Sexta, 18 de setembro de 2020


Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
...
ANDO DEVAGAR
PORQUE JÁ TIVE PRESSA





Escreva apenas para





especial

Nesta sexta, uma cesta 
de Flávio Dutra! 



Como bom capricorniano, não acredito em horóscopo.

Insensível é o sujeito que não chora nem com gás lacrimogênio.

Sou do tempo em que calça rasgada era sinal de pobreza, hoje é moda!




Flávio Dutra é porto-alegrense há 70 anos,  casado há mais de 40 anos com santa Helena, pai da Flávia, do Rafael e da Mariana e vô da Maria Clara, Rafaela, Augusto e Livia. Não tem filho nem neto feio e muito menos burro.

É formado em Comunicação Social pela UFRGS, com especialização em Jornalismo Empresarial e em Comunicação Digital, este sem diploma porque não concluiu o TCC. 

Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais veículos do Rio Grande do Sul, como os jornais Folha da Tarde e Zero Hora. Estagiou no Diário de Notícias, fez frees para a sucursal de O Globo, colaborou para o Pasquim regional e editou o Jornal do Inter, pela Coojornal, entre outras ocupações. Dirigiu equipes esportivas nas rádios Difusora/Band, Guaíba e Gaúcha, coordenando grandes eventos como Copa Libertadores, Copa do Mundo e Fórmula 1.


Atuou ainda na área esportiva das TVs Difusora/Band e RBS/TVCOM. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado, da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado Federal.



Participou de campanhas eleitorais para a prefeitura de Porto Alegre e governo do RS.

Ideologicamente, considera-se um radical de centro. um isentão raiz. Atualmente é colunista do portal Coletiva.net. Assíduo nas redes sociais, mantém desde 2009 o blog ViaDutra.


Autor dos livros Crônicas da Mesa ao Lado, A Maldição de Eros e Quando Eu Fiz 69, co-autor, com Indaiá Dillenburg, de Dueto – A Dois é Sempre Melhor, participou das coletâneas DezMiolados 1 e 3 e Todos Por Um.

Espera do fim da pandemia para lançar Confraria 1523 – Uma história de parceria e bom humor, escrito com mais nove parceiros de uma confraria longeva de 20 anos. Os textos aqui apresentados foram publicados originalmente no blog ViaDutra e reeditados para o livro Quando Eu Fiz 69.


 Da série Grandes Mentiras da Humanidade:
"Segunda-feira fecho e boca e começo o regime!"


Nos tempos  do Maipu



¨Na mocidade, frequentava todas as noites o Maipu¨.

Foi assim que o Neni abriu a conversa na mesa ao lado. Embora a presença feminina fosse maioria naquele fórum etílico e gastronômico, a sentença do Neni foi a deixa para que os talheres e as taças de espumante ficassem de lado e toda a atenção concentrada no que seria relatado depois. Aqui convém esclarecer que o Maipu era um afamado cabaret que marcou época nos anos 40 e 50 do século passado, com diversificado e qualificado elenco de moças. Ficava no Centro de Porto Alegre e tocava tangos e boleros.  Exceto pelo cardápio musical, seria um Carmen´s Clube de hoje.

O fato de recordar o Maipu e de usar o termo mocidade são reveladores da veteranice do Neni, ele que já foi um guerreiro pegador dos mais bem-sucedidos.

Pois na mocidade o nosso amigo batia ponto todas as noites e arrastava uma asa para uma das moças mais bonitas da casa, mas não era correspondido.

- Eu era um pelado, vivia de mesada e ela dizia que de graça nem pensar.

O tempo foi passando e o Neni curtindo aquele desejo reprimido e rejeitado, até que um dia a sorte lhe sorriu.

- A moça aquela me procurou e disse que queria passar uma noite comigo.

Parece que ouvi um ohh de aprovação das colegas de mesa, enquanto o Neni continuava sua narrativa:

- Eu ainda expliquei para a moça que não tinha dinheiro para ela, nem para o quarto e o táxi, que era o mínimo que a gente oferecia nessas circunstâncias...

De novo parece que ouvi um outro ohh, mas em tom de frustração, até que Neni retomou o assunto em tom triunfal.

- Aí ela disse que eu não me preocupasse porque naquela noite era tudo com ela.

E lá se foram para um hotelzinho de encontros que existia no Menino Deus.  Era o clímax da história e dava para sentir uma tensão quase física no ar, ao redor da mesa ao lado. O clímax virou anticlímax diante da revelação de Neni:

- Na hora H, tudo pronto para uma grande noitada, eu vacilei...

O tal vacilo foi a forma atenuada de dizer que havia broxado, o que arrancou ohhs solidários de um lado e decepcionados de outro. Pior foi enfrentar a ira da parceira, como contou.

- Eu banquei tudo, motel, táxi e nem estou cobrando a minha grana e a única coisa que não podia acontecer era tua  broxada. Que papelão, não me procura mais. Aliás, nem me olha mais, - teria dito a moça, diante de um Neni envergonhado e à beira de uma depressão.

Ficou tão abatido e de tal forma preocupado com o episódio que decidiu consultar um psicólogo, pai de um amigo também frequentador do Maipu.

- Olha, acho que a não ereção se deveu a tua ansiedade, meu rapaz, - ensinou o especialista. E sugeriu:

- Faz o seguinte: consegue dinheiro com teu pai e parentes e tenta de novo com outra moça. Se não funcionar, volta aqui.

Neni seguiu à risca a receita e garante que dessa vez funcionou, sem dar maiores detalhes, obtendo mesmo assim ohhs vitoriosos das senhoras e senhoritas da mesa.

Foi então que me dei conta que tinha começado lá atrás, com um enorme fracasso, a trajetória de grandes e variadas conquistas amorosas do querido Neni. As derrotas, como se sabe, podem ser pedagógicas para os que sabem tirar delas lições para outros enfrentamentos. E foi assim que Neni havia se transformado num mestre e alvo de minha confessada inveja, eu que nunca mereci ohhs da mesa ao lado.




O homem mais importante de Petrópolis


Minha avó paterna, dona Tarsila, também conhecida na família como Boneca, era  fã de Erico Verissimo, vizinho dos Dutra na parte alta da rua Felipe de Oliveira, no bairro  Petrópolis.  Ela já tinha lido todos os livros do escritor até  então publicados, na década de 40 do século passado, e alardeava para a  filharada e a  vizinhança:

- O Erico é o homem mais importante de  Petrópolis.

O  que ela não contava era com a forte oposição da filha mais  nova, minha tia  Vanda, que tinha oito ou nove anos e contestava a afirmativa materna:

- O homem mais importante do bairro  é o papai -  dizia  a  guria, hoje uma lúcida senhora octogenária, a  recordar a história  num encontro do clã.

- Mas por que tu achas que teu pai é mais  importante que o  Erico? – insistiu vó Tarsila.

- Porque papai tem curso superior o seu Erico não, nossa casa é maior que a dele, o papai tem carro oficial  na garagem e é amigo do presidente Getúlio Vargas - argumentou tia Vanda.

Vicente Dutra, o pai da Vanda e meu avô, era formado em Medicina, mas já não exercia a profissão; fora prefeito de Iraí, construíra o balneário de termas que acabou virando cidade e ganhou seu nome no Norte do estado;  o carro preto na garagem era a mordomia  a que tinha direito  como diretor regional da Caixa Econômica Federal, nomeação direta  de seu amigo Getúlio Vargas.  E Erico Verissimo, como se sabe, era filho de um boticário e ele mesmo um dono de  farmácia falido em Cruz Alta, que só conseguiu a estabilidade financeira  como diretor da Revista do Globo quando se transferiu para Porto  Alegre.  Ou seja, na visão da pequena vizinha, não fazia frente ao status e a situação financeira do seu amado pai. 

Eis que a polêmica na morada dos Dutra chegou aos  ouvidos  de Erico por meio de uma amiga comum. Coube ao próprio escritor dirimir a dúvida no dia em  que bateu à  porta dos vizinhos e foi atendido por uma surpresa Vanda:

- Minha criança, tens toda  a razão:  teu pai é o homem mais importante de Petrópolis -  reconheceu o  generoso  Erico.

Em seguida presenteou dona Tarsila com um livro autografado, provavelmente "Olhai os Lírios  do Campo", obra que jamais foi localizada na morada da  Felipe de Oliveira -  uma construção à antiga,  que ainda hoje existe em frente à  caixa d´água da pracinha na esquina com a rua Borges do Canto.( detalhe: a pracinha recebeu o nome de Mafalda Verissimo, companheira de Erico por toda  a  vida).

O gesto de Erico, mais do que generosidade com uma criança, pode estar relacionado  com as diferenças  entre o seu  comportamento reservado, mais as dificuldades financeiras que a família  enfrentou,  e as atitudes de  seu pai  Sebastião, homem gastador e  mulherengo,  conforme relata no autobiográfico "Solo de Clarineta". Como não prestigiar a menina que, diferente dele, idolatrava o pai,  considerando-o tão maior que o já consagrado escritor?

Apesar disso, alguns anos após, Erico passou a se queixar das moças Dutra, que não o cumprimentavam mais. “Essas Dutras estão muito exibidas”, teria dito o escritor e o reclamo foi levado à dona Tarsila, que questionou as filhas:

-  Nós estudávamos  no Colégio Sévigné e as freiras  nos disseram para ficar longe do Erico, que teria escrito livros obscenos - explica hoje, entre risos, a tia Vanda.

- Aí a mamãe disse que não era para dar atenção às freiras e que devíamos  cumprimentar, sim, o vizinho nas caminhadas dele pelo bairro, junto com dona Mafalda -  acrescentou.

E assim a cordialidade e a civilidade voltaram a reinar na Felipe de Oliveira.

A crescente devoção das pessoas pelos animais é diretamente proporcional ao desencanto com a raça humana.

O mantra do patrono e a nova Playboy


O queridíssimo Evaldo Gonçalves, além de competente editor dos chamados esportes amadores da Zero Hora na década de 80/90 do século passado, era o patrono da Confraria da Caveira Preta, que reunia um bando de jornalistas bandalhos em festins gastronômicos,  etílicos e difamatórios.  Incapaz de compartilhar as maldades dos confrades, Evaldo a tudo ouvia,  mantendo aquele seu jeito generoso e o máximo que pronunciava, mesmo diante do mais escabroso dos assuntos, era uma frase que acabou virando um mantra:

- Que fim de século!

Se ainda estivesse entre nós, o bom Evaldo certamente teria alterado sua frase diante deste desconcertante século 21:

- Que início de século!

Não há mais dúvida de que o ano  de 2015 marcou definitivamente o término de uma era e o início de outra. O marco simbólico desta nova era é o fim da revista Playboy como a conhecemos: sem mulher pelada.  A onda, motivada pela perda de leitores e faturamento,  começou na edição americana e depois chegou ao Brasil. Na nova Playboy só aparecem os chamados ensaios sensuais.

As peladonas gráficas foram derrotadas pela internet com seus portais para adultos  e a profusão  de vídeos  eróticos e pornográficos em todas as plataformas.  Hugh Hefner, fundador da Playboy (NE: falecido em 2017 aos 91 anos) nem teria porque se queixar, uma vez que seu canal na Tv por assinatura é muito assistido nos motéis. É o que me contam porque já não frequento mais esses estabelecimentos.

A Playboy revista formou gerações inteiras, cumprindo um papel  relevante  na iniciação sexual artesanal, por assim dizer,  entre os rapazes.  Só por isso mereceria teses e teses de mestrado, se é que isso já não aconteceu.  Parece que estou vendo os falsamente intelectuais  elogiando as entrevistas de abertura e os artigos avançadinhos, quando, na verdade, se deleitavam com as histórias picantes do Fórum e as peladonas em geral, com direito à exibição daquela página central dupla.

Vale lembrar que houve um tempo em a informação de quem seria a garota da capa era tão esperada como o anúncio dos planos econômicos para conter  inflação. Talvez houvesse relação de causa e efeito entre as duas situações, uma impactando fortemente nosso bolso e a outra compensando com verdadeiros colírios para os nossos olhos e provocações para nossa libido.

Mais tarde,  a notícia da mudança na publicação provocou uma onda saudosista e só eu,  um respeitável avô,  havia recebido duas remessas digitais de fotos de ensaios pra lá de sensuais, verdadeiras relíquias do acervo da revista. No primeiro, um lote bem mais retrô, com Cláudia Raia, Sônia Braga, Sandra Bréa, Vera Fischer, Monique Evans, a eterna Luiza Brunet, a Xuxa da era Pelé e Cláudia Ohana com aquela antológica floresta amazônica de pelos pubianos.  O outro lote, mais contemporâneo, contempla caras, bocas e poses de um time de respeito, entre outras,  Grazi Massafera, Cléo Pires, uma tal de Amanda ex-BBB, Aline Prado, Carol Dias e Sabrina Sato que não, não tem aquilo atravessado, diferente do que imaginávamos quando começamos a nos interessar pelo tema e discutíamos sobre o formato das japas.  Isso em passado distante.

Com essas máquinas, antigas e  modernas, com ou sem photoshop, a Playboy deixou de ser exclusividade das paredes de borracharia e ganhou espaço nas boas casas de família. Saudosista que sou, ainda deploro a mudança mais pela estética do que pelo erotismo, apelando par o mantra que o nosso patrono Evaldo Gonçalves usaria:

- Se é assim, que lamentável  início de milênio!  


Erotismo é a sacanagem bem embalada!    


Erotismo cósmico e abordagem tântrica


Meu bom  amigo Ira (pronuncia-se Áira)  é chegado a uma travessura com gostosuras e, mais do que isso, adora um frase de efeito, ligeiramente épica, para justificar seu modo de vida;

- Pra mim, todo o dia é Halloween, com travessuras gostosas  e gostosuras travessas -, dispara o pândego.

O jogo de palavras é de qualidade duvidosa e o  linguajar é um tanto enviesado, mas quem conhece a história pregressa desse nosso amigo sabe que as frases encerram grande dose de sabedoria e uma carga de experiências vividas de dar inveja a muito jovem metido a conquistador, ele que já é um senhor de meia idade e um pouco mais.

Outro dia ele saiu-se com uma que morri de inveja por não ter sido eu o criador.  Pressionado para que revelasse os detalhes de suas travessuras apelou para a falsa modéstia:

- Sou poeira cósmica no universo da safadeza.

Fiquei tão embasbacado com a tirada que saí a repetir mentalmente, esperando um dia poder usar a frase para impressionar alguém:  “Sou poeira cósmica no universo da safadeza, sou poeira cósmica no universo da safadeza, sou...”

Bem sei que não alcançarei o mesmo efeito, até porque o atilado Ira sempre tem um complemento e o faz com pompa e circunstância, de modo a arrasar a periferia.

- Senhores e senhoras, chamamos a isso de erotismo cósmico. Sabemos que é importante, mas temos dificuldade para dimensionar sua extensão e o quanto pode nos proporcionar de retribuição prazerosa, filosofa ele.

Ira se supera a cada dia, como no recado que mandou a uma amada, poético e erudito:

- Beijar é Química pura, minha Deusa.  É mistura homogênea de sais.  Eriça, tira um corpo da inércia. Aí já é Física, Deusa minha.

Me dá vontade de pedir bis, mas me contenho, porque em seguida ele começou a explanar sobre um novo tema, que prendeu a atenção de todos nós,  seus  invejosos fãs:

- A primeira vez que usei a abordagem tântrica...

Neste ponto só posso lhes dizer o seguinte:  reina grande expectativa.  O homem é fera, bom de verbo e atitude! 


Parece incrível, mas cada vez que vejo as chamadas para a programação de TV no domingo fico torcendo para que a segunda-feira chegue logo...



Nos tempos do telex


Outro dia levei um susto aqui em casa quando assistia às emoções da novela  das nove. Ouvi um som intermitente que me recordou vagamente uma emissão já conhecida. O som insistiu em atrapalhar a atenção que dedico a trama da novela, até que me dei conta do que se tratava: era o telefone fixo da casa chamando.  Já havia esquecido da existência do aparelho que, em tempos idos, prestou grandes serviços à família, mas hoje está relegado a receber incômodas ligações de telemarketing ou servir de brinquedo para os netos. 

E dizer que precisei usar de um pistolão na Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT, lembram?) para a instalação da linha, quando me transferi em 1983 para a morada da Osmar Meletti, na Aberta dos Morros (o bairro existe, sim, mas também pode ser Espírito Santo, Hípica ou Guarujá). Saibam os mais jovens que o chamado telefone convencional já foi sinal de status e era obrigatório declarar ao Imposto de Renda a posse da linha entre os bens patrimoniais.

Não me tomem por saudosista, apenas registro uma dramática mudança de comportamento provocada pelo avanço tecnológico da telefonia móvel - os celulares e toda a parafernália de equipamentos e serviços que nos encantam e assustam. 

Nos tempos em que era um esforçado repórter esportivo na extinta Folha da Tarde e na Zero Hora toda a tecnologia que tínhamos disponível para transmitir nossas matérias ou fotos em viagem era o telex e o aparelho de telefoto. A discagem direta a distância (DDD) recém estava se expandindo e não eram todas as cidades que tinham acesso ao sistema. Era um suplício, nas coberturas do campeonato nacional de então, enviar fotos das capitais nordestinas, por exemplo. A ligação para a redação precisava ser pedida com boa antecedência para possibilitar a transmissão a tempo, antes do fechamento da edição. Os banheiros dos nossos quartos nos hotéis se transformavam em câmaras escuras e infectas pelos produtos químicos que revelariam os filmes fotográficos. Reveladas, ampliadas e secadas, as fotos – cinco ou seis no máximo – eram instaladas na máquina de telefoto e aí começava outro suplício – o bip-bip da transmissão, linha a linha, da imagem. Qualquer interferência na linha telefônica, e isso era frequente deixava marcas na foto transmitida e aí era preciso começar tudo de novo. Um estresse.

Transmitir as matérias não era menos complicado. Poucas cidades possuíam telex público, normalmente instalados nos serviços do Correio, então era preciso molhar a mão do telexista para que ele comparecesse no domingo ou fizesse plantão à noite para atender a reportalhada. Ainda bem que os operadores eram rápidos e eficientes, rapidez e eficiência que aumentava na mesma proporção da gorjeta. Primeiro a gente redigia a matéria na máquina de escrever (o Google explica do que se trata) e depois o texto era teclado para uma fita picotada em que cada tipo de picote representava uma letra. Os repórteres mais habilidosos e talentosos, que não era o meu caso, redigiam os textos diretamente no telex. Completada a transposição para a fita picotada, a serpentina era transmitida igualmente por linha telefônica, ponta a ponta. Na redação, o material era reproduzido em papel especial que, rabiscado e emendado pelos editores, era” baixado” direto.

Era um jornalismo mais artesanal. Estão aí, bem vivinhos, inúmeros companheiros de então que não me deixam mentir. Hoje até eu, um semi incluído digital, consigo enviar fotos do outro lado do mundo e texto nem se fala. Santa Internet! 

Por isso não sinto saudade daqueles tempos heroicos. Agora, com todo o avanço tecnológico, tudo ficou mais fácil, mais ágil, mais eficaz. E uma vez que a tecnologia está ao alcance da maioria, igualando as ferramentas e o processo produtivo, o que continua estabelecendo o diferencial é o conteúdo. Que, como antigamente, deve ser “denso, forte e consistente”, que era a senha para começarmos nossas matérias nos confins do Brasil.

  

Março é a segunda-feira dos meses.


50 anos de TV, meninos eu vi


Sou provavelmente o recordista de entradas e saídas na RBS. Foram cinco oportunidades e mais de 15 anos atuando no grupo, incluindo três vezes na Zero Hora, duas vez na Rádio Gaúcha e outra na RBS TV/TVCom. É importante esclarecer que todas as saídas foram por minha iniciativa, o que me fez perder generosas parcelas do Fundo de Garantia. Não é arrependimento, mas um lamento pelo fato de nunca ter sido jubilado, pois o máximo que permaneci numa das empresas do grupo  foram sete anos, na Rádio Gaúcha, ou seja, faltaram três anos para eu receber o troféu e o relógio (ainda dão relógios?).  Também tive direito a poucos PPRs (programa de participação nos resultados) e fiquei de fora do início do RBS Previ, que incorporava ao fundo previdenciário todos os anos anteriores na empresa.  Com isso, mereceria  o título de homem certo, no lugar certo, na hora errada.

Esse passado me vem a lembrança agora que o grupo comemora os 50 anos da RBS TV, da minha última passagem pela RBS, isso de 1999 a 2002.  Volto no tempo e vejo o menino de 12 anos fascinado com a inauguração de mais uma emissora de TV em Porto Alegre:  a TV Gaúcha, Canal 12, que veio inovar o meio televisivo local dominado até então pela pioneira TV Piratini, implantada em 1959.  As duas emissoras se instalaram no Morro de Santa Tereza, a menos de um quilômetro uma da outra.  Só que, já a partir do prédio e das identidades visuais, a TV Gaúcha já estabelecia diferencias em relação à envelhecida Piratini, atrelada à confusão que era os Diários Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand.  Mas foi uma luta bonita pela audiência, de um lado as modernidades do Canal 12 e do outro a tradição do Canal 5. 

Com o passar dos anos, errando e acertando, investindo em bons profissionais, em conteúdos que reforçassem os valores regionais e, sobretudo, com a afiliação à Rede Globo, que começava a tomar conta do Brasil no inicio dos anos 70 do século passado, a TV Gaúcha/RBS TV assumiu a liderança inconteste entre os gaúchos.  Já a Piratini foi definhando junto com os Associados e teve a concessão cassada e entregue a Silvio Santos – hoje é o SBT de Porto Alegre, enquanto as instalações acabaram ocupadas pela minha amada TVE.

Houve ainda um período de liderança da TV Difusora, (hoje TV Band) no início da década de 70, quando estava associada à Record de Paulo Machado de Carvalho e ousou bancar a primeira transmissão a cores, na Festa da Uva de 1972.  O investimento malogrado dos padres Capuchinhos, que tinham a concessão, na TV Rio e na TV Record levou a Difusora quase a insolvência até ser negociada à Rede Bandeirantes. Trabalhei nessa época lá nas instalações da Delfino Riet, no Partenon, e acompanhei  o esforço dos padres e dos operadores da TV , Walmor Bergesch e Salimem Junior, para manter os salários em dia.

Certa vez, frei Osébio Borghetti, um dos cabeças dos religiosos, pediu ao locutor Flávio Martins que lesse uma mensagem na Rádio Difusora pedindo o retorno de outro dirigente da ordem, que viajava pelo interior, e sem a assinatura do qual o pagamento não sairia.  Flávio, devidamente motivado pelos companheiros, leu a mensagem em tom dramático, durante o programa de esportes do meio dia: “...por favor, retorne o quanto antes a Porto Alegre.”  O tom era tão dramático que depois da segunda irradiação, a nota já foi retirada. O certo é que no dia seguinte o pagamento foi honrado e essa historinha entra no texto como Pilatos no Credo...

Citei Walmor Bergesch e Salimem Junior porque é aos pioneiros da TV no Rio Grande do Sul,  dos tempos heroicos de poucos recursos técnicos e muita determinação, período e nomes  que o próprio Bergesch  tão bem registra no livro Os Televisionários, que rendo minha humilde homenagem agora que a mais antiga das nossas emissoras em operação completa seu cinquentenário.  E vai também meu reconhecimento, igual que fui, aos profissionais que fazem o dia a dia da RBS TV.  Eu sei o que custa se renovar todos os dias, por isso festejo os inúmeros amigos que fiz nas minhas andanças televisivas. A festa mesmo é quando a gente se vê por aí.


Nenhum comentário:

Postar um comentário