Sexta, 4 de janeiro de 2019




Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
...
ANDO DEVAGAR
PORQUE NÃO TENHO PRESSA









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especial

Nesta sexta, uma cesta de
CARLOS HEITOR CONY




Ano novo, vida velha.
A vida é mais do que calendários,
fusos ou órbita gravitacional


Carlos Heitor Cony cresceu no bairro de Lins de Vasconcelos, na zona norte do Rio de Janeiro, onde nasceu em  14 de março de 1926. Foi considerado "mudo" pela família até os quatro anos, quando pronunciou suas primeiras palavras reagindo a um barulho provocado por um hidroavião em Niterói. Quando tinha 15 anos sofreu uma cirurgia que rersolveu o problema. Por isso foi alfabetizado em casa e estudou em um seminário em Rio Comprido até 1945, abandonando-o antes da ordenação como padre. Fez a Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, mas não concluiu. Toprnou-se  jornalista no Jornal do Brasil cobrindo férias de seu pai,  Ernesto Cony Filho.
Em  1952 conseguiu ser redator da Rádio Jornal do Brasil. Em 1955, começou a trabalhar na sala de imprensa da Prefeitura do Rio de Janeiro como setorista do Jornal do Brasil em substituição ao pai, que sofrera uma isquemia cerebral. No mesmo ano, escreve seu primeiro romance, O Ventre.
Em 1960, entrou para o Correio da Manhã na função de copidesque e editorialista. Entre 1963 e 1965 manteve uma coluna na Folha de S.Paulo, revezando espaço com a poetisa Cecília Meirelles. Inicialmente tendo apoiado o golpe militar de 1964 que tirou João Goulart da presidência da república, Cony foi um dos que se arrependeram de apoiar a queda de Goulart e rapidamente veio a opor-se abertamente ao golpe, sendo preso por seis vezes ao longo do regime militar. Mesmo assim, era chamado pelo pessoal de O Pasquim como Carlos Heitor Conyvente.
Como editorialista do Correio da Manhã,escreveu textos de crítica aos atos da ditadura militar, reunidos em um livro, O Ato e o Fato, lançado ainda em 1964.Pressionado pelas críticas que fazia, acabou pedindo demissão do jornal.
Além de trabalhar na mídia impressa, Cony também foi diretor de teledramaturgia da Rede Manchete entre 1985 e 1990, tendo escrito os primeiros capítulos da primeira minissérie da emissora, Marquesa de Santos, o projeto da novela Dona Beija, e a ideia original de Kananga do Japão juntamente com Adolpho Bloch.
Em 1993, Cony foi convidado pelo jornalista Jânio de Freitas para voltar a escrever para a Folha de S.Paulo, assumindo a coluna "Rio" no lugar do escritor Otto Lara Rezende, falecido recentemente. A primeira coluna de Cony na Folha saiu em 14 de março daquele ano, escrevendo no jornal até a morte.
Após 22 anos afastado da literatura de ficção, em 1995, Cony lança o livro Quase Memória, marcando seu retorno à atividade de escritor e romancista. O livro se tornou uma de suas obras mais famosas ao vender mais de 400 mil exemplares, recebendo também o Prêmio Jabuti de 1996 na categoria Livro do Ano - Ficção.
Cony recebia pensão do governo federal em decorrência de legislação que autoriza pagamento de indenização aos que sofreram danos materiais e morais vitimados pela ditadura militar.[16] O benefício, chamado de prestação mensal permanente continuada, foi aprovado pela Comissão de Anistia em 21 de junho de 2004, correspondendo à época em cerca de 23 mil reais, que equivaleria ao salário que receberia no jornal caso não tivesse sido obrigado a se desligar. O valor mensal foi à época limitado a R$ 19.115,19, o teto do funcionalismo.
Foi eleito para a cadeira 3 cujo patrono é Artur de Oliveira, em 23 de março de 2000, sendo o seu quinto ocupante. Foi recebido em 31 de maio do mesmo ano por Arnaldo Niskier.
Em 2013, o escritor sofreu uma queda na Feira do Livro de Frankfurt, gerando um coágulo em seu cérebro. Debilitado pelo acidente e um câncer linfático que o acompanhava desde 2001, Cony morreu em 5 de janeiro de 2018 no Rio de Janeiro devido a problemas no intestino e falência múltipla dos órgãos.



Prece para um Ano Novo






Depois do bife com batatas fritas, das pernas da Claudia Raia e da introdução de "No Tabuleiro da Baiana", do Ary Barroso, a maior criação de Deus foi o Diabo, o próprio, também conhecido como Demônio ou Satanás. E, segundo Guimarães Rosa, o Arrenegado, o Cão, o Sujo, o Cramulhão, o Indivíduo, o Galhardo, o Pé-de-Pato, o Tisnado, o Coxo, o Coisa-Ruim, o Marrafo, o Não-Sei-Que-Diga, o Rapaz, o Sem-Gracejos (Grande Sertão: Veredas).

Tirando-se o citado Sem-Gracejos da história, nem haveria história, o mundo seria uma chatice, todo mundo tocando cítara e sem direito de votar, como nos tempos da ditadura, e sem poder ir para o diabo que o carregue.

Pensando assim, desde que li as obras completas de Tomás de Aquino, não me arrependo de ter, aos nove anos de idade, vendido minha alma ao Diabo a troco de um canivete de duas lâminas de um tal Sacadura, terror das ruas de Lins de Vasconcelos, onde nasci e vivi até que desconfiei que a barra ficara pesada para os meus lados. O que me obrigou a buscar refúgio num seminário, onde tentei desfazer o pacto diabólico - uma redundância, por sinal, porque, sem pacto ou com pacto, o Diabo já tinha o domínio do fato ("data venia" aos nossos ilustres ministros do Supremo Tribunal Federal).

Muita gente acredita que a maior obra de Deus foi a luz, o "fiat lux", que terminou virando uma caixa de fósforos. Em tempo de tantos apagões, que dona Dilma não cansa de explicá-los, até que seria uma boa se tivéssemos uma nova edição, revista e aumentada, da criação do homem. Mesmo sem homem, mas com o Diabo, que, entre seus feitos satânicos, me deixou literalmente na mão, sem o canivete de duas lâminas do Sacadura. Com o qual eu poderia fazer justiça, livrando-me de todo o mal, amém.


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O Menino das Meias Vermelhas






O nome dele era complicado, passou a primeira semana sem que ninguém o chamasse para brincar. Até que repararam que sempre usava meias vermelhas e ele ficou sendo o “menino das meias vermelhas”. Vivia pelos cantos, quase não falava, quase não existia. Apesar disso, não parecia infeliz. Era apenas solitário: era o Menino das Meias Vermelhas.

Um dia perguntaram: “Menino das Meias Vermelhas, por que você sempre usa meias vermelhas?” Ele respondeu como se não fosse com ele: “No dia dos meus anos, minha mãe levou-me ao circo e colocou-me meias vermelhas. Eu reclamei, com aquelas meias chamaria a atenção dos outros, todos zombariam de mim. Mas ela explicou: ‘É que lá vai ter muita gente, se eu me perder de você, olharei para baixo e será fácil encontrá-lo.’”

E todos os dias lá vinha o Menino das Meias Vermelhas com suas meias vermelhas, com seu silêncio, sua solidão, como se esperasse alguma coisa ou como se tudo já houvesse acontecido com ele. Ninguém dava mais importância ao menino nem às suas meias vermelhas. E era isso o que ele parecia desejar.

Sentava em cima de uma pedra, nos fundos do campo onde os outros jogavam pelada ou soltavam pipas. Até que veio a tarde de chuva e os meninos não puderam jogar pelada nem soltar pipas. Como distração, resolveram provocar o Menino das Meias Vermelhas.

“Você não está no circo! Tire essas meias vermelhas, elas são ridículas!”

O Menino das Meias Vermelhas não ficou aborrecido. Depois de algum tempo, falou, como se falasse consigo mesmo: “Eu vou continuar usando meias vermelhas. É que minha mãe foi embora. Um dia, talvez ela passe por mim em algum lugar, verá minhas meias vermelhas e me reconhecerá.”

O sol apareceu de repente e os outros meninos foram jogar pelada e soltar pipa.


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Pranto para o homem que não sabia chorar






Havia quitandas naquele tempo. Vendiam verduras, legumes, ovos, algumas chegavam a vender galinhas em pé, quer dizer, vivas, mas eram poucas, pois todas as casas tinham quintal e todos os quintais tinham galinhas. Ia esquecendo: as quitandas mais sortidas tinham à porta, bem visíveis aos passantes, um feixe de varas de marmelo.
Para que serviam? Fica difícil explicar, mas serviam para os pais comprarem uma delas e a guardarem em casa, num lugar à mão e bem visível aos filhos. Quem nunca tomou uma surra de vara de marmelo não pode saber o que é a vida, de que ela é feita, de suas ciladas e enigmas. Há aquela frase: "Quem nunca passou pela rua tal às cinco da tarde não sabe o que é a vida". A frase não é bem essa, mas o sentido é esse.

Uma surra de vara de marmelo era o recurso mais eficaz para colocar a prole em bom estado de moralidade e bom comportamento. Acima dela, só havia o recurso capital de ameaçar o filho com um colégio interno da época: Caraça! Ir para o Caraça, a possibilidade de ir para o Caraça era uma pena de morte, uma condenação ao inferno, um atestado de que o guri não tinha jeito nem futuro.
Houve a tarde em que o irmão mais velho fez uma lambança com umas tintas que o pai comprara para pintar a casa de Segredo, o cachorro, que era solto à noite para evitar que os amigos do alheio pulassem para o quintal e roubassem as galinhas -repito, todas as casas tinham galinhas.

E "amigos do alheio" era uma expressão, uma metáfora civilizada que os jornais usavam para se referirem aos ladrões de qualquer coisa, inclusive de galinhas.

Pois o irmão foi surrado com vara de marmelo e chorou. O pai então proferiu a sentença que ele jamais esqueceria:
Homem não chora!

Em surras seguintes e sucessivas, com a mesma vara de marmelo (ela nunca se quebrava, por mais violenta que tivesse sido a surra anterior), o irmão tinha o direito de gritar, de urrar, de grunhir como um leitão na hora em que entra na faca, mas não de chorar.
Por isso, mesmo sem nunca ter tomado uma surra daquelas, ele sabia que um homem não pode chorar, nem mesmo quando açoitado por vara de marmelo. O vizinho do Lins, que tinha um filho considerado perdido, percebendo que a vara de marmelo era ineficaz como um remédio com data de validade vencida, adotou uma tira de borracha que servira de pneu a um velocípede desativado. Tal como a vara de marmelo, era maleável mas inquebrável, deixava lanhos nas pernas do filho -que mais tarde chegaria a ser capitão-do-mar-e-guerra, medalhado não em guerra nem em mar, mas por tempo de serviço.
Homem não chora e, por isso, ele decidiu que seria um homem e jamais choraria. O irmão, sim, era um bezerro desmamado, chorava à toa, nem precisava de vara de marmelo. Chorou no dia em que Segredo morreu envenenado -um amigo do alheio, antes de pular no quintal, jogou-lhe um pedaço de carne com arsênico.

Chorou mais tarde, quase homem feito. Esquecido de que homem não chora, ele chorou quando o Brasil perdeu para o Uruguai no final da Copa do Mundo de 1950. Não era homem. Atrás do gol, viu quando Gighia chutou e o estádio emudeceu e logo depois chorava, seguramente o maior pranto coletivo da história da humanidade, 200 mil pessoas que não eram homens, chorando sem vergonha de não serem homens.

Ele não podia ou não sabia chorar? Essa era a questão. Volta e meia forçava a barra, lembrava as coisas tristes que lhe aconteceram, o dia em que o pai o colocou de castigo, atribuindo-lhe a quebra de uma moringa. A perda da medalhinha de Nossa Senhora de Lourdes que a madrinha lhe dera, uma medalhinha de ouro que, segundo a madrinha, o livraria de todo o mal, amém. Não chorou nem mesmo quando, naquela primeira noite após a morte de sua mãe, ele se sentiu sozinho na vida e perdido no mundo.
Daí lhe veio a certeza. Poder chorar até que podia. O diabo é que ele não sabia mesmo chorar. Chorar é como o samba que não se aprende na escola: ou se nasce sabendo, ou nunca se sabe. Bem verdade que ele desconfiou de que os outros chorassem errado, misturando motivos. Por exemplo: o irmão, que era um Phd na matéria, quando chorava, fazia um embrulho de coisas e desditas, um mix de quebrações de cara e obtinha um pranto copioso, sincero, lágrima puxando lágrima, soluço puxando soluço.
Quando perdeu uma bolada num cassino de Montevidéu, foi para o quarto do hotel, bebeu meia garrafa de uísque e, tarde da noite, telefonou dizendo que, passados 40 e tantos anos, ainda estava chorando pela morte de Segredo.

Tivera ele essa virtude, aquilo que os ascetas chamam de "dom das lágrimas"! José, vendido por seus irmãos ao faraó do Egito, tornou-se poderoso e um dia recebeu os irmãos que o procuraram para matar a fome. Os irmãos não o reconheceram. José perguntou-lhes sobre o pai e retirou-se a um canto para chorar. Depois, sim, deu-se a conhecer e matou a fome dos irmãos que o venderam.

Jesus chorou quando soube da morte de Lázaro e o ressuscitou. A lágrima é um dom, e ele não mereceu esse dom nem mesmo quando Débora foi embora de seus sonhos e, como nos tangos, nunca mais voltou.


Um comentário:

  1. Caro Prédidi,

    Em relação à afirmação do discurso do presidente Bolsonaro de eliminar radicalmente as estruturas comunistas montadas em 14 anos de governo petista (despetizar o Brasil), me vem à lembrança uma leitura recente, Um Belo Domingo, do escritor e roteirista de cinema Jorge Semprun. Este livro, que recomendo como uma necessária leitura para entendermos esses tempos atuais, é um libelo – radical! - a favor da liberdade cometido por quem, em sua agitada juventude, foi um fanático (o partido sempre tem razão, mesmo que não tenha razão é necessário que tenha razão!) membro do partido comunista espanhol. O livro é um debate filosófico do comunista e do nazismo, misturado com reminiscências da vida, intensa, do escritor que, inclusive, esteve em campos de concentração nazista durante a segunda guerra.

    Interessante que o Lenin dizia, metaforicamente, que o socialismo ‘é o soviete com eletrificação’. Na realidade, era o que deveria ser, mas – como sabemos – nunca o foi, pois o que houve por lá foi um extenso laboratório, 70 anos, que produziu a negação dos sovietes (soviete é uma palavra russa que significa conselho, numa ideia de democracia radical; como sabemos, democracia e comunismo são dois termos antagônicos) e uma modernização (a eletrificação do Lenin) absolutamente artificial, focada somente nas indústrias militares e aeroespacial (para combater o imperialismo, o mal, norte-americano). Lenin e sua ideia de comunismo durou apenas três anos. Logo veio o escroto georgiano Stalin que liquidou os sovietes, os camponeses e uma fração importante do exército (é oficial?, então é burguês, fuzilem-no!). Quem, exemplo, era eficiente na produção agrícola era considerado inimigo do povo e substituído pela massa ignara de fanáticos. Mais de 20 milhões morreram de fome! É triste, mas o PT conseguiu replicar todos esses erros, retirando da terra o ‘competente dono’ e o substituindo pelas massas doutrinada do MST que jamais conseguiram, ou quiseram, plantar um pezinho de repolho sequer!

    É o que é!

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