Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
...
ANDO DEVAGAR
PORQUE JÁ TIVE PRESSA PRESSA
...
ANDO DEVAGAR
PORQUE JÁ TIVE PRESSA PRESSA
Escreva apenas para
especial
Nesta sexta, uma cesta
de Nei Duclós!
Quero um sorriso que dure uma quadra e dobre a esquina a iluminar-me
Embora não acredites
estou tão habitado
que pareço um mar
Levanto com esforço as âncoras e parto
nas naus sem volta do meu canto
Nada do que falei tem importância
Nada do que escrevi fica
A longevidade é como a lixa
Que raspa a vaidade até o osso
De repente você está solto
Sem a carne que o sustenta
O vento faz barulho em teus braços ocos ("Lixa')
Nei Carvalho Duclós, ou Nei Duclós, nasceu em Uruguaiana, em 29 de outubro de 1948. É jornalista, poeta e escritor, com 17 livros publicados. Sua obra mais famosa é "Outubro".
Parêntesis: Na década de 70, quando comecei a me aventurar no meio literário, ouvia sempre dois nomes que eram pronunciados com reverência: Caio e Nei. O Caio Fernando Abreu conheci, bati vários papos e li quase toda sua obra. O Nei Duclós não conheci, mas vários dos meus amigos da área eram amigos dele, como o Caio. Tomei conhecimento do seu trabalho com "Outubro". Sempre acompanhei a sua trajetória - isso que sou tosco para gostar de poesia... Fecha parêntesis.
Nei tinha 17 anos quando mudou-se para Porto Alegre. Começou a cursar Engenharia na UFRGS. Abandonou logo para cursar Jornalismo. Participou ativamente do movimento estudantil. Trabalhou na Folha da Tarde e Folha da Manhã, da Caldas Junior, e publicou seu primeiro livro, "Outubro", em 1975, pelo Instituto Estadual do Livro e a editora A Nação.
Mudou-se para São Paulo, onde desenvolveu longa carreira como jornalista, tendo trabalhado na Folha de S. Paulo, revistas Brasil 21, Senhor (anos 1980), IstoÉ, e nos jornais A Tribuna, de Vitória, O Estado, de Florianópolis e Jornal de Santa Catarina, de Blumenau. Publicou textos também em O Estado de S. Paulo, Veja, Escrita, Arte Hoje, Diário Catarinense, Shopping News, Zero Hora, Jornal Opção, entre outros veículos.
Depois de "Outubro" Nei publicou No Meio da Rua, em 1979, pela LP&M Editores (com prefácio de Mario Quintana), em 2001 No Mar, Veremos, pela Editora Globo (com prefácio de Mario Chamie) e em 2012 Partimos de Manhã (Iel/Corag), todos de poesia. Em 2004 publicou seu primeiro romance, "Universo Baldio", pela W11 Editores. Em 2006 lançou "O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas Pelo Vento", pela Editora Empreendedor, de SC. Em ebooks lançou "Arraso", "Poemas de Amor", "Cálida Palavra", "Trovador", "Verso Esparso" e "Pampabismo/Enigminas: Conversos". E também "Mágico Deserto - Contos Fora de Forma", e "Beijo Entre Nuvens", crônicas. E em 2012 o livro impresso "Laguna, Obra e Paisagem", pela Editora Expressão. Em 2014 publicou pela Editora Unisinos o livro de ensaios "Todo Filme é Sobre Cinema".
Tem dois livros de literatura infanto-juvenil publicados pela Editora Record, escritos em parceria com o autor Tabajara Ruas: "Meu Vizinho Tem Um Rottweiler (E Jura que ele é Manso)" e "A Trilha da Lua Cheia".
É bacharel em História formado pela USP.
Mora em Santa Catarina, onde trabalha como escritor contratado de projetos especiais, além de continuar lançando seus livros.
TODOS OS LIVROS DO NEI DUCLÓS ESTÃO NO http://outubro.blogspot.com/
Ou peça pelo neiduclos@gmail.com
Brizola não era de esquerda. Repudiou e também se aliou a ela mas seu perfil ideológico é o trabalhismo, que é o equilíbrio entre capital e trabalho. Se eu subsidio a indústria devo subsidiar também o trabalhador, dizia Getúlio.
Mania de usar as personalidades históricas para preencher as gavetinhas ideológicas.
ILHA
Todo continente é uma ilha
O mar não está cercado
De terra por todo lado
Só o mar é soberano
Como terra firme
Do altiplano
O PAÍS NO ABISMO
O país apodreceu bem na nossa vez
Quando queríamos salvá-lo
Acreditando em farsantes
O pais caiu no abismo quando nos debruçamos
Pegou fogo na hora do luau
Enlouqueceu quando tínhamos razão
O pais foi embora quando decidimos ficar
Partiu no último avião
Nos deixando com os livros que não servem mais
O país deixou de existir junto com nossa certidão de nascimento
Desconhecemos seus vestígios
Sabemos só que havia uma nação onde hoje é deserto
PLANTÃO DE AEROPORTO
Em La Insignia (https://www.lainsignia.org/)
Maio de 2006
Lupicínio Rodrigues desce do avião e coloca o pé no aeroporto, onde faço plantão, depois de um dia pesado em que obedeci às pautas de cidade, aquela famosa sucessão de buracos de rua. Ele tem a cara redonda, covinhas no rosto quando sorri com a boca fina e o brilho no olhar. É gentil e doce, e ao caminhar deixa a cabeça pendendo levemente para o lado, como se estivesse ao sabor de algum vento.
- De onde você vem, Lupicínio?
- Fui gravar um disco para a Abril, em São Paulo.
- Tem alguma música inédita?
- Tem. A guarânia Judiaria.
- Canta para mim?
E o foca dos focas, aquele que assume tarefas desprezadas pelos veteranos, enfrentando o rito de passagem que é esperar personalidades em viagem, ouve, de viva voz, uma das canções do gênio, bem ao pé do ouvido: "Agora você vai ouvir aquilo que merece/ As coisas ficam muito boas quando a gente esquece/ Mas acontece que eu não esqueci a sua covardia, a sua ingratidão/ A judiaria que você um dia fez pro coitadinho do meu coração". O verso final saía com aquele jeito rasgado dele. Sussurrado em meio à balbúrdia, era o maior dos privilégios, nesta profissão insuportável, mas que não tem outra igual.
- E agora, Lupicínio, qual o próximo passo?
- Aqui em Porto Alegre é só trabalhar.
E seu olhar se perde. Lembro que o tinha visto antes por duas vezes. Primeiro, num elevador no centro da cidade, onde ele envergava uma calça apertada, um sapato branco sem meia e uma camiseta listrada. Já estávamos nos 60, mas ele era um recado dos anos 40. Depois, numa madrugada, junto com um grupo de universitários, fui conhecer o Clube dos Cozinheiros, onde Lupicínio apresentou, todo encapotado (era inverno) alguns dos seus clássicos imortais.
Mas o plantão do aeroporto também podia ser perigoso, como no dia em que o local estava coalhado de pessoas fardadas. Deveria ser alguém importante, deduzi, num raciocínio rápido como a luz. Não tive dúvidas. Cheguei para o primeiro sentinela (ah, a juventude) e lasquei:
- Quem está sendo esperado?
Imediatamente fui cercado por homens de sobretudo e terno, de cabelo de corte escovinha (só o tampo a cabeça tinha uma pequena relva), olhos azuis faiscantes de ódio e desconfiança. Fui levado a um reservado onde tentaram arrancar a confissão daquele terrorista. Eu não atinava com o problema. Estava vestido de maneira normal: cabelo comprido despenteado, casaco de brim tingido de preto, presente de um cunhado capitão do Exército, calça verde desbotada de veludo, feito sob medida a partir de um cotelê importado da Argentina, que usava no inverno e no verão, botas de borracha que iam até o joelho, já que eu não dispunha de nenhum outro tipo de calçado. Qual o problema, qual a estranheza? Estava apenas fazendo o meu trabalho!
Toda aquela vestimenta me dava um peso extra no corpo que deveria pesar uns 30 quilos na época. O vento poderia me carregar, por isso talvez usasse tantas âncoras. Os meganhas não acreditaram na minha história. Como poderia, com aquela aparência execrável, ser repórter da Folha da Tarde, da Caldas Junior, a mais importante empresa de jornalismo do Rio Grande do Sul? Onde estava meu comprovante? Minha carteira profissional? Minha identificação como jornalista? Eu não tinha. Acabara de ser selecionado para a vaga e estava completamente desprevenido. O fotógrafo que me acompanhava ficou branco de susto, mas telefonou para a redação, e o equívoco foi desfeito. Caí fora de fininho e jamais soube quem deveria chegar naquele dia.
Plantão era obrigação de foca. O encargo era repassado no final do expediente, depois de uma tarde de cão. A tortura começava a uma hora da tarde, quando o chefe de reportagem chegava para distribuir as tarefas. Para todos dizia sua máxima:
- Vai lá ver o que tem e o que não tem.
As ordens eram incompreensíveis. Um dia fiz uma pergunta tão absurda para uma fonte que ele me pediu a pauta, que estava escrita num pedacinho de papel, datilografada. Ele desenrolou o papel que eu tinha amassado no fundo do bolso, leu e entendeu. Aí me deu a entrevista. Depois de desovar a produção diária, tinha o plus, que era cercar passageiros, um expediente que se estendia até tarde da noite. Os veteranos, espertos, diziam que o plantão de aeroporto era uma aula de jornalismo, que aprenderíamos tudo ali: dar um furo, conhecer pessoalmente as personalidades. Ficavam na redação, e ainda tiravam sarro no dia seguinte dos contratempos dos focas.
O aeroporto era o olho da imprensa, que precisava saber o movimento das fontes mais importantes. Pouco se tirava de lá, a não ser algumas frases esparsas, uma plantadinha de notas, um futuro governador ainda desconhecido (já que eram nomeados e não precisavam de exposição pública para assumir o posto). As viagens eram mais raras, não é como hoje que toda celebridade trafega pelo ar a todo momento. Imagino como seria redundante ficar num plantão aeroporto, ainda mais nesta época de conexão total, em que dá para cobrir o fim do mundo só com a ajuda do mouse.
O jornalismo feito a martelo exigia esforço de estiva. A informação era rara e não estava sobrando como hoje, em que podemos acompanhar a intimidade dos astros como se estivéssemos aboletados na sala de visitas, ou descobrir o que fazem pessoas importantes quando acham que ninguém está olhando. Havia uma pele pública sobre a escassez humana. A viagem de avião tinha certa solenidade, especialmente para o repórter iniciante, que jamais saíra de seu torrão. Mas não se esperava muito do plantão. As melhores coisas não poderiam ser ditas. Como "entregar" o esforço de determinado deputado federal em inocular informações que beneficiassem sua candidatura a ministro de Estado?
Já estávamos escaldados pelo AI-5. O governo era ilegítimo. Os cargos eram ocupados todos pela direita. Não era possível fazer perguntas simples como: quem vai chegar hoje? Não se podia tratar uma sentinela de tchê-loco. Eles saltavam. Queriam pegar na jugular do foca despreparado, de aspecto rude e roqueiro num mundo de gravatas, quepes e sapatos com brilho. Hoje todos se vestem como presidiários. Macacões, camisetas, abrigos, tênis. Continuam todos iguais, nesta sucessão de personalidades enigmáticas, que vistas de perto perdem todo o encanto que a mídia tenta lhes dar. É impossível vê-las com uma certa emoção e solenidade, como víamos os lideres antes de 1964, quando a imagem era formatada pelo rádio, imaginada por emissão da voz e vestida de mitos que se foram.
Mas é bom que todo esse carisma se perca. Pelo menos não poderemos cair no erro que cometi quando vi Oito e Meio, de Fellini, pela primeira vez. Cheio de fumaças intelectuais, eu observava o longo travelling do início do filme, aquele em que as pessoas cumprimentam a câmara bebendo algo desconhecido e que tem por desfecho a aparição de Claudia Cardinale, mais bonita do que um anjo. Eu estava no cinema de Uruguaiana ao lado do meu colega de aula Rubens Lenar Güez. De repente, no meio do travelling, ele me perguntou:
- Sabes o é que isso?
Respirei fundo e defini:
- A humanidade em desfile!
- Não, disse o bom Rubens. É uma fonte de água mineral.
Tinha matado a charada. Enquanto eu me esforçava em ver algo mais do que simplesmente uma cena humana, ele decifrava o mistério apenas com a melhor qualidade de um repórter: a observação pura e simples, sem ilusões, tambores ou clarins. Era um sinal de como deveríamos nos comportar a partir daquela data: enxergando no anonimato da massa em trânsito aquilo que se destaca como fato. A aparência singular da notícia depende da vocação do jornalista que assume a profissão para o resto da vida, mesmo que o prendam pela falta de preparo.
Trecho de entrevista ao https://comoeuescrevo.com/nei-duclos/ de José Nunes:
(...) Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Perdi esses medos com a longevidade. Como sou aposentado, trabalho o dia inteiro e não temo mais a crítica destrutiva nem tenho ansiedades, pois tudo flui naturalmente depois de uma vida toda de esforços. Os projetos longos, onde entro como colaborador, é o que gera mais expectativa, mas como aprendi a metodologia da História na minha formação acadêmica na USP, e aplico também na literatura, confio no resultado que apresento. Muitas vezes a rejeição ao que faço vem de escalões intermediários e não da fonte do projeto, que tem visão mais ampla do que é feito. Driblo assim os medos de quem não quer arriscar na inovação e proponho algo que transcenda os limites conhecidos de obras contratadas. Mas há casos em que um livro inédito meu precisa ser lido por outras pessoas, pois tenho dúvidas, especialmente nos romances. Na poesia, o melhor exemplo é a edição em equipe, como é o caso do meu livro de estreia Outubro, que se mantém vivo há quarenta anos, pois foi muito debatido, selecionado e lido inúmeras vezes antes de ser publicado. Essa experiência da estreia me deu bagagem para editar os livros seguintes.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Como coloco tudo no ar nas redes sociais, meu trabalho é lido e avaliado por muitos leitores. A publicação no universo virtual é uma prévia do que os livros serão mais tarde. Coloco poesia e textos em blog, site, Facebook, e Twitter e recebo um retorno amplo e muitas vezes generoso do que faço. Isso me dá parâmetros na hora de organizar o ebook ou o livro impresso. Corto, seleciono, reescrevo ou mantenho como está.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no computador, raramente escrevo à mão para não esquecer. É quando estou na rua ou não há máquina disponível no escritório, que é repartido entre outras pessoas. Mas a tecnologia eliminou a gaveta e o rascunho pode ser refeito inúmeras vezes.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ler e meditar no quarto ou na rede da varanda são um incentivo à produção literária. Há também a interação online, onde as conversas, os contatos e o acesso ao que é oferecido no universo virtual me incentiva a intervir com uma nota, um artigo, um poema. As ideias vêm das palavras, elas dominam o processo, são meus guias. Em torno de algumas palavras, e sua sonoridade, é que escrevo.
Muito obrigado pelo destaque em tão generoso espaço!
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