Bom Dia!! Sexta, 7 de março de 2014

JACK DANIELS

José Onofre*



Ao primeiro gole, a impressão foi que ele havia sido destilado de velhas escrivaninhas. Ou talvez tenha sido apenas resultado das referências literárias. O certo era a impressão de salas enfumaçadas e de conversa pesadas de alguns desclassificados em torno de assuntos penosos. Clima. A bebida, como o sexo, é clima. E o que cercava uma garrafa de Jack Daniels, no tempo que ele era apenas um pedaço de filme ou uma página de livro, tinha pouco ou nada de erótico. Estava mais próximo ao tipo de confronto viril que seduz garotos nas primeiras barbas. Os livros e os filmes viraram memória ou foram infinitamente copiados e recriados por garotos que tentam recuperar para si e os outros aquele romantismo sombrio de caras durões versus garotas espertas.

O Jack Daniels – é grosseiro e excessivamente íntimo chamar apenas de Jack –, embora para sempre ligado aos durões e às espertalhonas, tem seu próprio clima. Ele sobe pelas narinas e desce pela garganta e é como receber o olhar amoroso de uma mulher difícil. É forte e reconfortante, quando honesto, e isso, infelizmente, tem ficado cada vez mais raro neste país de farsantes. Com o tempo, é possível perdoar aos scotchs todo aquele refinamento e variedade, uma gama de cores e gostos que parece um bando de bailarinas deslumbrantes em torno de um senhor que se embebeda austeramente. Supostos especialistas – de barmen a jornalistas – não cessam de gritar que Jack Daniels não é bourbon. E daí? Quem admira I.W. Harper ou Wild Turkey sabe que, no gosto, senão na química de sua produção ou solo de nascimento. São parentes próximos. A diferença é que o Jack Daniels está atravessado de uma atmosfera urbana, e os outros são ressonâncias de noites entre cavalos e vagalumes – os caminhões passam como os trens, ao longe. Mas diferente do scotch, que convive bem com pianos rápidos e bares bem iluminados, o Jack Daniels tem uma invencível vocação para o blues ou o piano de Lennie Tristano e Thelonious Monk. Ele é que deve ter destilado em livros e filmes a atmosfera noir, o romantismo deste século, e não o contrário.

Apesar de toda a atmosfera, fico com a impressão de velhas escrivaninhas. Ela garantiu a felicidade. E foi do gosto, em estado puro, que surgiu a adesão. Fala-se em bebida de gosto, como o vinho, e de efeito, como o uísque. Jack Daniels, para mim, é esse gosto. Mas, evidentemente, ainda sobra um pouco do clima que o antecedeu, porque ninguém abandona a adolescência sem continuar carregando uma boa quantidade de suas malas. Mas isto não tem perturbado o gosto. Que é o que fica.

* José Onofre Krob Jardim estava com 66 anos quando faleceu, em Porto  Alegre, em 2009.
Foi um dos mais brilhantes jornalistas gaúchos. Trabalhou na Zero Hora, Estadão e Carta Capital. Um livro publicado - Sobras de Guerra. Era amigão de Paulo Francis.
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Um comentário:

  1. Previdi. Se era o preferido do Frank Sinatra, quem sou eu para contraria-lo ...De-lhe Jack Daniels

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