Sexta, 6 de novembro de 2020

 

Jamais troquei de lado.
Por quê? Eu não tenho lado.
Ou melhor, o meu lado sou eu
...
ANDO DEVAGAR
PORQUE JÁ TIVE PRESSA





Escreva apenas para





especial

Nesta sexta, uma cesta 
de 
William Faulkner! 


Gênio!!



Eu não sei nada sobre a inspiração, porque não sei o que é isso. Já ouvi mencionar acerca dela, mas nunca a vi.  




Um escritor é alguém congenitamente incapaz de dizer a verdade. Por isso, o que ele escreve chama-se ficção.



William Faulkner (William Cuthbert Faulkner ) nasceu em New Albany, 25 de setembro de 1897 e faleceu em Byhalia, no Mississipi, em 6 de julho de 1962, de problemas cardíacos. Foi  um dos maiores romancistas do século XX, do time de James Joyce, Virginia Woolf, Marcel Proust e Thomas Mann.

Em 1949, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Posteriormente, ganhou o National Book Awards de 1951 com Collected Stories e o prêmio Pulitzer em 1955 por A Fábula, e o segundo em 1962 por Os Desgarrados.

Narrou a decadência do sul dos EUA, interiorizando-a em seus personagens, a maioria deles vivendo situações desesperadoras no condado imaginário de Yoknapatawpha.

Utilizava a técnica do "fluxo de consciência", o que torna a leitura de seus livros "complexa", como as obras dos autores citados acima.

Faulkner nasceu 30 anos após o sul dos Estados Unidos ter sido derrotado na Guerra da Secessão. Antes, toda a região apresentava uma rígida estrutura social, construída sob a supremacia dos brancos de origem inglesa e religião protestante; assim sendo, a tradição puritana e colonial marcou-o em todos seus aspectos econômicos, políticos e religiosos.

Em 1861, com a Guerra da Secessão, desmorona todo um universo familiar a negros e brancos. Durante quatro anos, o sul é devastado, desfazem-se a delicadeza e as maneiras gentis e instaura-se a degeneração moral e física dos "brancos pobres" e das famílias arruinadas pela abolição. Faulkner cresceu em meio a esse ambiente, que se refletiu marcadamente em sua obra. Não tentou escrever nem reproduzir a situação do sul decadente. Ao contrário, procurou refazê-la, através de uma incansável reconstituição de fatos e pessoas.

Ele descendia de ilustre família sulista à qual pertencem diversos políticos. Seu avô, William C. Falkner (o u foi acrescentado pelo escritor) foi herói da guerra civil, construiu uma linha de estrada de ferro e foi morto depois de sair vencedor de uma eleição local. Ele é retratado pelo autor como o velho Coronel Sartoris do romance Sartoris (1929) e em várias novelas. Seu pai, comerciante, é  personagem em algumas novelas e em Os Desgarrados.

Faulkner abandonou os estudos para trabalhar no banco do avô. Escrevia poemas, lia e tentava pintar, mas era amigo de Phil Stone, advogado que tinha relações com os jovens escritores T. S. Eliot, Robert Frost, Ezra Pound e Sherwood Anderson. Por ter um metro e 60 de altura, Faulkner foi recusado pelo serviço militar americano e acabou por alistar-se na Força Aérea canadense, mas não chegou a participar da Primeira Guerra Mundial na Europa.

Depois de passar um ano na Universidade do Mississippi, em Oxford, onde estudou inglês, francês e espanhol, foi trabalhar em uma livraria em Nova York. Logo estava de volta a Oxford, onde exerceu as profissões de carpinteiro, pintor de paredes e chefe dos Correios e publicou seu primeiro livro, a coletânea de poemas The Marble Faun, em 1924.

Faulkner e Sherwood Anderson


No ano seguinte, partiu para Nova Orleans, onde conheceu Sherwood Anderson, a única influência literária que ele admite ter tido. Escreveu artigos para jornais e revistas e publicou o primeiro romance, Paga de Soldado (1926).

Com Estela Oldham


Tendo se estabelecido definitivamente em Oxford, Faulkner casou-se com Estela Oldham em 1929 e publicou Sartoris, a primeira obra passada no mítico Condado de Yoknapatawpha, cenário da maior parte de suas obras. Nos anos seguintes publicou seus principais livros, aqueles com os quais receberia, lentamente, o respeito da crítica, mas não o favor dos leitores: de toda sua produção, somente Santuário (1931) e Os Desgarrados foram sucesso de público.

Faulkner em Hollywood

Passou a intercalar períodos de recolhimento com outros em Hollywood, com quem sempre teve uma relação conturbada, mas a quem recorria quando precisava de dinheiro. Lá trabalhou como roteirista, com Howard Hawks. Comprou uma fazenda com o que ganhou no cinema, em 1936, mas passava o tempo caçando, pescando e ouvindo as lendas das pessoas humildes de sua terra
.

Viajou pelo Japão, França e Filipinas, participando de encontros de escritores ou dando palestras. Foi nomeado Escritor Residente da Universidade de Virgínia, onde passou a viver parte do ano. Em 1950, enquanto arava a terra, recebeu a notícia de que ganhara o Prêmio Nobel referente ao ano anterior.

Costumava dizer que preferia a companhia de seus amigos caçadores e da gente simples de sua fazenda ao brilho das rodas literárias. Tornara-se escritor movido por uma força interior que lhe proporcionava, nos melhores momentos, alçar-se à altura de seus autores prediletos: James Joyce, Cervantes, Herman Melville, Honoré de Balzac, Charles Dickens, Dostoiévsky, Tolstói, Thomas Mann, Gustave Flaubert, Joseph Conrad, Goethe e os poetas românticos ingleses.

Afirmava que não saía de casa sem levar Shakespeare em um bolso e o Antigo Testamento em outro.


Livros fundamentais de Faulkner


Luz em Agosto: O terceiro livro de William Faulkner publicado pela Cosac Naify em nova tradução é um romance de arquitetura complexa. A ruptura com a linearidade desconcerta o leitor. O tempo é estilhaçado e é pela valorização dos estilhaços que Faulkner multiplica os pontos de vista, iluminando figuras sublimes e grotescas. Da atmosfera de violência e horror do Mississipi surgem personagens profundamente humanas: o assassino dilacerado pela herança de sangue; a mulher de família abolicionista hostilizada por uma cidade orgulhosa de seu passado escravocrata; o pastor refém de um passado familiar de violência e glória; o brutal defensor da lei; o casal de velhos atormentados pelo fantasma do neto; o homem solitário que pensou estar livre das desgraças, e dos encantamentos, de amar; a jovem decidida e ingênua.
Mas a história não termina aí. Toda a maestria da construção de Luz em agosto se confirma no último capítulo, numa reviravolta narrativa que o consagrou definitivamente. O leitor, guiado por Faulkner, encerra o livro em estado de assombro. Viveu intensamente o horror, tomou contato com os recônditos da alma. Percebeu o passado como um inimigo que não dá trégua. Será assombrado por imagens poderosas. Um livro que não tem fim.

O Som e a Fúria: Este romance, finalizado em 1929, marca o início da chamada "segunda fase" da carreira de Faulkner e é considerado sua obra mais importante. Vinte anos depois, o autor se consagraria definitivamente, ao receber o Prêmio Nobel de Literatura. O ambiente é o sul dos Estados Unidos, escravocrata e derrotado na Guerra da Secessão. O Som e a Fúria narra a agonia de uma família da velha aristocracia sulista, os Compson, entre os dias 2 de julho de 1910 e 8 de abril de 1928. Um apêndice, acrescentado pelo escritor em 1946, fornece outras informações sobre a história dos Compson entre 1699 e 1945. Assim, é possível afirmar que o grande personagem desta obra-prima é o tempo, o que lhe confere interesse universal.


Os Invictos: Último livro escrito por Faulkner e vencedor do prêmio Pulitzer de 1963 na categoria ficção, Os Invictos reúne, além da refinada técnica literária de sempre, uma veia irônica e referências autobiográficas em uma concentração que não se encontra em nenhuma de suas obras anteriores. Adaptado para o cinema, virou filme em 1969 (no Brasil, chamou-se Os Rebeldes), dirigido por Mark Rydell e estrelado por Steve McQueen no papel de Boon Hogganbeck.

O Intruso: Na década de 1940, quando o Sul dos Estados Unidos pegava fogo por conta dos conflitos raciais, Lucas Beauchamp, um fazendeiro negro que tratava as mulheres de madame¿, é encontrado inconsciente, com uma arma recém-disparada na mão e um cadáver sob o corpo. Acusado de assassinar um homem branco, ele jura ser inocente.
A população, no entanto, quer linchá-lo, sem julgamento. Por mais que a cadeia que o prende - e também o protege - seja reforçada, a fúria irracional dos racistas não tem limites. Um crime tão hediondo precisa ser vingado com sangue.


Lance MortalÀ época do lançamento, em 1949, a crítica acusou o recém-nomeado Prêmio Nobel de Literatura William Faulkner de escrever uma obra policial, um gênero supostamente menor, para ganhar dinheiro fácil. Publicado agora pela primeira vez no Brasil, Lance Mortal tem todos os ingredientes que atraem os fãs de livros de suspense, mistério e crime.
Os seis contos que formam esta obra-prima provam, porém, como qualquer gênero literário se torna maior nas mãos de um mestre. Passadas no imaginário Condado de Yoknapatawpha, as histórias tratam das piores miudezas, das situações mais dolorosas ou desprezíveis do ser humano - que, apesar da turvação e do nojo, se agiganta.

Sartoris: Originalmente publicado em 1929, o romance é o primeiro situado no condado fictício de Yoknapatawpha, no Mississippi. Nele, Faulkner começa a estabelecer o estilo que marcaria todos de seus livros posteriores e pelo qual seria consagrado.
A obra narra a trajetória de uma família decadente, de passado escravocrata, que vive à sombra do Coronel John Sartoris, morto na Guerra de Secessão. Tia Jenny, a irmã mais nova do coronel, verdadeira guardiã do passado e também da narrativa, é a mulher que alinhava, com sua memória reiterada e reinventada, as tragédias das gerações (passadas e futuras) dos homens da família - Bayard Velho, filho do coronel, e os dois netos gêmeos, também chamados John e Bayard.
Tia Jenny sempre amaldiçoa a família, mas conta sua história tantas vezes a ponto de transformá-la em mito. No livro, os grandes acontecimentos nas vidas dos protagonistas solitários, problemáticos e heróicos são apenas sugeridos, e o que se descortina são suas consequências.


O Povoado: Conta a chegada e a ascensão da família Snopes em Frenchman's Bend, um vilarejo construído sobre o que um dia fora uma grande plantação. O clã é liderado por Flem Snopes, um homem vigoroso, de origens obscuras, que rapidamente domina a cidade e a população com malícia e astúcia. Ironia da tragédia clássica e ilustração cáustica das grandes pretensões que antecederam a Guerra Civil norte-americana, este romance retrata, em última instância, a decadência causada pela guerra e suas consequências.
Publicado em 1940, O Povoado deu origem à trilogia "Snopes", fechada 19 anos depois, com A Mansão. Em uma nota na edição original de A Mansão, Faulkner revela que começou a conceber a trilogia muito antes, em 1925. Sabedor dos riscos de tão longa travessia, o autor alerta os leitores sempre prontos a procurar eventuais falhas num trabalho de dimensões ambiciosas que ele próprio encontrava discrepâncias e contradições, em razão do fato de ter aprendido, ao longo de trinta e quatro anos, "mais sobre a natureza humana, seu coração e seu dilema".
A estranha prosa poética de Faulkner ponteia o consoante vaivém da ação, o paradoxal, exasperante e repetitivo do comportamento dos personagens, o que faz da leitura deste romance uma complexa e ao mesmo tempo inigualável experiência estética.

A Árvore dos Desejos: Antes de Faulkner escrever os romances que lhe renderam o Prêmio Nobel de Literatura, ele se dedicou a esta novela infanto-juvenil que já anunciava seu extraordinário domínio da prosa. No dia do seu aniversário, a menina Dulcie desperta com a presença de Maurice, um estranho garoto ruivo que lhe promete uma jornada inesquecível em busca da Árvore dos Desejos. Outras crianças se juntam à caravana rumo à floresta, onde conhecem diversos seres curiosos.
A Árvore dos Desejos alterna o fantástico com o real, em personagens que encolhem, pôneis e escadas que cabem dentro de sacolas, lerofantes (sim, uma espécie de elefante), rio correndo na vertical e... Uma árvore mágica. Por meio de uma narrativa fluente e sem intervalo, Faulkner brinca com o verdadeiro e o imaginário, uma espécie de reflexo de nossos desejos. As figurativas ilustrações de Guazzelli potencializam o onírico da obra. Um Faulkner diferente, para marcar a infância, porta de entrada para sua literatura madura.


Palmeiras Selvagens: Lançado em 1939, este romance hoje consagrado como um clássico da moderna literatura americana é uma das criações mais originais de William Faulkner. O livro entrelaça duas histórias independentes, em capítulos alternados, mas que se iluminam mutuamente.
A primeira, que dá título ao volume, conta a paixão tumultuada e impossível de Charlotte e Henry; a segunda, "O velho", narra a luta de um condenado que sai da prisão para salvar as vítimas de uma das maiores enchentes do rio Mississipi.

A Mansão: O terceiro e último romance da trilogia "Snopes" foi escrito num período tranquilo da vida de William Faulkner, no qual ele era escritor residente numa universidade da Virgínia, mas mostra uma grande efervescência no universo criativo do autor.
Mexe fundo nas figuras centrais, sobretudo Flem e Linda Snopes, V. K. Ratliff e Gavin Stevens, que passam por algumas surpreendentes transformações, que alteram o tom e o ritmo geral da obra, até então pessimista e sombria, embora, aqui e ali, pintada com tinturas bem-humoradas. Afinal, a sociedade sulista em que eles se moviam, nos fundões do Mississipi, tinha salvação - desde que esta fosse levada a cabo por toda a comunidade.
A branca, bem entendido.
Flem Snopes, o vilão que fez a má fama do clã e do sobrenome familiar, vai receber o que merece, não das mãos de seus mais tenazes perseguidores, Gavin Stevens e V. K. Ratliff, mas de sua própria gente, principalmente Linda e Mink. Flem foi longe demais em sua maldade e ambição, mas, no final de sua vida, ele sabe, no mais fundo de si, quanto mal causou aos outros.
Espera, quase inerte, que venha Mink e acerte as contas - ainda que de forma atabalhoada e patética. Caberá aos outros Snopes, agora com o apoio e o respeito de gente de todas as classes, melhorar a raça e, enfim, salvar o Sul - tanto quanto possível.


Não se incomode apenas para ser melhor do que seus contemporâneos ou predecessores. Tente ser melhor do que a si mesmo.


Entrevista

O melhor emprego que jamais me ofereceram foi o de administrador de um bordel. Em minha opinião, esse é o melhor ambiente em que um artista pode trabalhar.


Esta entrevista foi traduzida de El Oficio Del Escritor, 1965, publicação contendo as entrevistas da The Paris Review. Uma versão em português foi também foi publicada no Brasil pela Companhia das Letras em 1998.

Jean Stein Vanden Heuvel, Nova York, início de 1956

Tradução: Delermando Vieira

 

Existe alguma fórmula, que seja possível seguir, para ser um bom romancista?

William Faulkner - Noventa por cento de talento, noventa por cento de disciplina, noventa por cento de trabalho. Um romancista nunca deve sentir-se satisfeito com o que faz. O que se faz nunca é tão bom como poderia ser. Sempre há que sonhar e dirigir-se mais alto que alguém possa sonhar. Não se preocupar em ser melhor que seus contemporâneos ou seus predecessores. Buscar, apenas, ser melhor que a si mesmo. Um artista é uma criatura impulsionada por demônios. Não sabe, jamais, por que eles o escolhem e, geralmente, está muito ocupado para perguntá-los. É completamente amoral no sentido de que será capaz de roubar, tomar emprestado, mendigar ou despojar a qualquer um e a todo mundo, com o fito de realizar sua obra.


A arte nada tem a ver com o ambiente, não lhe importa onde esteja

Você quer dizer que o artista deve ser completamente inumano?  

William Faulkner - O artista é responsável somente ante sua Obra. Será completamente inumano se, realmente, é um bom artista. Tem um sonho, e este sonho o angustia tanto que deve livrar-se dele. Até então, não tem paz. Coloca-o à margem: a honra, o orgulho, a decência, a segurança, a felicidade, tudo, sob o fito de escrever seu livro. Se um artista verdadeiro, necessita roubar de sua mãe, para realizar sua Obra, não hesitará em fazer tal coisa.

Então, a falta de segurança, de felicidade, honra, etc,, seria um fator importante na capacidade criadora do artista?

William Faulkner - Não. Essas coisas somente são importantes para sua paz e seu contentamento. A arte nada tem a ver com a paz e o contentamento.

 Então, qual seria o melhor ambiente para um escritor?

William Faulkner - A arte nada tem a ver com o ambiente, não lhe importa onde esteja. Se você se refere a mim, o melhor emprego que jamais me ofereceram foi o de administrador de um bordel. Em minha opinião, esse é o melhor ambiente em que um artista pode trabalhar. Goza de uma perfeita liberdade econômica, está livre do temor e da fome, dispõe de um teto sobre sua cabeça e nada tem que fazer senão levar umas poucas contas simples e ir pagá-las, uma vez ao mês, à polícia local. O lugar está tranquilo durante a manhã, que é a melhor parte do dia para se trabalhar. Nas noites existe a suficiente atividade social, para que o artista não se aborreça, se não lhe importa participar dela, o trabalho dá certa posição social, nada tem ele que fazer porque a encarregada leva os livros, todas as empregadas da casa são mulheres, que, certamente, o tratarão com respeito e lhe dirão “senhor”. Todos os contrabandistas de licores da localidade também lhe dirão “senhor”.  Um mal ambiente somente o fará subir a pressão sanguínea, ao fazer-lhe passar mais tempo se sentindo frustrado ou indignado. Minha própria experiência me ensinou que os instrumentos que necessito , para um ofício, são papel, tabaco, comida e um pouco de whisky... 

Bourbon?

William Faulkner - Não, não sou tão melindroso. Entre escocês e nada, fico com o escocês.

Você mencionou a liberdade econômica. O escritor necessita dela?

William Faulkner - Não. O escritor não necessita de liberdade econômica. Tudo que ele necessita é de um lápis e um pouco de papel. Que eu saiba, nunca se escreveu nada de bom com o objetivo de aceitar dinheiro como presente. O bom escritor nunca recorre a uma fundação. Está sempre muito ocupado escrevendo algo. Se não é bom de verdade, se engana dizendo que necessita de tempo ou de liberdade econômica. A boa arte pode ser produzida por ladrões, contrabandista de licores ou bandoleiros. A gente realmente teme descobrir, exatamente, quantas penúrias e pobrezas é capaz de suportar. E a todos é o susto de saber quão duro isso pode ser. Nada pode destruir um bom escritor. Somente a morte pode alterar um bom escritor. Os que são bons não se preocupam em ter êxito ou fazer-se ricos. 

Trabalhar para o cinema é prejudicial para a própria obra do escritor?

William Faulkner - Nada pode prejudicar a obra de um homem, se este é um escritor de primeira, nada pode ajudá-lo muito. O problema não existe, se o escritor não é de primeira, porque, certamente, já terá vendido sua alma por uma piscina. 

Você disse que o escritor deve transigir quando trabalha para o cinema. E quanto `a sua própria obra, tem alguma obrigação para com o leitor?

William Faulkner - Sua obrigação é fazer sua obra, ao melhor que possa fazê-la. Qualquer obrigação que lhe fique depois disso, pode gastá-la segundo sua vontade. Eu, da minha parte, estou muito ocupado para me preocupar com o público. Não tenho tempo para pensar em quem me lê. Não me interessa a opinião de João Leitor sobre minha obra nem sobre a de qualquer outro escritor.  A norma que tenho que cumprir é a minha, e essa é a que me faz sentir como me sinto quando leio A Tentação de Santo Antônio ou o Antigo Testamento, do mesmo modo que observar um pássaro me faz sentir bem. Se eu reencarnasse, sabe você que eu gostaria de voltar a viver como um zopilote. Ninguém o odeia, nem o repudia, nem o quer, nem o necessita. Ninguém se mete com ele, nunca está em perigo e pode comer qualquer coisa

Que técnica utiliza para cumprir sua norma?

William Faulkner - Se o escritor está interessado na técnica, mais lhe vale dedicar-se à cirurgia ou assentar tijolos. Para escrever uma obra não tem nenhum recurso mecânico, nenhum atalho. O escritor jovem que segue uma teoria é um tonto. Ele tem que ensinar-se por meio de seus próprios erros; é somente através do erro que a gente aprende. O bom artista acredita que ninguém sabe o bastante para lhe dar conselhos. Tem uma vaidade suprema. Não importa o quanto admira o escritor velho; quer, na verdade, superá-lo.

Então, você nega a eficiência da técnica?

William Faulkner - De nenhuma maneira. Algumas vezes, a técnica arremete e se apodera do sonho, antes que o próprio escritor possa apreendê-lo. Isso é giro de força e a obra terminada é simplesmente questão de juntar bem os tijolos, posto que o escritor provavelmente conhece cada uma das palavras que vai usar até o fim da obra, antes de escrever a primeira. Isso aconteceu com Mientras Agonizo. Não foi fácil. Nenhum trabalho honrado o é. Foi simples enquanto todo o material estava já na mão. A composição da obra me custou somente umas seis semanas, ao tempo livre em que me colocava ao emprego de doze horas ao dia, trabalhando manualmente. Simplesmente imaginei um grupo de pessoas e as submeti às catástrofes naturais universais, que são a inundação e o fogo, com uma motivação natural simples que lhe desse direção ao seu desenvolvimento. Mas quando a técnica não intervem, escrever é também mais fácil em outro sentido. Por que em meu caso sempre há um ponto no livro em que os próprios personagens se levantam e tomam o mando e completam o trabalho. Isso sucede, digamos, no correr da página 275. Claro está que eu não sei o que sucederia, se terminasse o livro na página 274. A qualidade que um artista deve possuir é a objetividade ao julgar sua obra, mais honradez e o valor de não se enganar a respeito. Posto que nenhuma de minhas obras tem satisfeito minhas normas, devo julgá-las sobre a base daquela que me causou a maior aflição e angústia, do mesmo modo que a mãe ama ao filho que se converteu em ladrão ou assassino mais que ao que se converteu em sacerdote.

Como começou O Som e a Fúria ?

William Faulkner - Começou com uma imagem mental. Eu não compreendi naquele momento que era simbólica. A imagem era a dos fundilhos enlodados das calcinhas de uma menina, que subia a uma pereira, de onde ela podia ver, através de uma janela, o lugar em que estava sendo efetuado o funeral de sua avó, e ela relatava a cena aos irmãos, então ao pé da árvore. Quando cheguei a explicar quem era eles e o que estavam fazendo e como haviam enlodado as calcinhas da menina, compreendi que seria impossível colocar tudo em um conto e que o relato teria que ser, com certeza, um livro. E então compreendi o simbolismo das calcinhas enlodadas e essa imagem foi trocada pela a da menina órfã de pai e mãe, que se evade pelo tubo de deságua do teto para escapar-se de casa, onde nunca tivera amor, nem afeto, nem compreensão. Já havia começado a contar a história através dos olhos do menino idiota, porque pensava que seria mais eficaz. Não deu certo. Tratei de voltar a contá-la, agora através dos olhos de outro irmão. Tampouco, deu resultado. Contei-a pela terceira vez através dos olhos do terceiro irmão. Novamente, não deu resultado. Tratei de reunir os fragmentos e de encher as lacunas, fazendo eu mesmo as vezes do narrador. No entanto, não ficou completa, até quinze anos depois da publicação do livro, quando escrevi, como apêndice de outro livro, o esforço final para acabar de contar a história final e tirá-la da cabeça de modo que eu mesmo pudesse me sentir em paz. Esse é o livro pelo qual sinto mais ternura. Nunca pude deixá-lo de lado e nunca pude contar bem a história, ainda quando a intentei com afinco. Eu gostaria de voltar a intentar novamente, ainda que, provavelmente, fracassando outra vez. 

Há vantagem artística ao compor o romance em forma de alegoria, como, por exemplo, a alegoria cristã que você utilizou em Uma Fábula?

William Faulkner - A mesma vantagem que representa para o carpinteiro construir esquinas quadradas ao construir uma casa quadrada. Em Uma Fábula, a alegoria cristã era a alegoria indicada para aquela história.

Quer dizer que um artista pode usar o cristianismo simplesmente, como qualquer outra ferramenta, da mesma maneira que um carpinteiro tomaria emprestado um martelo?

William Faulkner - Ao carpinteiro, do qual estamos falando, nunca falta esse martelo. A ninguém falta cristianismo, se nos colocamos de acordo enquanto ao significado que damos à palavra. Trata-se do código de conduta individual de cada pessoa, por meio do qual esta se faz um ser humano superior ao que sua natureza quer que seja. Qualquer que seja seu símbolo – a cruz ou a meia lua ou o que fosse -, esse símbolo é para o homem a recordação de seu dever como membro da raça humana. Suas diversas alegorias são os modelos com os quais se mede a si mesmo e aprende a conhecer-se. A alegoria não pode ensinar o homem a ser bom, do mesmo modo que o livro de texto lhe ensina matemática. Ensina-lhe como descobrir-se a si mesmo.

Foram reunidos, em um só volume, os dois temas, não selecionados, de As Palmeiras Selvagens com algum propósito simbólico? Trata-se, como sugerem alguns críticos, de uma espécie de contraponto estético ou de uma simples causalidade?

William Faulkner - Não, não. Aquilo era a história de Charlotte y Harry Wilbourne, que sacrificaram tudo pelo amor e depois perderam isso. Eu não sabia que iam ser duas histórias separadas senão depois de haver começado o livro. Quando cheguei ao final do que agora é a primeira parte de As Palmeiras Selvagens , compreendi, subitamente, que faltava algo, que a história necessitava de ênfase, algo que a levantasse como o contraponto na música. Então, voltei a dar-lhe intensidade com outra parte de sua antítese, que é a história de um homem que conquistou seu amor e passou o resto do livro fugindo dele, até ao grau de voltar, voluntariamente, ao cárcere em que estaria a salvo. São duas histórias somente por causalidade, talvez  por necessidade. A história é a de Charlotte e Wilborune.

Que parte de sua obra se baseia em experiência pessoal?

William Faulkner - Não lhe saberia dizer. Nunca fiz a conta porque a particularidade não tem importância. Um escritor necessita de três coisas: experiência, observação e imaginação. Em meu caso, uma história geralmente começa com uma só ideia, uma só recordação ou uma só imagem mental. A composição da história é simplesmente questão de trabalho até o momento de explicar por que ocorreu a história ou que outras coisas fizeram ocorrer a sua continuação. Um escritor trata de criar personagens verdadeiras em situações comovedoras verdadeiras da maneira mais comovedora que possa. Obviamente, deve utilizar como um de seus instrumentos o ambiente que conhece. Eu diria que a música é o meio mais fácil de se expressar, posto que foi a primeira que se produziu na experiência e na história do homem. Mas, posto que meu talento reside nas palavras, devo tratar de expressar de maneira torpe, em palavras, o que na música pura havia expressado melhor. É dizer que a música o expressaria melhor e mais simplesmente, mas eu prefiro usar palavras, do mesmo modo que prefiro ler e escutar. Prefiro o silêncio ao som, e a imagem produzida pelas palavras ocorre no silêncio. 

Você disse que a experiência, a observação e a imaginação são importantes para o escritor. Incluiria você, também, a inspiração?

William Faulkner - Eu não sei nada sobre a inspiração, porque não sei o que é isso. Já ouvi mencionar acerca dela, mas nunca a vi.  



Era o relógio de meu avô, e quando o ganhei de meu pai ele disse Estou lhe dando o mausoléu de toda a esperança e todo desejo; é extremamente provável que você o use para lograr o reducto absurdum de toda a experiência humana, que será tão pouco adaptado às suas necessidades individuais quanto foi às dele e às do pai dele. Dou-lhe este relógio não para que você se lembre do tempo, mas para que você possa esquecê-lo por um momento de vez em quando e não gaste todo seu fôlego tentando conquistá-lo. Porque jamais se ganha batalha alguma, ele disse. Nenhum batalha sequer é lutada. O campo revela ao homem apenas sua própria loucura e desespero, e a vitória é uma ilusão dos filósofos e néscios.



Pra encerrar


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