem”

E como vê a relação entre gêneros artísticos alguém que transita por tantos? Dedicar-se a outras linguagens abre sempre novas possibilidades; no jogo entre o canônico e o não canônico, não se deve tomar a tradição de cada gênero como detentora da verdade absoluta sobre sua forma. A arte, entendida como transformação e ampliação da realidade, deve refletir o tempo, mas não de forma panfletária. “O presente é tão transitório que é melhor dialogar com o futuro ou o passado. Em arte, me interessa sobretudo aquilo que ainda não é.”



os fogos da fala

a fala aflora à flor da boca

às vezes como fogos de artifício

fulguração contra os terrores do silêncio

só espada espavento espelho

ou pedra ficção arremessada

ou canção pra cantar as graças

as virilhas as maravilhas da amada

a deusa idolatrada de amor:

essa outra voz quase jazz

que subjaz ventríloqua de si mesma


2 comentários:

  1. Um remanescente do tão vilipendiado talento nacional.

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  2. Belo personagem da cultura brasileira contemporânea.
    Parabéns pela postagem.

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