Sexta, 15 de outubro de 2021

 

SOU QUEM SOU.
TUA APROVAÇÃO NÃO É NECESSÁRIA.
...

ANDO DEVAGAR
PORQUE JÁ TIVE PRESSA






Escreva apenas para


COMENTÁRIOS: Todos podem fazer críticas, a mim, a qualquer pessoa ou instituição. Desde que eu tenha alguma informação do crítico - nome, telefone, cpf - ou seja, dados. Claro que existem pessoas que conheço e que não necessito dessas informações. MAS NÃO PUBLICO CRÍTICAS FEROZES. 
E não esqueça: mesmo os "comentaristas anônimos" podem ser identificados pelo IP sempre que assim for necessário. Cada um é responsável pelo que escreve.






especial

Nesta sexta, uma cesta 
de Antônio Candido
!


O grande intelectual brasileiro 




“Acho que uma das coisas mais sinistras da história da civilização ocidental é o famoso dito atribuído a Benjamim Franklin, ‘tempo é dinheiro’. Isso é uma monstruosidade. Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida, é esse minuto que está passando. Daqui a 10 minutos eu estou mais velho, daqui a 20 minutos eu estou mais próximo da morte. Portanto, eu tenho direito a esse tempo. Esse tempo pertence a meus afetos. É para amar a mulher que escolhi, para ser amado por ela. Para conviver com meus amigos, para ler Machado de Assis. Isso é o tempo. E justamente a luta pela instrução do trabalhador é a luta pela conquista do tempo como universo de realização própria. A luta pela justiça social começa por uma reivindicação do tempo: ‘eu quero aproveitar o meu tempo de forma que eu me humanize’. As bibliotecas, os livros, são uma grande necessidade de nossa vida humanizada.”







Antônio Candido de Mello e Souza nasceu no Rio de Janeiro, em 24 de julho de 1918.Estudioso da literatura, é autor de uma obra crítica extensa, respeitada nas principais universidades do Brasil. À atividade de crítico literário somou-se a atividade acadêmica, como professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, onde introduziu, em 1962, a literatura comparada, transformando a disciplina de Teoria Literária em Teoria Literária e Literatura Comparada. Foi também professor emérito da USP e da Universidade Estadual Paulista (UNESP), e doutor honoris causa da Unicamp e da Universidade da República do Uruguai.

É considerado um dos grandes expoentes da crítica literária brasileira pelo fato de suas obras terem se tornado base essencial para o debate da formação literária nacional associada a uma construção sociológica e ao humanismo. De método dialético, comparatista e sociológico, antecipou a interdisciplinaridade para entender a literatura como expressão da cultura brasileira. Como militante político, foi um dos vários precursores do socialismo democrático no Brasil.

Sua idealização do Suplemento Literário, em 1956, caderno de crítica anexo ao jornal O Estado de S. Paulo, até 1966, contando com colaboração de Paulo Emílio Salles Gomes, Wilson Martins, do próprio Antônio Candido e outros, é visto como marco do pensamento crítico brasileiro.

Sua obra mais influente, Formação da Literatura Brasileira, foi lançada em 1959. Estreitou relações e amizades com pelo menos duas das grandes gerações de importantes escritores brasileiros, como Oswald de Andrade, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, dos quais escreveu também resenhas, estudos e críticas referenciais e seminais para o entendimento de suas obras.

Entre diversos outros prêmios importantes por seu trabalho, recebeu o Prêmio Jabuti em 1965 e novamente em 1993, o Prêmio Machado de Assis em 1993, o Prêmio Anísio Teixeira em 1996 e o Prémio Camões em 1998.

Iniciou sua carreira como crítico na revista Clima (1941-1944), juntamente com Paulo Emílio Salles Gomes, Alfredo Mesquita, Décio de Almeida Prado, Gilda Rocha de Mello e Souza (filha de um primo de Mário de Andrade), com quem veio a se casar, e outros.


Paralelo às atividades literárias, Candido militou no Partido Socialista Brasileiro e participou do Grupo Radical de Ação Popular, integrado também por Paulo Emílio Salles Gomes, Germinal Feijó, Paulo Zingg e Antônio Costa Correia, editando um jornal clandestino, de oposição ao governo ditatorial de Getúlio Vargas, chamado Resistência.

Antônio Candido ajuda a consolidar a União Democrática Socialista (UDS). Com a dissolução desta última, adere à Esquerda Democrática, que em 1947 se funde com os remanescentes da UDS, para formar o PSB. Foi candidato a deputado estadual por essa sigla, na qual ocupou o cargo de dirigente da seção paulista e militou até 1954.


 Posteriormente, participou do processo de fundação do Partido dos Trabalhadores, onde, entre outras funções, foi Presidente do 1º Conselho Curador da Fundação Wilson Pinheiro, fundação de apoio partidária instituída pelo PT em 1981, antecessora da Fundação Perseu Abramo.

Foi um forte entusiastas das candidaturas de Lula (PT) à presidência da república.

Como petista apoiou Dilma Rousseff a candidatura de DIlma em 2010. Em 2014, novamente apoiou-a contra Aécio Neves. Durante o processo de impeachment de DIlma Rousseff, posicionou-se de maneira contrária ao afastamento da presidente. Quando questionado pela Folha de S.Paulo Candido afirmou “nada justifica a tentativa de destituir a "destemida" presidente Dilma Rousseff de suas funções [...] o impedimento provavelmente só agravaria a dificílima situação política e econômica do país."

Considerou-se sempre socialista, tendo declarado, já aos 93 anos de idade:

"O socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo… tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo."]

p

Em 1942 ingressou no corpo docente da USP como assistente de ensino do professor Fernando de Azevedo, na cadeira de Sociologia II, onde foi colega de Florestan Fernandes. A partir de 1943 passou a colaborar com o jornal Folha da Manhã, em que escreveu diversos artigos e resenhou os primeiros livros de João Cabral de Melo Neto e Clarice Lispector. Candido foi o primeiro crítico literário a tecer uma crítica sobre a obra de Clarice.

No ano de 1945, obteve o título de livre-docente na universidade com a tese Introdução ao Método Crítico de Sílvio Romero. Posteriormente em 1954, o grau de doutor em Ciências Sociais com a tese Parceiros do Rio Bonito, ainda hoje um marco nos estudos brasileiros sobre sociedades tradicionais. Entre os anos de 1958 e 1960 foi professor de literatura brasileira na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, hoje integrada à Universidade Estadual Paulista (UNESP).

Em 1961 regressou à USP e, a partir de 1974, torna-se professor-titular de Teoria Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (assim denominada a partir de 1970) da USP, sendo responsável pela formação de grande parte da intelectualidade nacional, direta ou indiretamente. Entre os seus discípulos estão intelectuais como Antônio Lázaro de Almeida Prado, Fernando Henrique Cardoso, Roberto Schwarz, Davi Arrigucci Jr., Walnice Nogueira Galvão, João Luiz Lafetá, Antônio Arnoni Prado e Antônio Luiz Cagnin entre outros.

Aposentou-se em 1978, todavia manteve-se ainda como professor do curso de pós-graduação até 1992, ano em que orientou a última tese, a do crítico mexicano Jorge Ruedas de La Serna e crítico atuante não só na vida literária, como também na política.

No ano de 1998, foi agraciado com o Prémio Camões, principal prêmio literário de língua portuguesa.

Antônio Candido foi o primeiro brasileiro a receber o Prêmio Internacional Alfonso Reyes, um dos mais importantes da América Latina. A premiação ocorreu em 8 de outubro de 2005, em Monterrey, a cidade natal de Reyes. Escritores como Borges, Carpentier, Malraux, Octavio Paz, Harold Bloom figuram entre os premiados.

Cândido teve uma relação ímpar com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A convite do então reitor da Unicamp, Zeferino Vaz foi um dos fundadores do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp (IEL), órgão de pesquisa literária e linguística da universidade.

O professor, permaneceu na instituição por cinco anos como professor e um dos gestores do instituto, criando departamentos e participando da implantação do IEL.

Em sua homenagem, a biblioteca do instituto ganhou o seu nome. Sua biblioteca pessoal, que contava com mais de seis mil livros foi doada a instituição após a sua morte por suas três filhas, no ano de 2018.


Antônio Candido foi casado com Gilda de Mello e Souza, professora de Estética no Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.


Falecida no Natal de 2005 (25 de dezembro), Gilda era filha de um primo do escritor Mário de Andrade, com quem conviveu na mesma casa por 12 anos e cuja obra ela estudou, especialmente em O Tupi e o Alaúde. Candido deixou três filhas: Ana Luísa e as também professoras de História da USP, Laura de Mello e Souza e Marina de Mello e Souza.

Antônio Candido morreu em 12 de maio de 2017, em São Paulo, em decorrência de uma hérnia de hiato inoperável.


Obras

Introdução ao método crítico de Sílvio Romero, Universidade de São Paulo, 1945.

Ficção e confissão: estudo sobre a obra de Graciliano Ramos, Editora José Olympio ,1956.

Formação da literatura brasileira: momentos decisivos (2 volumes), Editora Martins, 1964-1969.

O observador literário, Comissão de Literatura, 1959.

Tese e antítese: ensaios, Editora Nacional, 1964.

Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida, Editora José Olympyio, 1964.

Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária, Companhia Editora Nacional, 1965.

Vários escritos, 1970.

Formação da literatura brasileira, Editora da Universidade de São Paulo, 1975.

Teresina etc., 1980.

Na sala de aula: caderno de análise literária, Editora Ática, 1985.

A educação pela noite e outros ensaios, Editora Ática, 1987.

O estudo analítico do poema, Associação Editorial Humanitas, 1987.

Recortes, Companhia das Letras, 1993.

O discurso e a cidade, Duas Cidades, 1993.

Teresina e seus amigos, Paz e Terra 1996.

Iniciação à literatura brasileira (Resumo para principiantes), Humanitas Publicações, 1997.

O Romantismo no Brasil, Editora Humanitas, 2002.

Um funcionário da Monarquia: ensaio sobre o segundo escalão, Editora Ouro sobre Azul, 2002.







Uma palestra memorável




O pioneirismo


Revista da Fapesp, de junho de 2002

O crítico e ensaísta Antonio Candido de Mello e Souza tem qualidades conhecidas e decantadas em qualquer lugar do Brasil onde haja laivos de inteligência. A capacidade como professor, escritor e sua influência na interpretação da literatura brasileira é sempre louvada. O que pouco se sabe é a participação decisiva que ele teve nos primeiros financiamentos da FAPESP para a área de Humanidades. Sem a iniciativa, a insistência e o prestígio do pesquisador, os bolsistas certamente levariam mais tempo para receber apoio financeiro. Para si, o professor, de 84 anos, nunca pediu auxílio ou bolsa – o fez apenas para alunos que tinham pesquisa relevante a ser feita.

A trajetória do crítico começou no interior de Minas Gerais. Carioca criado em Cássia e em Poços de Caldas, cidades mineiras, Antonio Candido não freqüentou a escola primária. “Aprendi a ler tarde. A minha mãe tinha idéia que não se podia cansar a cabeça das crianças. Então, comecei a ler sozinho e meu pai disse a minha mãe: ‘É bom você começar a ensinar a esse menino senão ele vai chegar naquele estilo que se lê ô mé-ni-nó che-gou na ca-sa’”, contou ele em entrevista à revista Investigações – Lingüística e Teoria Literária, da Universidade Federal de Pernambuco, em 1995. Mais tarde, cursou o ginásio em Poços de Caldas e em São João da Boa Vista, em São Paulo. A vida acadêmica teve início na década de 30, quando ingressou na Faculdade de Direito (abandonada no último ano) e na de Filosofia, na seção de Ciências Sociais.

Tornou-se professor assistente de sociologia em 1942 e ficou no cargo até 1958, quando resolveu se dedicar apenas à literatura. Antes, em 1954, obteve o título de doutor em ciências sociais com a tese Os parceiros do rio Bonito, que depois se tornaria referência obrigatória na área.“Esse foi um livro que teve sorte”, diz o pesquisador. “Onde já se viu uma obra de sociologia alcançar nove edições no Brasil?”, ironiza. A última delas, publicada em 2001, traz as fotos tiradas na época da pesquisa.

Embora tivesse como origem a sociologia, sempre fez crítica literária em jornais e revistas. “Decidi prestar um concurso de literatura brasileira na Universidade de São Paulo (USP) para mudar de área assim que tivesse uma chance”, conta. Ele passou no concurso em 1945, aos 27 anos, e ganhou o título de livre-docente, que trazia embutido, na época, o grau de doutor. A oportunidade de lecionar apenas literatura veio em 1958 quando surgiu a Faculdade de Filosofia de Assis, posteriormente incorporada à Universidade Estadual Paulista (Unesp). Em 1961, voltou à USP para assumir como professor colaborador a nova disciplina de teoria literária e literatura comparada, da qual se tornaria titular em 1974. Trabalhou por dois anos na Universidade de Paris, entre 1964 e 1966, e um ano na Universidade Yale (1968), nos Estados Unidos – não por acaso, eram anos de chumbo no Brasil.No anos 70, coordenou o Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Antonio Candido sempre escreveu na imprensa. Foi crítico da revista Clima (1941-44), dos jornais Folha da Manhã (1943-45) e Diário de São Paulo (1945-47) e em 1956 preparou o projeto do prestigiado Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo. Entre 1973 e 74 foi um dos dirigentes da revista Argumento, proibida pelo regime militar. Também participou da luta contra a ditadura do Estado Novo, entre 1943 e 45, e um dos fundadores da União Democrática Socialista, transformada em 1947 no Partido Socialista Brasileiro. Em 1980, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores.

Mestre da teoria literária, autor da obra seminal Formação da Literatura Brasileira, Antonio Candido inaugurou uma nova interpretação da literatura. Para ele, há uma clara distinção entre a literatura e o sistema literário. Ou seja, ele não está interessado em estudar fenômenos isolados, mas o cruzamento de fenômenos. “A literatura é um processo histórico, de natureza estética, que se define pela inter-relação das pessoas que a praticam, que criam uma certa mentalidade e estabelecem uma certa tradição”, disse à revista Investigação. “Quando isso acontece, a literatura está constituída.” O crítico comprou algumas brigas ao reafirmar a tese de que a literatura brasileira não nasceu no século 16 – na realidade, veio de Portugal. Assim, a carta de Pero Vaz Caminha e os poemas de José de Anchieta são manifestações de uma literatura madura, que é a portuguesa. Por conta dessas idéias, foi acusado de ser dono de uma visão excessivamente européia. O pesquisador se orgulha pelo fato de um dos grandes críticos da literatura latino-americana, o uruguaio Angel Ralna, ter adotado o seu ponto de vista e passado a aplicá-lo sistematicamente à America Latina.

Foi contemporâneo e amigo de intelectuais do calibre de Décio de Almeida Prado, Sérgio Buarque de Holanda, Paulo Emílio Salles Gomes e Florestan Fernandes. Formou uma geração brilhante no primeiro ano em que voltou à USP para ensinar teoria da literatura, em 1961: Celso Lafer, Roberto Schwartz, Walnice Nogueira Galvão,Victor Knoll e Mariano Carneiro da Cunha, entre outros. Na entrevista abaixo, Antonio Candido fala especificamente sobre como a FAPESP começou a apoiar a área de Humanidades.

O senhor foi a primeira pessoa a conseguir da FAPESP uma aprovação de bolsas para a área de humanas e, especificamente, para literatura. Por que era difícil obter essas bolsas?

Tenho a impressão de que a FAPESP foi concebida como fonte de auxílio para as ciências propriamente ditas. E talvez, devido à origem de seus primeiros dirigente, com maior peso para o lado das biológicas. Não creio que tenha havido preconceito, mas sim a resultante de uma determinada concepção, expressa no peso do nome: o amparo era às Ciências, e as Humanidades não eram consideradas como algo do âmbito destas. Chego a pensar que me concederam uma bolsa para Letras porque o diretor científico me conhecia e tinha confiança em mim. Como era eu que pedia…

Como ocorreu o processo?

Se me lembro bem, solicitei essa primeira bolsa ali por 1963, para a licenciada em Letras Pérola de Carvalho, que seguia o meu curso de especialização (não se falava ainda em pós-graduação), a fim de realizar no Rio de Janeiro pesquisas sobre as fontes inglesas de Machado de Assis. Ela fez um trabalho notável, reunindo material enorme e significativo, sempre louvada pelos assessores. Infelizmente, acabou desistindo e não terminou a tarefa.

Como foram conseguidas as demais bolsas?

Animado por este precedente, pedi em seguida bolsas para três estudantes de especialização fazerem o levantamento das anotações marginais da Biblioteca Mário de Andrade, ainda na casa onde vivera. O pedido foi recusado, pois naturalmente acharam que eu estava abusando e querendo mais exceções… As moças começaram a pesquisa sem qualquer auxílio. Tempos depois encontrei numa recepção o dr. Celso Antonio Bandeira de Mello, secretário geral da FAPESP, e ele me perguntou por que eu não tinha mais feito solicitações. Contei a recusa e ele me aconselhou a insistir. Insisti e (naturalmente, por intermédio dele) recebi as bolsas.

Do que se tratava?

Foi uma pesquisa de consequências importantes, efetuada por Maria Helena Grembecki, Nites Teresinha Feres e Telê Ancona Lopez. Durante alguns anos elas fizeram a localização e transcrição sistemática da marginália de Mário de Andrade, de que resultaram as suas dissertações de mestrado. Mais tarde, Nites e Telê fizeram, também a partir da sua experiência nessa investigação, as teses de doutorado, sempre com bolsas da FAPESP. O material que colheram foi todo recolhido ao Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), onde se encontra, e essa pesquisa foi a semente a partir da qual se formou uma equipe especializada na obra de Mário de Andrade, cujo acervo acabou incorporado ao IEB. Foi certamente a investigação de maiores conseqüências dentre as que orientei. Basta verificar os seus frutos ao longo dos anos e até hoje no IEB. A partir de então, não tive dificuldade em obter bolsas, graças ao exemplo que foi o rendimento excelente das primeiras bolsistas. Elas mostraram à FAPESP que na área de humanas, inclusive Letras, o trabalho pode ser sério e produtivo.

As bolsas estavam vinculadas a algum projeto de pesquisa do qual o senhor era o coordenador ou a projetos da pós-graduação em que o senhor funcionava como orientador?

No meu caso, o objetivo era predominantemente a pós-graduação. Nunca solicitei auxílio ou bolsa para trabalhos pessoais.

Em que medida o apoio da FAPESP de fato ajudou na formação de pesquisadores de alto nível na área de literatura, em São Paulo?

O apoio da FAPESP foi decisivo. Creio que, sem ele, não teria sido possível desenvolver o trabalho que enriqueceu de maneira notável a produção da USP e de outras instituições em matéria de estudos literários. Pudemos, além das bolsas, ter a oportunidade de contratar professores estrangeiros como visitantes, mandar alguns estudantes ao exterior, disciplinar o trabalho intelectual graças à exigência rigorosa dos relatórios, receber auxílio para publicações, etc. No tempo em que solicitava bolsas, isto é, até 1978, contei sempre com o apoio dos dirigentes da FAPESP, à qual a USP e outras instituições devem, sem dúvida, as condições necessárias para mostrar à comunidade acadêmica a pertinência do trabalho em nosso setor.

O senhor acredita que esse apoio proporcionou alguma mudança importante dentro da universidade?

Nesse sentido, penso que a FAPESP teve papel importante na mudança dos hábitos mentais e na própria concepção do trabalho universitário. No começo, lembro que quando se falou de tempo integral para o setor de Humanas (ali por 1946-47), várias importantes personalidades universitárias se mostraram escandalizadas: tempo integral para quem não usava laboratórios nem fazia experimentações? Passadas as reticências iniciais, a FAPESP foi decisiva para mudar essa visão obsoleta.




A discussão sobre o direito
à literatura em Antônio Candido

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy (conjur.com.br)

Estudos de direito e literatura multiplicam-se no Brasil. Enfrenta-se uma ainda forte tradição positivista, analítica e tecnicista, para a qual o direito é só a lei e as decisões judiciais e, quando muito, os livros que explicam leis e que comentam decisões judiciais. Esses livros formam o que os juristas denominamos de doutrina, expressão tomada à força (e imperceptivelmente) da teologia.

Há quem estude o direito na literatura, ou a literatura no direito. Eu acrescentaria o direito à literatura. A relação entre esses dois campos, direito e literatura, sugere que se abandonem fronteiras conceituais clássicas. O direito na literatura consiste em se alcançar aspectos jurídicos na produção literária de ficção. O que romances, novelas e contos falam sobre o direito e sobres os problemas jurídicos e sobre a justiça? A literatura no direito é teorização ou criticismo literário em textos jurídicos, que variam de decisões judiciais a petições. É um assunto que interessa aos estudiosos de retórica. Acrescento que a literatura no direito é também um olhar sobre os mencionados livros de doutrina. É um estudo sobre material burocrático.

Há um problema conceitual que precisa ser enfrentado, isto é, até que ponto o direito é literatura? Umberto Eco enfatizava que a escrita pode ser criativa ou científica. Eu acrescentaria a escrita burocrática. Há também a questão da tradução. Confirma Eco que Cervantes e Tolstoi, por exemplo, são conhecidos e muito mais lidos em tradução do que — provavelmente — por leitores versados na língua em que o Quixote e Guerra e Paz foram escritos.

O direito à literatura foi um assunto tratado por Antonio Cândido (1918-2017), figura central da crítica literária brasileira a partir dos anos 40 do século passado, segundo Roberto Schwarz. Refiro-me ao texto Direito à literatura, tema de palestra proferida em 1988, e publicado na coletânea Vários Escritos. As linhas gerais dessa intervenção sedimentam uma orientação segura para reflexão e aprofundamento. Antonio Candido revela-se (continuamente) lúcido, coerente, convicto. Era um humanista, na acepção mais completa que essa palavra possa nos remeter.

A discussão tem como pano de fundo a relação entre direitos humanos e literatura. Cândido lembra-nos que vivemos (parece que sempre) em épocas de barbaridades e de injustiças. Ainda cometamos as mesmas barbaridades e injustiças que denunciamos, e ainda que não celebremos esses feitos (ou desfeitos). Em 1988 Cândido registrava que já não mais se falavam coisas que ouvia quando era menino, isto é, “que haver pobres é a vontade de Deus (...), que os empregados domésticos não precisam descansar, que só morre de fome quem for vadio”. Contra essas sandices Cândido argumentava que se deve considerar que tudo que nos é indispensável é também indispensável ao próximo. É como definiu os direitos humanos. E é esse o ponto de partida de um direito à literatura.

Com base em Louis-Joseph Lebret, um padre dominicano francês que também era economista, Cândido dividiu os bens da vida em bens compressíveis e bens incompressíveis. Cosméticos, enfeites e roupas supérfluas são compressíveis. Alimentos, roupas e habitação são incompressíveis. Aqueles primeiros são substituíveis e inclusive descartados. Esses últimos são essenciais.

No direito (especialmente no direito tributário) explica-se a divisão com a teoria da seletividade, que orienta a fixação de alíquotas e de bases de cálculo de IPI e de ICMS. De acordo com Antonio Cândido os bens incompressíveis não são apenas os que asseguram a sobrevivência fática e física em níveis decentes. São também os que garantem a integralidade intelectual. É aí que encaixa a literatura.

Cândido definiu a literatura como toda criação de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações. Nesse sentido, não passamos mais de um dia sem mergulharmos no universo da imaginação e da fabulação. Contamos, vivemos, sonhamos e imaginamos estórias. Além do que, a literatura é um instrumento poderoso de instrução e de educação, prossegue o crítico.

Há uma literatura sancionada (prestigiada pelo poder) e uma literatura perseguida, em oposição àquela primeira. Esta última, a literatura perseguida, é uma necessidade social. É uma literatura empenhada. Cândido menciona Castro Alves (e o Navio Negreiro), Bernardo Guimarães (e a Escrava Isaura), Vitor Hugo (e os Miseráveis). É uma literatura de humanitarismo romântico, centrada na equação “pobreza mais ignorância mais opressão é igual ao crime”. Lembra ainda Dickens (Oliver Twist), Dostoievsky (Crime e Castigo) e Emile Zóla no contexto do caso Dreyfuss. No Brasil, lembra Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz e Érico Veríssimo.

Defende uma sociedade igualitária de produtos literários. A literatura é uma necessidade universal. A literatura, prossegue Cândido, é um instrumento consciente de desmascaramento, apontando e denunciando onde há restrições e negações de direitos. A literatura denuncia a miséria, a servidão e a mutilação espiritual. Para Antonio Candido, a literatura erudita não pode ser monopólio de classes dominantes e também não pode ser distribuída de forma estratificante e alienante.

Inegável que há um direito à literatura, na medida em que se aceita a literatura como um bem incompressível, e na medida em que valorizo que seja imprescindível para o outro o que é essencial para mim (o que não deixa de ser uma formulação alternativa do imperativo categórico kantiano).


Entrevista




2 comentários:

  1. Por isso não confundam erudição com sabedoria.

    ResponderExcluir
  2. Prévidi,
    Um encarte publicitário no espaço do blog do Políbio, sobre um congresso de direito tributário ou algo semelhante, ligado à PUC, e com 'inscrições em brevi'.
    Pra mim, é a explosão efeito PUC, ou o proselitismo político de esquerda das nossas universidades não permitindo espaços ao (necessário) ensinamento da língua portuguesa.
    Poderiam ter acrescentado: 'não percisam ter concruido a facurdade.'

    Em tempo, BREVE !!!


    ResponderExcluir