Sexta, 25 de outubro de 2019




Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
...
ANDO DEVAGAR
PORQUE NÃO TENHO PRESSA





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especial

Nesta sexta, uma cesta
de Fausto Wolff!



Eu escrevo com paixão e com compaixão



"Nossos jornais falam de uma realidade de 15%. Os outros são loucos, que vêem a TV Globo. Esses não têm mais salvação"










"Quando Executivo, Legislativo, Judiciário e a Imprensa são sócios, temos uma ditadura."



Fausto Wolff, pseudônimo de Faustin von Wolffenbüttel, nasceu em Santo Ângelo (RS) em 8 de julho de 1940 e faleceu no Rio de Janeiro, em 5 de setembro de 2008. Foi jornalista e escritor.
Fausto começou a trabalhar aos 14 anos de idade como repórter policial e contínuo do Diário de Porto Alegre. De família humilde, mudou-se para o Rio de Janeiro aos dezoito anos.
No Rio, chegou a manter três colunas simultâneas, escrevendo sobre televisão no Jornal do Brasil, sobre teatro na Tribuna da Imprensa e sobre política no Diário da Noite. Suas opiniões polêmicas e independentes também começaram a aparecer na TV, com o Jornal de Vanguarda de Fernando Barbosa Lima a partir de 1963.
Em 1968, atingido pela censura dos militares, Fausto exilou-se na Europa, onde passou 10 anos, na Dinamarca e na Itália. Ainda no exílio, foi um dos editores de O Pasquim, além de diretor de teatro e professor de literatura nas universidades de Copenhague e Nápoles.
Na volta ao Brasil, com a Anistia de 1978, trabalhou em jornais como O Globo e Jornal do Brasil, mas em seguida passou a dedicar-se apenas à imprensa independente, em especial a O Pasquim. Apoiou Brizola em sua eleição para o governo do estado do Rio de Janeiro em 1982 e, a partir dessa experiência, organizou o volume "Rio de Janeiro, um Retrato: a Cidade Contada por seus Habitantes" (1985), considerado um dos mais completos retratos sociológicos da cidade.
A partir daí, longe do cotidiano das redações de jornais, dedicou-se à literatura, também se responsabilizando pela tradução de algumas obras. Voltou a colaborar para o Pasquim através da reedição do periódico, lançada em 1 de abril de 2002 e rebatizada de Pasquim 21. Em 1999, participou da revista de humor e política Bundas, onde assinava uma irônica coluna com o pseudônimo de Nataniel Jebão, um colunista social direitista e defensor da corrupção do poder.
Em seus últimos anos, manteve uma coluna diária no "Caderno B" do Jornal do Brasil.
Internado em 31 de agosto de 2008 com hemorragia digestiva, morreu por disfunção de múltiplos órgãos, no Rio de Janeiro.

Obras

2008: Olympia (Editora Leitura)
2007: Branca de neve e outras Histórias (Tradução, original dos Irmãos Grimm)
2007: "O Campo de Batalha sou eu" (Leitura)
2005: A Milésima Segunda Noite (Bertrand Brasil)
2004: A Imprensa Livre de Fausto Wolff (L&PM)
2003: Gaiteiro Velho (Bertrand Brasil)
2002: O Ogre e o Passarinho (Ática)
2001: O Pacto de Wolffenbüttel e a Recriação do Homem (Bertrand Brasil)
2000: O Lobo Atrás do Espelho: (o romance do século) (Bertrand Brasil)
2000: Cem poemas de amor: e uma canção despreocupada (Bertrand Brasil)
1998: O Nome de Deus: 10 Histórias (Bertrand Brasil)
1997: O Homem e Seu Algoz: 15 histórias (Bertrand Brasil)
1997: Detonando a Notícia: como a Mídia Corrói a Democracia Americana (Tradução, original de James Fallow)
1996: À Mão Esquerda (Civilização Brasileira)
1988: ABC do Fausto Wolff (L&PM)
1984: Carta (com pretensão de conto) de um autor aos estudantes (Companhia Editora Nacional)
1984: Tristana: a maior gota d'água do mundo (Companhia Editora Nacional)
1982: Os Palestinos: Judeus da 3ª Guerra Mundial (Alfa-Omega)
1982: O Dia em que Comeram o Ministro (Codecri)
1979: Sandra na Terra do Antes (Codecri) (reeditado pela Civilização Brasileira, 1996)
1978: Matem o cantor e chamem o garçom (Codecri)
????: O Sorriso Distante (coautor Anita Brookner) (Bertrand Brasil)
1966: O Acrobata Pede Desculpas e Cai (José Alvaro Editores) (rreditado pela Codecri, 1980)


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Antes, veja uma entrevista do Fausto Wolff. Com Jaguar!!




À sombra do medo em flor

Última coluna do FW no Jornal do Brasil.

Dêem a chefia da portaria ao mais dócil empregado e logo ele se tornará um tirano

Já escrevi em algum lugar que, enquanto não nos revoltarmos contra o conceito de democracia que considera sagrado o direito de uma minoria escravizar o resto, jamais chegaremos à condição de seres humanos. Seremos sempre caricaturas, títeres perdidos na ventania, sempre com cara de desculpe, não era bem isso que eu queria dizer .

Enquanto não se der a revolução da humanidade contra a tirania, enquanto deixarmos que nos humilhem para que possamos continuar vivendo, teremos de suportar algumas imperfeições, certos espinhos colocados em nossos sapatos ainda na infância que não podemos ou não queremos tirar.

Uma dessas imperfeições é a constatação de que, à medida que envelhecemos, vamos nos tornando mais medrosos. Quando deveria acontecer o contrário: à medida que envelhece, o homem deveria tornar-se mais corajoso, porque mais sábio, mais justo, mais conhecedor dos seus deveres e direitos.

Quando eu tinha pouco mais de 20 anos, todos os dentes e era um sujeito bonito, era também dado a papagaiadas. Certa vez, ainda noivo (havia noivados e até virgens naquela época), estava no falecido Bar Castelinho, tomando um chope com minha futura mulher, quando um dos donos de uma revista para a qual eu escrevia sentou-se à nossa mesa e se comportou de forma grosseira.

Gentilmente, mandei que se retirasse, pois já tinha de aturá-lo o dia inteiro e não pretendia fazer isso quando estava namorando. Fui despedido no dia seguinte. Na hora, a sensação foi boa, mas eu era muito jovem para perceber que os rateios estavam contra mim.

Outra imperfeição: ser burro, viver e conhecer o mínimo do seu potencial energético interior e, além disso, ter de suportar a consciência da sua mortalidade. Algumas pessoas percebem isso, mas, como são ignorantes, aceitam o princípio nada otimista de que a vida é um absurdo porque acaba na morte e, como dizia Camus, o homem vive e não é feliz. Essa constatação é tão angustiante que, sem uma garrafa ao alcance da mão, é difícil resistir à tentação de não dar um tiro na têmpora.

Hoje em dia, em pleno século 21, a grande maioria de escravos aceita essa condição fingindo não saber dela, fingindo que a vida é assim mesmo. Uns entram com o pé e os outros com o popô, uns com o pescoço e os outros com a foice. Excetuando os psicopatas que, aparentemente, já nascem tortos, alguns poucos escravos se rebelam e saem fazendo bobagens: roubando, assaltando, matando, estuprando.

Quando isso acontece, todos ficam com cara de tacho, fingindo que não têm nada a ver com o peixe. Em seguida, os políticos pedem responsabilidade criminal aos 16 anos . Logo, pedirão responsabilidade aos 15, 14 e cosi via. Cosi via significa que aumentará o número de crianças assassinadas ao nascer; aceitação literal da loucura religiosa de que o homem já nasce pecador. Claro que essa lei só valerá para crianças pobres.

Sou contra a pena de morte, mas, como a tragédia, mesmo quando coletiva, é sempre individual, o que eu faria se matassem alguém indispensável à minha vida? E se alguém tirasse a vida de uma pessoa e, ao fazer isso, me deixasse aleijado interiormente pelos anos que me restam?

Como não acredito na Justiça e também não acredito que podemos julgar oficialmente os efeitos sem punir as causas, eu simplesmente mataria o assassino. E o faria pessoalmente, com as minhas mãos.

Em seguida, cidadão exemplar que sou, me entregaria ao juiz. Não teria resolvido nada, mas como sou humano em estágio ainda bárbaro, pelo menos isso atenuaria um pouco a minha dor.

Como vejo a coisa hoje? Dêem a chefia da portaria de um edifício ao mais dócil dos empregados e logo ele se tornará um tirano para agradar ao poder imediatamente acima dele.

O poder ama a si mesmo e aos poderosos. É tão implacável na sua injustiça que consegue convencer mais de 100 milhões de brasileiros adultos de que devem escolher entre o algoz da esquerda e o da direita. E nada acontece.


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9º capítulo do livro "O Acrobata pede desculpas e cai"


As palavras formam frases que lutam entre si num quarto pequeno e este quarto pequeno é a minha cabeça. Preciso ordená-la e a ordeno com cachaça e limão antes de subir à maternidade. Não posso deixar de ser igual aos outros. O dinheiro, embora fique por pouco tempo no meu bolso, me dá uma sensação tranqüila e, além disso, a bebida ajuda. As frases se ordenam na mesa do botequim.Foi pelo telefone que recebi a notícia de que eu ia ser pai. Uma voz quase infantil anunciou: você vai ser pai — confirmou. Quando garoto assisti muitos filmes americanos desses em que - de repente - a mulher informa a "novidade" ao marido e ele sai dando pulos pela casa. Confesso que não dei pulos. Seria pai, e daí? Contei o fato aos circunstantes. Rápidas felicitações que saem da boca, tão rapidamente quanto um peão come uma dama quando esta se deixa ficar distraída à sua frente. Comida a dama, todos voltaram à anedota inacabada. Senti-me como um clown sem graça que pede desculpas pelo repertório que chegou ao fim, enquanto a platéia mastiga a espera. Olhei para os lados e já ninguém mais olhava para mim. Minha mulher me aguardava em casa de sua mãe. Mãe que — como convém - entregara a filha ao jovem intelectual. No caso, o jovem intelectual sou eu.
Lembro dos dias que se seguiram e continuaram seguindo:
— Mamãe deu a fraldinha para o nenê. Titia deu o lençol. Papai está preocupado. E você?
Eu também estava preocupado mas não conseguia racionalizar a preocupação. Ou então:
— Você chegou atrasado hoje. Vamos tomar ânimo. Você é um excelente profissional.
Como poderia ser excelente profissional se teimava em não enquadrar-me na engrenagem? Se não conseguia escrever fatos que nada tinham em comum com a vida?
Em casa: quarto, cozinha e banheiro. Todas as peças abafadas e um aluguel maior que a metade do meu salário.
— Você precisa arranjar outro emprego. Eu não peço por mim mas sim pelo menino que vai nascer. Não quero ir ao papai. Não quero pedir leite na casa da mamãe. Você precisa se preocupar.
E eu me preocupava.
No trabalho: dezenas de patrões e outros tantos empregados:
— O senhor precisa trabalhar. Não, não precisa falar. Já sei. Vai dizer que não faz outra coisa que não seja escrever. Não quero saber de nada. Não quero saber de nada. Não quero saber de nada.
Lembro que, após um desses monólogos patronais, tentei estabelecer um diálogo. Julguei que seria possível explicar alguma coisa. Comecei a falar:
— Mas vocês só sabem dizer piadas. Mesmo o amor virou manipulação egoística a dois. Vocês não vivem e querem me ensinar a viver. Vocês por acaso são felizes? Felicidade para vocês é dinheiro e sucesso. Vocês agem na ilusão de que as ações de vocês beneficiam a vocês mesmos. Mas vocês atendem a todas as necessidades menos a do eu real de vocês. Vocês são a favor de tudo, exceto de vocês mesmos. Será que vocês não entendem que eu sou um fim para mim mesmo e não um meio para uma autoridade transcendental?
Mas, evidentemente, as autoridades transcendentais não entenderam, pois tinham muito dinheiro para tentar entender, a arte de afastamento vivencial prosseguia. Em casa:
— O quilo de carne está custando X. O leite em pó está muito caro. Quando a criança nascer, não poderemos continuar misturando água com leite.
Os meses passavam rápido. Tão rápidos como o dinheiro que saía do meu bolso para o bolso dos açougueiros, médicos, dentistas, cobradores. Os cobradores, de um modo geral, eram de livro. E era tão fácil vender-me livros. Eles viam como eu os namorava. Diziam que era fácil pagar. E eu acreditava. Dinheiro.
Às vezes chegava em casa tarde da noite e encontrava a minha mulherzinha dormindo. Uma criança de menos de 20 anos. Lindas pernas, lindo busto, querendo apenas aprender a arte de viver mais simplesmente; não querendo atacar convenções, mas aceitando verdades absolutas que ainda não haviam começado a esquartejá-la. Eu tirava o meu terno suado. Tentava lavar-me mas faltava água. Em silêncio, para não acordá-la, deitava-me na cama. Ela precisava de amor e de carinho. Mas estaria eu em condições de dar? Também eu era uma criança tentando jogar um jogo perigoso para mim, fora de casa. E era eu quem ela pretendia ter como professor de vida. Como ousar beijá-la, se durante todo o dia eu nada mais fizera senão fracassar no jogo da vida? Como ousar ter desejo? Sentir o sexo, com tanta culpa e tanta falta de talento para o jogo da vida sobre os ombros? Medo de tocá-la. Medo de não poder amá-la e, ainda assim, amando-a com toda a intensidade. Sua fragilidade, porém, era o espelho da minha própria fragilidade. Como explicar-lhe a minha falta de condições para o jogo do dinheiro que é o jogo da vida?
Naquele silêncio, feito de calor, suor e noite, eu sentia intensamente a ausência de Deus e sofria com essa ausência, pois toda a responsabilidade do que ocorreria daquele momento em diante era minha. E faltava-me força para suportar o peso da minha ignorância. Chorar, também não podia, pois ela acabaria acordando e como explicar as minhas lágrimas, se elas existiam alheias à minha vontade?
Como dizer-lhe: meu amor a culpa é desses filhosdasputas que tiveram a sorte de nascerem filhosdasputas; que tiveram a sorte de nascerem acreditando que o mundo é assim mesmo.
Dinheiro, meu amor, é a palavra de ordem, e para não chorar agora é necessário acreditar nele. É por falta de dinheiro que estou brocha nessa noite.
Também não podia dizer-lhe isso, pois ouviria a sua verdade adolescente e justa:
— Mas, meu amor, você não pode brigar com todos. O dinheiro não faz mal algum. Papai trabalha, todos trabalham.
Como explicar-lhe que bem cedo deixei de aceitar porradas? Como explicar-lhe que bem cedo eu tentei estabelecer um valor ético próprio para a criança que fui anteontem, para a criança que era ontem e para a criança que sou hoje? Como explicar-lhe que não aceitei que me ensinassem o que era bom e ruim antes que eu mesmo pudesse distinguir o bom do mau? Os adultos muito cedo tentaram me enganar. Estúpidos animais fabricados numa clicheria de carne, eles aprenderam o que é bom sem nunca haverem sentido isso. E tentaram ensinar também a mim que, para meu azar, bem cedo descobri suas manobras.
Na escola — meu primeiro contato com a sociedade — tentaram ensinar-me que bom é aquilo pelo qual a gente é elogiada. Mau é aquilo que faz com que a gente receba puxões de orelha. E as minhas estão tortas até hoje.
Sim, eu também precisava de aprovação, embora não acreditasse nela. Mas o que devia fazer se fui feito de outro barro, mais frágil e sensível, apesar de minha natural indiscrição? Mas, infelizmente, eu tive o azar de, apesar da pressão emocional dos adultos, crescer me interrogando. Crescer perguntando a mim mesmo. Eu tive o azar que até hoje me acompanha de saber que o que é bom para a autoridade transcendental, seja ela pai, mãe, professor ou patrão, não é bom para mim. Não me deixaram ser um cachorro; alguma autoridade transcendental que dorme dentro de mim não me deixou ser í um cachorro, eu queria tanto ser um. Um bom cachorro, um cachorro bem vestido, um cachorro fodedor, um cachorro gigolô; um cachorro de automóvel e com algumas viagens a Paris. Um cachorro bom para a autoridade pois que serve à autoridade. Mas eu mordo, sou um mau cachorro e depois falta-me talento para pedir desculpas.
Deus me faltou quando lhe pedi que me transformasse num cachorro como os outros. Deus condenou-me à humanidade.


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Entrevista concedida a Mariana Vidal, Thaís Tibiriçá e Marcelo Salles. Fotos de Fernando Coutinho.

Marcelo Salles – Parece que o Ziraldo levou para o JB o mesmo pessoal que fazia o Pasquim 21.
Eu estou de relações cortadas com o Ziraldo depois de quase quarenta anos de amizade que aparentemente tinha mão única. Ia da minha direção a ele. Só posso dizer que ele é o rei da classe média. Com os nomes que levou para lá – alguns excelentes e outros para fazer média, o Caderno B seria sempre bom, mas jamais uma revolução cultural. Embora seja um gênio como artista gráfico, gosta do humor classe média que não enxerga nada além do seu umbigo e dos modismos do seu mundo-umbigo. Humor, exatamente por ter mais liberdade, só tem sentido se for revolucionário e radical, se revelar o que ninguém viu antes. A reação dos leitores em relação à minha coluna foi uma surpresa para o Ziraldo e um pouco para mim. A grande imprensa não estava acostumada a um colunista como eu – que depois de trabalhar em todos os jornais do Rio, foi estigmatizado e permaneceu trinta anos na imprensa alternativa. Os leitores responderam positivamente – recebo mais de dez cartas por dia. Depois de uma semana elas passaram a não ser publicadas até que a seção de cartas passou a funcionar de duas em duas semanas, se tanto.

Marcelo Salles – Por que você acha que se tornou o colunista mais comentado do Brasil do dia para a noite?
Do dia para a noite e mais cinqüenta anos de experiência, errando e tentando, errando e tentando. Acho que os leitores viram que atrás daquele texto havia um homem, alguém que comungava de suas dores e alegrias, que paga aluguel, faz dívidas, joga nos cavalos. Não viram um cagador de regras que vê a vida a partir da classe-média alta à qual ele pertence e como tal aceita todos os seus modismos. Eu sou o sujeito que já foi corneado, já sofri perdas irrecuperáveis, já vi a morte frente a frente, tomei porres famosos, fui amado, já brochei, já estive na cadeia e, o que é mais importante, tenho uma firme posição político-ideológica.

Marcelo Salles – Por que você não trabalhava na grande imprensa?
A grande imprensa não cumpria a sua parte. Primeiro diziam-me que não havia censura e depois me censuravam. Quando Sarney entrou para o governo e começou seu desgoverno quis fingir-se de democrata e convidou alguns jornalistas como Jânio de Freitas e eu para falarem sobre política. Jânio foi embora quando o programa acabou. Eu continuei em outro programa, mas era censuradíssimo. Passei a falar sobre política internacional. Mais censura. Passei a falar sobre literatura. Foi quando o Collor, psicopata, entrou e mandou que congelassem o meu salário. Depois de alguns meses, graças à inflação, eu estava ganhando 1 dólar por mês. Ao entrar alguns anos antes ganhava 1.500 dólares. Continuei trabalhando, entrei na justiça há mais de dez anos e o processo transitou em julgado. Há dez anos que a Advocacia Geral da União não paga o meu precatório. Hoje seriam algumas centenas de milhares de reais. Eu poderia me aposentar e escrever a obra-prima da literatura universal que só seria reconhecida como tal dentro de duzentos anos. Trabalhei ainda na Bandeirantes e no Última Hora mas depois de algum tempo a minha sinceridade em relação ao ouvinte e meu compromisso com a verdade se tornavam pesados demais para a direção. Algum poderoso reclamava e lá estava eu na rua. Na Bandeirantes, que anunciava não ter censura, uma repórter perguntou ao Zé Augusto Ribeiro o que ele achava e ele: "Posso garantir que enquanto o Fausto Wolff trabalhar aqui não haverá censura".

"Os leitores sentem falta de um jornal que não insulte sua inteligência"

Marcelo Salles – E o Jornal do Brasil?
Cansei de declarar em rádios e tvs que se um dia encontrassem um artigo meu na grande imprensa, um de nós teria mudado. O JB havia feito um contrato com o Ziraldo para passar-lhe a edição do Caderno B. Um ano antes, Ziraldo me dizia: "Não assuma compromisso algum, pois você é o sujeito que melhor escreve no Brasil e é o meu trunfo para o caderno B". Pouco antes tive uma isquemia e o Ziraldo ligou não para saber se eu estava bem, mas se eu ainda tinha condições de escrever. Eu acreditei e continuo acreditando cada vez mais no projeto. Eu não mudei, mas o JB mudou para melhor. Isso significa que poderá voltar a ser o melhor jornal do Brasil, recuperar todos os leitores que perdeu para O Globo. Os leitores sentem falta de um jornal que não insulte sua inteligência.

Marcelo Salles – E o Tanure?
Um dos editores – cujo nome não vou citar – pediu-me para maneirar uma vez. Foi uma questão entre cavalheiros. Não mudei e escrevi outro artigo. O jornal – não é antes de tudo, mas certamente é também um estabelecimento comercial. Não faz sentido ele ter prejuízo porque um colunista decidiu usar um vocábulo em vez de outro. Tanure, desde o nosso primeiro encontro demonstrou ser um gentleman e um homem de palavra. Jamais me dei bem com patrões. Ele, porém, é um executivo, um intelectual que quer fazer um bom jornal. Agora que contratou Augusto Nunes, um dos maiores profissionais da imprensa, não há porque não fazê-lo.

Marcelo Salles – Quais temas foram censurados?
Num artigo eu opinava sobre o próprio jornal e noutro defendia a causa palestina. Vendo a coisa toda agora, talvez eu tenha pegado pesado demais.

Marcelo Salles – E a imprensa sionista?
Isso é uma maldição. Perseguem-me desde que escrevi um livro chamado Palestinos, Judeus da III Guerra Mundial, no qual defendo o direito de os palestinos terem sua terra e não a favela onde hoje são obrigados a viver sob constantes ataques israelenses. Este foi outro motivo de eu ter permanecido tanto tempo fora da grande imprensa. Logo eu, cujo segundo romance, O Campo de Batalha Sou Eu, posfaciado por Alberto Dines, foi o primeiro no Brasil a ter um protagonista judeu. A esquerda israelense quer viver em paz com a Palestina. A direita israelense e os judeus que vivem fora de Israel é que não querem. Tratam o conflito como se fosse um jogo de futebol no qual torcem pelo seu time. Em guerra se torce por quem tem razão e a razão está ao lado dos palestinos. Não aceito o insulto de anti-semita, pois não sou contra etnia alguma. Uma comissão de sionistas esteve no JB pedindo a minha cabeça. Como coincidiu de a direção do jornal decidir diminuir o número de páginas no Caderno B, tive de parar com o [Nataniel] Jebão e escrever minha coluna apenas três vezes por semana. Li na Internet que os sionistas pensam que isso se deu por causa deles, mas foi pura coincidência. Alguns dos meus melhores amigos são judeus e anti-sionistas. Pergunto-me o que meus ídolos Jesus Cristo, Marx, Freud e Einstein, todos judeus, diriam de uma figura como Ariel Sharon.

Marcelo Salles – Tem uma anedota sua de um jovem jornalista que chega à Redação, conversa com o dono do jornal e diz que tem o sonho de fazer um jornalismo humanista. O dono o incentiva, admira sua intenção, mas quando o jornalista vai embora ele liga para a portaria e diz: "Nunca mais deixe esse filho da p… voltar". Os donos da mídia, hoje, são assim?
Já falei do Tanure. O outro dono com o qual me dei bem foi o Samuel Wainer, que nunca me censurou. Minha opinião sobre este assunto é a seguinte: o grande jornal não pode simplesmente expressar a opinião do seu dono. Acabaria acontecendo o que acontece na televisão. Quem patrocina o programa – Casas Bahia, digamos – determina a cultura do povo. Creio que a obrigação do jornalista com o patrão é de fazer para ele um jornal bem feito e que lhe dê lucro. O sistema é capitalista e essas são as regras do jogo. Quanto à posição política do jornal, esta deve ser determinada por um conselho de redação onde a participação patronal seja mínima, a dos jornalistas média e a do público leitor a máxima. Tivesse eu um jornal daria duas páginas aos leitores. Os conselhos de redação já existem em alguns dos principais jornais do mundo há muito tempo: Frankfurt Algemeine, L’Unitá, Paese Sera, The Independent, Politiken, Le Monde, entre outros. No Brasil a situação é tão patética que o governo acha que a TV Educativa é dele e impõe e proíbe o que bem entende em vez de dar aos empregados a possibilidade de fazerem a melhor TV do Brasil. Esquecem-se que a TV é uma concessão do povo e que, portanto, cabe ao povo decidir o que quer ver na sua rede. Quando estive na Itália a primeira vez e fiz um estágio na RAI fiquei impressionado ao ver Giancarlo Pajjeta, veterano deputado comunista, desancar o governo democrata cristão. A resposta foi óbvia: numa democracia todos os espaços políticos têm espaço. Se a TV Educativa não fosse um cabide de empregos poderia ser a melhor, pois elementos capazes ela tem.

Marcelo Salles – O que você esperava do novo Caderno B?
Uma revolução. Uma espécie de Village Voice com tempero carioca. Ziraldo encheu o jornal com seus amigos. O B praticamente só tinha colunistas quando deveria ter bons críticos de artes plásticas, cinema, teatro, tv, ballet, literatura, poesia, música, grandes reportagens e principalmente uma linha de defesa do cinema e da literatura nacionais. Uma campanha a favor de um teatro e um cinema subvencionados pelo Estado para fazer frente ao lixo hollywoodiano. Lutar pelos autores nacionais que sofrem para editar bons livros enquanto que qualquer best-seller americano ou europeu ganha páginas e páginas de propaganda. Deveríamos resgatar a música brasileira, que já foi a melhor do mundo quando imposta pelo povo aos meios de comunicação, e não ao contrário como ocorre hoje. Naquela época o carnaval era uma revolução anual com milhões de pessoas cantando novas músicas de protesto social todos os anos. A cada carnaval o povo aprendia mais de cinqüenta novas músicas e as cantava em uníssono do Amazonas ao Rio Grande do Sul. "Você conhece o pedreiro Waldemar? Não conhece, pois eu vou lhe apresentar. De madrugada apanha o trem da circular, faz tanta casa e não tem casa pra morar". O jornal deveria lutar para que os protagonistas das escolas de samba voltassem a ser o povo e não os turistas. Deste modo o protagonista do jornal voltaria a ser a notícia e o seu maior compromisso, o leitor. Hoje, realmente, mais do que ter bananas, nós somos bananas. Temo que se amanhã os marines invadirem o Brasil as moças e rapazes da classe média vão pedir autógrafos. Ziraldo colocou vários cronistas jovens (alguns até bons), mas que só sabem dizer "eu". Creio que, a não ser em casos excepcionais, um jornalista só deveria dizer "eu" depois de dez anos de redação. A direção decidiu diminuir o número de páginas porque os colunistas viviam se chocando e atrapalhando grandes talentos como o Aldir Blanc, o Nani, o Reinaldo Jardim e alguns outros.

Marcelo Salles – Você também fala muito de você.
Aprendi isso com a literatura. Uso-me como matéria prima para que o público melhor possa julgar. Antes disso, porém, eu vivi. O diabo não é esperto porque é velho. É velho porque é esperto. Tenho 65 anos, oito casamentos, filhos, netos, vinte livros, três guerras. As dores e alegrias são muitas. Porque usar as experiências alheias se as minhas senti na alma e no corpo? Com raras exceções, os jovens colunistas em vez de desmascarem uma realidade mentirosa de superfície deixam-se envolver por seus modismos, pois não conhecem outra realidade. A exceção fica por conta dos cartunistas como o Alan Sieber, que é jovem, mas já tem mais de trinta anos. Seus livros de quadrinhos fazem de uma realidade aparentemente banal (para quem não é ferido por ela) verdadeiras tragédias. Você ri chorando. As grandes exceções, naturalmente, são Jaguar, Millôr, Ziraldo (apesar de tudo), Angeli, Glauco, os irmãos Caruso, que já nasceram geniais.

Marcelo Salles – O que você tem contra modismos?
Há bons modismos que ficam. Mulher e futebol, embora estejam querendo acabar com esses dois modismos. Basta ver o grande numero de filmes sustentando o homossexualismo como o ideal. Já o futebol ficou difícil quando já se sabe o resultado de antemão. Mas, falando sério: não gosto de modismos porque eles são mentirosos e tentam fazer do ser humano – a máquina mais sofisticada do universo – um bufão, um palhaço, um boi sem vontade própria. Eu vejo o jornalismo com a visão de quem está no meio-fio da calçada, como a empregada doméstica. Sou um intelectual e por isso mesmo simplifico. Se amanhã escrever um artigo sobre Joyce ou Kafka, vou fazê-lo de modo a ser entendido por qualquer pessoa inteligente. Para isso é preciso harmonizar a linguagem jornalística com a literária. Morro de rir quando vejo um cronista começar o texto dizendo: "Acabo de voltar do Japão onde recebi o prêmio". Precisamos devolver o jornalismo ao povo e para isso ele (povo) precisa ser respeitado. O bom jornalista informa ao povo o que faz o poder e não o contrário.

Marcelo Salles – Mas, deixando o JB de lado, eu digo os jornalões em geral, os donos hoje estão mesmo assim?
Essas coisas infelizmente não vão ser resolvidas porque há uma geração que hoje tem 40, 50 anos e que não consegue ver nada além do dinheiro. Alguém precisa lhes dizer que não são imortais. São os executivos neoliberais ideologicamente mortos. Eles nem partem do princípio de que se pode fazer um grande jornal dizendo a verdade. A manchete do Globo de ontem foi "Hamas toma o poder na Palestina" e não, como seria correto, "Hamas vence eleições na Palestina". Quando o legislativo, o executivo, o judiciário e a imprensa são sócios, você tem uma ditadura, e é isso que nós temos com raras exceções.

Marcelo Salles – Você costuma dizer que em 64 a imprensa ficou sócia do poder com o golpe.
O golpe cristalizou essa sociedade, mas ela já vinha desde 54 quando Getúlio foi assassinado. Revigorou-se com a Aliança Para o Progresso, de Kennedy, e com o contrato Time-Life, que permitia que uma companhia jornalística estrangeira ditasse a linha editorial de um canal de TV. O resto foi repetição. Já poderíamos ter imprensa independente se Ziraldo, apesar dos meus protestos, não houvesse feito a melhor revista do Brasil e a chamasse de Bundas. Poderia ter acontecido com Pasquim 21 se Ziraldo, que se acha um homem de negócios, garantisse contratos de propaganda de pelo menos um ano com o governo Lula, uma vez que fizemos a campanha do PT. O único órgão de imprensa que fechou foi Pasquim 21, o que mais brigou pelo PT.

Marcelo Salles – O que você me diz daquela história de o PT estar fazendo esse governo agora para arrecadar recursos e depois efetivamente fazer um governo de esquerda…
Ah, isso é bom, isso é um negócio muito interessante: primeiro eu vou arranjar dinheiro, primeiro minha mulher vai ficar rica, meu filho vai ser prefeito… Isso é uma coisa nojenta! Esse pessoal, deputados, senadores, são todos office-boys das grandes transnacionais. Eu hoje tenho absoluto nojo e desprezo pela quase totalidade dos políticos.

Mariana Vidal – Você acha que hoje nós temos uma esquerda no país? Uma oposição de esquerda?
Eu falei com o pessoal do Partido Comunista do Brasil e eles me convidaram para ser candidato a Presidente da República, eu acho até que seria engraçado. Não, eu acho que hoje não temos mais esquerda. Acho que a grande armação brasileira foi o PT. Brizola tinha razão, trata-se da UDN de tamancos. Ainda assim votei no Lula por falta de opção. Logo que ele começou a fazer bobagens escrevi um artigo: "Se estiver sendo pressionado, vá à televisão e diga ao povo o que está acontecendo". Desisti no Fome Zero, aquela demagogia idiota de levar ministro ao Nordeste e dizer: "Ministro, olha, essa é a fome. Fome, esse é o ministro fulano de tal. Agora que vocês se conhecem nos veremos nas próximas eleições".

Mariana Vidal – Votaria de novo?
Não. Hoje tenho certeza de que o PT surgiu para acabar com o Partido Comunista, com os comunistas no Brasil. Aproveitou-se de que a burguesia esclarecida não podia mais acreditar na Arena. Por outro lado, tinham medo do comunismo e de Brizola. Ela tem muito medo do Brizola. Porque ele não só propunha como fazia; ele fez os Cieps, e seu erro foi dizer que tinha feito 500 quando fez 200, ainda que 30 já seriam uma maravilha! O Brizola nacionalizou a Bond & Share e tinha a educação e a cultura como metas. Lia pouco, tinha o dedo podre, não sabia muito sobre marxismo, mas era um homem profundamente digno e honesto. Isso a direita, que quer o povo alienado, não podia aceitar. Os burgueses optaram pelo PT, que não era de direita aparentemente, mas também não era de esquerda. O que eu não sabia é que depois de Collor e de FHC o candidato do Consenso de Washington era Lula e não Serra, talvez por este ser um desastre ambulante. Comecei a pensar o seguinte: Quem são os fundadores do PT? Logo vi que era a burguesia intelectualizada que não quer ser comunista, ao mesmo tempo não quer se comprometer muito com a esquerda, mas não é de direita. E assim acaba com o comunismo sério. E não estou falando do PPS, que não ousa dizer seu nome, nem do PCdoB, que tem o presidente da Câmara. Pensei: "Esse pessoal vem do Chile, vem de Paris, tudo filhinho de papai, tudo montado numa bela grana, querendo fazer um partido de esquerda light. Mas para fazer um partido assim precisavam de um ícone, de uma marca registrada, de uma coisa como a Coca-Cola, eles precisavam de um operário. Quem é o que aparece mais, o que fala mais? Ah, é o fulano de tal! Então pegaram o operário como se ele fosse o novo Jesus ou o novo Lênin. Hoje você vê que o Lula é uma pessoa absolutamente despreparada para qualquer coisa, ele não sabe nada de nada, ele é um ator que foi colocado ali para decorar um papel. Agora que o largaram sozinho, ele fica dizendo besteiras: "Garanto a você que não existe ninguém mais ético que eu".

Marcelo Salles – Em 64 a estratégia era fazer uma invasão cultural e depois manter uma ditadura durante um tempo?
A invasão cultural vem se dando desde 64, é verdade, mas foi duplicada a partir do Sarney. Agora é que nós não temos mais músicas, não temos mais escolas, não temos mais jornalismo, nós não temos nada, nós somos um rapaz mulato desdentado com 16 anos em frente a uma loja de discos cantando uma música americana que ele não sabe o que quer dizer. Esse é o retrato do Brasil.

Mariana Vidal – Você acredita na redemocratização da mídia no Brasil? Você acha que é possível reverter essa invasão cultural?
Não, enquanto não valer a pena. Pode ser que valha a pena e creio que é isso que pretende o Tanure. Da última vez que estive com ele, falou-me da criação de um Conselho de Redação que desse maior importância ao leitor. Houve um caso na África do Sul de um jornalista amigo do Stephan Bico, grande revolucionário contra o apartheid. O Bico estava solto enquanto o Mandela estava preso. Este jornalista, Donald Woods, vivia tranqüilamente achando que estava num país normal, porque os filhos dele iam à escola para brancos, tinha uma empregada negra que adorava as crianças. Os empregados moravam em favelas distantes e iam trabalhar na casa dos ricos. Isso era perfeitamente normal, como é no Brasil, não é mesmo? Ele sabia, como a gente sabe que acontecem coisas inacreditáveis em Nova Iguaçu; que todos os dias morrem crianças assassinadas na Rocinha, mas quem é que está dando bola para isso? Ninguém! Até que o Bico vai ao jornal falar com ele: "Como é que é, rapaz, seu jornal está matando gente". Woods perguntou: "Como"? O Bico explicou e ele começou a ver. Seria a mesma coisa que você levar um jornalista para o Morro do Rato Molhado. A verdade é que Woods começou a ver a realidade do país dele. Os nossos jornais aqui falam de uma realidade de 15%. E os outros são loucos que vêem a TV Globo, que vêem novela, esses coitados são loucos, eles não têm mais solução. Então esse jornalista, que depois teve que fugir da África do Sul para a Inglaterra, começou a falar dos direitos dos negros, a tratar os negros como seres humanos, coisa que não acontecia. Daí os anunciantes retiraram toda a publicidade, mas os negros, que eram maioria, começaram a comprar o jornal, que passou a ter uma tiragem extraordinária, o que fez os capitalistas anunciarem novamente, porque comércio é comércio, porque quem consumia eram os pobres. Tornou-se o jornal mais popular da África do Sul. E o mais vendido. É esse o tipo de jornalismo que eu quero fazer, onde o jornal seja o advogado de quem não tem advogado. O advogado barato que você compra na banca. Agora, isso não está acontecendo no JB, mas tenho esperanças que virá a acontecer. Continua acontecendo… Eu ficarei muito chateado se me despedirem do JB, porque apesar de alguns percalços e angústias tem sido uma experiência muito boa. Eu detesto esse adjetivo adorado por entrevistadoras de TV: gratificante; mas é o que melhor define o que sinto. Eu nunca deixei de dizer que eu era comunista, a primeira coisa que eu fiz no JB foi informar. No meu primeiro artigo escrevi: "O que é que um jornal tem que dizer? A verdade! A verdade precisa sempre estar sob a luz dos refletores".

Marcelo Salles – O que é, para você, ser de esquerda? E o que é ser de direita?
Ser de esquerda é você se colocar ao lado do homem e das suas necessidades. É você se colocar, não ao lado de uma realidade que te impõem, e sim de uma verdade que essa realidade esconde. Ser de esquerda é, entre o lucro e a dignidade, ficar com a dignidade. Ser de esquerda é não achar que o dinheiro é o fim e o objetivo de todas as coisas. Ser de esquerda é achar que o objetivo da nossa vida é o homem em si e, finalmente, para usar uma frase de efeito, ser de esquerda é lutar até nos descobrirmos deuses, e assim não precisarmos mais de deus algum.

"Ser de esquerda é lutar até nos descobrirmos deuses, e assim não precisarmos mais de deus algum"

Marcelo Salles – E a direita?
Olha, a direita é uma doença inculcada… O primeiro vencedor foi o macaco na época das cavernas que sentou um tapa nos outros três fraquinhos e "olha, esse canto aqui é meu e ninguém tasca". Está na tradição, na família e na propriedade, no caso do Brasil, nem tradição, nem família, nem propriedade. "Por que é que esses 500 quilômetros de terra são seus?" "São meus porque meu pai passou eles para mim". "E quem passou isso para o teu pai?" "Foi meu avô". "E quem passou para o teu avô?" "Meu avô tomou eles na marra". Então a revolução é você lutar pelas coisas, é você dizer "eu não acredito nessa lei e vou trabalhar contra ela". Agora, é claro que nós estamos perdendo e vamos perder cada vez mais se nós não atentarmos para a educação e para a cultura, porque a educação e a cultura são as únicas coisas que podem mudar. A filosofia comunista, ao contrário do que se pensa, só pode se transformar numa revolução se ela vier de dentro para fora. Por que você tem que se convencer de que não precisa usar as outras pessoas para poder ser feliz. Não precisa de dois automóveis, nem dez amantes, nem vinte isso ou aquilo. Como disse Proudhome: "a propriedade privada é um crime". E é realmente um crime. Então, ser de direita é ser um louco, ser de direita é ser um canalha, um psicopata perigoso, e a gente tem que tomar muito cuidado com eles. Melhor seria botá-los todos na cadeia.

Marcelo Salles – Em relação à educação aqui no Rio, o Brizola tentou fazer isso com os CIEPs e, até hoje, ele tem um estigma muito forte, principalmente na Tijuca, de "amigo dos bandidos".
Ele não permitiu que a polícia, essa polícia que está como policial porque não passou no vestibular para bandido, entrasse no morro e matasse todo mundo e foi a época que você teve menos crimes. E o Brizola fez a coisa certa, sem os CIEPs não tem solução; se os CIEPs tivessem funcionado em 1982… Vamos deixar por 200 CIEPs com 1000 crianças cada, seriam 200.000 crianças; essas crianças não estariam hoje vendendo chiclete nas ruas. Aí entrou esse canalha do Moreira Franco e disse que acabaria com o crime em meio ano; e a primeira coisa que fez foi acabar com os CIEPs. Olha, se você educa uma criança, se você pressiona essa criança, se leva essa criança para o crime todo dia e no dia em que essa criança se rebela você vai tratá-la como cachorro, é claro que ela vai morder. Seria uma beleza pegar todas essa crianças que estão na rua, e que são muito mais inteligentes que as crianças burguesas, são muito mais corajosas, muito mais talentosas e fazer escolas especiais para elas. Dessas escolas sairiam os grandes homens, os futuros dirigentes do país. Nós estamos vivendo na Idade da Pedra em matéria de humanismo. Pagamos cinco mil reais para manter o filho numa escola primária e não pagamos 400 reais para a empregada que vai cuidar dos nossos filhos.



Marcelo Salles – Parece que as pessoas têm vergonha de se assumirem comunistas. Será que não é porque o comunismo é mal entendido no Brasil?
Mal entendido, mal lido… A direita fez as pessoas pensarem que comunismo é burocracia, que comunismo é stalinismo. Comunismo é uma filosofia humanista que ainda não deu certo. Mesmo se você pensar que na Rússia os patrões falavam francês entre si, alemão com os empregados e russo com os cachorros e porcos, houve uma grande evolução estagnada pelo neoliberalismo. Se compararmos a Rússia pré-perestroika à Rússia de 1917 veremos que ela realizou a maior obra de engenharia social do mundo. Quanto a Stalin, acho que nada desculpa você tirar uma vida humana, mas nada, nada. Não acredito que os fins justifiquem os meios. Claro que isso não me impede de querer a pena de morte para genocidas, ou seja, para esses canalhas que mandam milhões de dólares para fora do país e com isso matam milhões de crianças de fome.

Mônica Tolipan – O ocidente gastou mais dinheiro em propaganda contra o comunismo do que qualquer outra coisa. Quando eu era menina minha mãe me levava para o outro lado da rua quando passava um vizinho que diziam ser comunista.
O Globo publicava histórias em quadrinhos que mostravam guerrilheiros cubanos degolando crianças. O país inteiro amanheceu com um pôster nos muros onde se via um ponto de interrogação vermelho e sob ele: "E o resto é silêncio". Os jornais brasileiros não publicavam notícias das agências do leste e ainda hoje, se você fizer uma comparação dos países do leste europeu com os países da América do Sul, vai ver que, com exceção da Polônia, você não tem um analfabeto.

Mariana Vidal – Com a chegada agora do Evo Morales e de uma socialista no Chile, qual sua expectativa em relação à América Latina?
A minha expectativa é de que enfim se possa fazer um Mercosul. O Brasil, idiota, sempre foi dominado pelos portugueses, depois pelos franceses, depois pelos ingleses e agora pelos americanos. Sempre deu as costas para a América do Sul. É hora de se começar um intercâmbio político, militar, cultural, econômico que faça mudar as coisas, ou seja, que realmente concretize o sonho de Bolívar de uma América Latina livre. Nós no Brasil não conhecemos a América do Sul, não temos idéia do que é a América do Sul. Eu gosto muito do Chávez, eu gosto muito do Morales, índios, nativos, retomando o país. Gosto da moça chilena [Michele Bachelet]. Acabarão compreendendo, como Fidel, que a coisa é simples: "de cada um segundo as suas possibilidades, a cada um segundo as suas necessidades". Não precisa dizer mais nada. Basta você acreditar que todo o ser humano é igual a você; você olha uma mão e vê cinco dedos. Quantos engenheiros e arquitetos você precisaria para bolar uma maravilha como essa? Você tem mais ligações nervosas, neurônios no cérebro humano que em todos os computadores do mundo e, no entanto, essa porra só serve para levar porrada da polícia.

Thaís Tibiriçá – A questão da cultura que você falou, o lançamento do seu romance agora, o "Olímpia" e o mercado editorial, em que o livro mais vendido é "O monge executivo"…
A tendência é essa mesmo. Se você quer estabelecer um sistema capitalista, e você quer estabelecê-lo sem limitações, é fundamental que o povo não pense, que a maioria não pense. No Brasil nós conseguimos isso, nós temos favelas. Por quê? Porque o povo não pensa. Porque se ele pensar, vai chegar à conclusão: "mas por que eu estou comprando essa porcaria?". Isso é pecado mortal para o sistema. "Por que estou comprando essa porcaria, por que não vou ali no vizinho, não peço emprestado, não troco, não faço qualquer outra coisa?". Por que é que tenho que comprar essa merda desse tênis para o meu filho? Nós temos uma nação de escravos! Até a classe média, ela é toda escrava.

Mônica Tolipan – É muito americano isso. Se você tem um bom emprego, você está salvo na vida. Você faz qualquer coisa para se manter no emprego e perde o caráter.
A direita quer que você acredite que a vida é um inferno. Quer que todos sejamos filhos do medo para obedecermos sem pensar.

"Se você quer estabelcer um sistema capitalista, é fundamental que o povo não pense"

Mônica Tolipan – Não precisa ser um pesadelo.
Não é um pesadelo. Para qualquer lado que você olhe, só vê beleza. Você só vê porcaria quando é feita pelo homem, como aquela lixeira em Queimados. Os peixes boiando, as praias poluídas, a selva desmatada, tudo feito pelo homem. A natureza está sempre bonita, o azul é bonito, o verde é bonito, o amarelo é bonito, fazer amor é bonito, mulher é bonito, o homem é bonito, tudo é bonito… A direita é que é anti-tudo.

Marcelo Salles – Você escreveu certa vez que os escritores foram vencidos pela mídia.
A arte foi e é verdade. A não ser que eles façam parte da mídia, quais são os escritores que mais vendem? Bons ou ruins são os que têm colunas em grandes jornais ou programas de TV. Os meus livros provavelmente vão vender mais por causa do Jornal do Brasil; se eu for pro Globo, então, sou capaz de arranjar dinheiro para comprar o apartamento em que vivo. Mas isso não vai acontecer porque venho de longe, como dizia o Brizola. Pedi demissão da TV Globo em 1965 e nunca mais passei na frente. Nunca dei uma entrevista para TV Globo.



Marcelo Salles – Você uma vez escreveu uma história de um poeta a quem o produtor pedia um texto, parece que de teatro, fazia o texto e deixava na mesa do produtor, aí o produtor não gostava e mandava ele reescrever. Ele reescrevia mudando um pouco e deixava na mesa de novo. Até que ele reescreveu pela última vez e deixou de novo com um bilhete "Pior não dá para ficar".
Ah, foi o Antônio Maria que fez isso na TV Tupi: "Pior não sei fazer". Qualquer canal de televisão trata o telespectador como gado. Os canais fechados pouco menos.

Marcelo Salles – É verdade que você brigou no elevador com o Adolfo Bloch?
Não. Não foi no elevador, eu nem briguei com ele, dei um tapa e hoje me arrependo, embora ele merecesse.

Marcelo Salles – Sei que você deve estar cansado de contar essa história, mas eu não sei os detalhes.
Eu morava em Roma, e o Ney Sroulevich, meu querido amigo que já faleceu, ligou para mim de Paris. A revista Manchete, cuja sucursal ele dirigia, tinha uma seção chamada Paredon. Eles pegavam uma figura popular brasileira e internacionalmente conhecida e faziam perguntas para as celebridades do mundo inteiro. Resolveram fazer isso com o Pelé. E Ney pediu-me que fizesse perguntas a celebridades italianas. Eu estava indo para a Grécia, atrasei minhas férias. Aí eu fiz uma relação – Pasolini, Moravia, Riva, Tognazzi, uns dez mais ou menos. Pedi-lhe 500 dólares pelo trabalho e ele concordou, mas a casa só pagaria se eu fosse cobrar no Rio. Na época eu escrevia para o Pasquim e tinha que entrar com passaporte falso no Brasil. E, porque o Pasquim não estava me pagando, estava sem dinheiro. Aí fui à Manchete cobrar. Realmente estavam lá na administração: 500 dólares – Paredon com Pelé. E eu já estava muito puto com essa história de olhar pro chão, olhar pro lado. Era uma época brava, 1970, 71. Eu queria pegar aquele dinheiro e me mandar. Aí o Adolfo passou, eu era novo, tinha uns 30 anos, e disse: "Dá para você assinar para eu receber?" Ele olhou para mim como se eu fosse louco. Disse: "500 dólares para uma entrevista? Você está muito louco! Eu pago 100". Aí eu dei um tapa nele e fui embora da Manchete e do Brasil.

Mariana Vidal – Saiu uma pesquisa recentemente sobre o hábito de leitura do brasileiro. O resultado é que os brasileiros lêem muito pouco, inclusive brasileiros de nível superior. Muitas pessoas falaram que só leram aqueles livros indicados pelos professores para conseguir o diploma.
Parece que ler é castigo. Agora, no Rio Grande do Sul, o prefeito de Cachoeira disse que seus funcionários têm que ler um livro por semana e têm que dar o comentário. É castigo.

Mariana Vidal – Mesmo sabendo disso, o que leva um escritor a continuar escrevendo?
Eu sou um escritor e tenho que fazer isso. Porque eu não conseguiria viver sem fazer isso. Eu não poderia viver sem escrever. É uma coisa quase metafísica, é uma coisa superior a mim. A Mônica sabe que entre um livro e outro eu fico muito nervoso. Eu acho que nós todos temos que deixar um testemunho da nossa época para facilitar a vida de quem vem. O que seria minha vida sem Balzac, Tolstoi, Kafka, Joyce, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Castro Alves, Drummond. Estes são os grandes heróis do mundo. Os grandes heróis do mundo não são os generais que destroem, mas os filósofos que constroem. Já imaginaram como o mundo seria mais triste apenas com depoimentos de militares? "A senhora leu o último poema do Geisel"?

Marcelo Salles – Você vê alguma forma de se reverter esse quadro?
Há várias formas de reverter. Vocês estão revertendo a situação. No momento em que vocês fazem um jornal como esse, qualquer pessoa bem intencionada, profissional, verá que estão fazendo um trabalho sério. Tão sério que vocês estão aqui. Vocês pegaram o Jânio de Freitas na Folha de S. Paulo, pegaram o [Eduardo] Galeano. Essas coisas importam muito. Chamaram a minha atenção, chamaram a atenção de muitos outros. Outra coisa importante e possível é fazer um jornal de bairro, um jornal comunitário. Realmente levar isto às últimas conseqüências. Quando o pessoal do bairro sentir que aquilo não é um negócio só para colocar anúncio e poeminha, e vir que você está preocupado realmente com aquela vala suja, a reação do público será imediata. Outra coisa: você pode fazer até um Jornal Nacional. Os grandes sindicatos, em vez de mil house organs, façam um grande jornal nacional e nacionalista. Uma coisa que eu sugeri ao Banco Central, quando eles vieram pedir que eu fizesse um jornal para eles: olha, o jornal do Banco Central vai ser uma bobagem, eu quero fazer um jornal em que vocês todos ponham dinheiro do Banco Central, Petrobrás, Caixa Econômica, tudo. Aí a gente ia fazer um jornal, tinha até dado o nome: FORTE.

Mariana Vidal – O Banco Central?
Não, o sindicato dos funcionários do Banco Central. Imagine, o Banco Central não vai me pedir nada, vai me dar um tiro. O Banco Central só dá dinheiro para banqueiros.

Mariana Vidal – Falando sobre as colunas, questões como a América Latina, Palestina, você escreveu sobre os indígenas, furacão Katarina. Por que essas abordagens ficam apenas restritas às colunas? Não dariam boas reportagens?
Cada coluna minha dá uma grande reportagem. Acontece que a maioria dos repórteres viraram office-boys. Acabou a aventura, acabou a beleza que era. Antigamente a gente não ganhava nada, mas se divertia pra burro. A gente é que fazia o jornal. Hoje as redações foram ficando mais silenciosas, desculpe as mulheres, mas elas têm grande culpa nisso. As mulheres tiraram muito os lugares dos homens por ganhar menos. Elas são mais silenciosas. As redações não são mais os magníficos palcos que costumavam ser, cheias de nervos, sangue, suor, gargalhadas e lágrimas. A notícia precisa chegar viva à redação para ser transmitida vivíssima. Hoje, ela chega morta na mão do repórter, depois vai para redator e chega morta ao leitor. É preciso mais indignação, menos medo; é preciso mostrar que nem sempre aquilo que é natural não é um crime. Um menino vendendo chicletes de madrugada, por exemplo. Milhares de seres humanos esperando numa fila de hospital. Hoje um general brasileiro se suicida no Haiti e ninguém investiga.

Mariana Vidal – Você acha que essa falta de senso crítico é imposto ou é auto-censura do repórter?
Fifty-fifty. O repórter não investiga porque parte do princípio de que não será editado quando, eventualmente, acontece o contrário. É auto-censura do repórter, claro. Essa é uma profissão que você só exerce se você a ama muito. E se você ama muito essa profissão, você precisa ser independente. Muito bem, quando você está começando, está aprendendo, vai fazendo o que os outros dizem até enxergar com seus próprios olhos e perceber que você trabalha para uma direita. Fui candidato a deputado federal pelo PDT e disse que não tinha bens materiais a declarar e não tenho.

"Os semitas aproveitaram o holocausto para pressionar o mundo a lhes dar metade da Palestina"

Marcelo Salles – Quando nós entrevistamos o Emir Sader, ele disse que ele foi afastado da Globonews por pressão dos judeus.
Não há porque duvidar dele. Os sionistas querem fazer crer que quem apóia a Palestina é anti-semita. Meu Deus do céu, os grandes amigos meus são judeus, minha mulher também é judia por parte de pai. Uma coisa é você ser judeu, outra coisa é você ser judeu e ter isto como raça; que porra é essa de raça? Não existe raça judaica, não existe raça nenhuma. Só tem uma raça, a raça humana, e quem sabe a dos pigmeus no meio da África do Sul.

Marcelo Salles – Aprofundando um pouco essa questão, como você vê esse conflito Israel e Palestina, que parece que nunca termina?
Os semitas aproveitaram o holocausto para pressionar o mundo a lhes dar metade da Palestina. Os palestinos, com exceção dos fanáticos sionistas, viviam com os judeus muito bem. Até que de repente surgem judeus liderados por Ariel Sharon massacrando palestinos e usando o holocausto como desculpa. O Holocausto foi provavelmente o maior crime cometido no mundo, seguido de perto pelo bombardeio de Hiroshima e Nagazaki. Mas, por que os judeus não brigam com os alemães em vez de quererem escravizar os palestinos? Se eu fosse a ONU teria estabelecido o Estado de Israel no Vale do Rhur para que os alemães jamais se esquecessem do opróbrio.

Marcelo Salles – Como foi o exílio?
Eu nunca fui oficialmente exilado. Em 1968, antes do AI-5, eu tinha 3 colunas em 3 jornais diferentes, diárias, e atuava num programa de televisão chamado Jornal de Vanguarda. Com a censura, ainda antes do AI-5, eu comecei a falar de flores e plantas e o público sabia que eu estava sendo censurado. Eu tinha 28 anos. O diretor do programa era amigo do Magalhães Pinto, que era Ministro das Relações Exteriores. Ele informou-me de que eu estava numa lista dos primeiros a serem presos. Uma semana depois eu estava em Roma. Hoje eu tenho certeza que eles teriam me matado. Eu era um jornalista conhecido, mas não era um Millôr Fernandes, um Carlos Heitor Cony, um Hélio Fernandes, cuja ausência daria o que falar. Eu ia desaparecer. Eu estava cansado desse negócio de não poder escrever, de não poder fazer.

Marcelo Salles – Passou os dez anos em Roma?
Não, não. Fui professor da Universidade de Copenhague, professor da Universidade de Nápoles. Morei um tempo na Grécia.

Marcelo Salles – E a volta?
Eu voltava sempre ao Rio quando conseguia dinheiro para a passagem. Porque meu nome não é Fausto Wolff e eles estavam atrás do cara chamado Fausto Wolff. Tinha sempre alguém me esperando no aeroporto. O Millôr ou Daniel Tolipan, tio da Mônica, ou a Nelma do Pasquim. Logo eu não tive grandes problemas com a ditadura com exceção do medo de que ela me matasse. Entre um país governado por más leis e um sem leis prefiro o primeiro. A ditadura não tinha leis. Mudava as regras do jogo quando queria. O cara batia na sua casa 6h da manhã e te levava pra algum lugar. E hoje isso acontece com todo o sujeito que é pobre, com todo o João da Silva, é absolutamente a mesma coisa. A polícia sobe no morro, pega o cara e mata. O que eu tenho contra os jornais do Brasil é que eles trabalham para a minoria livre ou pseudo-minoria. E eu tenho a pretensão de escrever para todo o mundo. Quando eu voltei, sem lenço e sem documento, sem dinheiro e sem emprego, verifiquei que muitos colegas tratavam os ministros de "vocês", viviam nas festas. Eu não poderia trabalhar desse jeito, fingindo que tudo ia bem. Quando saí daqui trabalhava na Tribuna, no Jornal do Brasil e no Diário de Notícias. Ao voltar, o Diário de Notícias já tinha acabado e só restava um caminho, que era o Pasquim. E no Pasquim fiquei. Eu tinha 40 anos e morava numa pensão. Pensão mesmo, três da manhã era comum um comitê de baratas me esperando todas as noites.

Mariana Vidal – Quando você estava fora do Brasil, em algum momento pensou que deveria ter ficado e lutado?
Puxa vida, eu não tinha porque dar colher de chá para um vagabundo qualquer me dar um tiro. Eu ainda tinha muita coisa para escrever.

Marcelo Salles – Depois do Pasquim você…
Depois do Pasquim eu só tive um emprego público, cargo de confiança. Eu fui chamado para dirigir a Fundação Rio, o que fiz durante quatro anos. Nesse tempo, eu escrevi um livro no campus da universidade, chamado Rio de Janeiro. Eu fiz o festival do Teatro Amador, a Poesia Passageira, a poesia em ônibus, bar. Ah, e com Olga Savary fiz um livro chamado Antologia da Poesia Brasileira, dos poetas que tinham nascido depois de 1904. Eu fiz coisa para burro, sem trabalhar muito. Imaginem se eu trabalhasse. Nunca mais me chamaram para nenhum cargo público.

Mônica Tolipan – Quando eu conheci o Fausto ele estava sem emprego, começando a escrever O Homem e seu Algoz. Tinha acabado de separar.
Eu não estava sem emprego.

Mônica Tolipan – Você estava traduzindo um livro chamado Breaking the News, que denuncia o show business em que se transformou o jornalismo americano.
Eu traduzo do inglês, alemão, francês, italiano, espanhol. Entendo holandês, dinamarquês, grego, romeno, norueguês. Quando um cara estuda até a segunda série ginasial, ele tem que sempre mostrar que é melhor, pois ele não pode se defender com um diploma.

Marcelo Salles – Você ainda edita pela Bertrand?
Tenho três ou quatro livros sob contrato. Estou negociando os demais com outras editoras. Eu tenho o site O Lobo (www.olobo.net), dirigido por meu amigo Jean Scharlau.

Marcelo Salles – E o Horácio?
O Horácio é uma espécie de agente/assessor meu. Um dos rapazes mais inteligentes que eu já conheci. Ele, Scharlau e Maria Belmoral são as grandes promessas da literatura atual na minha opinião. A Internet é muito bom. Ao mesmo tempo em que você tem um site de esquerda como o de vocês, tem um de direita muito bem escri

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