Sexta, 15 de maio de 2020





Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
...
ANDO DEVAGAR
PORQUE JÁ TIVE PRESSA 


Escreva apenas para






especial

Nesta sexta, uma cesta
de
 José Mauro de Vasconcelos!


A "intelligentsia" brasileira despreza um autor que
vendeu dois milhões de exemplares de apenas uma obra





"Na outra encarnação eu vou querer nascer um botão.
Qualquer um. Mesmo que seja um botão de cueca.
É melhor do que ser gente e sofrer pra burro."






Não se tem dados precisos, mas O Meu Pé de Laranja Lima foi publicado em 1968.
Foi traduzido para 52  línguas e publicado em 19 países, adotado em escolas e adaptado para o cinema, televisão e teatro.




José Mauro de Vasconcelos nasceu no Rio de Janeiro em 26 de fevereiro de 1920.
Carioca, de família nordestina, que migrou para São Paulo, os pais tinham poucos recursos. Ele, ainda criança, foi morar com  tios em Natal. Ingressando na Faculdade de Medicina mas abandonou o curso no segundo ano, retornando ao Rio de Janeiro a fim de conseguir melhores oportunidades. Ali, trabalhou como carregador de bananas em uma fazenda do litoral do Estado, instrutor de boxe, e, devido ao belo porte físico, até garoto de programa. 
Em São Paulo, foi garçom de boate. Obteve uma bolsa de estudos na Espanha, mas não suportou a vida acadêmica. Abandonou os estudos depois de uma semana, preferindo correr a Europa. A atividade mais importante que exerceu foi junto aos irmãos Villas-Bôas pelos rios da região do Araguaia, conhecendo o ambiente inóspito e lutando pelos índios.
Lançou o seu primeiro livro, o romance Banana Brava, de 1942, onde trata dos homens do garimpo. Mas a obra não alcançou bons resultados na época, apesar de algumas críticas favoráveis. Rosinha, Minha Canoa, de 1962, marca seu primeiro sucesso. No livro Meu Pé de Laranja Lima, de 1968, seu maior sucesso editorial, é a sua experiência pessoal para retratar o choque sofrido na infância com as mudanças da vida. Foi escrito em apenas 45 dias.
...

Nasceu no subúrbio de Bangú. Aos nove anos aprendeu a nadar, e quando se atirava às águas do Potengi, quase na boca do mar, a fim de treinar para as provas de grande distância. Com frequência ia mar adentro, protegido por uma canoa, porque a barra de Natal estava sempre infestada de tubarões. Ganhou vários campeonatos de natação.
Mas o esporte não constituía sua única preocupação. Depois do primário, aos 10 anos, já cursava o primeiro ano do curso ginasial, que terminou cinco anos mais tarde. Nessa época, já gostava dos romances de Graciliano Ramos, Paulo Setúbal e José Lins do Rego.
Depois do ginásio, os estudos de José Mauro como autodidata foram sempre feitos à base de trabalho. Seu primeiro emprego, aos 16 anos, foi treinador de peso-pluma; recebia 100 cruzeiros por luta no Rio de Janeiro, pois aos 15 anos saíra de Natal para ganhar o mundo. No Estado do Rio, trabalhou numa fazenda em Mazomba, perto de Itaguaí, carregando banana. Depois, foi viver como pescador no litoral fluminense, onde não ficou por muito tempo, partindo em seguida para o Recife. Ali, exerceu o cargo de professor primário num núcleo de pescadores. Da capital pernambucana, José Mauro saiu para começar incessante vai-vem, do Norte ao Sul, e vice-versa, permanecendo um pouco em cada lugar, para em seguida enveredar pelo sertão e viver entre os índios.
Dotado da capacidade  contar histórias José Mauro não quis ser escritor, mas seguiu este caminho.
O autor de romances tinha método originalíssimo. De início, escolhia os cenários onde se movimentariam seus personagens. Transportava-se então para o local, onde realizava estudos minuciosos. Para escrever Arara vermelha, por exemplo, percorreu cerca de "450 léguas no sertão bruto".
Em seguida, José Mauro dava asas às imaginação. Tinha uma memória que, durante longo tempo, lhe per­mitia lembrar dos mínimos detalhes do cenário estudado. "Quando a história está inteiramente feita na imaginação", revelava o escritor, "é que começo a escrever. Só trabalho quando tenho a impressão de que o romance está saindo por todos os poros do corpo. Então vai tudo a jato".
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Dizia:
"Escrevo meus livros em poucos dias. Mas em compensação passo anos ruminando ideias. Escrevo tudo a máquina. Faço um capítulo inteiro e depois é que releio o que escrevi. Escrevo a qualquer hora, de dia ou de noite. Quando estou escrevendo entro em transe. Só paro de bater nas teclas da máquina quando os dedos doem. Só aí percebo quanto trabalhei. Sou um cara capaz de varar dias escrevendo até a exaustão.”
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José Mauro trabalhou em diversos filmes, como Modelo 19, que lhe valeu o prêmio Saci como melhor ator coadjuvante, Fronteiras do Inferno, Floradas na Serra, Canto do Mar, do qual escreveu o roteiro, Na Garganta do Diabo, obtendo o prêmio Governador do Estado como melhor ator, A Ilha, conseguindo o prêmio de melhor ator pela Prefeitura, e culminando com Mulheres & Milhões, sendo laureado com o Saci de melhor ator do ano. Dos seus livros, Meu Pé de Laranja Lima, Vazante e Arara Vermelha foram filmados, assim como "Rua Descalça".
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Obras

Banana Brava (1942)
Barro Blanco (1948)
Longe da Terra (1949)
Vazante (1951)
Arara Vermelha (1953)
Arraia de Fogo (1955)
Rosinha, Minha Canoa (1962)
Doidão (1963)
O Garanhão da praia (1964)
Coração de Vidro (1964)
As Confissões de Frei Abóbora (1966)
Meu Pé de Laranja Lima (1968)
Rua Descalça (1969)
O Palácio Japonês (1969)
Farinha Órfã (1970)
Chuva Crioula (1972)
O Veleiro de Cristal (1973)
Vamos Aquecer o Sol (1974)
A Ceia (1975)
O Menino Invisível (1978)
Kuryala: Capitão e Carajá (1979)

José Mauro morreu de broncopneumonia, em 24 de julho de 1984, aos 64 anos, em São Paulo.




Matar não quer dizer a gente pegar revólver de Buck Jones e fazer bum!
Não é isso. A gente mata no coração. Vai deixando de querer bem. E um dia a pessoa morreu.

José Mauro,em Meu Pé de Laranja Lima




50 anos de “O meu pé de laranja lima”

Rosa Maria Miguel Fontes




Lançado em 1968, o livro “O meu pé de laranja lima”, de José Mauro de Vasconcelos, encantou gerações com a história de Zezé, “um meninozinho que um dia descobriu a dor…”, como revela o subtítulo do livro. Já adiantando as comemorações do cinquentenário da obra, a Editora Melhoramentos lança uma edição especial, que inclui um suplemento de leitura assinado pelo escritor Luiz Antonio Aguiar. As ilustrações são de Laurent Cardon (capa) e Jayme Cortez (miolo).

Muitas gerações já se emocionaram com Zezé, o garotinho de seis anos de idade, muito sapeca, inteligente e cheio de imaginação, retratado por José Mauro de Vasconcelos no livro. E ele continua a encantar os leitores, embora toda a história se passe na longínqua década de 1920. Talvez porque aborde de uma forma delicada sentimentos universais. “A alegria e a tristeza não poderiam estar mais bem combinadas do que nestas páginas. E isso, se não explica, justifica a popularidade imensa alcançada pelo livro”, destaca o escritor Luiz Antonio Aguiar, ganhador de dois prêmios Jabuti, que assina o suplemento de leitura e as notas da edição comemorativa de 50 anos de “O meu pé de laranja lima”, que está sendo lançada pela Editora Melhoramentos.

A força do personagem principal também é outro ingrediente cativante. Nas palavras de Aguiar, “Zezé é um anjo meigo, uma criança que encanta o mundo à sua volta, seja pelo carinho que demonstra por seu irmão mais novo, Luís; pelo apego à irmã, Glória; pela invenção (se é que não foi mágica da vida!) do amigo Minguinho, o pé de laranja-lima que conversa com ele como um irmão mais velho, carinhoso, generoso, cúmplice; e finalmente pela capacidade imensa de amar, que o leva a abrir (ou iluminar) a vida do até então solitário e ranzinza Portuga”.

A história de Zezé se passa em um subúrbio modesto do Rio de Janeiro e tem um cunho autobiográfico. O autor, José Mauro Vasconcelos, nasceu em Bangu, em 1920, em uma família muito pobre. Logo no começo da trama, o leitor é apresentado às dificuldades financeiras da família de Zezé. Com o pai desempregado, eles são obrigados a trocar a casa grande e confortável onde moravam por uma mais modesta, onde o garoto vai encontrar seu grande amigo, o pé de laranja-lima.

Sucesso mundo afora

Esse universo tão modesto acabou ganhando o mundo. Nesses 50 anos, a obra exclusiva da Melhoramentos, vendeu mais de 2 milhões de exemplares só no Brasil, onde teve 150 edições nos mais variados formatos. Fez uma carreira invejável fora do País também: foi traduzida em 15 idiomas, entre eles, turco, coreano, catalão e mandarim. Foi publicada em 23 países, sendo que no Japão e na Coreia ganhou uma versão em forma de mangá (história em quadrinhos).

A história de Zezé também foi adaptada para a televisão, em três novelas: uma na Rede Tupi (1970) e duas na Rede Bandeirantes (1980 e 1988). Também mereceu transposição para as telas do cinema, em duas produções: uma em 1970, com direção de Aurélio Teixeira; em 2012, com direção de José de Abreu e Marcos Bernstein.

Edição comemorativa

Para a edição comemorativa de 50 anos, de 232 páginas, a Editora Melhoramentos entregou uma missão especial a Luiz Antonio Aguiar, escritor e tradutor, mestre em literatura brasileira e ganhador de dois prêmios Jabuti: traduzir para o leitor de hoje alguns termos comuns na época em que foi escrito a obra e elaborar um suplemento de leitura que dimensiona a importância do livro de José Mauro.

A primeira etapa de sua missão, Aguiar cumpre com capricho explicando os termos em notas de rodapé que ajudam a compreender melhor diversas passagens ao longo do livro. No suplemento, apresentado ao final do livro, além de destacar peculiaridades desse clássico, ele apresenta um panorama da época em que se desenrola a história de Zezé (1920 – 1930), destacando fatos históricos e culturais no mundo e no Brasil.

O leitor também fica sabendo que “O meu pé de laranja lima” teve duas continuações: os romances Doidão (1963), no qual Zezé é retratado com 19 para 20 anos, e Vamos Aquecer o Sol (1974), que retrata o menino aos 10 anos, vivendo com pais adotivos em Natal, Rio Grande do Norte.

O trailer do filme:




Como curiosidade, um dos atores:





Resumo do livro

O livro, dividido em duas partes, é protagonizado pelo menino Zezé, um garoto comum, de cinco anos, natural de Bangu, periferia do Rio de Janeiro.

Muito esperto e independente, Zezé é conhecido pela sua malandrice e é ele quem narrará a história em O meu pé de laranja lima.

Devido a sua sagacidade, diziam que Zezé "tinha o diabo no corpo". O garoto é tão esperto que acaba, inclusive, aprendendo a ler sozinho. A primeira parte do livro se debruça sobre a vida do menino, as suas aventuras e as consequências dela.

A vida de Zezé era boa, tranquila e estável. Ele vivia com a família em uma casa confortável e tinha tudo o que era preciso em termos materiais, até que o pai perdeu o emprego e a mãe viu-se obrigada a trabalhar na cidade, mais especificamente no Moinho Inglês. Zezé tem três irmãos: Glória, Totoca e Luís.

Empregada em uma fábrica, a mãe passa o dia no trabalho enquanto o pai, desempregado, fica em casa. Com a nova condição da família, eles se veem obrigados a mudar de casa e passam a ter uma rotina muito mais modesta. Os Natais fartos de outrora foram substituídos pela mesa vazia e por uma árvore sem presentes.

Como a nova casa tem um quintal, cada filho escolhe uma árvore para chamar de sua. Como Zezé é o último a escolher acaba ficando com um modesto pé de laranja lima. E é a partir desse encontro com uma árvore franzina e nada vistosa que surge uma forte e genuína amizade. Zezé batiza o pé de laranja lima de Minguinho:

— Quero saber se Minguinho está bem.
— Que diabo é Minguinho?
— É o meu pé de Laranja Lima.
— Você arranjou um nome que se parece muito com ele. Você é danado para achar as coisas.

Zezé arruma também um apelido para Minguinho que dizia em privado, nos momentos em que sentia mais ainda mais afeto pela árvore: Xururuca. É Minguinho, ou Xururuca, que escuta as suas aventuras e os seus lamentos.

Como vivia aprontando, era recorrente Zezé ser pego em uma das travessuras e apanhar dos pais ou dos irmãos. Depois lá ia ele se consolar com Minguinho, o pé de laranja lima.

Numa das vezes que aprontou, Zezé apanhou tanto da irmã e do pai que precisou ficar uma semana sem ir à escola.

Além de Minguinho, o outro grande amigo de Zezé é Manuel Valadares, também conhecido como Portuga, e é sobre ele que girará a segunda parte do livro. O Portuga tratava Zezé como filho e dava toda a paciência e afeto que o garoto não recebia em casa. A amizade entre os dois não era partilhada com o resto da família.

Por uma fatalidade do destino, o Portuga é atropelado e morre. Zezé, por sua vez, adoece. E para piorar a vida do menino ainda decidem cortar o pé de laranja lima, que vinha crescendo mais do que era suposto no quintal.

A situação muda quando o pai arranja um emprego depois de um longo período em casa. Zezé, entretanto, apesar dos seus quase seis anos, não se esquece da tragédia:

“Já cortaram, Papai, faz mais de uma semana que cortaram o meu pé de Laranja Lima.”

A narrativa é extremamente poética e cada travessura do menino é contada a partir do olhar doce da criança. O ponto alto da história acontece ao final da narrativa, quando Minguinho dá a sua primeira flor branca:

Eu estava sentado na cama e olhava a vida com uma tristeza de doer.
— Olhe, Zezé. Em suas mãos existia uma florzinha branca.
— A primeira flor de Minguinho. Logo ele vira uma laranjeira adulta e começa a dar laranjas.
Fiquei alisando a flor branquinha entre os dedos. Não choraria mais por qualquer coisa. Muito embora Minguinho estivesse tentando me dizer adeus com aquela flor; ele partia do mundo dos meus sonhos para o mundo da minha realidade e dor.
— Agora vamos tomar um mingauzinho e dar umas voltas pela casa como você fez ontem. Já vem já.

Resumo da história
O livro, dividido em duas partes, é protagonizado pelo menino Zezé, um garoto comum, de cinco anos, natural de Bangu, periferia do Rio de Janeiro.

Muito esperto e independente, Zezé é conhecido pela sua malandrice e é ele quem narrará a história em O meu pé de laranja lima.

Devido a sua sagacidade, diziam que Zezé "tinha o diabo no corpo". O garoto é tão esperto que acaba, inclusive, aprendendo a ler sozinho. A primeira parte do livro se debruça sobre a vida do menino, as suas aventuras e as consequências dela.

“aprendia descobrindo sozinho e fazendo sozinho, fazia errado e fazendo errado, acabava sempre tomando umas palmadas.”

A vida de Zezé era boa, tranquila e estável. Ele vivia com a família em uma casa confortável e tinha tudo o que era preciso em termos materiais, até que o pai perdeu o emprego e a mãe viu-se obrigada a trabalhar na cidade, mais especificamente no Moinho Inglês. Zezé tem três irmãos: Glória, Totoca e Luís.

Empregada em uma fábrica, a mãe passa o dia no trabalho enquanto o pai, desempregado, fica em casa. Com a nova condição da família, eles se veem obrigados a mudar de casa e passam a ter uma rotina muito mais modesta. Os Natais fartos de outrora foram substituídos pela mesa vazia e por uma árvore sem presentes.

Como a nova casa tem um quintal, cada filho escolhe uma árvore para chamar de sua. Como Zezé é o último a escolher acaba ficando com um modesto pé de laranja lima. E é a partir desse encontro com uma árvore franzina e nada vistosa que surge uma forte e genuína amizade. Zezé batiza o pé de laranja lima de Minguinho:

— Quero saber se Minguinho está bem.
— Que diabo é Minguinho?
— É o meu pé de Laranja Lima.
— Você arranjou um nome que se parece muito com ele. Você é danado para achar as coisas.

Zezé arruma também um apelido para Minguinho que dizia em privado, nos momentos em que sentia mais ainda mais afeto pela árvore: Xururuca. É Minguinho, ou Xururuca, que escuta as suas aventuras e os seus lamentos.

Como vivia aprontando, era recorrente Zezé ser pego em uma das travessuras e apanhar dos pais ou dos irmãos. Depois lá ia ele se consolar com Minguinho, o pé de laranja lima.

Numa das vezes que aprontou, Zezé apanhou tanto da irmã e do pai que precisou ficar uma semana sem ir à escola.

Além de Minguinho, o outro grande amigo de Zezé é Manuel Valadares, também conhecido como Portuga, e é sobre ele que girará a segunda parte do livro. O Portuga tratava Zezé como filho e dava toda a paciência e afeto que o garoto não recebia em casa. A amizade entre os dois não era partilhada com o resto da família.

Por uma fatalidade do destino, o Portuga é atropelado e morre. Zezé, por sua vez, adoece. E para piorar a vida do menino ainda decidem cortar o pé de laranja lima, que vinha crescendo mais do que era suposto no quintal.

A situação muda quando o pai arranja um emprego depois de um longo período em casa. Zezé, entretanto, apesar dos seus quase seis anos, não se esquece da tragédia:

“Já cortaram, Papai, faz mais de uma semana que cortaram o meu pé de Laranja Lima.”

A narrativa é extremamente poética e cada travessura do menino é contada a partir do olhar doce da criança. O ponto alto da história acontece ao final da narrativa, quando Minguinho dá a sua primeira flor branca:

Eu estava sentado na cama e olhava a vida com uma tristeza de doer.
— Olhe, Zezé. Em suas mãos existia uma florzinha branca.
— A primeira flor de Minguinho. Logo ele vira uma laranjeira adulta e começa a dar laranjas.
Fiquei alisando a flor branquinha entre os dedos. Não choraria mais por qualquer coisa. Muito embora Minguinho estivesse tentando me dizer adeus com aquela flor; ele partia do mundo dos meus sonhos para o mundo da minha realidade e dor.
— Agora vamos tomar um mingauzinho e dar umas voltas pela casa como você fez ontem. Já vem já.

Interpretação e análise da história
Apesar da sua pouca extensão, o livro O meu pé de laranja lima toca em temas chave para se pensar sobre a infância. Percebemos ao longo das breves páginas como os problemas dos adultos podem acabar por negligenciar as crianças e como as crianças reagem a esse abandono se refugiando em um universo particular e criativo.

Notamos também o caráter transformador do afeto quando essa mesma infância negligenciada é abraçada por um adulto capaz de acolher o até então abandonado (no caso da história contada por José Mauro de Vasconcelos essa personalidade é representada pelo portuga, sempre disposto a partilhar com Zezé).

O fato do livro ter rapidamente se expandido para além das fronteiras brasileiras (Meu pé de laranja lima foi logo traduzido para 32 idiomas e publicado em outros 19 países) demonstra que os dramas vividos pela criança no subúrbio do Rio de Janeiro são comuns a inúmeras crianças ao redor do globo - ou ao menos aludem a situações semelhantes. Como é possível perceber, a negligência infantil parece ter um caráter universal.

Muitos leitores se identificam com o fato do menino escapar do cenário real esmagador rumo a um imaginário que é um manancial de possibilidades felizes. Vale lembrar que Zezé não era apenas vítima de violência física como também psicológica por parte dos mais velhos. As piores punições vinham, inclusive, de dentro da própria família.

O livro abre os olhos do leitor para o lado sombrio da infância, muitas vezes esquecido diante da enorme quantidade de material que tem como tema a infância idealizada.



Personagens principais
Zezé
Um menino travesso, de cinco anos, morador de Bangu (subúrbio do Rio de Janeiro). Super independente e curioso, Zezé vivia aprontando e apanhando quando era descoberto.

Totóca
O irmão mais velho de Zezé. É interesseiro, mentiroso e por vezes extremamente egoísta.

Luís
Irmão caçula de Zezé, era chamado pelo menino de Rei Luiz. É o grande orgulho de Zezé por ser independente, aventureiro e muito autônomo.

Glória
Irmã mais velha e muitas vezes protetora de Zezé. Está sempre a postos para defender o caçula.

Pai
Frustrado com o desemprego e desiludido com a incapacidade de sustentar a família, o pai de Zezé acaba sendo impaciente com os filhos. Também costuma beber com muita frequência. Quando tenta disciplinar as crianças faz uso da força e algumas vezes se arrepende das surras que dá.

Mãe
Extremamente cuidadosa e preocupada com os filhos, a mãe do Zezé quando percebe a situação financeira complicada da família arregaça as mangas e vai trabalhar na cidade para sustentar a casa.

O portuga
Manuel Valadares trata Zezé como um filho e enche o menino de carinho e atenção que muitas vezes o garoto não recebe em casa. Era rico e tinha um carro de luxo que dizia para a Zezé que pertencia aos dois (afinal de contas os amigos dividem, dizia ele)

Minguinho
Também conhecido como Xururuca, é o pé de laranja lima do quintal, grande amigo e confidente de Zezé.



Contexto histórico no Brasil

No Brasil vivíamos tempos duros durante as décadas de 1960 e 1970. A ditadura militar, implantada em 1964, era responsável por manter uma cultura repressora, que perpetuava o medo e a censura. Felizmente a criação de José Mauro de Vasconcelos não sofreu qualquer tipo de restrição.

Por enfocar mais no universo infantil e não abordar propriamente nenhuma questão política, a obra passou pelos censores sem apresentar qualquer tipo de problema. Não se sabe ao certo se o desejo de mergulhar no universo da infância surgiu de um desejo de mergulhar no universo autobiográfico ou se a escolha foi uma necessidade para fugir da censura, que na época não se preocupava tanto com o universo infantil. De toda forma, vemos no cotidiano do protagonista de José Mauro, como o menino sofria repressões (não pelo governo, mas dentro da própria casa, pelo pai ou pelos irmãos). As formas de sanção eram tanto físicas quanto psicológicas, observe o trecho abaixo:

"A gente vinha de mãos dadas, sem pressa de nada pela rua. Totóca vinha me ensinando a vida. E eu estava muito contente porque meu irmão mais velho estava me dando a mão e ensinando as coisas. Mas ensinando as coisas fora de casa. Porque em casa eu aprendia descobrindo sozinho e fazendo sozinho, fazia errado e fazendo errado acabava sempre tomando umas palmadas. Até bem pouco tempo ninguém me batia. Mas depois descobriram as coisas e vivem dizendo que eu era o cão, que eu era capeta, gato ruço de mau pelo. Não queria saber disso. Se não estivesse na rua eu começava a cantar. Cantar era bonito. Totóca sabia fazer outra coisa além de cantar, assobiar. Mas eu por mais que imitasse, não saía nada. Ele me animou dizendo que era assim mesmo, que eu ainda não tinha boca de soprador. Mas como eu não podia cantar por fora, fui cantando por dentro."

José Mauro de Vasconcelos nasceu e foi criado durante os anos vinte e foi de lá que extraiu as experiências para escrever o livro. A realidade do país na época era de renovação, de liberdade e de denúncia dos problemas sociais. A publicação, no entanto, foi efetivamente escrita em 1968, em um contexto histórico completamente diferente: no auge da ditadura militar quando o país vivia os anos de chumbo sob forte repressão. Em junho de 1968, ano da publicação de O meu pé de laranja lima, foi realizada no Rio de Janeiro A Passeata dos Cem Mil. No mesmo ano foi promulgado o AI-5 (Ato Institucional número 5), que proibia qualquer manifestação contrária ao regime. Foram anos duros marcados pela perseguição de opositores políticos e pela tortura.

Culturalmente a televisão passou a ter um papel importante na sociedade uma vez que conseguiu entrar nas casas das mais diferentes classes sociais. A história contada por José Mauro de Vasconcelos ficou conhecida pelo grande público principalmente devido às adaptações feitas para a televisão. No dia 30 de novembro de 1970 a extinta Rede Tupi levava ao ar o primeiro capítulo da novela baseada na criação de José Mauro de Vasconcelos.

Na música vivíamos a Tropicália e o período dos festivais, lembre-se do marco inicial, o Festival de Música Popular realizado em 1967 pela TV Record. Grandes nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes, Jorge Bem, Gal Gosta e Maria Bethânia surgiram nessa época. A TV Record destacava-se no universo do audiovisual ao lado da Band e da Tupi, as duas últimas emissoras foram as responsáveis pelas adaptações de O meu pé de laranja lima.

No mundo do futebol convém lembrar a Copa de 1970, a primeira a ser transmitida a cores pela televisão. O Brasil venceu e levou para a casa a taça do tricampeonato. 1970 foi também o ano de estreia da primeira adaptação cinematográfica de O Meu Pé de Laranja Lima.

3 comentários:

  1. Prévidi boa tarde.

    Leio o teu blog todos os dias, quando não é possível, leio as publicações na semana em um dia. Te acho muito inteligente e articulado nas palavras, difícil de se encontrar hoje em dia.
    Entendo e respeito como tu te posiciona a respeito da atual situação politica no Brasil, que entra governo e sai governa e o negocio não melhora, como se diz por aqui "cresce que nem cola de eguá, só cresce para baixo"
    Concordo que a esquerda no Brasil está sem rumo e aniquilada, a moral deles é igual a uma formiga passando com água pela canela.
    Mas ultimamente anda muito difícil defender o "Táokey" , no inicio parecia que o negocio iria andar de verdade, pra frente.
    Mas entretanto não passa de um aloprado, um politico "velho", quando falo velho é no sentido do tomá lá da cá, atitudes pensando no interesse próprio (família), fora a total irresponsabilidade com a atual situação que estamos vivendo.
    Votei nele, era a unica opção na pressão e temperatura do momento, mas é uma pena o que está ocorrendo.
    Espero que um dia, não digo na minha geração, mas nas futuras, que é o mais importante, tenhamos realmente uma democracia e um governo de verdade no nosso país.

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  2. Obrigado por proporcionar, atraves do teu blog, acesso à esse tipo de cultura.
    Ainda mais em "tempos de pandemia".

    Grande abraço,
    Pedro Leon

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  3. Mais uma nova gíria desses "tempos de pandemia" está nascendo: o "novo nomal".

    Grande abraço,
    Pedro Leon

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