Sexta, 8 de julho de 2022

 

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CHEGA DE MACHÕES ANÔNIMOS

Todos podem fazer críticas, a mim, a qualquer pessoa ou instituição. Desde que SE IDENTIFIQUE. Não apenas com o primeiro nome. Claro que existem pessoas que conheço e que não necessito dessas informações. MAS NÃO VOU PUBLICAR CR[ÍTICAS FEROZES OU BRINCADEIRAS DE PÉSSIMO GOSTO. NADA DE OFENSAS, NEM ASSINANDO!! 

E não esqueça: mesmo os "comentaristas anônimos" podem ser identificados pelo IP sempre que assim for necessário. Cada um é responsável pelo que escreve.



especial

Nesta sexta, uma cesta
de Antônio Torres! 


O baiano que queria
ser Castro Alves


...E se me perguntassem o que eu queria ser quando crescesse, eu responderia: “Castro Alves”. O cara era bonito como um corno e dava muita sorte com as mulheres. Quem é que não queria ser Castro Alves?


Como todo escritor deve ser, sou essencialmente um leitor. A leitura é meu alimento.


A literatura me mudou. Sempre que leio algo que me move, sinto que mudo. Mudo meu jeito de pensar.





Antônio Torres (Antônio Torres da Cruz)  nasceu em um povoado chamado Junco, hoje Sátiro Dias, no sertão da Bahia, em 13 de setembro de 1940. É escritor, jornalista e publicitário, ocupante da cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras. É também membro da Academia de Letras da Bahia na qual, desde 2015, passou a ocupar a cadeira 9, na sucessão a João Ubaldo Ribeiro, membro da Academia Petropolitana de Letras, e sócio-correspondente lusófono da Academia de Ciências de Lisboa.


Com 17 livros publicados, Torres estreou em 1972, com o romance Um Cão Uivando para a Lua, considerado a revelação daquele ano, causando um grande impacto tanto na crítica quanto no público. Ao longo da sua carreira ganhou alguns dos mais importantes prêmios nacionais, como em 2000 o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da sua obra. 


Entre seus livros mais conhecidos figuram os que compõem a trilogia Essa Terra, O Cachorro e o Lobo, Pelo Fundo da Agulha, merecendo destaque também os romances Um Táxi para Viena d'Áustria e Meu Querido Canibal, assim como o livro de contos Meninos, eu Conto, além de Querida Cidade, considerado pela crítica como "um romance que nos faz sonhar acordados".


Com várias edições no Brasil, Antônio Torres vem sendo traduzido em muitos países, da Argentina ao Vietnã, Paquistão e Bulgária.

Antônio descobriu a vocação literária na escola rural de sua terra, incentivado por uma professora. Logo começou a escrever as cartas dos moradores da cidade, a recitar poemas de Castro Alves na pracinha do lugar e a ajudar o padre a rezar missa em latim. Estudou em Alagoinhas e Salvador, onde se tornou repórter do Jornal da Bahia.

Tem romances e contos traduzidos em 21 países (Argentina, Cuba, Estados Unidos, França, Espanha, Alemanha, Itália, Holanda, Inglaterra, Israel, Bulgária, Romênia, Paquistão, Croácia, Portugal, Vietnã, Uruguai, Canadá, México, Polônia, Turquia).


Foi condecorado com o título de “Chevalier des Arts et des Lettres” pelo governo da França, em 1998, por seus livros traduzidos lá até então: Essa terra (que deu ao seu tradutor, Jacques Thiériot, o Grand Prix Cultura Latina), e Um táxi para Viena d’Áustria. Mais tarde (2017), o Ministério da Educação francês escolheu o seu conto "Por um pé de feijão" para o concurso "Agrégation", destinado ao ensino de Português nas escolas daquele país, e que foi disputado por 40 candidatos para uma única vaga. No Brasil, esse conto está publicado no livro Meninos, Eu Conto e integra a antologia dos "Cem melhores contos brasileiros do século", organizada por Ítalo Moriconi.

Entre 1999 e 2005 foi Escritor Visitante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro  ministrando oficinas literárias, realizando aulas inaugurais e proferindo palestras nos campus do Maracanã, de São Gonçalo e de Duque de Caxias.

O autor já participou por duas vezes do júri do Prêmio Casa de las Américas, de Cuba.

É casado desde janeiro de 1972 com a professora doutora Sonia Torres, com a qual tem dois filhos: o professor, empresário especializado em tecnologia da informação, também jornalista e também escritor Gabriel Torres (nascido a 7 de julho de 1974) e o músico Tiago Torres (nascido a 29 de março de 1977).

Depois de viver muitos anos entre São Paulo e Rio de Janeiro, passou a residir em Itaipava (distrito de Petrópolis) na região serrana fluminense.

A partir de Essa Terra, seu terceiro romance, Torres começou a descrever o choque do reencontro do emigrante do sertão, já urbanizado, com sua terra natal. A crítica, porém, tem destacado que ele passeia com a mesma desenvoltura por cenários tanto rurais quanto urbanos - "Um táxi para Viena d'Áustria", por exemplo -, e da História: "Meu querido canibal" e "O nobre sequestrador". Com estes três romances, mais "O Centro das nossas desatenções", ele compôs uma tetralogia carioca. Foi o ganhador do Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro, conferido pela Academia Carioca de Letras em 2016, pelo conjunto da sua obra.

Em Meu Querido Canibal, de 2000, Torres reconfigura o indígena brasileiro como nos relatos de viagem, com uma narrativa pós-moderna, revisitando o estilo tão comum nos tempos coloniais. Ao retratar o personagem histórico Cunhambebe, o autor procura inverter os valores cristãos que o qualificavam na historiografia como "selvagem", para fazê-lo um "herói" e desconstruir a dicotomia colonial.


"Romancista original que sabe transpor os confins regionais para se tornar um escritor internacional, sem perder o sabor da região de origem, o baiano Antônio Torres é autor de uma obra que foi crescendo nos anos, desde 'Um cão uivando para a Lua' (1972), através de Os Homens dos Pés Redondos (1973), 'Essa Terra' (1976), o mais bem sucedido e exportado, até 'Um táxi para Viena d'Áustria' (1991)". Luciana Stegagno Picchio (1922-2008), na História da Literatura Brasileira, publicada pela Academia Brasileira de Letras em coedição com a Lacerda Editores, em 2004.

Em 2021, Antônio lançou o seu último romance, Querida Cidade. A obra acompanha a história de um protagonista que, assim como outros personagens do livro, deixou a pequena cidade onde nasceu para tentar uma vida melhor, para estudar ou mesmo para fugir de algo. Ao conversar com a mãe sobre o pai, que sumiu sem deixar vestígios muitos anos antes, o filho rememora a sua própria trajetória de êxodo, independência, fracasso e eventual retorno às origens.


OS MONÓLOGOS
DE ANTÔNIO TORRES
(palestra para leitores de rascunho.com.br)

Acho que todos os meus livros são monólogos. Em Um cão uivando para a lua, por exemplo, vemos um cara internado. Minha idéia, ali, era escrever um conto sobre um doido batendo papo consigo mesmo. Dali a pouco, eu já tinha ultrapassado os limites de um conto e, oito meses depois, estava com um romance. E é isto: esse cara, depois de uma viagem de 36 horas de eletrochoques, começa a fazer uma viagem pelo país e por dentro dele mesmo. Quer dizer, faz um monólogo. Eu imagino esse personagem falando alto, contando aquilo tudo para alguém. Em Um cão uivando para a lua,um personagem se chama A e o outro T. É bandeiroso: Antônio Torres, A e T. Esses dois personagens são duas faces da mesma moeda. Na verdade, são um personagem só. Um está internado e outro está visitando. Um está na televisão, o outro é um repórter que pirou após uma viagem à Transamazônica — mas pirou mesmo por causa do LSD. Uma coisa da juventude dos anos 70. Uma parte dela estava na luta armada e a outra estava com Jimi Hendrix e Janis Joplin. E tome LSD! E eu pego esse personagem que explodiu e tento resgatá-lo pela consciência do louco. E também faço uma interrogação sobre onde fica a fronteira entre sanidade e loucura. É esse o jogo desse livro. É um monólogo.


 Não tinha água na minha terra. Quando chovia, o povo vestia terno branco e rolava na lama, de tanta alegria. Então, imagina: “verdes mares”?




OS DOIS LADRÕES
CONTO DE A. TORRES

O primeiro era apenas um Zé, ou Zé Preto, o Zé do velho Loló, que ele chamava de “Papai Lolô”, embora não fosse seu filho. Nunca se soube quem foram os seus pais, nem se chegou a conhecê-los. Corria a lenda de que aquele Zé havia sido encontrado numa porteira, dentro de um cesto. Outro mistério envolvia o seu achamento: largado nu e solitário, ele no entanto sorria. Como se fosse a criança mais feliz do mundo.
A bem da verdade, eu ainda não havia nascido quando isso aconteceu, se é que essa história não foi pura imaginação de um povo que vivia inventando histórias para espantar o medo da noite — ou para não perder o juízo. O certo é que, quando me dei por gente, Zé Preto já era um meninão grande, forte e risão. Nós, os garotos menores — meus primos e eu — vivíamos brincando com ele. Aquelas coisas da roça: bater perna pelos pastos, caçar passarinhos, pegar canário, armar arapuca para codorna, pescar no riacho, subir em pé de umbuzeiro, espetar tanajura. E foi assim que o conheci: já o Zé de Papai Lolô e Mamãe Adelaide, que vinham a ser os meus avós paternos. Logo, ele era como se fosse meu tio. Meu tio preto.
E assim ele cresceu: trabalhando a terra na enxada e no arado, cuidando do gado, fazendo os mandados. Até tornar-se o carreiro de bois, a transportar sacos de feijão e de milho, carradas de areia e de madeira (e gente também) pra todo lado. E como aquele carro de bois cantava nas estradas! A meninada adorava pegar uma carona nele. Não, Zé Preto não era apenas um agregado do meu avô. Era um amigo.
Um dia fez-se a desgraça. Alguém das vizinhanças deu falta de uma galinha e cismou que o Zé a havia roubado. Alvoroço no povoado. Soldados no seu encalço. Zé foi apanhado na roça em que sempre esteve e levado aos empurrões e pontapés para a delegacia, onde um sargentão truculento o aguardava com uma palmatória que devia pesar um bom meio quilo.
— Confessa, negro!
O interrogatório do sargento era feito ao som das palmadas, que se alternavam de uma mão à outra. E as mãos do Zé iam engordando, inchando, estourando. E ele, de os olhos esbugalhados, jurava por tudo quanto era santo que não havia roubado galinha nenhuma. E quanto mais negava, mais apanhava. Tome soco, chute, bordoada. Quando meu avô chegou para tentar libertá-lo, encontrou-o desmaiado. Zé morreu um ano depois. Jamais se soube se das pancadas ou de desgosto. Ou das duas coisas.
***
O outro era ladrão mesmo. Roubava gado. Chamava-se Dominguinhos, filho do velho Domingos, um fazendeiro endinheirado. Nunca foi apanhado. Quando as denúncias começaram, ele caiu no mundo — o maravilhoso mundo da impunidade. E esta é apenas mais uma história de ladrões cuja moral já se tornou clássica.

(Do Livro “Sobre Pessoas”, Ed. Leitura, Belo Horizonte, 2007)


LEITOR MUDADO
(palestra para leitores de rascunho.com.br)

É uma realidade um tanto complexa que, às vezes, escapa das minhas mãos. Percebo no nosso tempo a sua instabilidade de valores. Quer dizer, se instaurou no nosso tempo uma instabilidade total de tudo, até da forma de pensar. A gente vinha do iluminismo, a gente vinha de um mundo de idéias mais ou menos sólidas.

Você tinha o preto e o branco, a direita e a esquerda e, de repente, tudo isso explode. Tudo vira essa coisa triunfalista do capitalismo. A globalização chegou muito mais forte do que todos os tanques soviéticos, chegou arrasando quarteirões e mudando tudo. Sou um escritor formado por frases assim: “Conhecia-o de vista e de chapéu”. Machado de Assis, no começo de Dom Casmurro.

Levei um choque com essa frase. E achei que ser escritor era isto: você ficar horas e horas e horas em busca de uma frase que, primeiramente, nos provoque um desconcerto pessoal. Um choque. E aí no que é que isso resulta? Fico horas e horas esperando aquela palavra, catatônico diante da tela em branco. Em busca da palavra que exprima exatamente aquilo que quero dizer.

Sempre torturado por uma sensação de limitação, pelo fato do meu conhecimento de palavras ser tão inferior à necessidade que sinto delas. Você precisa de uma palavra, daquela que vai dizer aquilo tudo que você está sentindo, e você não a encontra. Passa horas e horas torturado com isso. E, aí, ela vem, vem a frase, depois o bloco de texto todo. Sou escritor formado assim. E acredito que a maioria dos escritores do mundo foi formada assim. Mas, hoje, parece que isso já não tem a menor importância — é claro que existem as exceções. Mas a sensação que tenho é a de que o leitor de hoje não está mais procurando aquilo que eu procurei um dia, como leitor. O leitor mudou completamente.


POR UM PÉ DE FEIJÃO
CONTO DE A. TORRES

Nunca mais haverá no mundo um ano tão bom. Pode até haver anos melhores, mas jamais será a mesma coisa. Parecia que a terra (á nossa terra, feinha, cheia de altos e baixos, esconsos, areia, pedregulho e massapê) estava explodindo em beleza. E nós todos acordávamos cantando, muito antes do sol raiar, passávamos o dia trabalhando e cantando e logo depois do pôr-do-sol desmaiávamos em qualquer canto e adormecíamos, contentes da vida.

Até me esqueci da escola, a coisa que mais gostava. Todos se esqueceram de tudo. Agora dava gosto trabalhar.

Os pés de milho cresciam desembestados, lançavam pendões e espigas imensas. Os pés de feijão explodiam as vagens do nosso sustento, num abrir e fechar de olhos. Toda a plantação parecia nos compreender, parecia compartilhar de um destino comum, uma festa comum, feito gente. O mundo era verde. Que mais podíamos desejar?

E assim foi até a hora de arrancar o feijão e empilhá-lo numa seva tão grande que nós, os meninos, pensávamos que ia tocar nas nuvens. Nossos braços seriam bastantes para bater todo aquele feijão? Papai disse que só íamos ter trabalho daí a uma semana e aí é que ia ser o grande pagode. Era quando a gente ia bater o feijão e iria medi-lo, para saber o resultado exato de toda aquela bonança. Não faltou quem fizesse suas apostas: uns diziam que ia dar trinta sacos, outros achavam que era cinqüenta, outros falavam em oitenta.

No dia seguinte voltei para a escola. Pelo caminho também fazia os meus cálculos. Para mim, todos estavam enganados. Ia ser cem sacos. Daí para mais. Era só o que eu pensava, enquanto explicava à professora por que havia faltado tanto tempo. Ela disse que assim eu ia perder o ano e eu lhe disse que foi assim que ganhei um ano. E quando deu meio-dia e a professora disse que podíamos ir, saí correndo. Corri até ficar com as tripas saindo pela boca, a língua parecendo que ia se arrastar pelo chão. Para quem vem da rua, há uma ladeira muito comprida e só no fim começa a cerca que separa o nosso pasto da estrada. E foi logo ali, bem no comecinho da cerca, que eu vi a maior desgraça do mundo: o feijão havia desaparecido. Em seu lugar, o que havia era uma nuvem preta, subindo do chão para o céu, como um arroto de Satanás na cara de Deus. Dentro da fumaça, uma língua de fogo devorava todo o nosso feijão.

Durante uma eternidade, só se falou nisso: que Deus põe e o diabo dispõe.

E eu vi os olhos da minha mãe ficarem muito esquisitos, vi minha mãe arrancando os cabelos com a mesma força com que antes havia arrancado os pés de feijão:

– Quem será que foi o desgraçado que fez uma coisa dessas? Que infeliz pode ter sido?

E vi os meninos conversarem só com os pensamentos e vi o sofrimento se enrugar na cara chamuscada do meu pai, ele que não dizia nada e de vez em quando levantava o chapéu e coçava a cabeça. E vi a cara de boi capado dos trabalhadores e minha mãe falando, falando, falando e eu achando que era melhor se ela calasse a boca.

À tardinha os meninos saíram para o terreiro e ficaram por ali mesmo, jogados, como uns pintos molhados. A voz da minha mãe continuava balançando as telhas do avarandado. Sentado em seu banco de sempre, meu pai era um mudo. Isso nos atormentava um bocado.

Fui o primeiro a ter coragem de ir até lá. Como a gente podia ver lá de cima, da porta da casa, não havia sobrado nada. Um vento leve soprava as cinzas e era tudo. Quando voltei, papai estava falando.

– Ainda temos um feijãozinho-de-corda no quintal das bananeiras, não temos? Ainda temos o quintal das bananeiras, não temos? Ainda temos o milho para quebrar, despalhar, bater e encher o paiol, não temos? Como se diz, Deus tira os anéis, mas deixa os dedos.

E disse mais:

– Agora não se pensa mais nisso, não se fala mais nisso. Acabou. Então eu pensei: O velho está certo.

Eu já sabia que quando as chuvas voltassem, lá estaria ele, plantando um novo pé de feijão.

***

Publicado originalmente em “Meninos, Eu Conto”, Editora Record – Rio/São Paulo, 1999, o texto acima foi selecionado por Ítalo Moriconi e consta do livro “Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século”, Editora Objetiva – Rio de Janeiro, 2000, pág. 586.




A FELICIDADE EM 15 SEGUNDOS
(palestra para leitores de rascunho.com.br)

Essa mudança nos leitores não é unilateral. Quer dizer, esse rolo compressor que está aí não é por acaso. Por exemplo: qual é o grande segredo do Paulo Coelho? Ele teve um saque de gênio quando percebeu, intuitivamente ou não, o vazio do nosso tempo. Então, desapareceram as utopias — e a literatura fazia parte das utopias. Então, a utopia desapareceu. Isso não foi só uma coisa política. É claro que há o fator político por trás. Mas me parece que o Paulo Coelho sacou esse vazio que se instaurou com o fim da história, com o fim da utopia — coloquemos isso entre aspas ou não. Ele sacou que o leitor estava desamparado.

O leitor não queria mais o mundo organizado da alta literatura, do pensamento, da psicanálise, da filosofia. Ele sacou um negócio que hoje está valendo milhões de dólares: a tal da lenda pessoal. Você sai do projeto coletivo e vai para o pessoal, entendeu? E aí é que se impôs, junto com ele, tudo isso que está aí.

Você entra numa livraria, hoje, e com o que você dá de cara? Com 350 mil Paulos Coelhos. Tudo na entrada da livraria. É tudo auto-ajuda, meus senhores e minhas senhoras. Produto de ocasião. Os psicanalistas estão sobrevivendo de auto-ajuda, os filósofos estão fazendo livros de auto-ajuda. O leitor está querendo outra coisa, está querendo isso. O cara compra o livro Como ser feliz em 15 dias. Aí, ele não fica feliz em 15 dias, mas fica viciado em ler isso.

E vai buscando o menor prazo. Como ser bom de cama na velhice. Puxa, até eu quero, não é? Então, ele vai ficar viciado nisso. E não vai melhorar sua performance na cama. Mas vai comprar o próximo livro que lhe der outra dica a respeito do tema. Gore Vidal falou sobre isso.

Pego o exemplo dos americanos porque eles entendem mais disso do que nós. Vivem dentro do capitalismo desde antes de nascerem. Um repórter da Veja perguntou para o Vidal: “Por que nos últimos tempos nenhum peso-pesado das letras norte-americanas figura nas listas de best-sellers?”. E ele respondeu que a literatura sempre havia sido para poucos. Agora, mais ainda. Mesmo esses caras que foram tremendos best-sellers, e fazendo literatura, já caíram na real.

Acho que nosso destino é escrever para os leitores do Rascunho. Outro dia, fui a um evento do Sesc, em Vitória, falar sobre “o lugar do local”. E havia muitas perguntas sobre esse assunto. Daí, eu pensei: “Puxa, eu inventei isso e o feitiço virou contra o feiticeiro. O que é que eu vou dizer? Sei lá onde é o ‘lugar do local’”. Mas, de repente, me veio o seguinte: eu me sinto como um velho contrabaixista de jazz que sai pelo país e pelo mundo. Tenho viajado muito, acreditem se quiser. Fiz palestra até na Bulgária. Tocando aquele contrabaixo para um pequeno auditório como este aqui. Pequeno, mas fiel. Então, acho que a única saída para nós, hoje, está na soma desses pequenos auditórios. O grande auditório já está tomado por aqueles que vão ensinar a felicidade em 15 segundos.


JOVENS SEM LEITORES
(palestra para leitores de rascunho.com.br)

Trabalhei com publicidade quando até para se fazer propaganda havia uma curtição artística, criadora. Dos meus amigos que ainda estão nisso, não sobrou quase ninguém. Mas fui um cara que até teve uma vida longa nesse negócio. É como no futebol: a profissão dura pouco, é uma profissão para jovens.

Depois que alguém fica velho, já não sabe pensar, não sabe das modas, não sabe das linguagens, não sabe disso e daquilo. É engraçado: na literatura, acho que os jovens não conseguem criar uma linguagem que reflita a linguagem do seu tempo. Se conseguissem, eles seriam muito lidos. Pelo menos eles me dizem isso.

Teve um jovem autor que foi a minha casa para dizer: “Você é de uma geração que teve a sorte de ser lida de cara”. É e verdade. A geração de João Antônio, Ignácio de Loyola Brandão, Sérgio Sant’Anna — que começou antes de mim, apesar de ser mais novo do que eu. Todos tínhamos muitos leitores na nossa geração.

E, hoje, os jovens se queixam de não ter leitores na própria geração. Então, tem aí algo complicado com a percepção desse leitor novo. Acho que há um distanciamento entre o escritor e o leitor. Que haja um distanciamento de mim para eles é normal, mas que haja um distanciamento entre eles mesmos, isso já me causa um ponto de interrogação.


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