Segunda, 11 de novembro de 2013 - parte 2

A SOLIDÃO DA ZONA SUL

Glauco Fonseca, consultor


A chuva forte que cai me faz suspirar.

Eu moro na zona sul de Porto Alegre, mas no meu carro jamais coloquei o adesivo “Eu sou mais a Zona Sul” porque, afinal de contas, é tudo Porto Alegre e não fosse por este detalhe, havia prometido para mim mesmo que não iria mais “gauchizar” tudo na vida. Eu moro na zona sul, nada tenho contra quem não mora e tampouco quero mais um conflito vagabundo na minha existência. O emblema nos automóveis que tece loas à zona sul, ao lado daqueles adesivos de família com gato, cachorro e papagaio, dão uma ideia de como podemos ser humanos e simplórios, cheios de afetividade para com nossa terra e nossa gente (A la putcha! Viu como o curial e o nacionalista se aplicam até mesmo à região onde decidimos morar?).

Eu vivo na Vila Assunção há 17 anos, numa rua esburacada e tranquila, com gato e cachorro, passarinho. Até cobra de verdade já vi dentro do meu condomínio. Há pouco movimento de carros por aqui e eu acho ótimo. Muitas casas à venda e poucos prédios de apartamentos. Havia até mesmo uma padaria por perto, mas fechou semana passada. Bom para andar de bicicleta, caminhar. O pôr-do-sol é inegavelmente belo por detrás das poucas velas do Sava Clube. Eu não divulgo muito, mas confesso que também gosto da zona sul.

Há alguns anos, no entanto, uma sensação mista de solidão e curiosidade me tomou de assalto. Eu comecei a investigar o porquê de tanto amor das pessoas para com a zona sul (ainda que eu ache que é impossível alguém amar tanto assim Teresópolis, Nonoai ou o Espírito Santo). Dizem que estão sendo feitos novos adesivos, devidamente atualizados, que terão variações como “Eu sou mais a zona sul, menos o Cristal”, ou “...menos o Chapéu do Sol”.

Minha investigação histórica iniciou-se com os impactos de duas obras importantes para a região: A terceira perimetral e, depois, a construção do Barra Shopping Sul. As duas obras mencionadas, somadas às atuais obras de mobilidade que atingem a Padre Cacique e o viaduto da Bento Gonçalves, tem literalmente mantido quase que sitiados os habitantes da zona sul. O amor tem muito a ver, portanto, com a impossibilidade sistemática dos moradores de entrarem ou saírem de seus bairros! As obras constantes nos acessos à zona sul são tão demoradas e tão incompetentes que fazem com que procuremos tudo nos próprios bairros da região. Simples assim. Eis o nosso amor. Um “Under the Dome” todo nosso. Eu amo a zona sul porque não consigo mais sair dela ou nela chegar!

Quando tem Cirque du Soleil, então, é um terror. Eu adorava o Cirque do Soleil. Depois de duas temporadas no Barra Shopping, eu passei a odiar até barraca canadense. Ontem, domingo, teve uma competição na Diário de Notícias que me lembrou Costa Gavras. Inventamos de almoçar fora e demoramos 45 minutos entre nossa casa e o Beira-Rio, quando décimos voltar para não comprometer a sesta da tarde (na zona sul as pessoas fazem sesta, qual é o problema?).  Descobri também em minha pesquisa porque o bairro Tristeza tem este nome. É por que, para chegar lá ou de lá sair, tem de passar pela Icaraí.

Eu também gosto da zona sul, apesar de alguns chatos que alegam que gostam mais do que outros. Brigam para saber quem gosta mais. Não se pode reclamar de nada para nenhum morador, pois eles jogam na tua cara “por que então tu não te mudas?”. Apesar de muitos malas que se acham nativos e de muitos nativos que são muito malas, é bom viver na zona sul.

Haverá, entretanto, um glorioso dia em que nos deixarão entrar ou sair. Poderemos, enfim, mesmo em dias de chuva, estreitar ainda mais nossos laços com outros seres da capital.

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