Sexta, 4 de setembro de 2020




Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
...
ANDO DEVAGAR
PORQUE JÁ TIVE PRESSA





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especial

Nesta sexta, uma cesta
de Carolina de Jesus!








Lá no interior eu era mais feliz, tinha paz mental. Gozava a vida e não tinha nenhuma enfermidade. E aqui em São Paulo, eu sou poetisa!



Em 1948, quando começaram a demolir as casas térreas para construir os edifícios, nós, os pobres que residíamos nas habitações coletivas, fomos despejados e ficamos residindo debaixo das pontes. É por isso que eu denomino que a favela é o quarto de despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos.







(...) quando percebi que eu sou poetisa fiquei triste porque o excesso de imaginação era demasiado.




Carolina de Jesus (Carolina Maria de Jesus) nasceu em Sacramento, Minas Gerais, em 14 de março de 1914. Foi escritora, poetisa e compositora. Ficou conhecida em todo o Brasil  conhecida por seu livro "Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada" publicado em 1960.

Carolina foi uma das primeiras escritoras negras do Brasil.[A autora viveu boa parte de sua vida na favela do Canindé, na zona norte de São Paulo, sustentando seus três filhos como catadora de papéis. Em 1958, tem seu diário publicado sob o nome Quarto de Despejo, com auxílio do jornalista Audálio Dantas. O livro fez um enorme sucesso e chegou a ser traduzido para 14 idiomas.

Sua obra permanece objeto de diversos estudos, tanto no Brasil quanto no exterior.. 

Sacramento é uma comunidade rural. Os pais de Carolina eram analfabetos. Era filha ilegítima de um homem casado e foi maltratada durante toda sua infância. Aos 7 anos, sua mãe a obrigou a frequentar a escola, depois que a esposa de um rico fazendeiro decidiu pagar seus estudos, mas ela interrompeu o curso no segundo ano, tendo já conseguido aprender a ler e a escrever.

Em 1937, sua mãe morreu e ela resolveu viver em São Paulo. Carolina construiu sua própria casa, usando madeira, lata, papelão e qualquer material que pudesse encontrar. Saía todas as noites para coletar papel, a fim de conseguir dinheiro para sustentar a família.

Eu classifico São Paulo assim: O Palácio é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos.

Em 1947, aos 33 anos, desempregada e grávida, Carolina instalou-se na extinta favela do Canindé, na zona norte de São Paulo - num momento em que surgiam na cidade as primeiras favelas - cujo contingente de moradores estava em torno de 50 mil. Ao chegar à cidade, conseguiu emprego na casa do cardiologista Euryclides de Jesus Zerbini, médico precursor da cirurgia de coração no Brasil, o que permitia a Carolina ler os livros de sua biblioteca nos dias de folga. Em 1948, deu à luz seu primeiro filho, João José. Teve ainda mais dois filhos: José Carlos e Vera Eunice, nascidos em 1949 e 1953 respectivamente.




Ao mesmo tempo em que trabalhava como catadora, registrava o cotidiano da comunidade onde morava nos cadernos que encontrava no material que recolhia. Um destes cadernos, um diário que havia começado em 1955, deu origem a seu livro mais famoso, Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, publicado em 1960.

Publicado em 1960, a tiragem inicial de Quarto de Despejo foi de 10 mil exemplares e esgotou-se em uma semana. Desde sua publicação, a obra vendeu mais de um milhão de exemplares e foi traduzida para catorze línguas, tornando-se um dos livros brasileiros mais conhecidos no exterior.

Depois da publicação, Carolina teve de lidar com a raiva e inveja de seus vizinhos, que a acusaram de ter colocado suas vidas no livro sem autorização. A autora relatou que muitos dos moradores da favela chegaram a jogar, nela e em seus três filhos, os conteúdos de seus penicos. Carolina definiu a favela como "tétrica", "recanto dos vencidos" e "depósito dos incultos que não sabem contar nem o dinheiro da esmola."

Após o lançamento, seguiram-se três edições, com um total de 100 mil exemplares vendidos, tradução para 13 idiomas e publicados em mais de quarenta países.

Em 1962, Quarto de Despejo foi publicado nos Estados Unidos pela editora E. P. Dutton com o título Child of the Dark. No ano seguinte, como parte da coleção Mentor, a tradução ganhou uma edição de bolso, publicada primeiro pela New American Library, depois pela Penguin USA. Segundo o autor Robert Levine, somente das vendas desta edição, que totalizaram mais de 300 mil cópias nos EUA, Carolina e sua família deveriam ter recebido, pelo contrato original, mais de 150 mil dólares. Contudo, não foi encontrado indício algum de que ela tenha recebido sequer uma pequena parte disto.




Em março de 1961, uma reportagem afirmou que a publicação de Quarto de Despejo havia rendido a Carolina seis milhões de cruzeiros em direitos autorais, contudo a quantia exata variava, de acordo com a reportagem. É certo que Carolina tinha direito a dez por cento do preço de venda das traduções, com trinta por cento de sua parte reservada a Audálio Dantas; ela recebia pequenos pagamentos em dólares das editoras estadunidenses, mas, por força do contrato original, não podia autorizar traduções de sua obra: este direito fora cedido à editora Paulo de Azevedo, uma filial da editora Francisco Alves.

Depois da publicação de Quarto de Despejo, Carolina mudou-se para Santana, bairro de classe média, na zona norte de São Paulo. Em 1963, publicou, por conta própria, o romance Pedaços de Fome e o livro Provérbios.
Em 1969, Carolina acumulou dinheiro suficiente para se mudar de Santana para Parelheiros, uma região árida da Zona Sul de São Paulo, no pé de uma colina. Próxima de casas ricas, local de algumas das habitações mais pobres do subúrbio da cidade, com impostos e preços menores, era lá que Carolina esperava encontrar tranquilidade. Parelheiros se caracterizava por fortes contrastes entre ricos e pobres: grandes casarões ao lado de barracos, que, via de regra, surgiam em vales, onde o ar era poluído pelas indústrias da região do Grande ABC. Embora pobre, Parelheiros era o mais próximo que Carolina poderia chegar do interior de sua infância sem deixar São Paulo e suas escolas públicas, para as quais seus filhos iam de ônibus.

Agora passando boa parte de seu tempo sozinha, lia o jornal e plantava milho e hortaliças, apesar de reclamar que seus esforços de jardinagem rendessem tanto quanto custassem.

Carolina nunca quis se casar para não ter que ser submissa aos homens. Manteve diversos relacionamentos afetivos ao longo da vida, tendo sido pedida em casamento por alguns namorados, mas nunca aceitou. As três vezes que engravidou não foram planejadas, e foram frutos de relacionamentos diferentes.




Seu primeiro filho era fruto de seu namoro com um marinheiro português, que era muito ciumento e a abandonou grávida; o segundo foi de um relacionamento com um comerciante espanhol, com quem ela terminou o relacionamento por conta das traições dele. Sua terceira filha foi fruto de seu namoro com um empresário brasileiro, cujo término se deu devido às agressões e humilhações que sofria.

Seus filhos desde cedo apegaram-se aos livros por influência da mãe, e todos frequentaram escolas públicas. Carolina registrou e criou seus filhos sozinha. Para sustentá-los, além de escrever e vender livros, fazia coleta de materiais recicláveis, realizava faxinas, lavava roupas para fora e dava aulas em casa, de alfabetização.

A filha de Carolina, Vera Eunice, tornou-se professora e contou em entrevista que sua mãe aspirava a se tornar cantora e atriz.

Carolina de Jesus morreu aos 62 anos em seu quarto, em Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo, no dia 13 de fevereiro de 1977. Foi vítima de uma crise de insuficiência respiratória, devido a asma, que apesar de realizar tratamento, havia se agravado.


Não digam que fui rebotalho,
que vivi à margem da vida.
Digam que eu procurava trabalho,
mas fui sempre preterida.
Digam ao povo brasileiro
que meu sonho era ser escritora,
mas eu não tinha dinheiro
para pagar uma editora.





Em 1975, a televisão alemã West Germans gravou um documentário protagonizado pela própria Carolina. O filme Favela: a vida na pobreza continuava inédito no Brasil quando foi exibido pela primeira vez na ocasião do centenário de nascimento da escritora, em 14 de março de 2014, no Instituto Moreira Salles.

Em 1977, foi publicada postumamente a obra Diário de Bitita, com recordações da infância e da juventude. Em 1982, publicou-se Um Brasil para Brasileiros. Em 1996, Meu Estranho Diário e Antologia Pessoal. Em 2014, as pesquisadoras Raffaella Fernandez e Maria Nilda de Carvalho Motta organizaram a coletânea Onde Estaes Felicidade, que trouxe textos originais da autora e sete ensaios sobre sua obra e, em 2018, lançaram Meu sonho é escrever – Contos inéditos e outros escritos, com narrativas da autora.

A pesquisadora Raffaella Fernandez organizou o material inédito deixado por Carolina de Jesus em 58 cadernos que somam 5 000 páginas de textos: são sete romances, 60 textos curtos e 100 poemas, além de quatro peças de teatro e de 12 letras para marchas de carnaval.

Dos livros escritos acerca da autora, destacam-se Cinderela negra: a saga de Carolina Maria de Jesus (1994), de José Carlos Meihy e Robert Levine; Muito Bem, Carolina!: Biografia de Carolina Maria de Jesus (2007), de Eliana Moura de Castro e Marília Novais de Mata Machado; Carolina Maria de Jesus - Uma Escritora Improvável (2009), de Joel Rufino dos Santos; A Vida Escrita de Carolina Maria de Jesus, de Elzira Divina Perpétua; e Carolina: uma biografia (2018) de Tom Farias.

Em 2014, como resultado do Projeto Vida por Escrito - Organização, classificação e preparação do inventário do arquivo de Carolina Maria de Jesus, contemplado com o Prêmio Funarte de Arte Negra, foi lançado o Portal Biobibliográfico de Carolina Maria de Jesus e, em 2015, foi lançado o livro Vida por Escrito - Guia do Acervo de Carolina Maria de Jesus, organizado por Sergio Barcellos. O projeto mapeou todo o material da escritora, que passou a ser custodiado por diversas instituições, dentre elas: Biblioteca Nacional, Instituto Moreira Salles, Museu Afro Brasil, Arquivo Público Municipal de Sacramento e Acervo de Escritores Mineiros (UFMG).

Para o Carnaval de 2021, a escola de samba Colorado do Brás, do Grupo Especial de São Paulo, terá como tema a história de Carolina de Jesus. O enredo é assinado pelo carnavalesco André Machado e tem o título Carolina: A Cinderela Negra do Canindé.


Obras 
Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada (1960)
Casa de Alvenaria (1961): Diário de uma ex-Favelada
Pedaços de Fome (1963)
Provérbios (1963)

Póstumas
Diário de Bitita (1977)
Um Brasil para Brasileiros (1982)
Meu Estranho Diário (1996)
Antologia Pessoal (1996)
Onde Estaes Felicidade (2014)
Meu sonho é escrever – Contos inéditos e outros escritos (2018)



Resumo de Quarto de Despejo

por Rebeca Fuks
O livro de Carolina Maria de Jesus narra de modo fiel o cotidiano passado na favela.
Em seu texto, vemos como a autora procura sobreviver como catadora de lixo na metrópole de São Paulo, tentando encontrar naquilo que alguns consideram como sobra o que a mantenha viva.
Os relatos foram escritos entre 15 de julho de 1955 e 1 de janeiro de 1960. As entradas no diário são marcadas com dia, mês e ano e narram aspectos da rotina de Carolina.
Muitas passagens sublinham, por exemplo, a dificuldade de ser mãe solteira nesse contexto de extrema pobreza. Lemos num trecho presente no dia 15 de julho de 1955:
Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um par de sapatos para ela. Mas o custo dos generos alimenticios nos impede a realização dos nossos desejos. Atualmente somos escravos do custo de vida. Eu achei um par de sapatos no lixo, lavei e remendei para ela calçar.


Carolina Maria é mãe de três filhos e dá conta de tudo sozinha.
Para conseguir alimentar e criar a família ela se desdobra trabalhando como catadora de papelão, metal, e como lavadeira. Apesar de todo o esforço, muitas vezes sente que não dá conta.
Nesse contexto de frustração e extrema pobreza, é importante se sublinhar o papel da religiosidade. Diversas vezes, ao longo do livro, a fé aparece como um fator motivador e impulsionador da protagonista.
Há passagens que deixam bem clara a importância da crença para essa mulher lutadora:
Eu estava indisposta, resolvi benzer-me. Abri a boca duas vezes, certifiquei-me que estava com mau olhado.
Carolina encontra na fé força, mas também muitas vezes explicação para situações cotidianas. O caso acima é bastante ilustrativo de como uma dor de cabeça é justificada por algo da ordem do espiritual.
Quarto de Despejo explora os meandros da vida dessa trabalhadora mulher e transmite a dura realidade de Carolina, o constante esforço contínuo para manter a família de pé sem passar maiores necessidades:
Saí indisposta, com vontade de deitar. Mas, o pobre não repousa. Não tem o previlegio de gosar descanço. Eu estava nervosa interiormente, ia maldizendo a sorte. Catei dois sacos de papel. Depois retornei, catei uns ferros, uma latas, e lenha.
Por ser a única a prover o sustento da família, Carolina trabalha dia e noite para dar conta da criação dos filhos.
Os seus meninos, como ela costuma chamar, passam muito tempo sozinhos em casa e vira e mexe são alvo de críticas da vizinhança que dizem que as crianças "são mal inducadas".
Embora nunca se diga com todas as letras, a autora atribui a reação das vizinhas com os seus filhos pelo fato de ela não ser casada ("Elas alude que eu não sou casada. Mas eu sou mais feliz do que elas. Elas tem marido.")
Ao longo da escrita, Carolina sublinha que sabe a cor da fome - e ela seria amarela. A catadora teria visto o amarelo algumas vezes ao longo dos anos e era daquela sensação que mais tentava fugir:
Eu que antes de comer via o céu, as árvores, as aves, tudo amarelo, depois que comi, tudo normalizou-se aos meus olhos.
Além de trabalhar para conseguir comprar comida, a moradora da favela do Canindé também recebia doações e buscava restos de alimento nas feiras e até no lixo quando era preciso. Em uma das suas entradas no diário, comenta:
A tontura do álcool nos impede de cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago.
Pior do que a fome dela, a fome que mais doía era aquela que assistia nos filhos. E é assim, tentando escapar da fome, da violência, da miséria e da pobreza, que se constrói o relato de Carolina.
Acima de tudo, Quarto de Despejo é uma história de sofrimento e de resiliência, de como uma mulher lida com todas as dificuldades impostas pela vida e ainda consegue transformar em discurso a situação limite vivida.



Um comentário:

  1. Gostei e acho que compartilhei com alguém próximo, mas podes ter certeza que foi por orgulho e por ter uma história de vida que tem uma certa empatia com a cesta publicada no Blog. Parabéns, belíssimo texto!👍🏿

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