Sexta, 1º de outubro de 2021 - parte 2

 



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especial

Nesta sexta, uma cesta 
de Albert Camus
!


Lutou contra o
existencialismo e
contra o marxismo






O que finalmente eu mais sei sobre a moral e as obrigações do homem devo ao futebol...

A estupidez insiste sempre.



O best-sellers do século 21 em função da pandemia



Sem a cultura, e a liberdade relativa que ela pressupõe, a sociedade, por mais perfeita que seja, não passa de uma selva. É por isso que toda a criação autêntica é um dom para o futuro.




Albert Camus nasceu em Mondovi, na Argélia, em 7 de novembro de 1913. Sua produção intelectual foi intensa -  peças de teatro, novelas, notícias, filmes, poemas e ensaios, onde ele desenvolveu um humanismo baseado na consciência do absurdo da condição humana e na revolta como uma resposta a esse absurdo.  Recebeu o Prémio Nobel de Literatura em 1957.


Lutou contra todas as ideologias e abstrações que mudavam a natureza humana. Foi contra o existencialismo e marxismo, discordando de Jean-Paul Sartre e de seus amigos. 


Modovi (hoje chama-se Dréan) fica na costa da Argélia. Lá ele nasceu durante a ocupação francesa. O seu pai, Lucien Auguste Camus era francês nascido na Argélia e a sua mãe, Catherine Hélène Sintès também nascida na Argélia, era de origem minorquina. O seu pai morreu em 1914, na batalha do Marne, durante a Primeira Guerra Mundial. A sua mãe então foi obrigada a mudar-se para Argel, para a casa de sua avó materna, no bairro operário  onde, anos mais tarde, durante a guerra de descolonização da Argélia, houve um massacre de muçulmanos.


O período de sua infância, apesar de extremamente pobre, é marcado por uma felicidade ligada à natureza, que ele volta a narrar em O Avesso e o Direito, mas também em toda a sua obra. Na casa, moravam, além do próprio , o seu irmão que era um pouco mais velho, a sua mãe, a sua avó e um tio um pouco surdo, que era tanoeiro (fazia tonéis e pipas), profissão que Camus teria seguido se não fosse pelo apoio de um professor da escola primária Louis Germain, que viu nele um futuro promissor. Ao princípio, a sua família não via com bons olhos o fato de Albert seguir para a escola secundária, sendo pobre. Ele dizia que tomar essa decisão foi difícil para ele, pois sabia que a família precisava da renda do seu trabalho. Portanto, ele deveria ter uma profissão que logo trouxesse frutos - como a profissão do seu tio. No fundo, também gostava do ambiente da oficina, onde o tio trabalhava. Há um conto escrito por ele que tem como cenário a oficina e no qual a camaradagem entre os trabalhadores é exaltada.


Sua mãe lavava roupa para fora, a fim de ajudar no sustento da casa. Durante o segundo grau, ele quase abandonou os estudos devido aos problemas financeiros da família. Neste ponto, um outro professor foi fundamental para que seguisse estudando e se graduasse em filosofia: Jean Grenier. Tanto Grenier quanto o velho mestre Guerin serão lembrados posteriormente pelo escritor.


O Homem Revoltado (1951) é dedicado a Grenier, e Discursos da Suécia (que inclui o discurso pronunciado por Camus, ao receber o Nobel), a Germain. Após completar o doutoramento e estar apto a lecionar, a sua saúde impediu-o de se tornar um professor: uma forte crise de tuberculose.Esta doença deu-lhe a real dimensão da possibilidade quotidiana de morrer, o que foi fundamental no desenvolvimento de sua obra filosófica /literária. A tuberculose também o impediu de continuar a praticar um desporto que amava e lhe ensinou tanto: Era o goleiro da seleção universitária


O seu amor pelo futebol seguiu-o durante toda a vida. Uma das coisas que mais o impressionou quando da sua visita ao Brasil em 1949 foi o amor dos brasileiros pelo futebol. Uma das primeiras coisas que fez ao chegar ao Brasil foi pedir para que o levassem a um jogo de futebol.

A sua dissertação de mestrado foi sobre neoplatonismo e a sua tese de doutorado, assim como a de Hannah Arendt, foi sobre Santo Agostinho.


Em 1938, Camus ajudou a fundar o jornal Alger Républicain e durante a Segunda Guerra Mundial, até 1947, colaborou no jornal Combat, além de ter colaborado no jornal Paris-Soir.


Entre os dias 5 e 7 de agosto de 1949, em visita ao Brasil, Camus foi até Iguape conhecer a festa em louvor do Senhor Bom Jesus de Iguape, acompanhado de Oswald de Andrade, Paul Silvestre, um adido cultural francês, e Rudá de Andrade, filho de Oswald, além do motorista.


O grupo ficou hospedado num quarto do hospital "Feliz Lembrança", porque todos os hotéis estavam esgotados. Dessa visita surgiu o conto intitulado La Pierre qui pousse (A Pedra que brota), em seu livro O Exílio e o Reino, sobre um engenheiro francês d'Arrast em passagem por Iguape. A santa imagem, após ser encontrada na praia do Una, na Jureia, em 1647, foi levada à principal fonte do município, onde deveria ser lavada para remoção da areia e do sal. No local onde está a pedra que cresce foi construída uma pequena capela abobadada, popularmente chamada de Gruta do Senhor. Os romeiros, acreditando nos poderes milagrosos da pedra sobre a qual havia sido colocada a imagem para ser lavada, começaram a retirar-lhe lascas. Após séculos tendo lascas removidas, porém, a pedra continuava com o mesmo tamanho, dando origem à lenda da pedra que cresce.

Mudou-se para a França, em 1939, pouco antes da invasão alemã, porque fomentou polêmicas com as autoridades francesas na Argélia. O autor havia publicado uma série de ensaios sobre o tratamento que os árabes recebiam por parte dos franceses na Argélia, pois os árabes não eram considerados cidadãos franceses e portanto eram subjugados por um governo no qual nem ao menos podiam votar. Crianças árabes morriam de fome, não tinham atendimento médico. Camus, nessa época, também fazia parte do Partido Comunista, do qual se desvinculou pouco tempo depois. A sua esposa e os seus filhos permaneceram na Argélia. Devido à guerra nem Camus pôde voltar à Argélia, nem sua esposa e filhos puderam ir para a França. Ele ficou em Paris durante o começo da ocupação nazista, trabalhando num jornal. Devido à censura e à vigilância constante dos nazistas, a maior parte dos jornalistas franceses muda-se para a região da França de Vichy. Começa a participar nas ações do Núcleo de Resistência à ocupação, chamado Combat, tornando-se um dos editores do jornal com o mesmo nome.


Os seus primeiros livros  O Avesso e o Direito e Bodas em Tipasa foram publicados quando ele ainda residia na Argélia. Mas, durante o tempo da ocupação, além de trabalhar em jornais e editar o jornal clandestino, Camus dedicou-se a outra de suas paixões: o teatro. Ele já havia participado em um grupo de teatro ligado ao partido comunista, quando ainda morava na Argélia e, ao sair do partido comunista, havia montado um outro grupo que apresentava peças clássicas de teatro aos trabalhadores.


Conheceu Jean-Paul Sartre em 1942 e tornaram-se bons amigos, no tempo de pós-guerra. Conheceram-se devido ao livro O Estrangeiro, que Sartre elogiou, dizendo que o autor seria uma pessoa que ele gostaria de conhecer. Um dia, numa festa em que os dois estavam, Camus apresentou-se a Sartre. A amizade durou até 1952, quando a publicação de O Homem Revoltado provocou um desentendimento público entre os dois filósofos, devido aos comentários que Camus fez em relação ao comunismo soviético, do qual Sartre era partidário.


Camus morreu em janeiro de 1960, vítima de um acidente de carro. Na sua maleta estava o manuscrito de O Primeiro Homem, um romance autobiográfico. Por ironia, nas notas ao texto, ele escreveu que aquele romance deveria ficar inacabado. A sua mãe, Catherine, morreu em setembro do mesmo ano.

Camus não pretendia ter feito a viagem a Paris de carro, com seu editor Michel Gallimard, a mulher deste, Janine, e a filha Anne. Pretendia ir de trem, com o poeta René Char. Já haviam até comprado as passagens. Mas, por insistência de Michel, ele aceitou a carona. Char também foi convidado, mas não quis lotar o carro. No acidente, o Facel-Véga de Michel espatifou-se contra uma árvore. Apenas Camus morreu na hora. Michel morreu no hospital, cinco dias depois. 

Albert Camus encontra-se sepultado no cemitério de Lourmarin, Provença-Alpes-Costa Azul, em França.

Cinquenta anos depois, revelações do escritor e tradutor checo Jan Zabrana, contidas em seu diário publicado postumamente, sugerem a possibilidade de que Camus tenha sido, de fato, assassinado, por ordem do ministro das Relações Exteriores da URSS, Dmitri Shepilov, em retaliação à oposição aberta que o escritor vinha fazendo a Moscou - particularmente no artigo publicado na revista Franc-Tireur de março de 1957, em que atacava pessoalmente o ministro, responsabilizando-o pelo que chamou de "massacre", durante a repressão soviética à Revolução Húngara de 1956.


Camus, em sua crítica, citara o poeta americano Walt Whitman - "sem liberdade, nada pode existir". Ganhou assim, a inimizade de stalinistas e de simpatizantes dos comunistas. Olivier Todd, no livro Albert Camus — Uma Vida, relata o acidente: “A vinte e quatro quilômetros de Sens, na Rodovia 5, entre Champigny-sur-Yonne e Villeneuve-la-Guyard, o Facel-Véga, depois de uma guinada, sai da estrada em linha reta, se arrebenta contra um plátano, ricocheteia para cima de uma outra árvore, se desmantela. Michel Gallimard sai gravemente ferido - morreu cinco dias depois, Janine ilesa, Anne também. O cachorro desaparece, Albert Camus morreu na hora. O relógio do painel é encontrado bloqueado às 13h55. A seus amigos, Camus dizia com frequência que "nada era mais escandaloso do que a morte de uma criança e nada mais absurdo do que morrer num acidente de automóvel”.


Em Tipasa (Argélia), foi erigida em 1961 um monumento em homenagem a Albert Camus, dentro das ruínas romanas, de frente para o mar e para o monte Chenoua, com esta frase em francês extraída de sua obra Noces à Tipasa : “Entendo aqui o que se chama glória: o direito de amar desmedidamente" («Je comprends ici ce qu'on appelle gloire: le droit d'aimer sans mesure"). 



Albert e famílias


Com Maria Casarès...


... sua maior paixão

Francine Saure, a segunda esposa

Com Francine e os gêmeos

Catherine, a filha


Amo ou venero poucas pessoas. Por todo o resto, tenho vergonha de minha indiferença. Mas aqueles que amo, nada jamais conseguirá fazer com que eu deixe de amá-los, nem eu próprio e principalmente nem eles mesmos.


Obras:

Révolte dans les Asturies (Revolta nas Astúrias), 1936, Ensaio de criação coletiva

L'Envers et l'Endroit (O Avesso e o Direito), 1937, Ensaio

Noces (Núpcias), 1939 antologia de ensaios e impressões

Réflexions sur la Guillotine (Reflexões sobre a Guilhotina), 1947

L'Étranger (O estrangeiro), 1942, romance

Le Mythe de Sisyphe (O mito de Sísifo), 1942, ensaio sobre o absurdo

Les justes (Os justos), Peça em 5 atos, Editor Gallimard, Folio teatro, 2008

Le Malentendu (O malentendido), 1944, Peça em três atos.

Lettres à un ami allemand (Cartas a um amigo alemão), publicadas com o pseudônimo de Louis Neuville

Caligula (primeira versão em 1941), Peça em 4 atos.

La peste (A peste), Editor Gallimard, 

L'État de siège (Estado de sítio), (1948), Espetáculo em três partes.

L'Artiste en prison (O Artista na prisão), 1952 prefácio sobre Oscar Wilde.

"Actuelles (Atuais) I, Crônicas, 1944-1948", 1950

"Actuelles (Atuais) II, Crônicas, 1948-1953

L’homme révolté (O homem revoltado)

L'Été (O Verão), 1954, Ensaio.

Requiem pour une nonne (Réquiem para uma freira)

La chute (A queda), Editor Gallimard, Coleção Folio, 1972

L'Exil et le Royaume (O exílio e o reino), Gallimard, 1957 contos (La Femme adultère (A mulher adúltera), Le Renégat (O Renegado), Les Muets (Os Mudos), L'Hôte (O Hóspede), Jonas.

La Pierre qui pousse (A Pedra que brota).

Os discursos da Suécia (publicado juntamente com O avesso e o direito)

Carnets I (Cadernetas I), maio 1935-fevereiro 1942, 1962

Carnets II (Cadernetas II), janeiro 1942-março 1951, 1964

Carnets III (Cadernetas III), março 1951-dezembro 1959

La Postérité du soleil, photographies de Henriette Grindat. Itinéraire par René Char (A posteridade do Sol, fotografias de Henriette Grindat. Itinerário por René Char, edições E. Engelberts, 1965, ASIN B0014Y17RG - nova edição Gallimard, 2009

Les possédés (Os possessos), 1959, adaptação ao teatro do romance de Fiódor Dostoiévski

Résistance, Rebellion, and Death (Resistência, Rebelião e Morte)

Le Premier Homme (O primeiro homem), Gallimard, 1994, publicado por sua filha, romance inacabado

La mort heureuse (A morte feliz)

Albert Camus, Maria Casarès. Correspondance inédite (1944-1959). Avant-propos de Catherine Camus, Gallimard, Collection Blanche, 2017, ISBN 9782072746161




Não há que ter vergonha de preferir a felicidade.


Discurso de Albert Camus quando recebeu o Nobel (legendado)



Não é nenhuma vergonha ser-se feliz; vergonhoso é ser feliz sozinho.


A grande novela de amor de Camus foram suas cartas

Em El Pais, 10 de novembro de 2017

Parece um velho filme em preto e branco. Humphrey Bogart e Ingrid Bergman em uma sacada na Paris ocupada em 6 de junho de 1944, data do desembarque aliado na Normandia. A primeira noite de dois amantes que só a morte dele separaria, 15 anos depois.

Também poderia ser o começo de um romance romântico, mas é o ponto de partida de uma história real, contada em detalhes minuciosos na correspondência entre seus protagonistas: Albert Camus e María Casares, o francês da Argélia e a galega exilada, o escritor e a atriz. Ambos - o autor de A Peste e O Mito de Sísifo, figura intelectual central do século XX; a atriz da Comédie-Française e do Teatro Nacional Popular, grande dama do palco - trocaram 865 cartas durante anos, que a editora Gallimard publica agora pela primeira vez em um volume de 1.297 páginas.

Ele tinha 30 anos quando se conheceram; ela, 21. Ele já tinha publicado O Estrangeiro, o romance que o lançaria à fama, e vivia sozinho em Paris, onde pertencia a uma rede da Resistência. Sua esposa, Francine Faure, tinha ficado em Orã, na Argélia francesa. Ela, nascida em Coruña, filha de Santiago Casares Quiroga - ministro e primeiro-ministro da Segunda República - tinha chegado a Paris após o golpe franquista de 1936. Conheceram-se em 19 de março de 1944 na casa do escritor Michel Leiris, e na madrugada de 6 de junho, o Dia D, se tornaram amantes.

Após um ataque dos alemães, Camus abandonou Paris. Escondeu-se em um sítio no campo. “Esta noite tenho vontade de me aproximar de ti porque estou triste e tudo me parece difícil de viver”, escreve em uma de suas primeiras cartas. A libertação da capital francesa em agosto dá início a uma crise. Francine logo volta para ficar ao lado de Albert. “Meu desejo mais verdadeiro e instintivo seria que nenhum homem, depois de mim, pusesse as mãos em você. Sei que não é possível. Tudo o que posso desejar é que não desperdice esta coisa maravilhosa que você é”.

A relação entre Albert e María se interrompeu no final de 1944. Em 1945, Francine deu à luz os gêmeos Catherine e Jean. Quatro anos mais tarde, em outro 6 de junho, Albert e María se cruzam no boulevard Saint-Germain. Não voltaram a se separar.

“Você apareceu para mim como um último colete salva-vidas lançado no meio de uma vida que até então estava vazia. Agarrei-me a ele com todas as minhas forças e voluntariamente fechei os olhos a tudo o que podia por em perigo esta última esperança”, escreve-lhe Casares. A atriz detalha o dia a dia de sua vida profissional e expressa dúvidas sobre seu próprio talento. Descreve seu mundo de exilados espanhóis: a doença e a morte de seu pai, o papel tutelar do primeiro-ministro republicano no exílio, Juan Negrín, e sua parceira, Feliciana López de San Pablo. “Don Juan foi para mim um irmão mais velho maravilhoso”, escreve ela quando seu pai morreu, em fevereiro de 1950. A Espanha está sempre presente na vida de Camus – sua família materna era de Menorca - e Casares encarna uma das causas de sua vida, a da República.

Estrelas em Paris

Mas as cartas são, antes de tudo, de amor. Ela escreve: “Te desejo, meu amor, da manhã até a noite. Não sei o que me acontece. Nunca me senti assim, e até me dá um pouco de vergonha”. E ele: “É falso que o amor nos deixe cegos, sei por minha própria experiência. Pelo contrário: torna perceptível aquilo que, sem ele, não chegaria a existir e que, no entanto, é o mais real neste mundo: a dor da pessoa que amamos”.

Os dois são estrelas na Paris dos anos cinquenta. Ele, o grande sedutor, gosta que comparem sua aparência com a de Bogart. “Recebi a foto do jornal americano que você me mandou”, escreve a atriz. “Na verdade, o parecido está se tornando prodigioso e perigoso para mim nas tuas ausências”.

Na grande história de amor que é esta correspondência, Francine Faure é um personagem coadjuvante essencial. “Ela nunca é chata; não a escutamos e sabe viver sozinha”, explica Camus a sua amante. “[Fui] Desagradável com F., tola e injustamente”, conta-lhe ele em outro momento. “Acabei tendo que pedir desculpas”.

Em 17 de outubro de 1957, foi anunciado o Nobel de Literatura para Camus. “Que festa, jovem vencedor, que festa. María”, escreve Casares em um telegrama. “Nunca senti tantas saudades de você. Teu Alonso”, responde o escritor, conhecedor do teatro clássico castelhano. Aos 44 anos, era o mais jovem escritor agraciado com o prêmio desde Kipling.

Dois anos depois, passa a noite de Ano-Novo com Francine, os filhos e a família Gallimard no sul da França. Em 30 de dezembro de 1959, escreve para María: “Estou tão contente com a ideia de voltar a te ver que, ao escrever isto, começo a rir”.

Casares não foi a única destinatária das cartas de amor de Camus. Houve outras mulheres naqueles anos e até o final de sua vida. Oliver Todd cita, em sua biografia canônica do autor, uma carta enviada no dia anterior a outra mulher, a pintora e modelo identificada como Mi: “Pelo menos esta horrível separação nos terá feito sentir como nunca antes a necessidade incessante que temos um do outro”. E no dia 31 escreve à atriz Catherine Sellers: “Até terça-feira, minha querida, te beijo e te abençoo, do fundo do meu coração”. Foi sua última carta de amor, segundo revelou o Le Monde há alguns meses.

Em 4 de janeiro de 1960, o carro no qual voltava a Paris junto com os Gallimard bateu contra uma árvore. Francine e os gêmeos tinham voltado de trem. Camus morreu na hora.




Vou-lhe dizer um grande segredo, meu caro.
Não espere o juízo final.
Ele realiza-se todos os dias.



A PESTE:
Camus e o coronavirus

Revista IHU, 16 de março de 2020

“Camus nos cede a palavra, convidando-nos ao recolhimento. Quem não sabe ficar sozinho desconhece o que é a verdadeira liberdade. Devemos buscar o outro por anseio de fraternidade, não para fugir de nossos medos. Não se deve lamentar o isolamento imposto pelas autoridades. É uma boa oportunidade para explorar nossa intimidade e buscar um sentido à vida”, escreve Rafael Narbona, escritor e crítico literário, em artigo publicado por El Cultural, 17-03-2020. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

O que ‘A Peste’, de Albert Camus, nos ensinou? Que as piores epidemias não são biológicas, mas morais. Em situações de crise, vem à luz o pior da sociedade: falta de solidariedade, egoísmo, imaturidade, irracionalidade. Mas também emerge o melhor. Sempre existem pessoas justas que sacrificam seu bem-estar para cuidar dos outros.

Publicado em 1947, ‘A Peste’ tenta ser uma resposta à dor desatada pela Segunda Guerra Mundial. Ambientada em Oran, narra os estragos de uma epidemia que causa centenas de mortes diariamente. A propagação incontrolável da doença levará as autoridades a impor um severo isolamento.

Tudo começa em 16 de abril. Naquele momento, Oran é uma cidade com uma vida frenética. Quase ninguém nota as existências alheias. Seus habitantes carecem de um sentido de comunidade. Não são cidadãos, mas indivíduos que poupam horas de sono para acumular bens. A prosperidade material sempre parece uma meta mais razoável do que a busca pela excelência moral.

A Covid-19 ou coronavírus levou muitos leitores a reler ou ler pela primeira vez ‘A Peste’, buscando recursos para lidar com o longo exílio em casa imposto pelas autoridades de saúde. A doença sempre está aí, mas pensamos que só diz respeito aos outros. Agora é assunto de todos. Nosso sino de vidro quebrou. Não somos invulneráveis.

Oriundo da Argélia francesa, em ‘A Peste’, Camus descreve seu tempo e sua terra natal, mas seu romance transcende seu marco temporal e geográfico, adquirindo a categoria de metáfora universal. Suas reflexões resultam particularmente esclarecedoras nesses dias.

Camus destaca que a irrupção de uma epidemia letal nos faz meditar sobre o tempo. Normalmente, não percebemos sua profundidade, o leque de possibilidades que cada minuto contém. Só há uma maneira de compreender sua carga frutífera: “senti-lo em toda a sua lentidão”. Essa experiência se tornará acessível a todos com a peste, mas a incerteza e o medo transformarão a lentidão em paralisia, estagnação.

O tempo não se adapta a nós. Somos nós que devemos aprender a experimentá-lo em toda a sua plenitude. O tempo é a argila da qual somos feitos. Não podemos permitir que passe em vão, sem produzir frutos. Não é possível voltar atrás. O tempo perdido é irrecuperável. A expectativa da doença e a morte nos coloca diante das questões fundamentais que costumamos evitar ou postergar. Camus pensa que Deus não existe, que a fé é uma expressão de impotência, mas avalia que o ceticismo não nos tornou mais livres. Só nos deixou mais desamparados.

A capacidade de sacrifício do doutor Rieux, protagonista em ‘A Peste’, manifesta que atribuímos uma importância excessiva a nosso eu. A grandeza do ser humano reside em sua capacidade de amar, não em sua ambição pessoal. Não há nada bonito na dor, mas indubitavelmente nos abre os olhos e nos obriga a pensar. Rieux não se acostuma a ver seus pacientes morrerem. Pensa que a respiração de um moribundo é uma objeção irrefutável contra a suposta bondade da vida. A vida é absurda, ilógica. A inteligência do homem apenas o faz mais infeliz, pois mostra que o universo é governado pelo acaso.

Camus admite que, sem a perspectiva do sobrenatural, todas as vitórias do homem são provisórias. A vitória definitiva e total corresponde à morte. Para Rieux, a existência é apenas “uma interminável derrota”. Sua filosofia se reduz a isso. Não é muito, mas é uma convicção vigorosamente respaldada pela miséria física e moral que aflige - em maior ou menor grau - a humanidade.

Camus pensa que o mal e a indiferença são mais abundantes que as boas ações. O homem não é ruim por natureza, mas seu conhecimento das coisas é deficiente. Seus atos mais nefastos vêm da ignorância. É a tese do intelectualismo socrático, que Camus ratifica com uma frase feliz: “não há verdadeira bondade, nem amor verdadeiro, sem toda a clarividência possível”.

O que é ético em meio a uma epidemia? Lutar com “honestidade”. Lutar pelo homem, apesar de todas as suas imperfeições. Nessa batalha, o fanatismo ideológico só atrapalha. É preciso olhar além, pensando apenas no humano. Como a peste será lembrada quando passar? Talvez como uma fogueira brutal e interminável? Não, muito mais como “um ininterrupto pisoteamento que esmaga tudo em seu caminho”. O ser humano evocará esses dias com tremor, recordando a fragilidade da vida. A peste produz horror, mas também tédio.

Após os sentimentos iniciais de terror ou coragem, de indignidade ou heroísmo, uma emoção unânime de monotonia se espalha. “Ao grande e furioso impulso das primeiras semanas, havia ocorrido um declínio que seria errôneo tomar como resignação, mas que não deixava de ser uma espécie de consentimento provisório”.

A sensação de fatalidade, de estar nas mãos de uma calamidade sem fim, ofusca a sensibilidade. O humano retrocede, o espírito adormece, o biológico usurpa o lugar do racional. A monotonia se apodera de tudo, achatando os afetos e a capacidade de raciocinar: “A cidade estava cheia de adormecidos despertos que não escapavam realmente de seu destino, a não ser nessas poucas vezes em que, à noite, sua ferida, aparentemente fechada, se abria”.

A peste acaba aniquilando os valores. A humanidade se desliza em direção ao nível de consciência de um gado no matadouro, que intui o seu fim sem reagir. As epidemias matam o corpo e a alma. O coronavírus está nos recordando a importância do contato físico. O ser humano precisa tocar seus semelhantes, sentir sua proximidade. “Os homens não podem ficar sem os homens”, escreve Camus. Curiosamente, essa necessidade às vezes só se torna visível quando uma catástrofe se propaga. “O único meio de fazer com que as pessoas estejam umas com as outras é lhes enviar a peste”.

No Ocidente, a crise da família fez com que cada vez existam mais pessoas isoladas. Nos grandes espaços urbanos, os indivíduos se isolam em apartamentos minúsculos e só se cumprimentam nas áreas comuns. As cidades crescem no mesmo ritmo que a solidão.

Para Camus, o sofrimento das crianças é particularmente insuportável. Quando o doutor Rieux e seu amigo Tarrou acompanham uma criança em sua agonia, sua tolerância à frustração transborda, transformando-se em protesto furioso: “Já tinham visto outras crianças morrerem, uma vez que os horrores daqueles meses não tinham sido detidos de forma alguma, mas nunca tinham acompanhado seus sofrimentos, minuto após minuto, como estavam fazendo desde o amanhecer. E, sem dúvida, a dor infligida àquele inocente nunca deixou de lhes parecer o que realmente era: um escândalo”.

O padre Paneloux se mostra compreensivo: “Isso revolta porque ultrapassa a nossa medida. Mas é possível que devamos amar o que não podemos compreender”. O doutor Rieux não aceita esse raciocínio: “Eu tenho outra ideia de amor e estou disposto a me recusar a amar, até a morte, esta criação onde as crianças são torturadas”. Admite que não conhece a graça divina e quando o sacerdote lhe diz que luta pelo homem, responde que só luta pela saúde.

Assim como Dostoievski, Camus avalia que “não há nada sobre a terra mais importante que o sofrimento de uma criança” e “uma eternidade de bem-aventurança” não pode compensar essa dor. O padre Paneloux objeta que “o sofrimento das crianças é nosso pão amargo, mas sem esse pão nossas almas pereceriam de fome espiritual”. Tarrou aponta que a dor dos inocentes nos apresenta um desafio: a possibilidade de alcançar a santidade. Amando, acompanhando, cuidando, sacrificando o nosso bem-estar para que outros vivam. Rieux responde que não está interessado em ser um santo, nem herói. Só quer ser homem e ser solidário com os vencidos. Pela peste ou pela história.

A peste avança e ninguém mais se atreve a falar de Deus. Permanece uma esperança tíbia e insuficiente que é apenas obstinação por viver. Camus conclui que “tudo o que o homem pode ganhar no jogo da peste e da vida é o conhecimento e a memória”. No entanto, não se pode viver só do que se sabe e se recorda. Se não esperamos nada, se percebemos a morte como um limite intransponível, existir se torna uma fadigosa corrida em direção a nada. Todos somos Sísifo, subindo uma penosa ladeira para nos precipitar no vazio.

Só a ternura, o afeto que surge entre os humanos, tristes criaturas que aprendem a contar as horas, sabendo que cada minuto é um passo em direção ao abismo, pode nos aliviar. Todos os homens são irmãos no sofrimento, em uma desventura que não pode ser aplacada. Camus, um humanista sem um pingo de cinismo, não condena seus semelhantes: “há nos homens mais coisas dignas de admiração do que de desprezo”.

Os espíritos verdadeiramente grandes nos colocam no limiar das interrogações. Não nos oferecem respostas. Estimulam-nos a que - a partir de nossa solidão - pensemos e recorramos nosso próprio caminho. Camus nos cede a palavra, convidando-nos ao recolhimento. Quem não sabe ficar sozinho desconhece o que é a verdadeira liberdade. Devemos buscar o outro por anseio de fraternidade, não para fugir de nossos medos. Não se deve lamentar o isolamento imposto pelas autoridades. É uma boa oportunidade para explorar nossa intimidade e buscar um sentido à vida.


Não desejo mais ser feliz, e sim apenas estar consciente



Envelhecer

Envelhecer é o único meio de viver muito tempo.
A idade madura é aquela na qual ainda se é jovem, porém com muito mais esforço.
O que mais me atormenta em relação às tolices de minha juventude não é havê-las cometido... e sim não poder voltar a cometê-las.
Envelhecer é passar da paixão para a compaixão.
Muitas pessoas não chegam aos oitenta porque perdem muito tempo tentando ficar nos quarenta.
Aos vinte anos reina o desejo, aos trinta reina a razão, aos quarenta o juízo.
O que não é belo aos vinte, forte aos trinta, rico aos quarenta, nem sábio aos cinquenta, nunca será nem belo, nem forte, nem rico, nem sábio...
Quando se passa dos sessenta, são poucas as coisas que nos parecem absurdas.
Os jovens pensam que os velhos são bobos; os velhos sabem que os jovens o são.
A maturidade do homem é voltar a encontrar a serenidade como aquela que se usufruía quando se era menino.
Nada passa mais depressa que os anos.
Quando era jovem dizia:
“Verás quando tiver cinquenta anos”.
Tenho cinquenta anos e não estou vendo nada.
Nos olhos dos jovens arde a chama, nos olhos dos velhos brilha a luz.
A iniciativa da juventude vale tanto a experiência dos velhos.
Sempre há um menino em todos os homens.
A cada idade lhe cai bem uma conduta diferente.
Os jovens andam em grupo, os adultos em pares e os velhos andam sós.
Feliz é quem foi jovem em sua juventude e feliz é quem foi sábio em sua velhice.
Todos desejamos chegar à velhice e todos negamos que tenhamos chegado.
Não entendo isso dos anos: que, todavia, é bom vivê-los, mas não tê-los.


Um comentário:

  1. Perdão, mas plagiando Erik Maria Remarque, Nada de Novo No Front! ( tudo se repete!)
    Dois bons amigos rompendo uma amizade antiga por diferenças ideológica: Sarte, apaixonado por Stalin e pelo sistema comunista não gostou das observações criticas constantes no romance O Estrangeiro (parece ser este) e rompeu uma amizade longa com Camus.
    Parece que somente quando do 20º Congresso do Partido Comunista da URSS, em 25 de fevereiro de 1956, Stalin já havia morrido, quando o novo Secretário Geral N. Kruschev, a portas fechadas, denuncia todos os crués crimes do Stalin, é que Sartre se desilude com o comunismo e com seu ídolo Stalin.
    Do Camus li A Peste e O Estrangeiro. A Peste é, sem dúvida, sua obra seminal!

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