Ali Kamel processa Cafezinho
Enviado por Miguel do
Rosário - 06/11/2013 – 3:07
pm
O
Cafezinho perdeu a virgindade. Eu esperava que isso fosse acontecer mais cedo ou
mais tarde. Mas confesso que fiquei decepcionado, porque foi muito previsível. O
diretor de jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel, está me processando por tê-lo
chamado de “sacripanta reacionário e golpista”, num post de janeiro deste ano,
intitulado As taras de Ali Kamel, no qual eu procuro defender o colega
Rodrigo Vianna, que fora absurdamente condenado por um chiste.
A
acusação, porém, é tosca e inepta. Tem um erro grosseiro logo no início, ao
dizer que eu o acusei de cometer “todo o tipo de abuso contra a democracia” e “a
dignidade humana”, “se empenhar dia e noite para denegrir a imagem do Brasil,
aqui e no exterior” e de utilizar “métodos de jornalismo” que “fazem os crimes
de Rupert Murdoch parecerem estrepolias de uma criança mimada”.
Kamel
se identifica tanto com a empresa onde trabalha, que ele acha ser a própria
empresa. O meu texto, que inclusive vai reproduzido no processo, diz
textualmente:
“É inacreditável que o diretor de jornalismo da empresa que comete todo o tipo de abuso contra a democracia, contra a dignidade humana, a empresa que se empenha dia e noite para denegrir a imagem do Brasil, aqui e no exterior, cujos métodos de jornalismo fazem os crimes de Ruport Murdoch parecerem estrepolias de uma criança mimada, pretenda processar um blogueiro por causa de um chiste!”
Ou
seja, esses carinhosos epítetos são destinados à empresa, à Globo, e não a Ali
Kamel. Ele vestiu a carapuça por sua conta.
Ainda
mais incrível, o processo tenta jogar a própria Justiça contra mim, ao dizer o
seguinte:
“Como se não bastasse, o réu ainda afirma que a Justiça seria ‘empregadinha dos poderosos’.”
Ora,
Ali Kamel quer me processar por críticas ao Judiciário brasileiro? No caso,
minhas críticas nem foram ao Judiciário em si, mas à decisão judicial de
condenar Rodrigo Vianna.
Prezado
Ali Kamel, os adjetivos “sacripanta reacionário e golpista” não se referem à sua
pessoa, visto que não lhe conheço, e sim ao cargo de diretor de jornalismo de
uma empresa ao qual eu faço duras críticas políticas. Isso fica bem claro no
texto.
É
realmente ridículo que o executivo mais poderoso do jornalismo da Globo, cujo
maior ativo é uma concessão pública líder no mercado, e portanto constitui um
agente político com grande influência na opinião pública e nos processos
eleitorais, queira asfixiar as vozes dissonantes através de chicanas
jurídicas.
O
processo reitera que deve aplicar a pena maior possível contra o blogueiro, para
“desestimular ao máximo que o imenso sofrimento do autor com as descabidas
ofensas que lhe foram dirigidas no post As taras de Ali Kamel se repita ou venha
a ser experimentado por novas vítimas do réu”.
Imenso
sofrimento?
Quem
sofre sou eu, blogueiro latino-americano, sem dinheiro no bolso, esmagado por um
governo inerte (na questão da mídia), de um lado, e uma imprensa historicamente
golpista e reacionária, de outro.
Kamel
pede R$ 41.000,00 de indenização moral. Hahaha.
Ou
seja, ele simplesmente pretende destruir o blog que noticiou um dos
maiores crimes de sonegação da história da mídia brasileira, cometido pela
empresa para o qual ele mesmo trabalha, porque o blogueiro lhe chamou de
“sacripanta reacionário” e fez críticas à sua empresa?
Tenho
esperança que o Judiciário não vai deixar barato esse ataque sórdido à liberdade
de expressão, ainda mais grave porque cometido por uma pessoa que dirige uma
concessão pública confessadamente golpista e, como tal, com obrigação de ser humilde e
tolerante no trato com aquelas mesmas vozes que ela ajudou a calar nos anos de
chumbo.
O
advogado de Ali Kamel, João Carlos Miranda Garcia de Souza, é também advogado da Rede
Globo. É pago, portanto, com recursos oriundos de uma concessão pública que se
consolidou durante um regime totalitário, e com apoio de um governo estrangeiro
(EUA). Posso afirmar, portanto, que estou sendo processado pelas mesmas forças
que implantaram a ditadura no Brasil.
Eu
não tenho advogado, não tenho dinheiro, nem minha conta bancária foi abastecida
com recursos da ditadura ontem, e da Secom hoje.
Só
que estamos em outro momento, Kamel. Ou pelo menos, eu quero acreditar que
estamos.
A
família Marinho, segundo noticiado hoje por
este blog, é a segunda maior fortuna de mídia do planeta. Com tanto dinheiro,
mídia e poder, qualquer agressão de seus diretores a blogueiros políticos que
criticam a sua linha editorial se torna um atentado particularmente hediondo à
democracia.
Em
1981, já nos estertores do regime militar, uma tragédia terrível aconteceu na minha família. Meu tio,
Francisco do Rosário Barbosa, um homem pacato, sem filiação partidária, sem
militância política, mas com alguma ideologia, foi preso num ônibus, sem razão
nenhuma além de ter protestado contra a forma como os policiais estavam
revistando os passageiros. Levado a 9ª DP do Catete, foi torturado até a morte.
Tinha 9 irmãos, entre eles meu pai, primogênito, e uma mãe.
Diante
do sofrimento inaudito que quase levou a família à loucura, meu pai reuniu a
todos e disse que a melhor forma de lidarem com aquela tragédia era a usarem
como mais um instrumento de luta contra a ditadura.
Nesse
momento, em que vivemos uma democracia pujante, mas conspurcada por um sistema
de comunicação oligopolizado, herdeiro do regime militar, não me resta outra
saída senão me aferrar àquela postura tão digna de meu pai, José Barbosa do
Rosário, e afirmar que vou usar este processo do diretor de jornalismo da Globo
contra minha pessoa como mais um instrumento para derrubar, ou ao menos
debilitar, esse odioso oligopólio midiático liderado pela família Marinho e seus
capangas.
O processo é o número
0314414-68.2013.8.19.0001, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A primeira
audiência de “conciliação” acontece em fevereiro de 2014. Não preciso de nenhuma
contribuição financeira porque acho muito improvável que eu perca esse processo,
que é surreal. E se eu perder, vou recorrer até as últimas instâncias.
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